Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Jurisprudência da Relação Cível
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 - ACRL de 12-10-2023   Existência de união de facto. Atribuição da casa de morada de família - artigos 1793.º do C.C e 990.º do C.P.C.
«1. Tratando-se de uma verdadeira acção do réu que se entrecruza com aquela que contra si foi proposta pelo autor, o regime da reconvenção há-de ser idêntico ao de qualquer acção;
2. Apresentando estrutura idêntica à da petição inicial, e idênticos requisitos, os vícios que importam a sua nulidade e a consequente absolvição da instância do reconvindo, também são aqueles que geram a ineptidão da petição inicial.
3. Resultando da mera leitura do articulado de reconvenção que nele não vem formulado qualquer pedido, desde logo se há-de considerar estar-se perante uma reconvenção inepta e, assim, perante uma nulidade insuprível, que constitui excepção dilatória que determina, mesmo oficiosamente, a absolvição do Réu da instância.
4. Sendo a reconvenção inepta e portanto ferida de nulidade insanável, a mesma não é susceptível de despacho de aperfeiçoamento;
5. Para que se possa assegurar a existência de união de facto, necessário é, que exista uma relação de comunhão conjugal manifestada exteriormente por diversos sinais, com especial destaque para a comunhão de habitação, de leito e de mesa;
6. Em acção em que a A. peticiona do R. o reconhecimento por parte do R. do direito de usufruto da Autora sobre o imóvel que este ocupa e a restitui-lo, livre de pessoas e bens pessoais do Réu e nas exactas condições em que se encontrava aquando da ocupação do mesmo, o R. que não é titular desse direito, apenas poderia ver-lhe atribuída a casa de morada de família lançando mão do mecanismo legal próprio e adequado a tal fim, que encontra o seu regime substantivo no artº 1793º CCivil e se mostra adjectivado no art. 990º CPCivil.
7. O legislador restringiu a sanção pecuniária compulsória às obrigações de carácter pessoal pelo que a obrigação a que se aplica este instituto terá de ter um carácter intuitus personae, ou seja, que só pode ser realizada pelo próprio devedor sem que possa realizada de outra forma nem recorrendo a outro meio processual.»
Proc. 5878/19.1T8LRS.L1 8ª Secção
Desembargadores:  Ana Paula Nunes Duarte Olivença - Rui Manuel Pinheiro Oliveira - -
Sumário elaborado por Gabriela Coelho
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Processo nº5878/19.1T8LRS.L1
Tribunal da Relação de Lisboa
8ª Secção Cível
Sumário (elaborado pela relatora - art. 663º, nº 7, do Código de Processo Civil):
«1. Tratando-se de uma verdadeira acção do réu que se entrecruza com aquela que contra si foi proposta pelo autor, o regime da reconvenção há-de ser idêntico ao de qualquer acção;
2. Apresentando estrutura idêntica à da petição inicial, e idênticos requisitos, os vícios que importam a sua nulidade e a consequente absolvição da instância do reconvindo, também são aqueles que geram a ineptidão da petição inicial.
3. Resultando da mera leitura do articulado de reconvenção que nele não vem formulado qualquer pedido, desde logo se há-de considerar estar-se perante uma reconvenção inepta e, assim, perante uma nulidade insuprível, que constitui excepção dilatória que determina, mesmo oficiosamente, a absolvição do Réu da instância.
4. Sendo a reconvenção inepta e portanto ferida de nulidade insanável, a mesma não é susceptível de despacho de aperfeiçoamento;
5. Para que se possa assegurar a existência de união de facto, necessário é, que exista uma relação de comunhão conjugal manifestada exteriormente por diversos sinais, com especial destaque para a comunhão de habitação, de leito e de mesa;
6. Em acção em que a A. peticiona do R. o reconhecimento por parte do R. do direito de usufruto da Autora sobre o imóvel que este ocupa e a restitui-lo, livre de pessoas e bens pessoais do Réu e nas exactas condições em que se encontrava aquando da ocupação do mesmo, o R. que não é titular desse direito, apenas poderia ver-lhe atribuída a casa de morada de família lançando mão do mecanismo legal próprio e adequado a tal fim, que encontra o seu regime substantivo no artº 1793º CCivil e se mostra adjectivado no art. 990º CPCivil.
7. O legislador restringiu a sanção pecuniária compulsória às obrigações de carácter pessoal pelo que a obrigação a que se aplica este instituto terá de ter um carácter intuitus personae, ou seja, que só pode ser realizada pelo próprio devedor sem que possa realizada de outra forma nem recorrendo a outro meio processual.»
Acordam os Juízes da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:
I. Relatório
A, titular do Cartão de Cidadão com o nº .., contribuinte fiscal nº .., residente … vem nos termos do disposto no nº 1 do art.1311º por remissão do art.1315º ambos do Código Civil propor
Acção de condenação com processo comum contra,
B, titular do Cartão de Cidadão nº …contribuinte fiscal nº …, residente …., pedindo, seja o Réu condenado a:
a) Reconhecer o direito de usufruto da Autora sobre o prédio urbano sito …,
b) Restituir à Autora o prédio que ocupa, livre de pessoas e bens pessoais do Réu e nas exactas condições em que se encontrava aquando da ocupação do mesmo.
c) A pagar à Autora a quantia de 600€, a titulo de indemnização por cada mês de ocupação abusiva, contados desde a sua citação até a entrega efectiva do prédio.
d) Ao pagamento das despesas que resultarem do presente processo, incluindo taxas de justiça e honorários ao mandatário judicial, cujo montante se relega para a execução da sentença.
Para tanto alega, em síntese, que na sequência de relação amorosa que manteve com o R. ao longo de vários anos da qual nasceram dois filhos, em Agosto de 2002, o R. passou a residir na sua casa. Acontece, porém que, devido a problemas ocorridos entre ambos, a A. viu-se forçada a sair de casa em meados de Julho de 2017 uma vez que o R. se recusava a sair da casa onde vivia com a A., da qual esta é usufrutuária e os filhos são os nus proprietários.
O R. permanece na casa, nela habitando gratuitamente, recusando-se a sair e obstando a que a A. exerça plenamente o direito de usufruto que tem sobre o imóvel ou que dele extraia rentabilização económica, sendo que com o seu arrendamento, atentas as características do imóvel, a A. auferiria quantia mensal não inferior a € 600,00.
Em sede de audiência prévia a A. requereu ainda a condenação do R. na sanção pecuniária compulsória não inferior a € 150,00 diários por cada dia decorrido até à efectiva entrega do imóvel, e a condenação do R. como litigante de má fé em indemnização de € 1.500,00 (incluindo honorários).

Devidamente citado, o Réu apresentou contestação, deduzindo reconvenção.
Por excepção alega que A. e R. viveram em união de facto durante pelo menos 14 ano tendo da união nascido dois filhos.
A A. abandonou o lar conjugal mercê de um outro relacionamento, continuando o R. a viver na casa objecto dos autos, na qual até à data de hoje, mantém a sua residência, recebe a sua correspondência, os seus familiares e amigos, e onde também a filha, desde a data da separação dos pais, visita o pai.
Por A. e R., na data da separação, ou seja, em meados de 2017, e, não obstante, não ter sido reduzido a escrito, foi estabelecido acordo de dissolução da união de facto, tendo ficado estabelecido que a casa de morada de família ficaria atribuída ao réu, gratuitamente.
Alega a ilegitimidade da A. para a acção porquanto a mesma é mera usufrutuária do imóvel, estando a propriedade inscrita a favor dos filhos de ambos.
Excepciona, de igual modo, a competência do tribunal, e o meio processual alegando que está em causa a atribuição de casa morada de família e não a reivindicação da propriedade.
Em reconvenção alega ter levado a efeito no imóvel benfeitorias, reivindicando o seu valor em sede de alegações e o direito de retenção sobre o imóvel, até à data da quantificação do valor das benfeitorias que lhe são devidas, não tendo, porém, a final, concluído com a formulação de qualquer pedido reconvencional apenas concluído pela absolvição do pedido.

Pela A. foi apresentada réplica, por via da qual respondeu às excepções e pugnou pela inadmissibilidade da reconvenção por violação do disposto no art.583º, nº2, do CPCivil ou, assim não se considerando pela improcedência do pedido reconvencional por inepto ou por inexistência de benfeitorias lícitas susceptíveis de permitir qualquer ressarcimento indemnizatório.

Foi convocada audiência prévia no âmbito da qual e nos termos constantes da acta, se debateram «em moldes que ficam exclusivamente gravados, as razões pelas quais o Tribunal entende estarem os autos dotados dos elementos necessários á decisão da causa, sem prejuízo de se dar oportunidade á Ilustre Mandatária do reu de se pronunciar quanto à ineptidão do pedido reconvencional que foi arguida. Concomitantemente concede-se o mesmo prazo a ambas as partes, a coberto do disposto do artº 3 nº 3 do C.P.C, para alegarem o que tiverem por conveniente considerando
os motivos que lhes foram dados a conhecer como fundamentadores da possibilidade da decisão de imediato.»

Decorridos os prazos concedidos veio, então, a ser proferido despacho saneador tendo-se julgado improcedente a excepção de incompetência do tribunal em razão da matéria, julgado, de igual modo, improcedente a excepção de ilegitimidade activa da Autora e tendo-se decidido pela procedência da excepção de ineptidão da reconvenção, com a consequente absolvição da A. da instância.

Considerando que os autos já continham os necessários elementos de facto e de direito para conhecimento do mérito do pedido veio, então, prolatar-se decisão final de cujo dispositivo consta:
«DECISÃO
Nestes termos e pelos fundamentos supra expostos, o Tribunal julga a acção procedente e, em consequência, condena o R. :
a) a reconhecer o direito de usufruto da Autora sobre o prédio urbano sito …, descrito na Conservatória do Registo Predial de ….,
b) a restituir à Autora esse prédio livre de pessoas e bens e nas condições em que se encontrava em meados de 2017,
c) a pagar à Autora, a titulo de indemnização, a quantia de € 600,00 por cada mês de ocupação abusiva desde a citação até à entrega efectiva do prédio, perfazendo à presente data a quantia de € 19.800,00,
d) na sanção pecuniária compulsória de € 60,00 por cada dia de atraso no cumprimento voluntário da presente decisão após o trânsito da mesma,
e) por litigância de má fé, em multa de 10 UC`s e em indemnização a favor da A. no montante de € 1.500,00.
Custas pelo R., sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.»

Não se conformando com o teor da decisão, veio o Réu interpor recurso alinhando as seguintes conclusões:
« I
A Decisão final de mérito proferida em Saneador-Sentença, ainda que com a realização de audiência prévia, não assegurou inteiramente o direito ao contraditório e legitimo interesse do recorrente se pronunciar através da produção de prova sobre as questões que invocou nos autos.
II
O recorrente considera e defende que o estado dos autos não permitia que fosse proferido Despacho Saneador Sentença conforme dispõe a al.b) do nº1 do artigo 595º do Código Processo Civil.
III
Existindo nos autos factos controvertidos, exigia-se e esperava-se a necessária produção de prova em audiência e discussão de julgamento, impondo-se ao Tribunal recorrido a prolação do despacho de identificação do objeto do litígio e da enunciação dos temas da prova nos termos do artigo 596.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, seguindo-se os ulteriores termos do processo.
IV
Entende-se que a decisão proferida sobre a matéria de facto, apurada sem a necessária produção de prova é insuficiente para a decisão proferida, concretamente a declaração de improcedência d o pedido reconvencional e da união de facto entre o réu e a autora, bem como da demais matéria dada como provada no Saneador Sentença e que permitiu a condenação do recorrente nos termos aí constantes.
V
Deveria o Tribunal recorrido ter procedido á realização da audiência de julgamento para a necessária produção de prova.
VI
O recorrente entende que o Tribunal a quo errou ao determinar a improcedência, por ineptidão, da reconvenção, uma vez que o pedido reconvencional do réu surge na defesa que apresentou ao pedido da Autora, que deveria ter sido admitido, questão diversa é a procedência ou improcedência do pedido reconvencional.
VII
Estando o pedido reconvencional relacionado com obras/benfeitorias realizadas no imóvel e o seu direito á compensação e tendo a autora admitido na resposta á reconvenção, a realização de obras por parte do réu, não se compreende a improcedência do pedido reconvencional, que ao não ser admitido configura enriquecimento sem causa por parte da A.
VIII
Não tão pouco procedeu o Tribunal recorrido ao convite ao aperfeiçoamento da reconvenção, como deveria nos termos do art.5º/1 do CPC.
IX
É entendimento da doutrina e jurisprudência que a reconvenção se deve aproveitar se o juiz percebeu o que se pretende (o que aconteceu, como resulta da audiência prévia em que a Mª Juiz sugere que pode o R. intentar novamente o pedido em acção autónoma), e por outro lado, com a decisão da causa em Despacho Saneador ficou o R. impedido de produzir prova, nomeadamente, a testemunhal e/ou pericial que muito acrescentaria ao pedido reconvencional deduzido.
X
O Douto Tribunal recorrido não aceitou qualificar a relação existente entre o réu e a autora como união de facto referindo que o recorrente não alegou quaisquer factos concretos integradores da plena comunhão de vida a que se reporta a união de facto.
XI
O recorrente não pode aceitar este entendimento, já que alegou ter vivido com a autora numa situação análoga á dos conjugues por um período superior a 14 anos, a relação iniciou-se em agosto de 2022, A. e R. tiveram dois filhos em comum, e viveram sempre juntos em família até meados de 2017, quando a autora saiu de casa.
XII
Sendo certo que quando o recorrente foi viver para junto da autora, ainda era casado com C,este casamento foi dissolvido em dezembro de 2010, e desde essa data até 2017 , A. e R. continuaram a viver juntos em condições análogas às dos cônjuges, por mais de dois anos.
XIII
A união de facto existente entre a A. e o R. é um facto controvertido sobre o qual era necessária a produção probatória e é um facto que não se mostra consolidado nos autos, pelo que, não é possível afirmar que, fosse qual fosse a prova, a ação seria procedente. Aliás, a Sentença ao referir existirem nos autos indícios da união de facto entre A. e R., contribui para a alegação do recorrente que era necessária a adicional produção de prova, nomeadamente a testemunhal, a ocorrer em de audiência e discussão de julgamento.
XIV
O Tribunal não podia conhecer do mérito da causa, como o fez e no sentido em que o fez, uma vez que havia necessidade de produzir prova, tendo assim sido violado o art. 456º Cód. Proc. Civil.
XV
A Sentença recorrida dá como provado no facto 12 que o prédio urbano em causa é suscetível de ser dado de arrendamento por quantia não inferior a €600,00 atenta a área global do prédio, o seu estado de conservação e os valores do mercado de arrendamento praticado na zona em que o mesmo se situa.
XVI
O recorrente entende que, para além da alegação do valor pela A. não foi feita nos autos qualquer prova pericial, isenta e credível que efetivamente o valor de €600,00 corresponde ao valor de mercado de arrendamento praticado na zona em que o mesmo se situa.
XVII
Considerando que este valor serviu para cálculo de indemnização e a uma condenação, devia estar fundamentado e provado, o que, no não resulta dos autos.
XVIII
Pelo que, o facto provado 12 deve ser dado como não provado, por não ter sido produzida prova nesse sentido e como tal, não se pode concluir que a existir o direito da A. receber do R. qualquer compensação ou indemnização tal valor corresponda à quantia em que foi condenado de €19.800,00.
XIX
A Sentença recorrida condena o réu no pagamento da sanção pecuniária compulsória de €60,00 por cada dia de atraso no cumprimento voluntário da presente decisão após o trânsito da mesma.
XX
Alega o recorrente não estarem reunidos os requisitos da aplicação da sanção pecuniária compulsória tal como previstos no Artº. 829º-A do C.Civil, já que esta está diretamente relacionada com a verificação e prova da conduta ilícita do réu/recorrente no pleno exercício do direito da A. de gozo, uso e fruição do imóvel, que não se provou.
XXI
De igual modo, não está provado nos autos a conduta de litigante de má fé por parte do recorrente, que foi condenado em multa de 10UC’s e em indemnização a favor da A. no montante de €1.500,00.
XXII
Dos 12 factos dados como provados na Sentença recorrida, nenhum se reporta à litigância de má fé ou dá como provado qualquer comportamento que integre o instituto da condenação por litigância de má fé.
XXIII
A Douta Sentença sob recurso errou ao condenar o apelante como litigante de má fé, sendo que as alíneas a) e b) no nº 2 do art. 542 CPC, que in casu a decisão sob recurso considera preenchidas, se reportam à chamada má fé material/substancial.
XXIV
Não existem, nos autos, salvo o devido respeito por opinião contrária, factos demonstrativos do tal comportamento doloso ou gravemente negligente do réu/recorrente com vista a conseguir um objetivo ilegal, a impedir a descoberta da verdade, ou a entorpecer a ação da justiça.
XXV
O recorrente considera violado, por manifesto erro de interpretação e integração, e até omissão da matéria de facto constante dos autos e nomeadamente as normas contidas nos artigos 5º nº1, 6º nº2, 266º nº1 e 2 al.a) e b) ,445º,456º,542º,576 nº2,578º,590º nº2 al.a) e/ou b) e nº3 e 4, 596º nº1 e 829-A ,todos do Código Processo Civil), o Art.1º nº2 da Lei 7/2001 e o disposto artigo 20º da CRP, pelo que deve ser revogada a sentença e substituída por outra que ordene o prosseguimento dos autos para a produção de prova em sede de Audiência de Julgamento.
Termos em que, e no mais que V.Excelências mui doutamente se dignarão suprir, deve ser dado provimento ao presente recurso, devendo ser proferido Douto Acórdão que revogue a Sentença recorrida, substituída por outra, que ordene o prosseguimento dos autos para a produção de prova em sede de audiência de Julgamento, com todas as consequências legais. Assim farão Vs.
Exas. JUSTIÇA.»

Pela apelada foram apresentadas contra-alegações, concluindo como segue:
«CONCLUSÕES:
1. Pelo Tribunal a quo foi proferida sentença que condena o Réu a:
a) reconhecer o direito de usufruto da Autora sobre o prédio urbano sito …,
b) restituir à Autora esse prédio livre de pessoas e bens e nas condições em que se encontrava em meados de 2017,
c) pagar à Autora, a título de indemnização, a quantia de € 600,00 por cada mês de ocupação abusiva desde a citação até à entrega efetiva do prédio, perfazendo à presente data a quantia de € 19.800,00,
d) na sanção pecuniária compulsória de € 60,00 por cada dia de atraso no cumprimento voluntário da presente decisão após o trânsito da mesma,
e) por litigância de má fé, em multa de 10 UC`s e em indemnização a favor da A. no montante de € 1.500,00
2. Inconformada com a douta decisão, dela recorre o Réu, concluindo pela revogação da sentença proferida e sua substituição por outro que ordene o prosseguimento dos autos para a produção de prova em sede de audiência.
3. Salvo melhor entendimento, não assiste razão ao recorrente.
4. Na verdade, não se vislumbra fundamento para a pretendida alteração, pelo que, deverá a mesma ser rejeitada.
5. No que concerne à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, foi recusado pelo legislador, opções que possibilitassem a dedução de impugnações genéricas, sendo por tal exigível, para além da indicação dos concretos pontos de facto que pretende ver modificados, a indicação precisa dos meios de prova que, na tese do recorrente, foram incorrectamente apreciados.
6. Foi consignado pelo artigo 640º do CPC, que a impugnação da decisão sobre matéria de facto pressupõe a verificação cumulativa de condições que não foram cumpridas.
7. Nas conclusões da alegação, na parte respeitante à decisão da matéria de facto, o apelante praticamente se limitou a manifestar a sua discordância relativamente à matéria factual dada como provada.
8. Sendo o apelante parco na fundamentação, tendo nas conclusões praticamente limitando-se a reproduzir o pouco que anteriormente alegara e pretendendo impugnar a decisão da matéria de facto que, em seu entender, foram incorretamente julgados, deveria o apelante ter especificado concretamente os mesmos.
9. A mera alegação de que não foi feita a adequada ponderação dos factos e que não foi feita a correta interpretação da prova não é suficiente.
10. Este é o resultado apresentado para contrariar aquilo que a M.º Juiz a quo, depois de analisar toda a prova junta, deixou expresso nos autos, mediante uma nítida delimitação dos factos que considerava provados e não provados, seguidos de uma exaustiva e profunda apreciação crítica das provas.
11. Na impugnação não se concretiza minimamente onde terá errado o tribunal na apreciação dos meios de prova, nem se justifica de que modo a prova que supostamente iria ser produzida em sede de julgamento, deveriam determinar a modificação dos de pontos de facto e quais.
12. Nestas circunstâncias o efeito que deverá ser extraído é a rejeição desta parte da apelação, pois efetivamente, não é admissível que o recorrente solicite a modificação da decisão da matéria de facto sem a indicação precisa dos fundamentos que a isso conduziam.
13. Por conseguinte, ao abrigo do disposto no artigo 640º, nº 1 e 2 do CPC, deverá ser rejeitado o recurso na parte correspondente à impugnação da decisão da matéria de facto, considerando-se, assim, provados todos os factos inscritos na sentença.
14. É inquestionável que o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem – cf. art. 3.º, n.º 3, do CPC.
15. Este comando é, aliás, uma decorrência do princípio mais abrangente da tutela jurisdicional efetiva contido no art. 20.º da Constituição da República Portuguesa e do direito a um processo equitativo consagrado no art. 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
16. É sabido que a inobservância desse princípio pode gerar nulidade processual, nos termos do art. 195.º, n.º 1, do CPC (“quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa”), a qual, quando coberta por decisão judicial, poderá implicar a própria nulidade dessa decisão, a arguir no respetivo recurso.
17. Nos presentes autos, a primeira questão que se coloca é saber se conhecer do mérito da causa, nos termos em que o fez o Tribunal recorrido, violou entre outros o princípio do contraditório, do ónus de alegação das partes, do dever de gestão processual e do direito a produção de provas.
18. Note-se que, precisamente com o propósito de facultar às partes a discussão de facto e de direito ante a expressa indicação dada pelo tribunal a quo da sua intenção de conhecer do mérito da causa, foi convocada e realizou-se audiência prévia, foi dado prazo para as partes se pronunciarem e tendo, de seguida, o tribunal proferido o saneador-sentença (recorrido) sem que aí tivesse conhecido de qualquer questão com que as partes não pudessem contar.
19. Em face da clareza do despacho que convocou a audiência prévia e a forma como esta decorreu, podendo ser ouvida a respetiva gravação, por este Tribunal da Relação, incluindo o despacho aí proferido, tudo em conformidade com os citados normativos legais, é manifesto que o apelante
foi oportunamente informado de que o Tribunal tencionava conhecer do mérito da causa, incluindo quanto ao pedido reconvencional, e teve oportunidade de se pronunciar a esse respeito, pelo que não estamos perante
uma decisão surpresa, proferida com ofensa do princípio do contraditório - cf. art. 3.º, n.º 3, do CPC.
20. Assim, sem necessidade de mais considerações, dever-se-á concluir que não foi praticada uma nulidade processual por violação dos princípios invocados, não foi negado o direito à justiça, nem tão somente restringidos quaisquer direitos do apelante pelo facto de o Tribunal a quo, não necessitar de mais elementos para a tomada da sua decisão.
21. Nos termos do disposto no art. 583, nº 2 CPC “O reconvinte deve ainda declarar o valor da reconvenção; se o não fizer, a contestação não deixa de ser recebida, mas o reconvinte é convidado a indicar o valor, sob pena de a reconvenção não ser atendida”.
22. Em violação do referido dispositivo legal, o apelante não atribuiu valor à reconvenção, nem indicou concretamente qual a sua causa de pedir e como se demonstrou nos autos deveria sempre falecer a reconvenção sub judice.
23. Nestes autos o apelante não concretizou uma única obra / benfeitoria que pretensamente tenha realizado na casa, nem o seu custo; Não obstante alegar que “com a ajuda do seu pai diligenciou, promoveu, contratou e pagou a maioria de toda a reconstrução e ampliação do imóvel”
24. Inexistindo uma causa de pedir e concomitantemente um pedido não poderá verificar-se outra consequência que não seja a ineptidão do pedido reconvencional nos termos do artigo 186º, nº 2 alínea b) do CPC.
25. A Lei n.º 7/2001, de 11 de maio, vem regular a união de facto enquanto situação jurídica de duas pessoas que, independentemente do sexo, vivam em condições análogas às dos cônjuges há mais de dois anos – art.º 1º/2 – e desde que não se verifiquem nenhuma das exceções enunciadas no seu art.º 2.º, que impedem a atribuição dos efeitos jurídicos que lhe são reconhecidos.
26. Porém, não reconhece a produção de quaisquer efeitos patrimoniais decorrentes dessa comunhão, ao contrário da união conjugal,
em que os cônjuges casados no regime da comunhão de adquiridos participam por metade no ativo e no passivo, sendo nula qualquer convenção em contrário (art.º 1730.º/1 do C. Civil), e se o regime for o da comunhão geral é ainda maior o âmbito dos bens que integram a comunhão (art.º 1732.º C. Civil).
27. A comunhão de vida gerada pela união de facto implica, em regra, a contribuição de ambos os membros, com rendimentos do seu trabalho, para as despesas do lar e aquisição de bens, como é o caso de aquisição da casa para nela instalar a casa de morada de família.
28. Estipula o nº 2 da lei supracitada, que impedem a atribuição de direitos ou benefícios, em vida ou por morte, fundados ma união de facto, a existência de um casamento não dissolvido, exceto se tiver sido decretada a separação de pessoas e bens.
29. Como foi provado com documentos a autora e o réu viveram um relacionamento que nunca poderia ser qualificado como uma união de facto,
em virtude de este ser casado durante quase a totalidade do relacionamento;
nunca ter contribuído para uma vivência como casal ou até sustentado os seus filhos.
30. Por imposição decorrente da conjugação do preceituado na al. b) o nº1 do art. 8º da Lei nº 7/2001 com o disposto no nº2 do mesmo art., quando um dos unidos (de facto) pretenda exercer direitos dependentes da dissolução da união de facto prevista em tal alínea, tem, conjuntamente com a correspondente pretensão, de pedir também a declaração judicial de dissolução da união de facto, a qual, como estatuído no nº3 do mesmo artigo,
tem de ser proferida em tal ação, ou em ação que siga o regime processual das ações de estado.
31. Face ao exposto na douta sentença e no agora alegado, entendemos que quanto a esta matéria não existe qualquer fundamento por parte do alegante.
32. O facto 12 foi dado como provado através de documentos que atestam a titularidade da propriedade do imóvel e a quem foi atribuído o seu usufruto, documentos esses que não foram impugnados ou contestados pelo apelante.
33. No que diz respeito ao pedido de indemnização pela posse abusiva e sem fundamento de um imóvel que não lhe pertence, questiona o apelante que o valor de 600,00€ a título de indemnização por cada mês de ocupação, carece de fundamentação de direito.
34. A prova do direito de propriedade pode ser feita através da alegação de factos dos quais resulte demonstrada a aquisição originária do domínio, exceto se se verificar a presunção legal da propriedade, resultante da posse ou do registo.
35. Provada a propriedade, a restituição só pode ser recusada nos casos previstos na lei, entre os quais não figura o de o réu ocupar a coisa abusivamente e sem título (art. 1311º, CC).
36. Sobre o autor de uma ação de reivindicação impende apenas o ónus de alegar e provar que é proprietário da coisa que reivindica e que esta se encontra em poder do réu.
37. O réu, por sua vez, se quiser evitar a condenação terá de alegar e provar que a sua detenção é legítima e oponível ao autor.
38. O art. 1305º, do CC confere ao proprietário os direitos de uso e fruição da coisa pelo que, estando o dono impedido de fruir o prédio e não tendo a parte contrária logrado convencer que o detém com base em título válido, oponível ao proprietário, assiste a este o direito de formular o correspondente pedido de indemnização, como forma de reparar os prejuízos decorrentes daquela privação.
39. Do exposto resulta que a privação de uso de imóvel deverá ser objeto de indemnização e nesse sentido esteve muito bem o Tribunal a quo ao condenar o apelante ao pagamento de uma indemnização à Autora pela
ocupação abusiva do imóvel.
40. Prosseguindo-se o mesmo entendimento no que concerne à sanção
pecuniária compulsória, que mais não é do que um fator que visa dissuadir o incumprimento das sentenças.
41. Procura afastar a condenação por litigância de má fé, através do recurso à gravação da audiência, enfermando a confissão proferida pela Ilustre Mandatária do alegante.
42. Ora estipula o artigo 640º do CPC que as gravações só poderão ser usadas se forem indicadas as exatas passagens da gravação as quais deficientemente foram valoradas e que ocasionaram o erro de que se partiu para a impugnação da decisão factual ou apresentar a sua transcrição.
43. Compulsadas as alegações constata-se que tal não aconteceu.
44. O Supremo Tribunal de Justiça já se pronunciou, por diversas vezes, sobre os requisitos a observar pelo recorrente quando o recurso tenha por objeto a reapreciação da prova gravada, e no sentido de que o recurso não deve ser rejeitado sempre que o recorrente indique nas alegações os concretos pontos de facto que pretende ver alterados, o sentido dessa alteração e os concretos meios de prova que impõem a alteração da decisão no sentido pretendido, assim cumprindo o estabelecido no nº1 do preceito em análise.
45. Quanto à indicação exata das passagens da gravação em que se funda a sua discordância [nº 2, al. a)] tem entendido o Supremo Tribunal de Justiça que não deve adotar-se uma posição excessivamente formal, considerando que é dado cumprimento ao ónus em causa quando o recorrente faça uma indicação que possibilite à Relação o acesso, sem dificuldade, ao excerto da prova visado, designadamente com a transcrição dessas concretas passagens, ainda que omitindo a indicação do respetivo início e termo, por referência à gravação, limitando essa indicação ao início e termo do depoimento.
46. No caso dos presentes autos entende a recorrida que o apelante não cumpre os requisitos do artigo 640º do CPC termos nos quais deverá o mesmo ser improcedente.
47. Face a todo o supra exposto, salvo douto entendimento, é possível afirmar com segurança que a discordância do Apelante, não é mais do que uma mera divergência entre o decidido e o por ele pretendido, devendo manter-se na integra a douta sentença recorrida.
48. Deve manter-se a decisão recorrida nos seus precisos termos, pois desde logo, não se mostra recorrível a decisão sub judice.
Nestes termos e nos melhores de direito, sempre com o douto suprimento de V. Exas., deve ser negado provimento ao presente recurso, e consequentemente, mantida a decisão recorrida.»

O recurso foi admitido.
Mostrando-se cumpridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II. Objeto do recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas suas conclusões, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. arts. 635º, nº 4, 639º, nº 1, e 662º, nº 2, todos do CPCivil) e, não se impõe ao tribunal que aprecie todos os argumentos produzidos nas alegações e conclusões e é livre na interpretação e aplicação do direito (cf. art.º 5º, nº3 do mesmo Código).

São as seguintes as questões a decidir:
a) Da excepção dilatória de nulidade de todo o processado relativo à reconvenção, por procedência da excepção dilatória de ineptidão.
b) Da necessidade de produção de prova para apuramento da relação de união de facto entre A. e R. e para apuramento, do facto da como provado sob o nº 12, condição sine qua non do conhecimento de mérito da causa;
d) Da condenação em sanção pecuniária compulsória;
e) Da má fé.

III. Fundamentação de Facto
Em primeira instância foram considerados provados os seguintes factos:
1 - Autora e Réu tiveram uma relação ao longo de vários anos.
2 – Dessa relação nasceram dois filhos,
3 – (…) D nasceu em -/-/1999, filho do ora R., no estado de casado, e da ora A., no estado de solteira,
4 – (…) e E nasceu em -/-/2006, filha do ora R., no estado de casado, e da ora A., no estado de solteira.
5 - Em -/-/1996 o ora R. casou com C, casamento que foi dissolvido por divórcio decretado por sentença transitada em julgado em -/-/2010.
6 - Em Agosto de 2002 o R. foi viver para a casa da A..
7 - Por contrato de compra e venda de 06/10/2010, celebrado no balcão casa pronta da Conservatória do Registo Predial de …, F, avó da A., vendeu a esta o usufruto e vendeu a nua propriedade aos então menores D e E (representados no acto por seus pais, ora A. e R.) do prédio urbano descrito na CRPredial de …. da mesma freguesia, encontrando-se registadas na respectiva CRPredial, por apresentações daquela mesma data, aquelas aquisições do usufruto e da nua propriedade.
8 - A relação de A. e R. era conturbada.
9 - E por isso em meados de 2017 a A. saiu de casa com a filha de ambos, às quais depois se juntou o filho D.
10 - Essa casa é o prédio urbano sito na …., composto por cinco divisões, inscrito na matriz urbana da freguesia de …. e descrito na competente Conservatória do Registo Predial de …
11 - O R. permaneceu nessa casa e aí mantém até hoje a sua residência, gratuitamente.
12 - O prédio urbano em causa é susceptível de ser dado de arrendamento por quantia não inferior a € 600,00 atenta a área global do prédio, o seu estado de conservação e os valores do mercado de arrendamento praticados na zona em que o mesmo se situa.


III. Fundamentação de Direito
a) Da Ineptidão da Reconvenção, geradora da nulidade de todo o processado relativamente à mesma:
A A. arguiu a ineptidão da reconvenção com fundamento em falta de causa de pedir e assinalou ainda não ter o R. indicado valor à reconvenção.
Em sede de alegações sustenta desde logo o Réu que o tribunal recorrido deveria ter formulado o convite ao aperfeiçoamento da reconvenção sob pena de violação ou subversão do princípio do dispositivo previsto no art-º5º nº1 do CPCivil
Mais diz que, a defesa da A. em face da reconvenção diz respeito à procedência ou improcedência da reconvenção.
Vejamos se lhe assiste razão.
O tribunal decidiu relativamente a esta questão:
« A A. arguiu a ineptidão da reconvenção com fundamento em falta de causa de pedir e assinalou ainda não ter o R. indicado valor à reconvenção.
O R. exerceu o contraditório defendendo, em suma, que a arguição da A. não importa a ineptidão respeitando, outrossim, à procedência ou improcedência da reconvenção.
Conhecendo:
Preliminarmente dir-se-á que tendo o R. enunciado uma reconvenção cujo pedido, porém, não formulou, o Tribunal não o convidou simplesmente a indicar o respectivo valor (cfr. artº 583º nº 2 CPC) por em termos lógicos e processuais ser inviável o convite para indicar o valor de um pedido não formulado.
Acerca da reconvenção dispõe o artº 266º nº 1 do CPC que o R. pode deduzir pedidos contra o A., dispondo o nº 2, por seu turno, que a reconvenção é admissível quando (a) o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção ou à defesa, (b) o réu se propõe tornar efectivo o direito a benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja entrega lhe é pedida, (c) o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor, (d) o pedido do réu tende a conseguir, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter.
Verifica-se, portanto, que a reconvenção configura uma acção cruzada ou contra-acção do R. contra o A., a qual se encontra sujeita à disciplina própria da petição e por conseguinte às exigências de alegação dos concretos factos que constituem a causa de pedir, à invocação das razões de direito que lhe servem de fundamento, e á formulação do correspondente pedido (cfr. disposições conjugadas dos artºs 583º nº 1 e 552º nº 1 als. d) e e) do CPC).
No caso o R., apesar de ter enunciado uma reconvenção, não formulou qualquer pedido, não submeteu nenhum pedido à apreciação e decisão do Tribunal, certo que o Tribunal se encontra limitado pelo princípio do pedido (cfr. artº 3º nº 1 CPC) não podendo condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir (cfr. artº 609º nº 1 CPC). E por isso a reconvenção – tal como a acção – a que falte a indicação do pedido é inaproveitável, sendo a sanção processual para a ausência de pedido a ineptidão (cfr. artº 186º nº 2 al. a) CPC), recordando-se que a omissão de pedido ou mesmo só a sua incompletude ou imperfeição são insusceptíveis de aperfeiçoamento, pois este encontra-se exclusivamente vocacionado para o suprimento de insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto (cfr. artº 590º nº 4 CPC).
Mas mais. O capítulo dedicado à reconvenção patenteia a extensa ausência do seu substracto factual e da sua contextualização, vector que a A. apontou ao imputar-lhe o vício de ineptidão. Efectivamente, estamos reconduzidos apenas à alegação vaga, conclusiva e indefinida, por vezes até contraditória, de que “(…) após a escritura [pela qual a A. adquiriu o usufruto do imóvel e os filhos a nua propriedade] a autora e o réu enquanto casal, decidiram reconstruir e ampliar todo o imóvel e ali implantaram uma área de construção de aproximadamente 300,00m2. Tudo de novo, com os melhores materiais de construção, e construído pelos melhores profissionais na área da construção civil. E porque o pai do réu tinha muita experiência e contactos na área da construção civil, e foi o réu com a ajuda do seu pai que diligenciou, promoveu, contratou e pagou a grande maioria de toda a reconstrução e ampliação do imóvel” (cfr. artºs 30º a 32º da contestação). Essa alegação evidencia que o R. se reporta a obras pretéritas, alegadamente por ele mandadas executar e por ele pagas, por conseguinte estando em causa factos pessoais do inevitável conhecimento do R., inexistindo qualquer razão lógica e jurídica para que o mesmo não tenha alegado cabalmente os factos estruturantes do que disse ser a reconvenção. E como se vê do que transcrevemos não há a alegação de um único facto concreto e circunstanciado. Que obras concretamente foram realizadas, que se traduziram nas alegadas benfeitorias? Foram realizadas pela A. e R. enquanto casal, ou afinal apenas pelo R.? O R. pagou a grande maioria de toda a reconstrução e ampliação : em que é que se traduz essa grande maioria? O R. pagou quanto? A quem? Por que concretos serviços? Quando?
Ora, nos termos das disposições conjugadas dos já mencionados artºs 583º nº 1 e 552º nº 1 als. d) e e) do CPC, sobre o R. recai o ónus de na reconvenção alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir que lhe serve de fundamento e deve concluir pelo respectivo pedido. E o que se constata é a ausência de alegação de factos concretos sustentadores de qualquer pretensão do R. contra a A., desconhecendo-se, aliás, qual pudesse ser essa pretensão pois não se encontra expressa num pedido. E nisso radica a falta de causa de pedir, pois esta consiste na alegação de uma factualidade concreta que consubstancia o facto jurídico de que se faz proceder o efeito pretendido; assim como de falta de pedido, pois o R. não enuncia uma concreta pretensão. Não sendo despiciendo este último aspecto, pois é o enunciado da pretensão que permite aferir da compatibilidade/adequação entre o pedido e a causa de pedir, que quando inexiste é também, por si mesma, causa geradora de ineptidão (cfr. artº186º nº 2 al. b) CPC). A causa de pedir reveste-se de particular importância, tratando-se de uma categoria processual com função de garantia postulada pelos princípios constitucionais do processo equitativo e da tutela efectiva do direito, proclamados no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa, tanto sob o ponto de vista de quem demanda – para que possa confinar ao seu interesse concreto o âmbito preciso da tutela judicial pretendida – como na perspectiva do demandado – para que possa organizar a sua defesa de forma esclarecida e sustentada – ou ainda sob o prisma do interesse público, de modo a delimitar o alcance objectivo do caso julgado, evitando assim a repetição de causas.
Na verdade, a causa de pedir, como factor delimitativo que é da pretensão, tanto exerce no processo a que respeita uma função na configuração do objecto da causa, como exerce uma função extraprocessual de definição objectiva do julgado. Não podemos olvidar que o direito à jurisdição, genérica e abstractamente proclamado e garantido no artigo 20º nº 1 da Constituição da República, se realiza mediante o exercício do direito de acção concretamente adequado a reconhecer em juízo o singular direito subjectivo ou o interesse legalmente protegido que se pretende fazer valer, a prevenir ou reparar a sua violação ou a realizá-lo coercivamente, como fluí do artigo 2º do CPC. Por isso o exercício do direito de acção requer a verificação de requisitos formais quanto aos respectivos sujeitos e objecto - designados por pressupostos processuais relativos à acção - cuja falta obsta ao conhecimento de mérito, determinando a absolvição do demandado da instância. E, como é sabido, o objecto da acção consubstancia-se numa pretensão processualizada integrada pelo pedido e pela causa de pedir, sendo por isso que nas alíneas d) e e) do nº 1 do artigo 552º do CPC se exige que o autor na petição inicial exponha os factos e as razões de direito e formule o pedido, o que é extensível ao R. reconvinte por força do já citado artº 583º nº 1 CPC. Por estas ordens de razões a reconvenção apresentada não é idónea para uma apreciação de mérito, sendo à luz do artigo 186º nºs 1 e 2 alínea a) do CPC inepta. Deste modo, se conclui pela procedência da excepção de ineptidão da reconvenção arguida pela A., a qual determina a absolvição desta da instância reconvencional nos termos das disposições conjugadas dos artigos 186º, 576º nº 2 e 578º do mesmo diploma.»
É certo e conforme assinala a decisão recorrida que de acordo com as disposições conjugadas dos arts. 583 e 266 do C.P.Civil, os RR. podem em sede de reconvenção formular pedidos contra os AA. desde que conexos com a acção principal.
À acção proposta pelos AA. enxerta-se, assim, uma outra proposta pelos RR., verificando-se um verdadeiro cruzamento de acções. No entanto, porque da admissão do pedido reconvencional pode resultar uma maior morosidade do processo, este está condicionado pela exigência de requisitos objectivos (artº266 nº 2 ) e processuais (artº266 nº 3).
Assim, o R. pode reconvir quando «a) Quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção ou à defesa; b) Quando o réu se propõe tornar efectivo o direito a benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja entrega lhe é pedida; c) Quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor; d) Quando o pedido do réu tende a conseguir, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter.»
Tendo o tribunal de conhecer da matéria do litígio (quer da pretensão deduzida pelo A. quer da defesa do R.), justo é que as pretensões do R. fundadas no mesmo facto jurídico que serve de fundamento à acção ou à defesa, sejam formuladas no mesmo processo.
A 1ª parte desta al. a) não oferece qualquer dificuldade de interpretação: a reconvenção só é admissível quando o pedido reconvencional tenha a mesma causa de pedir, se fundamente no mesmo acto ou facto jurídico concreto que deu causa à acção principal.
A 2ª parte da referida a) tem o sentido de a reconvenção ser admissível, quando o R. invoque como meio de defesa qualquer acto ou facto jurídico que tenha por efeito reduzir, modificar ou extinguir o direito que o A. se arroga.
Na alínea b) prevê-se o direito a benfeitorias ou despesas feitas com a coisa cuja entrega é peticionada.
Na alínea c) visa-se o reconhecimento de um crédito do R., mas baseado na mesma relação jurídica.
Na alínea d) prevê-se a hipótese de o R. pretender em seu favor o mesmo efeito jurídico peticionado pelo A (seja em relação ao reconhecimento de um direito ou à resolução de um contrato).
Tratando-se de uma verdadeira acção do réu que se entrecruza com aquela que contra si foi proposta pelo autor, o regime da reconvenção há-de ser idêntico ao de qualquer acção.
A reconvenção deverá ser deduzida na contestação, de modo separado, discriminado e destacado ou isoladamente se não houver contestação-defesa e com subordinação a artigos como qualquer outro articulado em processo comum devendo conter todos os elementos e indicações constantes das als.c), d) e e) do art.552º, por força do disposto no art.583º, nº1 e 2 do CPCivil. Terá de apresentar, estrutura idêntica à da petição inicial.
É certo não ter o reconvinte indicado o valor da reconvenção, porém, a falta de indicação do valor da reconvenção apenas determinaria, nos termos do disposto no art.583º, nº2, do CPCivil que o tribunal convidasse o reconvinte a indicar o valor com a advertência de que se o não fizesse, tal articulado não será recebido. Não era tal patologia que, só por si, e fosse apenas esse o caso, faria desse logo naufragar o pedido reconvencional sem hipótese de aperfeiçoamento.
Apresentando estrutura idêntica à da petição inicial, e idênticos requisitos, os vícios que importam a sua nulidade e a consequente absolvição da instância do reconvindo, também são aqueles que geram a ineptidão da petição inicial.
Assim, e para além dos elementos substantivos de conexão com o pedido do autor constantes do art.266º, nº2 do CPCivil, o réu ao deduzir a reconvenção terá de preencher todos os requisitos formais ou processuais que a lei demanda.
O pedido traduz-se na pretensão do autor/reconvinte, para a qual demanda em juízo a concessão de uma pretensão judiciária, para isso invocando um direito.
Para que o tribunal possa apreciar a pretensão e dirimir a situação de conflito que determinou o recurso a juízo necessário é, está bem de ver, que o pedido seja formulado.
«O pedido não só confirma ou molda o objecto do processo, como condiciona o conteúdo da decisão de mérito a emitir pelo tribunal competente; isto porque o juiz na sentença, deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, não podendo ocupar-se de outras (art.608º, nº2) e não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir (art.609º, nº1, sob pena de nulidade da decisão por omissão de pronúncia, excesso de pronúncia ou condenação ultra-petitum, respetivamente (art.615º, nº1, alíneas d) e e)).»
In casu o reconvinte não formula qualquer pedido.
«(…) o processo civil é há muito regido pelo princípio dispositivo (sendo manifesto e incontroverso que, apesar de o novo CPC o não enunciar explicitamente nas disposições introdutórias, ele continua a estar subjacente aos regimes estabelecidos em sede de iniciativa e de delimitação do objecto do processo pelas partes, não sendo postergado pelos regimes de maior flexibilidade e de reforço de determinadas vertentes do inquisitório, estabelecidos quanto ao ónus de alegação de factos substantivamente relevantes): é que a iniciativa do processo e a conformação essencial do respectivo objecto incumbem – e continuam inquestionavelmente a incumbir - às partes; pelo que – para além de o processo só se iniciar sob o impulso do autor ou requerente – tem este o ónus de delimitar adequadamente o thema decidendum, formulando o respectivo pedido, ou seja, indicando qual o efeito jurídico, emergente da causa de pedir invocada, que pretende obter e especificando ainda qual o tipo de providência jurisdicional requerida, em função da qual se identifica, desde logo, o tipo de acção proposta ou de incidente ou providência cautelar requerida - definindo ainda o núcleo essencial da causa de pedir em que assenta a pretensão deduzida.» –.
Assim, o pedido delimita o âmbito da decisão final já que como escreve Anselmo de Castro, determina « o círculo dentro do qual o tribunal se tem de mover para dar solução ao conflito de interesses que é chamado a decidir» nos termos do disposto no art.609º, nº1, do CPCivil.
Constituindo o pedido um elemento fundamental da instância processual, a petição será inepta se, através dela, não for possível descortinar o tipo de providência que o autor visa alcançar ou o efeito jurídico que pretende obter – cfr. art. 186º, nº 2, al. a) do Cód. Proc. Civil.
Conforme escreveu Alberto dos Reis: «(…) o pedido deve ser formulado de modo que não haja dúvidas sobre o efeito jurídico, declarativo ou constitutivo, que se pretende obter; e se a acção for de condenação, acrescenta-se, há-de especificar-se a prestação que o réu tem de satisfazer.» E, «(…) o pedido consiste, em última análise, no efeito jurídico que o autor se propõe obter com a acção (…)»; «(…) a petição será inepta quando por meio dela não puder descobrir-se qual a espécie de providência que o autor se propõe obter do juiz, ou qual o efeito jurídico que pretende conseguir por via da acção.»
Deste modo e resultando da mera leitura do articulado de reconvenção que nele não vem formulado qualquer pedido, desde logo se há-de considerar estar-se perante uma reconvenção inepta, e assim, perante uma nulidade insuprível, que constitui excepção dilatória que determina, mesmo oficiosamente, a absolvição do Réu da instância. Cfr. arts.186º, nº1 e 2, 278º, nº1, al.b), 576º, nº2 e 577º, al. b) todos do CPCivil.
E não argumente o Réu que tanto a A. como o tribunal compreenderam o teor da reconvenção porquanto perante a ausência de formulação de pedido obviamente não basta a alegação de factos em que baseia o seu direito (causa de pedir) para que o tribunal possa do mesmo inferir um pedido que acabou por não formular, substituindo-se, assim, à parte, a quem cabe o ónus de apresentar o pedido com que pretende obter o respectivo efeito jurídico – cfr. arts. 552º, nº 1, al. e) e 581º, nº 3, ambos do Cód. Proc. Civil. Do mesmo modo, não se argumente que deveria o tribunal ordenado o aperfeiçoamento da petição. Com efeito, sendo a reconvenção inepta e portanto ferida de nulidade insanável, a mesma não é susceptível de despacho de aperfeiçoamento.
Em face do exposto, e sem necessidade de maiores considerações, se confirma a decisão da 1ª instância que considerou procedente a excepção de ineptidão da reconvenção arguida pela A., e a absolveu da instância reconvencional.

Cumpre agora decidir a segunda questão submetida à apreciação deste tribunal de recurso, qual seja a de não poder o tribunal ter decidido de mérito sem ter submetido os autos à produção de prova em audiência final, designadamente no que diz respeito à alegada união de facto invocada pelo Réu, facto que este reputa essencial para o êxito da sua defesa e, bem assim, ao facto dado como provado sob o nº12.
Entendeu o tribunal recorrido que o réu não alegou quaisquer factos concretos integradores da plena comunhão de vida a que se reporta a união de facto e, por tais fundamentos, pelo que, concluiu pela desnecessidade da produção de prova.
A este respeito deu a sentença recorrida como provado que:
O recorrente foi viver para casa da A. em Agosto de 2002; Tiveram dois filhos em comum e viveram todos juntos em família até a A. sair de casa em meados de 2017,cfr. facto provado nº9.
Pretende o apelante que ao ter alegado que viveu com a autora numa situação análoga à dos cônjuges por um período superior a 14 anos, tendo tido dois filhos, tendo vivido sempre juntos em família até meados de 2017, até ao momento em que a A. decidiu sair casa, tal basta para se considerar que alegou a dita união de facto.
Mais diz que, admitindo que quando foi viver para junto da autora, ainda era casado com outra pessoa, tal casamento foi dissolvido em Dezembro de 2010, e desde essa data até 2017 , A. e R. continuaram a viver juntos em condições análogas às dos cônjuges, por mais de dois anos.
Sendo a união de facto existente entre a A. e o R. um facto controvertido sobre o qual era necessária a produção probatória não é possível afirmar que, fosse qual fosse a prova, a acção seria procedente.
Entende o apelante que tribunal violou o disposto no art.456ºdo CPCivil ao decidir de mérito sem a, seu ver necessária, produção de prova.
Cumpre desde já assentar que não vislumbra este tribunal o sentido da invocação deste preceito legal para fundar o alegado sendo certo que o mesmo rege o momento e lugar do depoimento das partes.
Porém, vejamos se o tribunal estava na posse de todos os elementos de facto e de direito que lhe permitiam decidir de mérito, sendo certo que o tribunal não está adstrito à fundamentação de direito apresentada pelas partes.
Entendeu o tribunal que o R., pretendeu fazer valer um direito inerente à existência da união de facto que invocou, o que faz impender sobre ele o ónus de alegação e a respeito concluiu que este não alegou quaisquer concretos factos integradores daquela plena comunhão de vida tendo-se limitado a aludir à nomenclatura legal. Tal obsta à possibilidade de qualificar a relação de A. e R. como união de facto.
O R. não contestou a interpretação feita pelo tribunal a respeito da sua pretensão defendendo nesta sede recursória o direito a produzir prova sobre a alegada união de facto.
Ora, é certo que para que se possa assegurar a existência de união de facto, necessário é, que exista uma relação de comunhão conjugal manifestada exteriormente por diversos sinais, com especial destaque para a comunhão de habitação, de leito e de mesa, sendo «necessário que a relação adquira contornos tais que seja ou possa ser vista, não só pelos intervenientes, mas também pelas pessoas que os rodeiam e com eles convivem como uma relação em tudo semelhante ao casamento, em que as pessoas sejam como tal vistas e tratadas».
Como referem Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, «a circunstância de viverem como se fossem casadas cria uma aparência externa de casamento, em que terceiros podem confiar, o que explica alguns efeitos atribuídos à união de facto. Relações sexuais fortuitas, passageiras, acidentais, não configuram, pois, uma união de facto. A união de facto distingue-se igualmente do concubinato duradouro, por mais longo que este seja» .
Nos termos do artigo 1.º, n.º 2, da citada Lei n.º 7/2001, de 11/05, a união de facto é a situação jurídica de duas pessoas que, independentemente do sexo, vivam em condições análogas às dos cônjuges há mais de dois anos. Estando em causa uma vivência em conjunto livremente decidida, sem ser estabelecido um contrato escrito, tem que se ponderar, casuisticamente, se a relação entre as duas pessoas se pode considerar como vivendo em condições análogas a pessoas casados e por tal, não se encontram obrigados aos deveres de deveres de respeito, fidelidade, coabitação, cooperação e assistência (artigo 1672.º, do C. C.). Porém, é certo que, duas pessoas ao decidirem adoptar uma comunhão de vida, ao cumprirem tais deveres estão a manifestar sinais de que existe na realidade essa vida em comum.
Porém, dispensando a produção de prova no que respeita desde à união de facto -questão assinalada pelo Réu- por ter concluído que «não alegou quaisquer concretos factos integradores daquela plena comunhão de vida tendo-se limitado a aludir á nomenclatura legal. E tal obsta à possibilidade de qualificar a relação de A. e R. como união de facto; E essa ausência de alegação é de tal forma intensa que inexiste um substracto factual mínimo susceptível de fundar um convite ao aperfeiçoamento (…)» não deixou de apreciar a posição do Réu a essa luz e sob essa vertente tendo, julgado improcedente a acção, razão pela qual, se tem como prejudicada a questão assinalada.
Cumpre assim apreciar do bem fundado da decisão do tribunal quando julgou a acção improcedente.
Recordemos o decidido a respeito:
«A ter existido uma situação de união de facto entre A. e R., em caso de ruptura dessa união, à casa de morada de família seria aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 1105º e 1793º do CCivil (cfr. artº 4º da Lei nº 7/2001). O primeiro deles, porque respeitante a casa tomada de arrendamento, não importa à situação dos autos. Foquemo-nos então no artº 1793º CCivil. Este preceito, como se vê do seu nº 1, versa sobre as situações em que a casa de morada de família seja bem comum – o que está obviamente afastado no caso, desde logo porque a união de facto não é causa geradora do património colectivo que apenas existe no casamento celebrado sob um dos regimes de comunhão de bens – ou quando ela constitua bem próprio de um dos cônjuges ou, no caso, de um dos unidos de facto. Sendo esta precisamente a situação que importa aos autos, porquanto apenas a A. é titular do direito de usufruto que confere o pleno uso, gozo e fruição do imóvel. Assim, o R. que não é titular desse direito, apenas poderia ver-lhe atribuída a casa de morada de família lançando mão do mecanismo legal próprio e adequado a tal fim, que encontra o seu regime substantivo no artº 1793º CCivil e se mostra adjectivado no artº 990º CPC. Esse regime é claro quanto a que estando em causa imóvel que configure bem próprio de um dos membros do ex-casal, a atribuição da casa de morada de família se mostra dependente de impulso processual do interessado - ex-cônjuge ou ex-unido de facto - que não seja o titular do direito sobre o imóvel, mediante recurso ao processo de jurisdição voluntária previsto no artº 990º CPC (que no caso de divórcio ou separação judicial corre por apenso à respectiva acção – cfr. nº 4), estando essa atribuição sujeita a um juízo de necessidade e importa sempre a constituição pelo Tribunal de um contrato de arrendamento (com a feição especial que sobressai do nº 2 do artº1793º CCivil).
E o arrendamento é um contrato oneroso, pelo que o Tribunal, ao constituir o arrendamento, estabelece uma quantia a título de renda como contrapartida do seu uso exclusivo [no âmbito processual pode haver acordo das partes quanto ao regime a que esse arrendamento venha a ficar sujeito, mas que tem sempre intervenção judicial mediante a respectiva homologação pelo Tribunal - cfr. nº 3 do mesmo artigo], não sendo equacionável a atribuição definitiva da casa de morada de família a título gratuito – como o R. propugna – sob pena de violação grosseira dos basilares princípios da defesa dos direitos subjectivos, nos quais se integram os direitos individuais com repercussão patrimonial e que têm acolhimento constitucional.
Na verdade, a atribuição da casa de morada de família a título gratuito só pode ter lugar quando se trate de uma medida provisória determinada pelo Tribunal ao abrigo do artº 931º nº 7 do CPC, realidade que não está em causa e se mostra afastada no caso vertente.
Portanto, aqui chegados, bem se vê que a atribuição da casa de morada de família a um dos ex-cônjuges ou ex-unidos de facto constitui um instrumento legal de protecção àquele que justifique a sua necessidade, sujeita a regime legal próprio que importa intervenção judicial a impulso do interessado, e que redunda na constituição de um contrato de arrendamento, por natureza oneroso. Sendo evidente nos autos, até pela própria alegação do R., que este não foi beneficiário dessa medida legal de protecção, não sendo titular de qualquer contrato de arrendamento constituído no âmbito do mecanismo processual de atribuição de casa de morada de família.
E assim se vê que o acordo que o R. referiu ter existido entre ele e a A., atribuindo-lhe gratuitamente o uso do imóvel, é espúrio ao citado mecanismo legal de protecção por via de atribuição judicial da casa de morada de família ao qual é inerente a constituição de arrendamento, e por isso apenas pode ser entendido como um acordo no âmbito das relações privadas entre particulares.
E o acordo pelo qual alguém faculta a outrem, gratuitamente, certa coisa móvel ou imóvel para que se sirva dela, configura um contrato de comodato (cfr. artº 1129º CCivil), que mesmo nos casos em que as partes não convencionem prazo para a restituição nem tenham determinado o uso a que a coisa se destina constitui o comodatário na obrigação de a restituir logo que lhe seja exigida (cfr. artº 1137º nº 2 CCivil). E a citação para a presente acção constitui meio de interpelação bastante para a exigência de restituição, à qual o R. ainda não procedeu.
Aqui chegados encontra-se, pois, demonstrado que o R. não dispõe de título para a ocupação do imóvel que legitime a sua recusa de entrega à A., a qual é a exclusiva titular do direito pleno de gozo, uso e fruição do imóvel, por força do seu direito de usufruto.
Ora a não entrega voluntária do imóvel pelo R., que consabidamente não lhe pertence e sem que tenha título para tanto, configura uma violação ilícita do direito de usufruto da A.. E ao inviabilizar a fruição do imóvel pela A., única titular de direito que confere esse benefício, designadamente privando-a dos frutos que o imóvel poderia produzir por via de arrendamento, não pode o R. deixar de saber que causa à A. os prejuízos inerentes ao não percebimento dos proventos que a mesma poderia auferir correspondentes a uma renda mensal de € 600,00, o que constitui o R. na responsabilidade de indemnizar a A. pelos danos decorrentes dessa violação atento o notório nexo de causalidade entre a sua actuação ilícita e os ditos danos (cfr. artº 483º CCivil), os quais ocorrem seguramente desde a citação (em 22/10/2019 – cfr. fls. 21), como reclamado pela A., e que à presente data ascendem a € 19.800,00 [33 meses x € 600,00].»
Adianta-se, desde já, que acompanhamos o decidido.
Temos para nós que, e seguindo a lógica adoptada na sentença sob recurso, é certo que em abono do direito ao imóvel que invoca, o R. sustenta a existência de uma união de facto com a A..
A união de facto que o legislador acolheu como merecedora da tutela do direito não é uma qualquer união, mas a situação jurídica de duas pessoas que, independentemente do sexo, vivam em condições análogas às dos cônjuges há mais de dois anos (cfr. art. 1º nº 2 da Lei nº 7/2001), sendo essa analogia de vida que sustenta um quadro de protecção jurídica.
A circunstância de existir entre duas pessoas uma relação afectiva e sexual, designadamente com a existência de filhos, e de até partilharem a mesma habitação – aspectos factuais que resultam pacíficos nos autos – não são elementos bastantes para afirmar a existência da união de facto sendo ceto que, no caso que ora nos ocupa, tal união de facto, traduzida na vivência em comum em condições análogas às dos cônjuges, vem contestada pela autora, ora apelante.
Mas, a respeito, apenas se torna relevante o facto alegado pelo Réu de que, dissolvida a união, no « acordo de dissolução da união de facto, ficou acordado que a casa de morada de família ficaria atribuída ao réu, gratuitamente.».
A respeito da noção de casa de morada de família escreveu-se Acórdão da Relação de Guimarães de 03/12/09, «A casa de morada de família é o lugar onde a família cumpre as suas funções relativamente aos cônjuges e aos filhos, constituindo o centro da organização doméstica e social da comunidade familiar.»
O art.º 1793.º do Código Civil determina que o Tribunal pode dar de arrendamento a qualquer dos cônjuges, a seu pedido, a casa de morada de família, quer essa seja comum, quer própria do outro, considerando, nomeadamente, as necessidades de cada um dos cônjuges e o interesse dos filhos do casal. O art. 1793.º do CCivil estabelece que o Tribunal pode dar de arrendamento a qualquer dos cônjuges, a seu pedido, a casa de morada de família, quer essa seja comum, quer própria do outro, considerando, nomeadamente, as necessidades de cada um dos cônjuges e o interesse dos filhos do casal.
A Lei n.º 71/2018, de 31/12 que adopta medidas relativas à união de facto, nos seus arts.3º e 4º, preceitua que as pessoas que vivem em união de facto têm direito a protecção da casa de morada de família, sendo aplicável o disposto nos art.º 1105.º e 1793.º do Código Civil, com as necessárias adaptações, em caso de ruptura da união de facto.
Assim sendo, cessando o vínculo conjugal por divórcio ou por separação dos unidos de facto, a casa de morada de família deixa de o ser, em face precisamente da dissolução da união conjugal ou da união de facto. Há, nestes casos, que decidir-se o destino a dar a esta, seja por acordo dos cônjuges, seja por decisão do Tribunal.
À luz deste mesmo regime legal substantivo, o art. 990.º do CPCivil determina, em termos processuais, que aquele que pretenda a atribuição da casa de morada de família, designadamente nos termos do art.º 1793.º do Código Civil, deduz o seu pedido, indicando os factos com base nos quais deve ser-lhe atribuído o direito.
No caso dos autos, mesmo que se aceitasse terem A. e R. uma relação de união de facto, o certo é que não constitui causa de pedir da presente acção a necessidade da casa de morada de família. Se assim fosse, que não é, teria a A. de intentar acção para ver judicialmente declarada a dissolução da união de facto com o fim de fazer valer direitos que dela dependam, declaração que deve ser proferida na acção mediante a qual o interessado pretende exercer direitos dependentes dessa dissolução ou em acção que siga o regime processual das acções de estado (art. 8º, nºs 2 e 3, da LUF) nos termos da lei relativa à protecção das uniões de facto.
Deste modo, resulta cristalino, que à decisão da presente acção, a união de facto alegada pelo Réu, em nada determina a decisão da causa.
Desta forma, confirma-se o entendimento da 1º instância no sentido de que os autos contêm todos os elementos que permitem, sem necessidade de produção de mais prova, a decisão de mérito.

A terceira questão levantada no recurso prende-se com o facto dado como provado sob o nº12, o qual, entende o apelante, não poderia ter sido considerado provado pelo tribunal a quo porquanto para além da alegação do valor pela A. não foi feita nos autos qualquer prova pericial, isenta e credível no sentido de provar que tal valor corresponde efectivamente ao valor de mercado de arrendamento praticado na zona em que o mesmo se situa. Considerando que este valor serviu para cálculo de indemnização entende o apelante que o mesmo deveria estar fundamentado e provado, o que, não resulta dos autos.
Recorde-se o facto dado como provado sob o nº12: «12 - O prédio urbano em causa é susceptível de ser dado de arrendamento por quantia não inferior a € 600,00 atenta a área global do prédio, o seu estado de conservação e os valores do mercado de arrendamento praticados na zona em que o mesmo se situa.»
A este respeito cumpre esclarecer que o apelante olvidou uma regra básica do nosso ordenamento jurídico-processual.
Com é sabido, o Réu ao contestar, pode defender-se por impugnação ou por excepção. O réu defende-se por impugnação quando contradiz os factos articulados na petição inicial ou quando alega que esses factos não podem produzir o efeito jurídico pretendido pelo autor. O réu defende-se por excepção quando alega factos que obstem à apreciação do mérito da acção ou que, servindo de causa impeditiva ou extintiva do direito invocado pelo autor, determinam, a improcedência total ou parcial do pedido. Cfr. art.571º do CPCivil.
Nos termos do disposto no art.574º, recai sobre o Réu o ónus de impugnar os factos alegados pelo autor, tomando sobre eles posição definida, considerando-se admitidos por acordo aqueles que não forem impugnados com as ressalvas constantes do nº2.
Ora, em sede de contestação o Réu foi absolutamente omisso quanto à alegação da Autora, não manifestando qualquer oposição ao valor aventado por esta. Nestes termos, não tinha o tribunal como não dar tal facto como provado, não assistindo, pois, qualquer razão ao Autor.

Insurge-se, também o recorrente, contra a condenação na sanção pecuniária compulsória de €60/dia, por cada dia de atraso no cumprimento voluntário da decisão e após trânsito da mesma. Prendendo-se tal sanção com a conduta ilícita do apelante, tal não resultou provado.
Para proferir tal condenação, entendeu o tribunal que ficou demonstrado em face dos factos dados como provados que o R. não dispõe de título para a ocupação do imóvel que legitime a sua recusa de entrega à A., a qual é a exclusiva titular do direito pleno de gozo, uso e fruição do imóvel, por força do seu direito de usufruto. A sua não entrega voluntária por parte do R., sem que tenha título para tanto, configura uma violação ilícita do direito de usufruto da A. que inviabiliza o direito da A. privando-a dos frutos que o imóvel poderia produzir por via de arrendamento. Considera, ainda, o tribunal a quo, que não pode o R. deixar de saber que causa à A. os prejuízos inerentes ao não percebimento dos proventos que a mesma poderia auferir correspondentes a uma renda mensal de € 600,00, o que constitui o R. na responsabilidade de indemnizar a A. pelos danos decorrentes dessa violação atento o notório nexo de causalidade entre a sua actuação ilícita e os ditos danos, nos termos do artº 483º CCivil, os quais ocorrem seguramente desde a citação.
O art. 829-A do CCivil, nos nº 1 a 3 estabelece aquilo a que os autores chamam a sanção pecuniária compulsória judicial, a qual tem carácter subsidiário, sendo fixada pelo juiz, caso a caso e a requerimento do credor, nas obrigações de facto infungível. Trata-se de uma medida coercitiva, de natureza pecuniária, consubstanciando uma condenação acessória da condenação principal. O seu objectivo não é o de indemnizar o credor pelos danos sofridos com a mora, mas o de incitar o devedor ao cumprimento do julgado, sob a intimação do pagamento duma determinada quantia por cada período de atraso no cumprimento da prestação ou por cada infracção.
Como escreve CALVÃO DA SILVA, «o legislador não consagrou a sanção pecuniária compulsória como mecanismo coercitivo de aplicação em geral, antes a limitou às obrigações de non facere e de facere cujo cumprimento exige a intervenção insubstituível do devedor, com excepção das que requeiram especiais qualidades científicas ou artísticas», ou, dito de outro modo, concebeu-a «como processo coercitivo de aplicação subsidiária, destinado a colmatar a lacuna, existente no nosso sistema jurídico, devida à inidoneidade da execução para realizar in natura as prestações de facto infungíveis».
Continua o mesmo autor, «(…) o legislador confinou a sanção pecuniária compulsória às obrigações de carácter pessoal – obrigações de carácter intuitus personae, cuja realização requer a intervenção do próprio devedor, insubstituível por outrem – fazendo dela um processo subsidiário, aplicável onde a execução específica não tenha lugar. E, assim, graças à sanção pecuniária compulsória, ao constrangimento que ela exerce sobre a vontade do devedor rebelde, o credor pode alimentar a esperança de obter a originária prestação infungível que lhe é devida (…), sem ter de cingir-se e resignar-se à execução por equivalente». E prossegue: «(…) o legislador preocupou-se com a realização das prestações insusceptíveis de execução específica, consagrando um meio de pressionar o devedor ao cumprimento, apenas, dessas obrigações. Logo, onde o credor disponha de execução sub-rogatória, não há lugar à aplicação da sanção pecuniária compulsória».
Daqui resulta que a obrigação que se aplica este instituto terá de ter um carácter intuitus personae, ou seja, que só pode ser realizada pelo próprio devedor sem que possa realizada de outra forma nem recorrendo a outro meio processual.
In casu, perante a procedência da acção e a consequente ordem de entrega do imóvel à A., nem só o Réu pode proceder à entrega pois que não o fazendo ele, poderá a A. recorrer ao processo executivo para entrega de coisa certa regulado nos arts.859º e ss. do CPCivil.
Daqui resulta estarmos perante um caso em que, conferindo a lei outros meios de execução, se tem por excluída a aplicação do instituto previsto no artº 829º-A do C.Civil.
Assim, e não acompanhando o decidido neste conspecto, entende-se não dever ser condenado o R. no pagamento de sanção pecuniária compulsória, por não verificação dos pressupostos de aplicação do artº 829º-A do C.Civil, nos termos expostos, revogando-se, nessa parte o decidido.

Resta apreciar a condenação do Réu como litigante de má fé.
Entendeu-se em primeira instância condenar o R. como litigante de má fé na multa que fixou em 10 UC`s e em indemnização a favor da A. que fixou em € 1.500,00, conforme o requerido pela A..
Justificou o tribunal tal condenação considerando que o R. apresentou defesa invocando ser titular de um direito que bem sabia não ter, pois não podia ignorá-lo que o fez com o óbvio mas inconfessado propósito de continuar a gozar gratuitamente de imóvel relativamente ao qual nenhum direito detém e de obstar ao exercício dos direitos da A.. Considerou o tribunal que por isso, um uso reprovável do processo, visando alcançar um fim que a lei e o Direito não acobertam, o que é suficiente para, afirmar que litiga com má fé.
Anote-se que o pedido de condenação como litigante de má fé foi formulado pela A. em sede de audiência prévia, nos seguintes termos:
« (…)na sequência e como decorrência do pedido primitivo e do teor da comunicação de V. Excª na presente audiência, bem como da informação da Ilustre Mandatária do réu no que tange à indisponibilidade de meios para realização da presente audiência através meios de comunicação à distancia, ao contrário do que previamente havia informado por escrito o Tribunal e as partes, requer nos termos do disposto nos artºs 265 nº 2 e 4, 542 nº 1 al. a) e d), 543 e 545 do C.P.C o seguinte:
1- Condenação do réu como litigante de má fé, atendendo a prosseguir um fim reprovável através das posições processuais que tem evidenciado única e exclusivamente com o propósito de fazer prolongar a ocupação ilegítima, ilícita e gratuita do imóvel, ao que acresce a dedução de pedido cuja falta de fundamento ”causa de pedir ou sequer ausência de valor deveria ter representado, tudo coroado como mentira confessada pela sua ilustre mandataria em audiência que logrou protelar o processo por mais algum tempo, computando moderadamente os danos, incluindo honorários, em 1500 euros.(…)»
Apreciando e decidindo.
As partes têm o dever de não formular pedidos ilegais, não articular factos contrários à verdade, nem requerer diligências meramente dilatórias : É o dever de probidade. Não é, de resto, atitude ou reacção humana justificável, articular factos contrários à verdade.
Assim, e nos termos do Art.542º, do C.P.Civil, a parte que litigue com má-fé, será condenada em multa e indemnização à parte contrária, se esta a pedir, dizendo-se que litiga com má-fé o que tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não ignorava, como também quem tiver convenientemente alterado a verdade dos factos ou omitido factos essenciais e o que tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável com o fim de alcançar um objectivo ilegal ou de coartar a acção da justiça ou impedir a descoberta da verdade.
Do preceito citado resulta, claramente, que as diferentes formas de manifestação da má fé, são conscientes ou dolosas, devendo a parte ter a noção exacta de que o seu objectivo é ilícito para que adopte uma das condutas aí previstas. E quando actua no plano dos factos, há-de saber que faz alegações falsas ou omite factos essenciais ao bom julgamento da causa. A doutrina tem entendido a má fé a que alude o Art.542º do CPCivil sob dois aspectos: a má fé material e a má fé instrumental. Abrange-se na primeira os casos de dedução de pedido ou de oposição que a parte sabe carecer de fundamento, e a alteração consciente da verdade dos factos ou a omissão de factos essenciais; a segunda tem a ver com o uso reprovável do processo, ou dos meios processuais para prosseguir um fim ilegal, para entorpecer a acção da justiça ou para impedir a descoberta da verdade. Cfr. Ac. do S.T.J., de 5/12/1975; B.M.J., 252-105.
Como refere Alberto dos Reis, «ao princípio da licitude do exercício dos meios processuais a mesma ordem jurídica põe uma limitação: a de que o seu exercício seja sincero, que a parte esteja convencida da justiça da sua pretensão. Quando falta este requisito, o acto passa a ter carácter de ilícito: Estamos, então, perante um ilícito processual, a que corresponde uma sanção meramente civil (responsabilidade pelas perdas e danos causados à parte contrária) ou uma sanção civil e uma sanção penal (multa).»
À luz dos ensinamentos que atrás se deixaram e em face dos factos dados como provados, apreciemos então da má fé.
Avançando desde já relativamente à má fé instrumental ou processual, incumbe desde já assentar que da sentença não consta qualquer facto que permita fundar a decisão de que a A., ou a sua Mandatária tenham agido fazendo do processo um mau uso. Também da fundamentação de direito que esteve subjacente à condenação nada consta a esse respeito pelo que cumpre, desde já e sem necessidade de maiores considerações, considerar que não está provada a má fé nessa perspectiva pois que nada se provou a respeito que pudesse levar o tribunal a concluir que se fez do processo um reprovável visando entorpecer a acção da justiça ou impedir a descoberta da verdade.
E, no que toca à má fé material, considerando estar-se perante duas partes que se relacionaram intimamente de alguma forma -têm dois filhos em comum-que partilharam o imóvel em causa nos autos -tanto assim é que o R. se acha com direito a lá permanecer- e sendo do senso comum que em caso de ruptura de relações de pessoas que em certo momento se relacionaram intimamente existem sempre sentimentos e estados de espírito exacerbados, não nos parece que as posições aqui demonstradas tenham transcendido o normal e usual nesse tipo de relações e se tenha transposto o patamar do que é aceitável para duas pessoas que se degladiam em juízo.
Na verdade, in casu, temos duas versões opostas da situação o que não importa, necessariamente, uma alteração consciente da verdade dos factos ou a omissão de factos essenciais sendo certo, aliás, que muito do que vem alegado em sede de petição inicial e, conforme vem exarado na sentença, sequer interessou para a decisão de mérito.
Nestes termos, entende-se não ser justificada a condenação do autor como litigante de má fé e, nessa parte, revogar-se o decidido.

De tudo o que se deixou analisado e decidido, resulta a procedência parcial da apelação.


IV-Decisão
Na sequência do que se deixou exposto acordam os Juízes que constituem a 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar o presente recurso de apelação parcialmente procedente e, consequentemente, decidem:
a) Revogar a sentença no segmento em que condenou o R. na sanção pecuniária compulsória de € 60,00 por cada dia de atraso no cumprimento voluntário da decisão de 1ª Instância após o trânsito da mesma;
b) Revogar a sentença no segmento em que condenou o Réu como litigante de má fé, na multa de 10 UC`s e indemnização a favor da A. no montante de € 1.500,00;
c) Manter a sentença no mais que decidiu.


Custas a cargo das partes na proporção de 1/3 para a A. e 2/3 para o R. sendo que o pagamento das mesmas não é exigível ao R. dado que litiga com o benefício do apoio judiciário.

Notifique e registe.


Lisboa, assinado e datado electronicamente

(Texto elaborado em computador e integralmente revisto pela signatária)

Relatora, Juiz Desembargadora: Dra. Ana Paula Nunes Duarte Olivença
1º Adjunto, Juiz Desembargador: Dr. Rui Manuel Pinheiro Oliveira
2ª Adjunta, Juiz Desembargadora: Dra. Teresa Prazeres Pais
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