Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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 - ACRL de 28-11-2019   Processo de promoção e protecção. Medida de confiança judicial com vista a futura adopção. Inibição das responsabilidades parentais.
I - O princípio da prevalência da família, enquanto princípio orientador de intervenção, impõe que seja dada prevalência às medidas que integrem a criança ou o jovem na sua família ou promovam a sua adopção, ou seja, as executadas no meio natural de vida , isto porque toda a criança tem o direito fundamental a ser educada e a desenvolver-se no seio de uma família, de preferência a sua (biológica).
II - Contudo, a prevalência da família biológica pressupõe que esta reúna o mínimo de condições para garantir um desenvolvimento pleno da criança e necessariamente que, num juízo de prognose póstuma, se evidencie que a situação de perigo, objectivamente criada, não se voltará a repetir, e, por conseguinte, a preferência só é justificável na medida em que, no confronto com outra medida alternativa do meio natural de vida, como a confiança a pessoa seleccionada para adopção, se revele a mais adequada ao superior interesse da criança.
III - Caberá ao julgador preencher valorativamente este conceito, de conteúdo imprecisamente traçado, apreendendo o fenómeno familiar na sua infinita variedade e imensa complexidade e, numa análise sistémica e interdisciplinar da situação concreta de cada criança, decidir em oportunidade pelo que considerar mais justo e adequado.
IV - Uma família funcional mas sem capacidade de sacrifício e de entrega não é suficiente para que se possa concluir que os vínculos afectivos próprios da filiação se consideram verificados. Cuidar significa comprometimento, sacrifício, desprendimento, abdicação dos interesses pessoais face aos interesses dos filhos (ou dos netos) e, no caso vertente, capacidade para assumir essa responsabilidade parental.
V - O carácter funcional das responsabilidades parentais implica a possibilidade e o dever, por parte do Estado, através de órgãos de soberania independentes - os tribunais ¬de limitar ou inibir o exercício das responsabilidades parentais quando, por acções ou omissões graves, tal exercício se afastar sensivelmente da sua referida função essencial, pondo seriamente em causa a realização de direitos fundamentais da criança, designadamente o de viver e crescer no seio de uma família que a ame como uma filha e tenha responsabilidade e capacidade mínimas para promover o desenvolvimento harmonioso e o sentimento de pertença da criança, no respeito pela sua progressiva autonomia.
VI - Quando a confiança é com vista a futura adopção (confiança pré-adoptiva), a lei determina que uma vez decretada a medida ficam os pais inibidos do exercício das responsabilidades parentais e, por com sequência, das visitas.Daqui resulta que a inibição das responsabilidades parentais é uma consequência legal inelutável, imperativa, da aplicação da medida de protecção, significando que uma vez transitada esta, ficam proibidas as visitas.
Proc. 2420/18.5T8BRR.L1 8ª Secção
Desembargadores:  Amélia Ameixoeira - Rui Machado e Moura - -
Sumário elaborado por Susana Leandro
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Proc. n.° 2420/18.5T8BRR.L1
Acordam os Juizes da 8ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
I-RELATÓRIO
O Ministério Público requereu a instauração de processo de promoção e protecção a favor do:
DGC..., nascido em ... de 2018, na freguesia do ..., concelho do B..., filho de LGR..., com residência escolhida no ..., em Lisboa, e de SJC..., residente na RR..., estando o menor acolhido no Centro de Acolhimento Temporário ... do C..., sito na R..., em A…, invocando a existência de perigo para a saúde e segurança e para a formação da criança uma vez que este havia sido sinalizado pelo núcleo de apoio social junto do hospital desta cidade, onde nasceu com síndrome de privação, evidenciando a progenitora diagnóstico de doença mental, encontrando-se desempregada, bem como o pai e não existindo família alargada que possa assegurar os seus cuidados.
Realizada a instrução e não se afigurando possível a obtenção de solução negociada de medida de promoção e protecção, foram notificados o Ministério Público e os progenitores para a apresentação de alegações.

O debate judicial decorreu com integral observância das legais formalidades que disciplinam o acto.

Produzida a prova, foi proferido Acórdão do Tribunal Colectivo que decidiu aplicar ao menor DGC..., nascido em ... de 2018, filho de LGR… e de SJC..., medida de confiança judicial com vista a futura adopção ao Centro... (artigo 35.°, n.° 1, alínea g), da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo).
Mais se decidiu que, com a presente decisão, os progenitores ficam inibidos do exercício das responsabilidades parentais relativamente ao filho (artigo 1978.°-A do Código Civil).
E bem assim que, a medida agora aplicada dura até ser decretada a adopção e não está sujeita a revisão (artigos 38.°-A, alínea b) e 62.°-A, ambos da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo).
Foi nomeada curadora provisória do menor DGC... a directora técnica da instituição onde este se encontra confiado (Centro...) (artigos 62.°—A, n. 3 a 5 da Lei- de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo), ficando excluídas as visitas por parte da família biológica (citado artigo, n.° 6).

SJC... e LGR..., inconformado com o teor da decisão, dela interpuseram recurso, concluindo da forma seguinte:
I-0 presente recurso visa a revisão da medida de acolhimento em instituição do Menor DGC..., bem assim como da inibição das responsabilidades parentais, porquanto entende que não foram esgotadas todas as medidas legalmente admissíveis e obrigatórias, antes de ser proferida a presente decisão.
II- No Direito Interno a protecção da família decorre, desde logo, do art. 67° da Constituição da República Portuguesa que declara que a família, como elemento fundamental da sociedade, tem direito à protecção da sociedade e do Estado e à efectivação de todas as condições que permitam a realização pessoal dos seus membros. Decorrendo também dos arts. 36° e 68° da Lei Fundamental a protecção dos direitos das mães e dos pais, dizendo o n° 5 do art. 36° que os filhos não podem ser separados dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial.
III-Os Requerentes procuram casa, emprego estável e de forma a viverem dos rendimentos auferidos pelo seu trabalho;
IV-Tem feito um grande esforço para se autonomizar e criar condições para poder estar e conviver com seu filho;
V-A sua pobreza e dependência emocional não os deve penalizar;
VI-Não foi ouvida a sua família alargada, como é obrigatório, de forma a poder saber com quem e a quem, na família, deveria ser entregue o Menor, além da avó materna;
VII-Requer-se que que seja repetida a instrução do processo e ouvida a família alargada; VIII-Em prol do Superior Interesse da Criança se requer, que embora em Centro de Acolhimento, temporariamente, seja dada aos Requerentes a possibilidade de demonstrar, à sociedade, ao Tribunal e sobretudo ao Menor, seu filho, que ama, que mudou e tudo farão em prol do seu Superior Interesse;
IX-Pelo que se propõe, que os mesmos sejam acompanhados, e lhe seja dada a possibilidade de cumprir com todas as medidas que lhe forem impostas, assim, se aproximando afectivamente de seu filho, até ter a sua vida financeira completamente estabilizada de modo a poderem tê-lo com eles;
X Deve, assim, o presente recurso merecer provimento e mandar repetir-se a instrução, ouvindo a família alargada, bem como, e mediante as medidas e acompanhamentos que lhes o forem impostos, continuarem a poder visitar o Menor, para após isso, lhes ser levantada a inibição das responsabilidades parentais.
O Ministério Público veio responder ao recurso, defendendo que o Acórdão recorrido está bem fundamentado, não merecendo nenhum reparo.
Conclui no sentido de ser negado provimento ao recurso, mantendo-se o Acórdão nos seus precisos termos.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:
II - QUESTÓES A DECIDIR
-Se deve ser revista a medida aplicada.
-Se deve ser repetida a instrução, ouvindo-se a família alargada.
-Se deve ser ordenado o levantamento da inibição das responsabilidades parentais.
TIT - FUNDAMENTOS DE FACTO
III - I - FACTOS PROVADOS
Da instrução e discussão da causa, resultaram provadas os seguiptes, facto2!
1) - O DGC... nasceu em ... de 2018, na freguesia do ..., concelho do B..., e é filhe de SJC... e de LGR....
2) - O DGC... foi sinalizado junto da Comissão de Protecção de Crianças e Jovens do B... logo após o seu nascimento no Centro Hospitalar B...-M... e por iniciativa do Núcleo Hospitalar de Apoio a Crianças e Jovens em Risco.
3) - Esta sinalização foi realizada cm consequência da situação da gravidez da progenitora anteriormente referenciada pelo Núcleo de Saúde de SR…, em Lisboa, onde aquela se encontrava inscrita.
4) - O DGC... apresentava um quadro compatível com síndrome de privação com a progenitora a apresentar alterações de comportamento, com contacto agressivo, desconfiada e marcada instabilidade emocional, confusão do discurso e sinais de alteração do pensamento, compatíveis com presença de quadro psicopatológico, evidenciando dificuldade em assimilar as informações transmitidas e pouca colaboração com as técnicas e pessoal clínico.
5) - A progenitora evidenciava um discurso confuso e desorganizado, com dificuldade em expressar um encadeamento claro das suas ideias, com sinais de alguma agressividade, tentando incutir responsabilidade e culpa nos técnicos sobre os problemas e fragilidades da sua vida.
6) - Por decisão provisória proferida em 21/08/2018, o DGC... foi provisoriamente acolhido no Centro de Acolhimento Temporário ..., em A…, pelo período de seis meses.
7) - A progenitora teve anteriormente três outros filhos: a NJC... (nascida em …/1998), actualmente autonomizada, a NGF... (nascida em …/2015) e o VMF... (nascido em …/2008), os quais estiveram acolhidos em casa residencial mas encontrando-se actualmente a viver com o pai.
8) - O progenitor do DGC... vivia em situação de abrigo há alguns meses sendo apoiado pelo Centro ... enquanto que a progenitora vivia em casa da avó materna do menor.
9) - A perfilhação do DGC... ocorreu algum tempo após o nascimento porque, segundo a progenitora, o pai se encontrava contumaz e com os documentos de identificação caducados.
10) - A gravidez do DGC... não foi planeada tendo a progenitora descoberto que se encontrava grávida em Janeiro de 2018.
11) - Aquando da entrevista realizada na segurança social, o pai do DGC... encontrava-se a viver em bancos de jardim junto da estação fluvial do B... ou perto das instalações do hospital, trazendo sacos consigo e exalando um odor de baixa higiene.
12) - Auferiam ambos rendimento social de inserção no montante mensal de € 186,68.
13) - O progenitor do DGC... não é aceite pela avó materna deste.
14) - A progenitora tem o 9.° ano de escolaridade e curso de auxiliar de infância e de operadora de artes gráficas.
15) - A avó materna do DGC... referiu estar muito exausta de lidar com a filha a que acresce o facto de ter um filho com dezanove anos de idade (R...), dependente ao nível de cuidados e a padecer de doença mental.
16) - A avó materna referiu durante a avaliação que a filha não aceita ajudas manifestando disponibilidade para apoiar a filha nos cuidados do neto mas não assumir a responsabilidade por este impondo que o casal esteja a trabalhar, arrendarem habitação e a integração do menor em equipamento de infância, manifestando receio de que o possam levar para paradeiro incerto.
17) - A progenitora realizou sempre as visitas que se encontravam agendadas, iniciando também o pai essas visitas logo que autorizado pelo tribunal e posteriormente ao conhecimento da perfilhação efectuada.
18) - Aquando das visitas, a progenitora manifestou sempre situações de conflito com as técnicas e o pessoal de saúde durante os períodos que acompanhou o filho ao centro de saúde, insistindo em amamentar o filho apesar de lhe ter sido explicado que não tinha leite.
19) - A progenitora acabou por alterar esse comportamento após a intervenção da avó materna.
20) - O pai assumiu sempre uma atitude de passividade perante o comportamento da requerida ou não interagia com o filho, limitando-se a estar a manusear o telemóvel.
21) - Numa das visitas, o progenitor apresentou-se embriagado e esteve sempre a dormir.
22) - A avó materna realizou cerca de sete visitas mas estas não duraram mais do que quinze ou vinte minutos, o que foi explicado pela necessidade de tomar conta do filho desta e da distância que tinha que percorrer para visitar o neto.
23) - A progenitora assumiu que consumiu ganzas e cocaína durante a gravidez não evidenciando uma atitude crítica relativamente a esses consumos.
24) - Aquando da realização de entrevista para avaliação psiquiátrica, a mãe apresentou-se na entrevista com aspecto pouco cuidado, com cabelo despenteado, vigil, orientada no espaço e no tempo, embora apresentasse sempre uma mímica tensa com olhar quase esgazeado.
25) - Durante a entrevista, a mesma foi interrompida por diversos telefonemas que a progenitora fez questão de atender.
26) - O relatório da perícia médico-legal na especialidade de psiquiatria concluiu que a progenitora apresentar uma perturbação de personalidade do tipo borderline (estado limite) evidenciando uma personalidade hipercrítica mas com fraco nível de conceptualização e verbalização, cujo comportamento manifesta actividade desinibida, com discurso desorganizado, reflectindo dificuldade em lidar com estímulos emocionais, uma nítida instabilidade emocional e baixo limiar de tolerância a situações frustrantes.
27) - A estrutura de personalidade é caracterizado por uma pobreza generalizada que dificulta o planeamento e execução de um projecto de vida organizado, coerente e harmónico, possuindo recursos internos muito limitados para captar e atender às necessidades de uma criança e assim assegurar de forma plena a função parental.
28) - Esta perturbação de personalidade não configura uma doença mental grave mas uma personalidade com traços disfuncionais com elevada desorganização e desadequação, não detendo as competências parentais desejáveis para o adequado desenvolvimento psico-afectivo de uma criança.
29) - O relatório de perícia médico-legal na especialidade de psicologia concluiu que a progenitora apresenta uma perturbação de personalidade borderline, sem condições para ter o filho consigo e as relações com o progenitor e com a própria avó materna são caracterizadas pela instabilidade e inconstância, com elementos de suspeição e ressentimento que potenciam conflitualidade.
30).,- A avó materna vive em casa própria com o filho R... , com 19 anos de idade, o qual sofre de doença mental.
31) - É agente da Polícia de Segurança Pública em situação de pré-aposentação por motivo de saúde, sofrendo de depressão, estando medicada.
32) - Aufere uma remuneração mensal de mil e cem euros a que acresce o subsídio do filho no valor de cento e vinte euros.
33) - Suporta uma prestação para amortização de hipoteca no montante mensal de duzentos e trinta e nove euros.
34) - A casa onde vive com o filho é um apartamento com quatro assoalhadas.
35) - O filho. tem alterações de. comportamento (défice cognitivo e atraso mental) e carece de apoio permanente, estando inscrito para instituição adequada.
36) - Referiu ter disponibilidade para cuidar do neto mas se sentir que este poderá estar em risco consigo, pode regressar à instituição ou necessitaria de um apoio permanente de assistente social.
37) - Manifesta receio pelas alterações de comportamento da filha ou do pai do menor.
38) - A progenitora teria iniciado actividade laboral numa roulotte no dia 1 de Março de 2019 embora a avó materna não saiba onde trabalha nem onde se encontra a viver.
III - II - FACTOS NÃO PROVADOS
Não se provaram nem se consideram com interesse quaisquer outros factos susceptíveis de influir na decisão da causa.
III - MOTIVAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
A convicção do Tribunal, quanto à matéria de facto provada, assentou na análise crítica e conjugada de toda a prova produzida no debate judicial.
-Particularizando a convicção:
- o facto 1.° resultou exclusivamente do conteúdo do assento de nascimento do menor de fls. 43 e 44 e do assento de perfilhação de fls. 208;
- os factos 2.° a 5.° resultam do conteúdo do relatório social de fls. 11 a 24, complementado com os documentos de suporte que o acompanham e que reterem a avaliação pediátrica realizada em 24/07/2018 (poucos dias após o nascimento de DGC...) e a entrevista realizada em 31/07/2018 pela técnica da segurança social, conjugada com o depoimento da testemunha CRC…, autora do relatório, complementado ainda pelo teor do relatório social de fls. 102 a 137;
- o facto 6.° resulta expressamente do conteúdo do documento a que se faz expressa referência;
- os factos 7.° a 16.° e 23.° resultaram do conteúdo dos relatórios sociais de fls. 11 a 24 e 102 a 117, complementados pelos depoimentos das testemunhas CRG..., técnica da segurança social, bém como das declarações prestadas pela mãe durante a instrução e constantes de fls. 135 e 136;
- os factos 17.° a 22.° resultaram do conteúdo das informações prestadas pelo centro de acolhimento e constantes de fls. 120 a 123, 125.e 126, 132 a,134,5143 a 146, 468 e 169, 188 e 189, 197 e 198, 235 e 236 e 271 a 271, complementadas pelos depoimentos das testemunhas APG... e MRP…,
respectivamente coordenadora e psicóloga do centro de acolhimento onde se contra o DGC..., as quais referiram o modo como decorreram as visitas dos pais e da avó Materna, bem como os conflitos suscitados pela progenitora, a atitude passiva do pai e á presença pouco assídua e regular por parte da avó materna;
- os factos 24.° a 29.° resultam exclusivamente do conteúdo das avaliações periciais realizadas 'a fls. 256 a 262 (na especialidade de psiquiatria para o processo n.° 9…/1...1T2AMD do Juízo de Família e Menores de Lisboa - Juiz 5) e a fls. 296 a 30 (na especialidade de psicologia), os quais não foram infirmados por outros meios de prova; - os factos 30.° a 38.° resultaram exclusivamente do conteúdo dos depoimentos da avó materna, bem como da testemunha CRG..., complementados pelo teor dos relatórios sociais de fls. 11 a 24 e 102 a 117 sobre a situação profissional e familiar da avó, relevando quanto aos factos 36.° a 38.° exclusivamente a partir do depoimento da avó materna MJP....
A inexistência de factos não provados resultou da circunstância de não ter sido feita qualquer prova de qualquer outra factualidade considerada relevante para a decisão da causa.
Atento o disposto no art.100° da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, 425° e 436°, todos do CPC, consideram-se ainda provados os seguintes factos:
-Em 17 de Setembro de 2019, a Coordenadora e Psicóloga do CAT-..., C... vieram informar o Juízo de Família e Menores do B... - Juiz 1, onde correm os autos (cfm fls.684), que o DGC... foi levado pela progenitora, sem autorização, para fora das instalações do CAT. Encontram-se em paradeiro desconhecido.
-Reforçam que o comportamento da progenitora nunca foi correto nem adequado, ameaçando sempre a equipa com tom verbal agressivo, daí que, após uma queda no berço e a criança ter sido levada ao Hospital C… e estar bem, sem sequelas, a equipa tenha optado por explicar a situação antes da visita do dia. A progenitora de imediato reagiu, insultando a equipa técnica, em delírio, dizendo palavras sem sentido. A equipa técnica pediu-lhe para se acalmar, ao mesmo tempo que chamou a Policia, alertando para o comportamento desadequado da referida senhora.
Contudo, uma das colaboradoras do CAT, não se apercebendo desta situação trouxe a criança para a visita. Optámos por realizar a mesma, sendo que a progenitora se encontrava ao telefone, descompensada, a gritar com a criança ao colo. Ignorou as chamadas de atenção da equipa, tendo inclusive empurrado um dos elementos da equipa técnica. Perante este facto, foi-lhe pedido que entregasse a criança, sendo que a progenitora recusou aos gritos, perturbando o normal funcionamento das visitas. Perante a insistência da equipa, a progenitora empurrou novamente um dos elementos da equipa e saiu a correr das instalações com a criança ao colo.
Durante este período de tempo a Policia não apareceu, tendo a equipa ligado de novo para pedir auxilio, pela fuga.
A equipa manifestou preocupação pelo que estava a acontecer neste período de acolhimento desde o mês de idade, até agora, em que o DGC... já completou um ano, sendo a Casa que o acolhe a única que conhece, são e salvo.
-O menor veio a ser encontrado, por volta das 4h da madrugada, no Hospital D. Estefânia, em Lisboa, local para onde a progenitora o levou, vindo a ter alta Clinica, após observação.
-Na sequência destes factos, a Coordenadora do Caso, em Assessoria Técnica aos Tribunais, no parecer de fls.676 e sgs, referiu parecer-lhe que não se encontram reunidas as condições de segurança e protecção para a continuidade da realização de visitas da progenitora ao seu filho DGC..., sugerindo que as mesmas sejam suspensas no CAT ..., em A….
-A progenitora do DGC... foi ouvida em interrogatório de arguido realizado em 18 de Setembro de 2019, no Inquérito que corre termos no Proc. 8…/19, do Juízo de Instrução Criminal de A…., por factos que indiciaram a prática de um crime de rapto, p e p. pelo art. 161, n°1, al.d) do CP), e que são os seguintes:
-No dia 17 de Setembro de 2019, pelas 17h45m, a arguida dirigiu-se ao Centro Comunitário de Acolhimento, sito na Rua ..., nesta comarca, referido em 3., local onde estava institucionalizado o seu filho menor, DGC..., a fim de proceder à respectiva visita.
-A visita foi realizada na presença da psicóloga, MR....
-Durante a visita, sem que nada o fizesse prever, a arguida alterou o seu comportamento e, com o uso da força, empurrou a psicóloga, tendo pegado no seu filho e o levado consigo para parte incerta.
-O menor veio a ser encontrado no Hospital D. Estefânia, em Lisboa, local onde a progenitora o conduziu.
-A arguida não tem residência fixa e foi alvo de internamento compulsivo à ordem do processo n.° 7…/18.3T8ALM.
-A arguida empregou violência para retirar o menor para local distinto da Instituição, bem sabendo que existia uma decisão judicial que a impedia de o levar consigo, com o intuito de constranger o Tribunal a tomar decisão diversa e a Instituição ficar privada do menor.
-Mais sabia que ao agir da forma descrita estava a prejudicar a liberdade de movimentos do menor, cujas responsabilidades parentais estavam atribuídas à Instituição.
-Agiu de forma livre, voluntária e consciente, sabendo que os actos por si cometidos eram punidos pela Lei.
-Segundo declarações da recorrente, no Interrogatório Judicial de 18-9-2019, o pai do DGC... encontra-se preso e os outros dois filhos foram-lhe retirados.
O Tribunal considerou que tais indícios fortes assentam nos seguintes meios de prova: Nos autos de notícia, aditamentos e por detenção; no auto de Apreensão; nos fotogramas juntos aos autos; notícia junta aos autos, valorando naturalmente certidão da decisão proferida pelo Tribunal de Família e Menores do B..., ora objecto de recurso.
-O relatório social junto a fls.676 enviado ao Tribunal de Família coincide com no seu teor com a factualidade atrás indiciada.
-À arguida foi imposta, entre outras, a medida de coacção de proibição de contactar, por qualquer meio, com o seu filho DGC..., e bem assim, de não contactar, por qualquer meio, com todas as pessoas que trabalham na instituição onde o menor se encontra actualmente acolhido.
IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Ao menor DGC... foi aplicada a medida de promoção e protecção de
confiança judicial a instituição com vista a futura adopção (arts. 35 n°1 g), 38, 38-A b) da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo da lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo.
Mais se decidiu que os progenitores ficariam inibidos do exercício das responsabilidades parentais relativamente ao filho.
Insurgem-se os recorrentes, pretendendo a revisão da medida, alegando que não foram esgotados todos os meios de instrução, com audição da família alargada e bem assim que devem ser acompanhados, aproximando-se do filho, até terem a vida organizada e poderem tê-lo com eles, devendo poder continuar a visitar o menor, para, após isso, lhes ser levantada a inibição das responsabilidades paternais.
Os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos e não podem deles serem separados, salvo quando não cumpram os deveres fundamentais para com eles ( arts.36 n°5 e 6 da CRP ).
O poder paternal apresenta-se como um efeito da filiação ( art.1877 e segs. do CC ), sendo concebido como um conjunto de poderes-deveres que competem aos pais relativamente à pessoa e bens dos filhos menores não emancipados, agora designado por responsabilidade parental.
Quando os pais não cumprem com os seus deveres fundamentais, a ordem jurídica confere às crianças, enquanto sujeitas de direito, mecanismos de protecção, podendo os filhos deles serem separados, como determina o n°6 do art.36 da CRP.
Na verdade, as crianças têm o direito fundamental à protecção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral ( art.69 n°1 da CRP ).
Também a Convenção Sobre os Direitos da Criança (adoptada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 20/11/89, assinada por Portugal em 26/1/90, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n°20/90 de 12/9 e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n°49/90, ambos publicados publicada no DR I Série n°211/90, de 12/10/90) impõe que os Estados tomem medidas de protecção das crianças contra todas as formas de violência, quer na família, quer fora dela (art. 19 ° n° 1).
A Lei de Protecção das Crianças e Jovens em Perigo ( Lei n°147/99 de 1/9, no caso, com as alterações dadas pelas Leis n°s 31/2003, de 22/8 e 142/2015, de 8/9), assume um novo paradigma no direito dos menores, cujo art.35° prevê um conjunto de medidas de promoção e protecção, com o objectivo, expressamente assinalado no art.34°, de afastar o perigo em que estes se encontram (alínea a/ ), proporcionar-lhes as condições que permitam proteger e promover a sua segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral( alínea b/), garantir a recuperação física e psicológica das crianças e jovens vítimas de qualquer forma de exploração ou abuso ( alínea c/ ).
A medida decretada de confiança instituição, prevista no art.35 alínea g) da da LPJCP, foi introduzida pela Lei n°31/2003 de 22/8 e pressupõe, nos termos do art.38-A, que se verifique qualquer das situações previstas no art.1978 do Código Civil.
O art.1978° (na redacção da Lei n°31/2003) estatui no n°1 que com vista a futura adopção, o tribunal pode confiar o menor a casal, a pessoa singular ou a instituição quando existam ou se encontrem seriamente comprometidos os vínculos afectivos próprios da filiação, pela verificação objectiva de qualquer das seguintes situações, entre as quais se destaca a alínea d) - Se os pais, por acção ou omissão, mesmo que por manifesta incapacidade devida a razões de doença mental, puserem em perigo grave a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento do menor .
Apesar de apenas se prever a incapacidade dos pais por doença mental, o espectro normativo, numa interpretação teleológica, abrange outras situações similares.
Refira-se que a não existência ou sério comprometimento dos vínculos afectivos próprios da filiação, postulado no corpo do n°1 do art.1978 do CC, é um requisito autónomo comum a todas as situações tipificadas.
Por isso é condição de decretamento da medida de confiança judicial que se demonstre não existir ou se encontrem seriamente comprometidos os vínculos afectivos próprios da filiação, através da verificação objectiva (independente de culpa da actuação dos pais) de qualquer das situações descritas no n°1 do art.1978° do CC.
O perigo exigido na alínea d) do n°1 do art.1978 do CC é aquele que se apresenta descrito no art.3° da LPCJP, conforme expressamente se remete no n°3 do art.1978° do CC, sem que pressuponha a efectiva lesão, bastando, assim, um perigo eminente ou provável.
Dispõe o n°1 do art.3° da LPCJP que a intervenção dos direitos e protecção da criança e do jovem em perigo tem lugar quando os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto ponham em perigo a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento, ou quando esse perigo resulte de acção ou omissão de terceiros ou da própria criança ou jovem a que aqueles não se oponham de modo adequado a removê-lo.
E o n°2 exemplifica situações de perigo, designadamente quando a criança não recebe os cuidados ou afeição adequados à sua idade e situação pessoal ou está sujeita, de forma directa ou indirecta, a comportamentos que afectem gravemente a sua segurança ou o seu equilíbrio emocional .
Neste contexto, a medida de promoção e protecção de confiança a pessoa seleccionada para a adopção ou a instituição com vista a futura adopção ( arts.38-A e 62-A da LPCJP ), para além de afastar o perigo do menor, visa simultaneamente a confiança pré-adoptiva, dispensando a acção prévia de confiança judicial destinada à adopção, significando que o instituto da adopção é agora cada vez mais orientado para protecção das crianças e dos jovens.
Por outro lado, toda a intervenção deve ter em conta o superior interesse da criança, princípio consagrado no art.3° n°1 da Convenção Sobre os Direitos da Criança - Todas as decisões relativas a crianças, adoptadas por instituições públicas ou privadas de protecção social, por tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, terão primacialmente em conta o interesse superior da criança .
E a Lei de Protecção das Crianças e Jovens em Perigo coloca à cabeça dos princípios orientadores da intervenção, na alínea a) do art.4°, o interesse superior da criança ou do jovem, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto.
Também o n°2 do art.1978 do CC estatui que na verificação das situações previstas no número anterior o tribunal deve atender prioritariamente aos direitos e interesses do menor.
O interesse superior da criança , enquanto conceito jurídico indeterminado carece de preenchimento valorativo, cuja concretização deve ter por referência os princípios constitucionais, como o direito da criança à protecção da sociedade e do Estado com vista ao seu desenvolvimento integral ( art.69 n°1 da CRP ), reclamando uma análise sistémica e interdisciplinar da situação concreta de cada criança, na sua individualidade própria e envolvência ( cf. Ac RC de 3/5/2006, proc. n°681/06 e Ac. da RC de 27/4/2017, proc. n° 268/12, Relator Jorge Arcanjo, ambos disponíveis em www dgsi.pt).
A primeira questão que se coloca é a de saber se aquando da aplicação da medida provisória de acolhimento em instituição o menor DGC... estava em situação de perigo, na acepção definida, ou seja, saber se está suficientemente caracterizada a situação de perigo ( art.3° da LPCJP).
Esta situação de perigo tanto pode provir de culpa (actuação dolosa ou negligente) dos pais, representante legal ou daquele que vier a sua guarda de facto ou de acção ou de omissão de terceiros, como de simples impotência ou incapacidade destes) (neste sentido, Tomé d'Almeida Ramião, Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo Anotada, 7.a edição, Lisboa: Quid Juris, 2014, p. 26).
As medidas de promoção dos direitos e de protecção das crianças e jovens em perigo visam afastar o perigo em que estes se encontram e proporcionar-lhes as condições que permitam proteger e promover a sua segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral (artigo 34.°, alíneas a), e b), da Lei de Protecção).
A segunda questão postula o requisito autónomo da não existência ou sério comprometimento dos vínculos afectivos próprios da filiação, exigido no corpo do n°1 do art.1978 do CC.
Importa acentuar que os vínculos afectivos próprios da filiação ( art.1978 n°1 CC ) devem ter um suporte factual consistente na interacção dinâmica entre pais e filhos, assente numa parentalidade responsável (próprios da filiação) e, nesta medida, como lucidamente se afirmou no Ac RC de 25/10/2011 ( proc. n° 559/05 ), disponível em www dgsi.pt são o resultado de um processo que se prolonga no tempo, sujeito, inclusive, a retrocessos e que, por isso, exige para se formarem e manterem que os pais se dediquem aos filhos de forma permanente, verificando e satisfazendo as suas necessidades físicas e emocionais, corrigindo-lhes as suas acções desadequadas e mostrando-lhes por palavras e acções o afecto que sentem por eles e fazendo-lhes sentir que eles têm valor para os pais e que aquela relação tem existido assim, existe e existirá para sempre.
Ou seja, como se afirma pertinentemente no Ac RL de 5/11/2015 ( proc. n° 6368/13) em www dgsi.pt, Sendo certo que os vínculos afectivos que obstam à aplicação da medida sob análise são os próprios da filiação: não basta que haja relação afectiva entre pais e filhos, é necessário - demonstrar esse amor de forma objectiva e constante, de molde que a própria criança encare o progenitor como referência com as referidas caraterísticas. Pais são aqueles que cuidam dos filhos no dia a dia, são aqueles que cuidam da segurança, da saúde física e do bem estar emocional das crianças, assumindo na íntegra essa responsabilidade.
Por outro lado, a quebra ou enfraquecimento dos vínculos não tem de ocorrer simultaneamente nos pais e filhos, porque relevante é que se evidencie entre as'crianças e os pais, ou seja, esta quebra deve demonstrar-se nas crianças em situação de risco.
No caso dos autos, resulta desde logo, que os Apelantes discordam da medida aplicada com base no princípio da prevalência da' família biológica.
O princípio da prevalência da família, enquanto princípio orientador de intervenção, impõe que seja dada prevalência às medidas que integrem a criança ou o jovem na sua família ou promovam a sua adopção, ou seja, as executadas no meio natural de vida (arts.4° g) e 35 n°3 da Lei n°147/99). Isto porque toda a criança tem o direito fundamental a ser educada e a desenvolver-se no seio de uma família, de preferência a sua (biológica) (arts.36°, 67° da CRP, art.7° n°1 da Convenção).
Contudo, a prevalência da família biológica pressupõe que esta reúna o mínimo de condições para garantir um desenvolvimento pleno da criança e necessariamente que, num juízo de prognose póstuma, se evidencie que a situação de perigo, objectivamente criada, não se voltará a repetir, e, por conseguinte, a preferência só é justificável na medida em que, no confronto com outra medida alternativa do meio natural de vida, como a confiança a pessoa seleccionada para adopção, se revele a mais adequada ao superior interesse da criança.
Tendo presente o exposto e a factualidade provada, entendemos que não assiste razão aos recorrentes, como bem vem analisado na sentença objecto de recurso. Como ai se refere, o DGC... nasceu em ... de 2018, o que significa que ainda não atingiu a maioridade e, por isso, encontra-se sujeito ao exercício das responsabilidades parentais exercido pelos progenitores, justificando assim a intervenção de promoção e protecção em caso de perigo (artigos 122.°, 1877.° e 1904.°, todos do Código Civil e 5.0, alínea a), da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo).
São os pais que têm o direito e o dever de educar e manter os filhos, não podendo estes deles ser separados, excepto quando os pais não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial (artigo 36.° da Constituição da República Portuguesa), devendo, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação e administrar os seus bens (artigo 1878.°, n.° 1 do Código Civil).
Assim, a intervenção para a protecção e promoção dos direitos da criança ou do jovem deverá nortear-se sempre no superior interesse da criança, ser proporcional e actual, dando-se prevalência às medidas que a integrem na família (artigo 4.°, alíneas a), e), f), e h), da Lei de Protecção).
O interesse de uma criança não se confunde com o interesse de outra criança e o interesse de cada uma destas é, ele próprio, susceptível de se modificar ao longo do tempo, já que o processo de desenvolvimento é uma sucessão de estádios, com características e necessidades próprias.
Caberá, pois, ao julgador preencher valorativamente este conceito, de conteúdo imprecisamente traçado, apreendendo o fenómeno familiar na sua infinita variedade e imensa complexidade e, numa análise sistémica e interdisciplinar da situação concreta de cada criança, decidir em oportunidade pelo que considerar mais justo e adequado.
Em conclusão, o ordenamento jurídico português configura o superior interesse da criança essencialmente como um critério orientador na resolução de casos concretos o qual não pressupõe a utilização pelo julgador de uma absoluta e total discricionariedade e, muito menos, de uma inadmissível arbitrariedade, conferindo ao juiz alguma dose de discricionariedade mas no sentido de que a sua interpretação permite mais do que uma solução igualmente válida, primariamente concretizado através do recurso a valorações subjectivas.
Resulta da factualidade provada que o DGC... se encontra confiado aos cuidados do centro de acolhimento temporário designado no âmbito de medida provisória poucos dias após o nascimento, tem tido- as visitas regulares dos pais e algumas visitas da avó materna, embora estas se pautem algumas vezes pela dificuldade da progenitora em aceitar as orientações e indicações dos técnicos, uma atitude de passividade por parte do pai e pouco tempo de disponibilidade manifestado pela avó materna.
A progenitora apresenta um quadro de perturbação de personalidade borderline o qual se define como um padrão de instabilidade das relações interpessoais, da auto-imagem e dos afectos, com marcada impulsividade, relações interpessoais instáveis, perturbação da identidade, instabilidade afectiva, sentimentos paranóides ou suspeição em relação aos outros de modo que os seus motivos são interpretados como malévolos, envolvendo frequentemente ausência de autocrítica e não reconhecimento da sua própria existência, tornando-se resistentes à mudança e potenciando dificuldades nas relações interpessoais. O pai vive em situação de sem-abrigo e não manifesta condições para ter o filho consigo, estando o próprio a ser apoiado por uma instituição em Lisboa; a avó materna manifesta disponibilidade para ter o neto aos seus cuidados mas estabelece como condição um apoio permanente por parte da segurança social, evidenciando que o neto poderá regressar ao centro de acolhimento caso as relações entre esta e a filha não funcionem bem ou o seu próprio filho, maior mas com um défice cognitivo, justifiquem cuidados acrescidos.
Ser pai e mãe, de corpo inteiro, implica dar carinho, atenção, protecção, segurança e ter capacidade para formar, tratar e cuidar dos filhos, não sendo suficiente apenas a manifestação de afecto por estes se, por outro lado, perante a situação em que o mesmo se encontra (acolhimento residencial), os pais ou a família alargada não assumirem uma atitude positiva e assertiva no sentido de cumprir as obrigações de convivência regular e securizante para que se possa aferir o grau de compromisso que permita antever uma adequada integração desta criança no agregado familiar ou na família alargada.
Assim, não existem quaisquer dúvidas de que se encontram preenchidos os pressupostos previstos no artigo 1978.°, n.° 1, alíneas d), e e), e n.° 2 do Código Civil uma vez que nenhum dos progenitores revela capacidade para ter o filho consigo, colocando em perigo a saúde, segurança a formação moral ou a educação deste e comprometendo ainda os vínculos afectivos próprios da filiação.
Assim sendo, e ponderados todos os elementos probatórios recolhidos no processo não restam dúvidas que a medida mais adequada que deve ser aplicada a favor do DGC... deverá ser a medida de confiança a instituição com vista a futura adopção.
Dúvidas não restam que a progenitora não dispõe de capacidade para assumir as suas capacidades parentais, tal como é suficientemente evidenciado nos relatórios periciais realizados e que não justificam grandes considerações, sendo certo que a situação do progenitor também não permite antever que esteja condições ou disponibilidade para ter o filho consigo já que nunca manifestou qualquer intenção nesse sentido.
Por outro lado, não existe família alargada apta e disponível a suprir essa omissão.
Com efeito, se é certo que, em termos puramente funcionais, a avó materna poderia dispor (e não temos dúvidas de que até disporia) de condições para ter o neto consigo, a verdade é que a sua própria situação pessoal, com um filho maior a cargo e fortemente dependente do apoio e da presença da progenitora, não lhe permite que possa assumir os cuidados de uma criança com a idade do DGC... e com as carências e necessidades que o mesmo justifica. Durante o próprio depoimento da avó materna, foi também possível verificar a necessidade e presença constante que o seu filho R... justifica, tanto mais que o mesmo teve que a acompanhar para o interior da sala de audiências durante a audição.
A avó materna também referiu os seus receios face a uma atitude mais conflituosa por parte da filha ou do pai do menor, os receios de que levem o neto para paradeiro incerto (uma vez que não sabe onde pernoitam nem onde trabalham ou residem) e a intenção de assumir esse cuidado em termos de apoio suplementar, sendo este assumido pela filha que, como verificámos, não tem condições para o fazer.
Finalmente, a avó materna tem uma posição ambivalente em relação ao neto já que referiu expressamente que, se as coisas corressem mal, o mesmo voltaria para o centro de acolhimento pois até nem estava lá mal.
Perante o exposto, não se vislumbra que outros membros da família alargada pudessem ser ouvidos, tanto mais que os recorrentes os não referem.
Portanto, improcede o recurso com tal fundamento.
A medida de apoio junto de outro familiar consiste na colocação da criança ou do jovem sob a guarda de um familiar com quem resida ou a quem seja entregue, acompanhada de apoio de natureza psicopedagógico e, quando necessário, ajuda económica (artigo 40.° da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo).
A aplicação desta medida pressupõe a impossibilidade de conceder o apoio familiar à criança ou jovem junto dos seus pais ou representantes parentais, pretendendo-se que esse apoio passe a ser exercido por outro familiar.
É estabelecida uma prevalência familiar em função do local onde a criança está (ou pode estar) integrada com um familiar, sobre a família mais próxima, em termos de grau de parentesco, embora possam ser cumulativas ou até vantajoso que existam os dois elos de proximidade.
O ambiente familiar constitui, pois, um elemento que deve prevalecer sobre o parentesco, entendendo-se que a existência de um vínculo mais afastado do parentesco não é relevante em face da integração em família e que a criança ou jovem já se encontra enquadrado e da qual faz parte vivendo em economia comum.
A execução da medida de apoio junto de outro familiar deve ser orientada no sentido de acompanhamento efectivo, responsável e securizante da criança ou do jovem, para aquisição, no grau correspondente à sua idade, das competências afectivas, físicas, psicológicas, educacionais e sociais que lhe permitam, cessada a medida, prosseguir em condições adequadas o seu desenvolvimento integral, de preferência junto dos pais ou em autonomia de vida (artigo 16.°, n.° 3 do Decreto-Lei n.° 12/2008, de 17 de Janeiro). Assim, o familiar acolhedor passa a exercer os poderes de guarda, de representação, assistência e educação, na medida indispensável à protecção da criança ou jovem e no respeito pelos termos da decisão judicial (artigo 26.° do referido Decreto-Lei).
Uma família funcional mas sem capacidade de sacrifício e de entrega não é suficiente para que se possa concluir que os vínculos afectivos próprios da filiação se consideram verificados. Cuidar significa comprometimento, sacrifício, desprendimento, abdicação dos interesses pessoais face aos interesses dos filhos (ou dos netos) e, no caso vertente, capacidade para assumir essa responsabilidade parental.
A criança é um sujeito autónomo de direitos, em que sobreleva o direito a um desenvolvimento harmonioso, num ambiente que exige afeição e responsabilidade e a ausência de descontinuidades graves no seu acompanhamento afectivo e educacional.
A família, elemento essencial da sociedade, é considerada o meio privilegiado para a concretização desse direito fundamental da criança, facto primordial para a realização plena e integral de todos os seus outros direitos.
É indiscutível o primado da família biológica nuclear para a concretização desse direito, no seu seio, com grande liberdade de opções educacionais e garantia do respeito pelo direito fundamental à reserva da vida privada e familiar.
É essencial a colaboração do Estado e da sociedade com a família para a realização desse direito.
O exercício de tal função pelos pais - responsabilidade parental - integra, porém, não um poder absoluto, mas um conjunto de poderes-deveres atribuídos aos pais para exercerem essencialmente no interesse dos filhos, único caminho para a satisfação dos interesses legítimos dos pais, que são também, naturalmente, tido em vista.
Esse carácter funcional das responsabilidades parentais implica a possibilidade e o dever, por parte do Estado, através de órgãos de soberania independentes - os tribunais -de limitar ou inibir o exercício das responsabilidades parentais quando, por acções ou omissões graves, tal exercício se afastar sensivelmente da sua referida função essencial, pondo seriamente em causa a realização de direitos fundamentais da criança, designadamente o de viver e crescer no seio de uma família que a ame como uma filha e tenha responsabilidade e capacidade mínimas para promover o desenvolvimento harmonioso e o sentimento de pertença da criança, no respeito pela sua progressiva autonomia.
Quando se verificarem esses desvios graves, a criança e a família têm o direito ao apoio da sociedade e do Estado para que, em tempo útil para a criança, se tente a recuperação da função parental.
Atento o primado da família biológica, há que apoiar as famílias disfuncionais quando se vislumbra a possibilidade destas reencontrarem o equilíbrio mas situações há em que tal não é viável, ou pelo menos, não o é em tempo útil para a criança, devendo em tais situações encetar-se firme e atempadamente o caminho da adopção (Exposição de Motivos da Lei n.° 31/2003, de 22 de Agosto).
Assim, quando essa recuperação em tempo útil não se mostre viável há que 1—ocurar a melhor solução alternativa, sem demoras injustificáveis para as necessidades prementes da criança, embora sem pressas que perturbem a indispensável ponderação de todas as circunstâncias e interesses legítimos em jogo (artigo 4.°, alínea h), da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo).
Essa resposta passa pela adopção enquanto medida de eleição para a protecção das crianças privadas de um meio familiar normal (neste sentido, Acórdão da Relação de Évora de 13/12/2007, proc. n.° 2590/07-3; Acórdão da Relação de Évora de 03/03/2010, proc. n.° 997/08.2TMFAR.E1 ambos disponíveis em www.dgsi.pt/tre).
O valor da adopção assenta no facto de permitir que a criança desprovida de meio familiar normal adquira uma família, que lhe dê afecto, carinho, amor, que promova a sua educação, zele pela sua segurança, saúde, sustento, e promova o seu desenvolvimento psíquico e afectivo, harmonioso e integral.
Centrada na defesa e promoção do interesse da criança desprovida de um meio familiar normal, a adopção permite a constituição ou a reconstituição de um vinculó em tudo semelhante ao que resultam da filiação biológica, de essencial relevância no contexto dos complexos processos de desenvolvimento social e psicológico próprio da formação da autonomia individual da criança adoptada.
Desta forma, e atendendo aos princípios plasmados no artigo 4.°, alíneas a), e), e h), da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, nomeadamente ao interesse superior da criança, da proporcionalidade e actualidade e prevalência da família, verificamos que o tempo do DGC... não é o tempo dos adultos e não é aconselhável que se perpetue uma solução em instituição por mais tempo, sendo manifestamente inexigível que esta criança continue à espera de um futuro que, seguramente, nenhum dos elementos da família biológica lhes poderá proporcionar da forma que a mesma merece e justifica.
O prolongamento da estadia do DGC... no centro de acolhimento temporário - ou o risco de voltar a integrar este centro caso a relação entre a avó materna e os progenitores não corresse bem - é manifestamente contrário aos seus interesses pois nunca teve oportunidade de viver numa casa e dispor de figuras parentais protectoras e dedicadas durante os seus curtos meses de idade.
Assim, torna-se urgente traçar para esta criança um projecto de vida estruturado e consistente, necessitando de uma família e atenção personalizada que, manifestamente, os seus progenitores biológicos não se demonstraram capazes de lhe garantir nem se afigura que, de acordo com um juízo de prognose favorável, o consigam fazer também no futuro e, deste modo, demonstrar as capacidades parentais que o Tribunal A Quo não lhes pode reconhecer, juízo de prognose que secundamos em absoluto.
Além do exposto, a ulterior conduta da recorrente, durante a visita ocorrida no dia 17 de Setembro, ao usar de força contra a psicóloga do local onde o DGC... se encontra institucionalizado, durante a visita, pegando no filho e levando-o para parte incerta, revela agressividade, desequilibro emocional, incapacidade de um normal relacionamento e de análise objectiva das situações, bem como de resistência à frustração, compatível com a personalidade atrás descrita e que só serviu para prejudicar qualquer aproximação com o filho e com o pessoal da Instituição onde o mesmo se encontra.
Esta sua conduta é para nós compatível com o diagnóstico de perturbação de personalidade do tipo borderline (estado limite) evidenciando uma personalidade hipercrítica mas com fraco nível de conceptualização e verbalização, cujo comportamento manifesta actividade desinibida, com discurso desorganizado, reflectindo dificuldade em lidar com estímulos emocionais, uma nítida instabilidade emocional e baixo limiar de tolerância a situações frustrantes.
Aliás, o relatório de perícia médico-legal na especialidade de psicologia concluiu que a progenitora apresenta uma perturbação de personalidade borderline, sem condições para ter o filho consigo. Antes de garantir o direito da mãe ter o filho consigo, há que garantir a segurança e bem estar físico, mental e emocional da criança que a progenitora não consegue garantir ao filho DGC....
Aliás, na sequência de tal conduta, foi-lhe imposta, no seguimento de interrogatório judicial de arguido detido, a medida de coacção de proibição de contactar, por qualquer meio, com o seu filho DGC..., e bem assim, de não contactar, por qualquer meio, com todas as pessoas que trabalham na instituição onde o menor se encontra actualmente acolhido.
Tal conduta remete-nos à apreciação do pedido de reavaliação da inibição das responsabilidades parentais.
Dispõe o art.1919 n°2 do CC que se o menor tiver sido confiado a terceira pessoa ou a estabelecimento dc educação ou assistência, será estabelecido um regime de visitas aos pais, a menos que, excepcionalmente, o interesse do filho o desaconselhe.
Mas quando a confiança é com vista a futura adopção (confiança pré-adoptiva), a lei determina que uma vez decretada a medida ficam os pais inibidos do exercício das responsabilidades parentais e, por com sequência, das visitas (arts.1978 e 1978-A CC). O art.62 da LPCJP (alteração da Lei n° 142/2C15 de 8/9) impõe que aplicada a medida da confiança pré-adoptiva, não há lugar a visitas por parte da família biológica. ( n°6) , só em casos fundamentados em função do interesse do adoptando podem ser autorizados contactos entre irmãos.
Daqui resulta que a inibição das responsabilidades parentais é uma consequência legal inelutável, imperativa, da aplicação da medida de protecção, significando que uma vez transitada esta, ficam proibidas as visitas.
Perante o exposto, não se mostra viável a procedência do pedido de modificação da decisão neste sentido, em relação à recorrente.
Em relação ao recorrente, para além do já exposto na sentença objecto de recurso, cabe salientar que a foi a própria recorrente quem referiu no interrogatório judicial de 18/9, que o mesmo se encontrava preso.
Não estão reunidas condições favoráveis à revisão da medida aplicada no sentido requerido pelos recorrentes, nem se afigura existir qualquer outra diligência dc instrução a realizar.
Pelo que, improcedendo todos os fundamentos do recurso, impõe-se manter na íntegra a aliás bem fundamentada sentença objecto de recurso.
DECISÀO
Nos termos vistos, Acordam os Juízes da 8a secção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente o recurso, mantendo na íntegra a sentença objecto de recurso. Custas a cargo dos Apelantes.
(Esta decisão foi elaborado pela Relatora e por ela integralmente revista)
Lisboa, 28 de Novembro de 2019
Maria Amélia Ameixoeira
Rui Moura
Eleonora Viegas
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