Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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 - ACRL de 26-01-2017   Interesse dos menores. Falência dos vínculos afectivos com a família natural. Adopção.
1. Se os progenitores não estabelecerem com os filhos uma relação afetiva segura e estável encontram-se seriamente comprometidos os vínculos afetivos próprios da filiação.
2. Os menores necessitam e têm direito a ter uma família com a qual possam estabelecer uma relação afetiva segura, com adultos que estejam presentes de forma contínua e que assumam na íntegra os seus cuidados, pois só desta forma poderão crescer com sentimentos de segurança e confiança nos outros e em si próprios.
3. Verificando-se a falência da família natural, uma vez que os progenitores dos menores se mostram incapazes de lhes proporcionar um adequado desenvolvimento, donde a solução que melhor se ajusta ao seu caso, por ser a que mais se aproxima dessa família natural, é a do seu encaminhamento para a adoção e consequentemente para uma família substitutiva.
Proc. 7195/12.9TCLRS 2ª Secção
Desembargadores:  Magda Geraldes - Farinha Alves - -
Sumário elaborado por Isabel Lima
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TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA
PROCESSO N° 7195/12.9TCLRS.L1

M..., identificada nos autos, mãe dos menores R... e S..., interpôs recurso de apelação do acórdão proferido nos presentes autos de promoção e protecção de menores, iniciados pelo MINISTÉRIO PÚBLICO, que decidiu:
a) aplicar aos menores R... e S..., a medida de promoção e protecção de confiança a instituição com vista a futura adopção e colocá-los sob guarda da Santa casa da Misericórdia de Lisboa, tendo em vista tal medida,
b) decidiu ainda sujeitar os menores ao instituto da curadoria provisória até ser decretada a adopção ou instituída a tutela, designando-se, para o efeito, o Sr. Director da Casa de Acolhimento Menino Jesus;
c) declarar a ora recorrente inibida, de pleno direito, do exercício das responsabilidades parentais relativas aos menores supra identificados;
d) decidiu proibir as visitas da família biológica.
Em sede de alegações de recurso formulou as seguintes conclusões:
a) O Tribunal a quo decidiu aplicar aos menores R... e S..., a medida de promoção e proteção de confiança a instituição com vista a futura adoção e coloca-los sob guarda da Santa casa da Misericórdia de Lisboa, com vista a tal fim, sujeitando-os a curadoria provisória até ser decretada a adoção ou instituída a tutela, designando tutor provisório o Diretor da Casa de Acolhimento Menino Jesus, ao mesmo tempo que declarou a ora recorrente inibida de pleno direito, do exercício das responsabilidades parentais e, por último, proibiu as visitas da família biológica;
b) A recorrente não pode concordar com tal decisão;
c) A matéria de facto dada como provada, preenche, em abstrato, o estatuído nas alíneas d) e e) do n.° 1 do art. 1978° do CC. Porém os factos que a sustenta ocorreram no passado e não agora, não sendo consequentemente relevantes para uma decisão acabada de tomar.
d) Ora, é exigível que os factos que sustentam uma decisão recente, sejam, também eles, atuais, devendo os pais ser julgados pelo que são e não pelo que foram, em virtude de circunstâncias várias, ocorridas no momento em que se decidiu aplicar a medida ora recorrida;
e) A demonstrar o que expendemos atente-se no vertido nos números 81, 82, 83,84, 8S, 8S, 86, 87, 88, 89, 90 e 92 dos fatos provados;
f) A progenitora que se apresentou em Tribunal é uma pessoa que luta arduamente para sair do turbilhão de vida em que nasceu, sendo hoje uma pessoa diferente da que já foi.
g) Não é mais a menina perdida que fugiu das instituições, que deixou seus filhos, mas sim uma mulher que na iminência de perder os seus bens mais preciosos, foi obrigada a crescer, apresentando-se em Tribunal, ao contrário do que se afirma, com um projeto de vida, pois afirmou que vai casar, já tem casa onde viver e onde pensa constituir e conviver com toda a sua família, sendo certo que goza do apoio de sua família materna e o seu futuro marido é uma pessoa que está na disposição de a acolher, bem como a seus filhos e criá-los como seus;
h) A decisão ora recorrida é precipitada e desactualizada, na medida em que não olhou para a realidade presente antes de decidir, baseando-se antes em factos distantes, pareceres desactualizados, não se encontrando há data esgotadas as possibilidades de as crianças permanecerem com a família biológica;
i) Do regime legal e convencional em vigor emana a conceção de que o desenvolvimento feliz e harmonioso de uma criança se processa e deve realizar-se no seio da família biológica, tida como a mais capaz de proporcionar à criança o necessário ambiente de amor, aceitação e bem- estar;
j) A Convenção Sobre os Direitos da Criança, aprovada em Nova Iorque em 20 de Novembro de 1989, aceite por Portugal e publicada no D.R., I série, de 12.9.1990, estabelece que todas as decisões relativas a crianças, adotadas por instituições públicas ou privadas de proteção social, por tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, terão primacialmente em conta o interesse superior da criança (art.° 3.° n.° 1), sendo que, nos termos do n.° 1 do art.° 9.° da Convenção, a criança não será separada dos seus pais contra a vontade destes, a menos que a separação se mostre necessária, no interesse superior da criança;
k) Não ficou demonstrado nos presentes autos que a medida de confiança a instituição dos menores, com vista a futura adoção seja a melhor solução e que a mesma assegure o superior interesse dos menores.
Nestes termos e nos melhores de direito que V Exas se dignarem suprir, deve ser concedido provimento ao recurso ora interposto e em consequência ser a decisão recorrida revoga da, ordenando-se a entrega dos menores à progenitora, ora recorrente, assim se fazendo Justiça.
L..., identificado nos autos, interpôs, igualmente, recurso de apelação do mesmo acórdão proferido nos autos, tendo concluído as suas alegações do seguinte modo:
1. Por acórdão de 07 de Outubro de 2016 foi decidido aplicar no superior interesse dos menores R... e S... a medida de promoção e protecção de confiança a instituição com vista a futura adopção.
2. O Recorrente discorda assim, do decidido, e atendendo ao exclusivo interesse dos menores, por entender que na sua determinação não foi respeitado o superior interesse dos menores.
3. O processo de promoção e protecção visa a protecção e a manutenção da família biológica, no seguimento das prioridades estabelecidas pela convenção Europeia dos direitos e liberdades fundamentais, devendo a intervenção ser orientada de modo a que os pais assumam os seus deveres para com a criança devendo-se sempre e em primeira linha dar prevalência à família biológica através de medidas que integrem as crianças ou jovens na sua família biológica.
4. Ora, o Recorrente, não é pai biológico do menor R....
5. Desde o início de todo este processo, mesmo ainda em sede de CPCJ já os autos tinham a informação que o aqui recorrente não é pai biológico do menor R....
6. Terá o R... direito a saber quem é o seu pai biológico?
7. Estamos em crer que sim.
8. E indiscutível que um dos princípios estruturantes de ordem pública do direito da filiação - que, contudo, não goza de dignidade constitucional - é o da verdade biológica (conf. Francisco Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, Curso de Direito da Família, Volume II, Direito da Filiação, Tomo I, Estabelecimento da Filiação, Adopção, Coimbra Editora, Coimbra, 2006, págs. 52 a 54, Jorge Duarte Pinheiro, O Direito da Família Contemporâneo, AAFDL, Lisboa, 1980, págs. 130 a 132, e João de Castro Mendes, Direito da Família, AAFDL, Lisboa, 1990/1991, págs. 226 a 228; em sentido diverso, Carlos Pamplona Corte-Real e José da Silva Pereira, Direito da Família, Tópicos para uma reflexão crítica, AAFDL, Lisboa, 2008, págs 95 a 98.).
9. Por força do princípio da verdade biológica, a verdade jurídica e a verdade biológica devem ser coincidentes.
10. A força do critério biológico no estabelecimento da filiação pode fundar-se, genericamente, no direito à identidade pessoal - do filho - e no direito ao desenvolvimento da personalidade - dos pais - objecto de consagração constitucional expressa (art° 26 n° 1 da CRP).
11. Além disso - diz-se - tratando-se de filho menor o princípio da verdade biológica pode ainda justificar-se pela expectativa de um melhor desempenho das responsabilidades parentais ou do cuidado parental - dado que este depende da constituição do vínculo da filiação - por parte daqueles que são os pais genéticos da criança.
12. A perfilhação comporta uma acção negativa: a perfilhação que não corresponda à verdade é impugnável em juízo mesmo depois da morte do perfilhado e a respectiva acção pode ser instaurada, sem dependência de qualquer prazo, designadamente pelo Ministério Público (art° 1859 n°s 1 e 2 do Código Civil).
13. In casu, o menor R... tem direito a sua verdade biológica, antes de lhe ser aplicada uma medida de adoção, porquanto a sua família biológica pode desempenhar as suas responsabilidades parentais.
14. Deveria o Ministério Público, em face da prova produzida ter intentado acção de impugnação da paternidade reconhecida por perfilhação, por a mesma não corresponder à verdade.
15. E assim esgotadas todas as possibilidades de o menor R... ser inserido no seio da sua família biológica.
16. O interesse público de coincidência entre a verdade jurídica e a verdade biológica,
sobrepõem-se às exigências de segurança e estabilidade das situações familiares adquiridas.
17. A inserção de um ser humano numa cadeia de relações intersubjectivas revela-se fundamental para a construção da sua identidade pessoal.
18. Determinar se uma pessoa é não filho de outra, não interessa, pois, só a estes dois indivíduos - mas também à sociedade em geral, uma vez que o estabelecimento de um vínculo acarreta em cadeia a redefinição das posições de muitas outras pessoas, sendo, além disso, do interesse público que a filiação assente na verdade biológica.
19. O interesse público no esclarecimento de relações geracionais, sob o prisma da verdade da natureza, explica, do mesmo passo, a imprescritibilidade das apontadas acções negativas de impugnação da maternidade estabelecida por declaração e da paternidade estabelecida por via da perfilhação, e a legitimidade do Ministério Público para a sua instauração.
20. A paternidade do menor R... foi estabelecida por perfilhação.
21. Como se apontou, deveria o Ministério Publico ter instaurado ad initio a competente acção para posteriormente se assegurar que a medida de acolhimento com vista a
adopção era a única medida possível a aplicar ao menor R....
22. O que não se fez.
23. Esta omissão, torna nulo todo o processado, porque construído em premissas que não se adequam à realidade factual, e por isso violadora do artigo 36.° da CRP, nulidade e inconstitucionalidade que desde já se arguiu.
24. Não parece ao Recorrente que a medida de confiança a instituição com vista a futura adoção seja a única que vise acautelar o superior interesse dos menores, afastando-os de
perigos na sua educação, formação e desenvolvimento, sendo que cabe ao processo tutelar a protecção e manutenção da família biológica, prioridade, esta, estipulada na Convenção Europeia dos Direitos e Liberdade Fundamentais.
25. No seguimento deste escopo, é prerrogativa principal num processo de promoção e
protecção de menores que os pais assumam as suas obrigações e deveres para com os menores, sendo a família biológica prioritária na escolha da integração dos menores, promovendo para o efeito medidas proporcionais e adequadas à integração dos menores no seio da sua família biológica.
26. No entendimento do Recorrente a aplicação da medida de adopção apenas poderá existir se se demonstrarem infrutíferas todas e quaisquer medidas de integração na família biológica, abrangendo também a família alargada em que haja um vínculo sanguíneo.
27. Em situações em que possa haver perigos para os menores têm que se encontrar vias que possibilitem que os mesmos sejam ultrapassados, sem que em primeira instância sejam retirados os menores da sua família.
28. Para tal existem medidas que se adequam a alcançar os objectivos propostos como sendo as medidas de apoio junto de outro familiar ou a confiança a pessoa idónea, a família ou instituição. A aplicação destas medidas é temporária, pois o pressuposto da sua aplicação é sempre o de correcção dos problemas existentes no núcleo familiar e da entrega dos menores à família biológica reestruturada.
29. O Recorrente tem vínculos afectivos com os menores que não cremos estarem comprometidos, uma vez que o mesmo tem actualmente uma vida equilibrada e que possibilita a integração dos menores R... e S... junto do pai.
30. O Recorrente encontra-se reabilitado sócio e economicamente, tendo uma casa e uma companheira, tendo um modo de vida completamente oposto aquele que originou o processo de promoção e protecção dos menores R... e S....
31. Todos os perigos a que os menores poderiam ter estado sujeitos anteriormente e derivados do modo de vida do seu pai, ora Recorrente, todas essas disfuncionalidades desapareceram, não se verificando qualquer perigo para os menores presentemente.
32. Assim sendo, não há qualquer razão para que os menores R... e S... não sejam integrados no seio da sua família biológica, mais concretamente junto do pai e do agregado familiar em que este se encontra integrada.
33. O Recorrente tem um lar, vive com uma companheira e os seus filhos, uma delas irmã dos menores R... e S..., tendo perfeitas condições familiares, sociais e económicas para acolher tanto o R... que não é seu filho biológico como o seu filho biológico S..., construindo uma família feliz, equilibrada e harmoniosa.
34. Não há qualquer dúvida que a nova realidade de vida do Recorrente é honesta e verdadeira.
35. Não foi feita qualquer avaliação das condições sócio-económicas presentes do Recorrente.
36. Actualmente, o Recorrente possui todas as condições para que os menores R... e S... lhe seja confiados.
37. No entanto, o Recorrente entende que em virtude do seu comportamento passado compreende que tal não seja, por ora, a medida aprovada.
38. Assim sendo, o Recorrente pretende continuar a demonstrar que a sua vida mudou completamente e que em nada tem a ver com a sua vida passada, estando em condições de cuidar e dar toda a educação e formação necessárias aos seus filhos R... e S....
39. A situação familiar do Recorrente é adequada e equilibrada e que decorreu precisamente de uma tomada de consciencialização por parte deste de que a sua conduta não era adequada e que punha em perigo os seus filhos R... e S....
40. A existência dos presentes autos possibilitou que o Recorrente acordasse, o que a fez mudar radicalmente de vida para evitar que os seus filhos lhe fossem retirados e fossem entregues para adopção.
41. Medida esta que foi aplicada e que ora se contesta, pois não é coerente que o Recorrente e os filhos continuem a ser penalizados por um erro do Recorrente que faz parte do passado e após demonstrar com factos concretos que as disfuncionalidades de que padecia foram ultrapassadas em prol do bem-estar dos seus filhos.
42. A alteração de comportamento do Recorrente está em consonância com o fim que um processo de promoção e protecção pretende alcançar que é o da integração dos menores no seu agregado familiar livre de disfuncionalidades e de perigos que afectem os menores.
43. Após avaliação de todas as circunstâncias e sopesando, quer as condições de vida anteriores do Recorrente, bem como as suas actuais condições e o facto dos menores se encontrarem institucionalizados, o Recorrente pretende que seja aplicada a medida, transitória por natureza, de manutenção dos menores na situação de acolhimento na instituição onde se encontram, com a duração de um ano, no decurso do qual seria aplicado um regime de visitas gradualmente mais aberto ao Recorrente e à família paterna, tendo o acompanhamento da Técnica da segurança Social que tem acompanhado os menores.
44. Neste período de um ano o Recorrente seria avaliada, bem como o seu comportamento.
45. Primeiramente e durante um mês as visitas processar-se-iam na instituição, posteriormente, no mês seguinte as visitas seriam fora da instituição, evoluindo no mês seguinte para visitas dos menores à casa do Recorrente aos fins-de-semana e em caso de parecer positivo as mesmas alargar-se-iam aos períodos de férias.
46. No final do decurso de um ano de aplicação da medida proposta seria realizada uma avaliação que a ser positiva permitiria a aplicação de uma nova medida que seria a de apoio junto do Recorrente.
47. Apenas e tão-somente com a medida ora proposta estará salvaguardado o superior
interesse dos menores R... e S..., que é a manutenção dos menores no seio da família biológica.
48. Entende o Recorrente que no caso sub judice é possível a aplicação da medida proposta por se encontrarem reunidas as condições necessárias à sua aplicação.
Termos em que se requer que o presente recurso seja julgado procedente e, consequentemente, seja o acórdão recorrido revogado, aplicando-se em substituição da medida de confiança a instituição com vista a futura adopção, a medida proposta de manutenção dos menores em acolhimento em instituição pelo período de um ano, com estipulação de regime de visitas à família paterna.
Assim se fazendo a acostumada JUSTIÇA!
A Exma. Magistrada do Ministério Público contra-alegou, concluindo:
1-Pela douta decisão de 07-10-2016 foi aplicada a favor dos menores R... e S..., a medida de promoção e protecção de confiança a instituição com vista a futura adopção e, consequentemente, foram colocados à guarda da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, com vista a futura adopção
2-De tal decisão ambos os progenitores, interpuseram recurso, defendendo, nas alegações apresentadas, que a prova produzida impunha decisão diversa defendendo a progenitora que os menores lhe devem ser entregues e o progenitor a manutenção dos menores em acolhimento em instituição pelo período de um ano, com estipulação de regime de visitas à família paterna.
3- Em síntese, ambos os progenitores, referem que a sentença apreciou erradamente a matéria de facto que resultou da discussão da causa e dela retirou ilações incompatíveis com os factos provados.
4-Ora, se atentarmos no disposto nos art.° s 389° e 396° do código civil quer a prova testemunhal quer a prova pericial está sujeita ao princípio da livre apreciação da prova.
5-E, como se afirma no Acórdão da Relação de Lisboa de 22-11-2001, disponível in www.dgsi.pt o princípio da livre apreciação da prova implica a valoração dos factos pelo Tribunal em obediência à sua livre convicção e às regras da experiência comum, ou como se diz no Acórdão da Relação de Lisboa de 02-07-2002, disponível, igualmente, in www.dgsi.pt A livre apreciação da prova implica uma valoração racional e crítica e de acordo com as regras da experiência comum, tendo em conta o homem médio suposto pela ordem jurídica.
6-Assim, ao fazer-se uma vai oração racional, crítica e de acordo com as regras da experiência comum, tendo em conta o homem médio a matéria de facto que ficou provada não podia ser outra senão a que, na douta sentença sob recurso foi dada como assente.
7:..Acresce que a modificabilidade da decisão de facto, atenta a jurisprudência dominante, não pode subverter o princípio da livre apreciação da prova.
8-De facto e tal como se afirma no Acórdão da Relação de Coimbra de 16-05-2006, processo 887/06, disponível em www.dgsi.pt :
I-O controle de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação da prova e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova pelo julgador, construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade.
II- ... Na formação da convicção do julgador não intervêm apenas elementos racionalmente demonstráveis, mas também factores não materializados, pois que a valoração do depoimento é algo absolutamente imperceptível na gravação/transcrição
III- O que é necessário é que no seu livre exercício da convicção, o tribunal indique os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção do facto provado ou não provado, possibilitando, assim, um, controle sobre a racionalidade da própria decisão.
9-Ora, da leitura da fundamentação de facto resultam, de forma clara as razões que conduziram aos factos dados como provados.
10-E, as razões aí apontadas evidenciam racionalidade e razoabilidade, de acordo com as regras da experiência comum aferidas tendo em conta o homem médio.
11-Para além disso, importa, ainda, referir que o princípio da livre apreciação da prova pelo Tribunal, sobrepõe-se à divergência do recorrente sobre a matéria de facto provada, como se afirma no Acórdão da Relação de Lisboa de 02-07-2002, in www.dgsi.pt.
12-Assim sendo deverá ser mantida a decisão recorrida que se mostra devidamente fundamentada, fundamentos com os quais concordamos e a qual defende os superiores interesses dos menores R... e S....
Mas V.a Excelências decidirão como for de justiça.
Questão a apreciar: saber se a factualidade apurada nos autos determina a aplicação aos menores R... e S... da medida de acolhimento em instituição com vista a futura adopção, em sua substituição, se mostra mais ajustada medida menos gravosa, como a entrega dos menores à mãe ou a sua manutenção em instituição de acolhimento pelo período de um ano, com estipulação de regime de visitas à família paterna.
FUNDAMENTAÇÃO
OS FACTOS
A matéria de facto dada como provada no acórdão recorrido é a
seguinte:
(...). 1. R... nasceu a 22 de Abril de 2013, na freguesia de Campo Grande, concelho de Lisboa, e é filho de M... e de L... (doc. de fls. 462 a 464).
2. S... nasceu a 8 de Setembro de 2014, na freguesia de Alvalade, concelho de Lisboa e é filho de M... e de L... (doc. de fls. 55 e 56 do apenso A).
3. A progenitora dos menores nasceu no dia 20.12.95 (doc, de fls. 76 a 78).
4. A situação do R... foi sinalizada pelo Serviço de Neonatologia do Hospital de Santa Maria por estrutura familiar disfuncional, desemprego de ambos os pais (sendo a mãe menor de idade), desorganização nas rotinas familiares e grandes dificuldades ao nível das competências parentais (cfr. fls. 310 a 312).
5. A integração familiar do menor foi acompanhada pelo Projeto de Apoio Domiciliário da Associação de Ajuda ao Recém-nascido Banco do Bebé.
6. Na altura, o menor permaneceu com a mãe em casa da avó paterna do menor, M... (cfr. fls. 341 a 344).
7. Durante esse acompanhamento, a mãe do R... adquiriu autonomia nos cuidados de higiene e alimentares do menor, embora com necessidade de supervisão dos mesmos para continuar a adequação (por exemplo, na introdução de novos alimentos).
8. A mãe do menor mostrou-se adequada, carinhosa e envolvida nos cuidados ao bebé, embora evidenciasse algum cansaço e imaturidade na relação com o técnico.
9. A mãe do menor desorganizou-se com as datas das consultas do filho, faltando e comparecendo no Centro de Saúde dias depois.
10. A partir de Agosto de 2013, a progenitora passou a aderir menos às propostas colocadas pela equipa de acompanhamento do Banco do Bebé (por exemplo, esterilizar os biberons, introduzir novos alimentos na dieta do filho, promover autonomia no filho, fixar as rotinas de sono do filho em termos de horários e local).
11. E também passou a envolver-se menos nos cuidados ao filho, colocando as suas próprias necessidades em primeiro lugar (por exemplo, integrar o agregado do pai do menor).
12. Assim como passou a ficar muito tempo na rua com o filho, alterando as rotinas e os ritmos deste.
13. Luís e Márcia passaram a discutir com frequência e a incompatibilizarem-se com M... (mãe de Luís).
14. Face a tais conflitos, M... saiu do agregado de M..., em Setembro de 2013, e foi residir com o progenitor do R... para Lisboa.
15. Durante uma visita domiciliária efetuada sem aviso prévio, a 24.10.2013, quando os progenitores ainda residiam em Lisboa, foram detetados ratos no chão da sala, enquanto Márcia estava a dar a refeição do almoço ao filho.
16. Na mesma ocasião, estavam ainda na sala o pai do menor e outro indivíduo a fumar (com cheiro aparente de estupefacientes) e a mãe do menor mostrou-se muito embaraçada pela presença dos técnicos.
17. Luís assumiu consumir pontualmente haxixe fora da habitação.
18. Na residência de Lisboa, morava com os pais do menor um irmão de Luís que também consome haxixe, embora com mais regularidade.
19. Em visita domiciliária efetuada sem aviso prévio, a 6.11.2013, após a chamada à porta de casa, o pai do menor abriu imediatamente a porta, sem perguntar quem era.
20. Durante as visitas efetuadas pelos técnicos da EAF e do Banco do Bebé era frequente várias pessoas entrarem e saírem da habitação, sem motivo aparente.
21. Na referida visita de 6.11.2013, a casa apresentava o chão da cozinha muito sujo, com nódoas e pegajoso, e os eletrodomésticos estavam com sujidade ressequida.
22. O menor R... começou a revelar progressivamente maior dificuldade em se acalmar e em ter padrões alimentares e de sono adequados à idade.
23. Perante esta situação fáctica, por decisão de 21-02-2014 a medida que inicialmente havia sido aplicada a favor do R... de apoio junto da mãe foi substituída pela medida de acolhimento em instituição.
24. O R... foi acolhido no CAT de Santa Joana, sito em Lisboa, onde deu entrada a 25-02-2014.
25. Aquando da entrada no CAT, o R... apresentava graves condições de higiene a nível corporal e do seu vestuário, exalava mau odor, tinha pediculose e apresentava-se assado de forma exacerbada na zona da fralda.
26. Nas visitas que realizavam ao filho os progenitores apresentavam graves problemas de higiene, exalando mau odor corporal.
27. No tempo das visitas os pais interagiam com o filho e iam dividindo o tempo, para que cada um pudesse estar de forma individualizada com a criança.
28. Nalgumas visitas observou-se uma tensão no relacionamento dos progenitores, salientando-se que nalgumas o elemento educativo que se encontrava a acompanhar a visita verificou que o pai ameaçou agredir a companheira com um pontapé, quando esta lhe solicitou adequação no diálogo com o elemento que efetuava o acompanhamento das visitas.
29. Embora os pais tenham afirmado pretender a reintegração do filho no seu agregado, sempre inviabilizaram a definição e contratualização de um plano de intervenção.
30. Em agosto de 2014 a equipa técnica da CAT em conversa com a mãe do R... confirmou as suspeitas que tinham de que estava grávida.
31. A mãe do R... confirmou estar grávida de sete meses, estando o parto previsto para 15-09-2014.
32. Em 21-11-2014 o R... é transferido para a Casa de Acolhimento Menino Jesus.
33. Em 8 de Setembro de 2014 nasce o S....
34. A situação do S... foi sinalizada pelo Serviço de Neonatologia do Hospital de Santa Maria por o bebé ter nascido de uma gestação mal vigiada, de uma mãe com hábitos de consumos de cannabis, tendo o processo sido remetido para o Ministério Público por ausência de consentimento dos progenitores relativamente à aplicação da medida de acolhimento institucional após o internamento.
35. O S... é um bebé fruto de uma gestação mal vigiada, de uma mãe com hábitos de consumos de cannabis mesmo durante a gravidez.
36. E um bebé com necessidade de um ambiente securizante e protetor, não apresentando os progenitores competências parentais nem condições adequadas para lhe assegurar os cuidados, pelo que é proposta a aplicação de acolhimento conjunto mãe-filho (cfr. relatório social junto a fls. 33 a 39 do apenso A).
37. Assim, por acordo, é aplicada ao S... a medida de acolhimento em instituição conjuntamente com a progenitora, tendo sido acolhidos na Associação Mum' s & Kids.
38. A integração da mãe na referida Associação foi difícil (cfr. relatório junto a fls. 68 a 73 do apenso A).
39. Com o decorrer do tempo verificou-se uma evolução positiva nos cuidados prestados ao S....
40. Entretanto, o R... continua na Casa de Acolhimento Menino Jesus da SCML, sendo que o progenitor deixou de o visitar.
41. Em 31 de Agosto de 2015 a mãe e os dois filhos, R... e S..., são integrados na Casa de Sant' Ana sita em Algueirão, Mem Martins.
42. Durante o acolhimento a progenitora de acordo com o relatório social elaborado pela Casa de Sant Ana, junto a fls. 680 a 690 dos presentes autos, demonstrou, além de tudo o mais, nomeadamente:
- ... grande instabilidade de humor ... é impulsiva e inconsequente, tendo já desrespeitado as funcionárias da instituição, entrando em briga verbal e física com uma colega e desobedecido a uma ordem da Diretora Técnica e saído da Instituição sem autorização;
- ... muitas dificuldades na gestão do seu tempo, em especial de manhã, atrasando-se quase sempre para descer para o pequeno-almoço e pressionando os filhos durante o mesmo para se despacharem a comer e ir para a sala de atividades, o que para o R... é gerador de um grande stress pois necessita de tempo para comer e reage chorando e fazendo birra .. ;
- Em contexto laboral, Márcia tem poucas competências, ... mostrou pouca motivação para aprender, pouca valorização pessoal na qualidade do trabalho, incumprimento de horários, dificuldade na relação hierárquica ;
- Mostra incapacidade em se controlar emocionalmente, reagindo com uma raiva inadequada sobre assuntos aparentemente triviais, o que se manifesta no seu desempenho diário e poderá por em causa a manutenção de um emprego no futuro;
- ... mostra uma grande desorganização interna, sempre que sai para tratar de algo esquece-se ou perde qualquer coisa (os pins dos cartões de cidadão, o assento de nascimento do filho, o telemóvel emprestado da amiga e o dela, os comprovativos solicitados ... );
- Embora Márcia tenha negado sempre, suspeita-se que consuma por vezes bebidas alcoólicas ou outras substâncias ilícitas quando se ausenta da instituição devido às alterações do seu comportamento quando regressa e também devido à ansiedade e irritabilidade que por vezes apresenta e à urgência em sair da Instituição para tratar de assuntos (não urgentes) e ausentando-se o dia todo para tratar de um assunto que levaria no máximo uma manhã;
- Márcia beneficiaria se aceitasse o acompanhamento psicológico e psiquiátrico fundamentais para a ajudar a controlar as emoções instáveis e impulsivas e a desorganização interna e externa que apresenta.
43. A situação da Márcia agudizou-se de tal forma que a instituição rescindiu o contrato de acolhimento por incumprimento reiterado ... com os seus deveres, violando normas do Regulamento Interno e inviabilizando a continuidade do acolhimento e da elaboração de um projeto de vida assente na sua capacitação pessoal e material e inserção socioprofissional dado não conseguir respeitar nem cumprir com os compromissos assumidos junto da equipa técnica e com as colaboradoras que a acompanham diariamente (cfr. fls. 713 e 715 a 718).
44. Durante o período em que esteve acolhida com os filhos na Associação Mum' s & Kids a progenitora manifestou uma escalada de comportamentos desadequados em termos de regras institucionais (saía sem autorização, não cumpria horários, não acatava com as orientações técnicas) e em termos de prestação de cuidados aos filhos, delegando a prestação destes cuidados a terceiros.
45. A progenitora entregava os filhos na sala de atividades e desaparecia sem dar conhecimento do seu paradeiro e sem estar contactável.
46. Em virtude da rescisão do contrato de acolhimento ter efeitos a partir de 18 de março de 2016 e desconhecendo-se para onde a progenitora iria residir, na sequência da decisão proferida a 11-03-2016, constante de fls. 723 a 724, os menores foram acolhidos na Casa de Acolhimento Menino Jesus.
47. Após o acolhimento dos menores na Casa de Acolhimento Menino Jesus, a mãe não voltou a estar em contacto com os mesmos.
48. Cerca de 15 dias após o acolhimento dos filhos nesta Casa, a progenitora foi à Casa de Sant Ana buscar os seus pertences.
49. Nessa altura a Casa de Sant' Ana contacta a Casa de Acolhimento Menino Jesus e passa o telefone à progenitora dos menores, que pede à Diretora para falar com o R....
50. A Diretora diz à progenitora que isso não poderia ser feito porque iria causar sofrimento ao menor ouvir a voz da mãe sem perceber o que se estava a passar, mas que lhe marcaria uma entrevista com vista ao apuramento da consistência do seu interesse em se voltar a aproximar dos filhos.
51. A entrevista foi agendada para o dia 04.04.16.
52. A progenitora não compareceu, não justificou a sua falta e não solicitou a remarcação da entrevista.
53. Em maio de 2016 a técnica da EATTL gestora do processo dos menores, Dra. D..., ligou à progenitora e perguntou-lhe onde é que ela estava a viver.
54. A mãe dos menores disse-lhe que estava a viver em casa do irmão do Sr. Luís, sem quaisquer rotinas, sem qualquer projeto.
55. A Dra. Dina Valente agendou uma entrevista com a progenitora dos menores para o dia 06.05.16. e disse-lhe que deveria solicitar na instituição a definição de um regime de visitas aos filhos.
56. A progenitora dos menores não compareceu, não justificou a sua falta e não solicitou a remarcação da entrevista.
57. No dia 16.05.16, a Dra. D... conseguiu contactar telefonicamente a mãe dos menores e marcou-lhe uma entrevista para o dia
25.05.16.
58. A progenitora dos menores não compareceu, não justificou a sua falta e não solicitou a remarcação da entrevista.
59. Apesar de ter tentado contactar telefonicamente a progenitora dos menores por diversas vezes após 25.05.16, a Dra. D... não conseguiu voltar a falar com esta.
60. Em finais de junho de 2016 a progenitora contacta a casa de Acolhimento Menino Jesus para retomar as visitas aos filhos e é-lhe transmitido que em virtude da sua ausência prolongada tal não seria benéfico para os menores, devendo a mesma entrar em contacto com o Tribunal para que este se pronunciasse sobre o pedido de visitas da progenitora.
61. A progenitora nunca apresentou qualquer requerimento em Tribunal solicitando visitas aos filhos.
62. O pai encontra-se ausente do quotidiano dos filhos, nunca tendo manifestado qualquer interesse na definição de um projeto de vida dos mesmos nem no estabelecimento de um vínculo com qualquer um deles.
63. Apenas aquando da integração do R... na CA Santa Joana e do S... na Mum's & Kids o pai efetuou algumas visitas às crianças.
64. A última vez que o progenitor viu o S... foi em maio de 2015.
65. O progenitor justifica as suas ausências às visitas invocando que a progenitora o tinha proibido de ver os filhos.
66. Porém, o progenitor nunca deu conhecimento às instituições onde os filhos se encontravam desta alegada proibição de visitas por parte da mãe dos menores e não solicitou visitas aos mesmos.
67. O progenitor não requereu igualmente junto do Tribunal a definição de um regime de visitas aos filhos.
68. Após ter deixado de visitar os filhos o progenitor não realizou qualquer diligência para saber do paradeiro destes nem para saber como é que estes estavam.
69. Depois da mãe dos menores ter saído da casa dela, a avó paterna dos menores nunca os foi visitar nem procurou saber informações sobre os netos.
70. A Casa de Acolhimento Menino Jesus nunca foi contactada pelos avós paternos dos menores.
71. Para além dos progenitores, apenas o bisavô materno das crianças as visitou.
72. O bisavô materno verbalizou que se pretendia constituir como alternativa para acolher os menores, no entanto, a EATTL, das diligências que efetuou concluiu que o mesmo é uma pessoa ... tendencialmente agressiva na relação de casal, com hábitos alcoólicos e sem juízo crítico para avaliar as suas próprias incapacidades como cuidador da mãe das crianças, bem como as necessidades e os maus-tratos emocionais evidenciados pelos netos.
73. A avó materna dos menores nunca fez qualquer diligência para se constituir como alternativa para acolher os netos.
74. Esta avó reside há vários anos no Reino Unido e nem sequer conhece os netos.
75. A progenitora dos menores beneficiou de um processo de promoção e proteção e esteve acolhida na Casa da Luz.
76. A progenitora dos menores vivia com os avós maternos até ser acolhida na Casa da Luz.
77. Tem o 6° ano incompleto, está desempregada e não tem quaisquer rendimentos.
78. Na Ia sessão do debate judicial que teve lugar no dia 19.09.16 a progenitora declarou que se encontrava a viver na casa de uma amiga chamada Anabela Veríssimo há um mês e tal, mas que desconhecia a morada.
79. Mais declarou que esta senhora tem 86 ou 87 anos de idade e diz que tem um quarto para ela e para os filhos.
80. Esta senhora nunca veio aos autos dizer que se constituía como alternativa para acolher os menores.
81. A progenitora declarou também que namorava há um mês e três dias com um indivíduo nacional do Bangladesh, de 27 anos, e que iria casar com o mesmo no corrente mês de outubro.
82. O namorado/noivo da progenitora não possui autorização de residência.
83. Segundo a progenitora o seu namorado/noivo explora uma frutaria há 4-5 meses
e desconhece quais os rendimentos auferidos pelo mesmo porque não lhe faz perguntas.
84. A progenitora declarou que o seu namorado/noivo, que não conhece os menores,
gostava muito destes e que os iria criar como se fossem seus filhos.
85. Na segunda sessão do debate judicial a progenitora declarou que afinal namorava com o seu noivo não há um mês e três dias mas há quatro meses e que iria casar com o mesmo no corrente mês de outubro.
86. Mais declarou que iria casar com o mesmo não para que ele adquirisse a nacionalidade portuguesa mas porque gostava dele e ele a iria ajudar com os filhos.
87. Na segunda sessão do debate judicial a progenitora juntou aos autos um contrato de arrendamento referente à fração autónoma designada pelo n° 5 da R. Aristides Sousa Mendes, Vila Martins, Fonte da Pipa, em Camarate (fls. 937 a 939).
88. Tal contrato de arrendamento foi celebrado no dia 21.09.16 (dois dias depois da Ia sessão do debate judicial) e teve início nesse mesmo dia (fls. 937 a 939).
89. Segundo a progenitora esta fração irá servir de residência para ela e para o seu noivo.
90. A renda referente à fração autónoma supra identificada é no valor de € 200,00 (duzentos euros) mensais e de acordo com a progenitora será suportada pelo seu noivo.
91. A progenitora não apresenta um projeto de vida consistente para o R... e o S...: ora diz que quer ser novamente acolhida com os filhos em instituição, ora diz que vai casar com o noivo e que ele a vai ajudar a criar os filhos, ora diz que a avó materna se vai constituir como alternativa para acolher os menores, ora diz que ela e os menores vão para o Reino Unido para ao pé da mãe dela, ora diz que ela e os filhos e o seu noivo vão para o Reino Unido viver com a sua mãe.
92. No dia 29.09.16, pelas 13h17m, foi rececionado neste Tribunal um fax enviado de Grantham Library com o seguinte teor:
Eu, S... (... ), mãe de M... venho por este meio declarar e solicitar ao citado Tribunal a opção de ficar com a tutela e responsabilidade sobre os meus netos na eventualidade de não serem devolvidos à mãe (... ) (doc. de fls. 935).
93. Tal fax não se mostra assinado.
94. A progenitora abandonou o acompanhamento psicológico e psiquiátrico e deixou de tomar a medicação.
95. A progenitora já foi condenada pela prática de um crime de furto simples, em supermercado, na pena de vinte dias de multa (doc. de fls. 927 e 928).
96. O progenitor já foi condenado pela prática de um crime de roubo na pena de um ano de prisão, suspensa na sua execução por dois anos, pela prática de um crime de tráfico de quantidades diminutas e de menor gravidade na pena de 60 dias de multa e pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes na pena de quatro anos e nove meses de prisão suspensa na sua execução por quatro anos e nove meses (doc. de fls. 921 a 926).
97. O progenitor declarou trabalhar na área da construção civil, trabalhando com um familiar da sua companheira.
98. Declarou trabalhar de 2a a 6a feira e auferir entre € 500,00 (quinhentos) a € 560,00 (quinhentos e sessenta euros) mensais.
99. O progenitor e a sua companheira começaram a viver juntos dois dias depois de se terem conhecido e estão juntos há um ano e meio.
100. O progenitor vive com a sua companheira, com dois filhos desta e com a filha comum do casal, de dois meses de idade.
101. A companheira do progenitor tem um outro filho com oito anos de idade, o qual declarou que foi confiado pelo Tribunal há sete anos à guarda e cuidados do pai.
102. Segundo a companheira do progenitor (que declarou saber pouco ou nada sobre o passado do mesmo), este tem pelo menos mais três filhos, o Bruno, a Lara e a Bárbara.
104. O progenitor, a sua companheira, os dois filhos desta e a filha comum do casal vivem em casa da mãe da companheira, um apartamento com três assoalhadas, juntamente com esta, com uma irmã da companheira e com dois filhos da mesma, em morada que o progenitor declarou desconhecer.
105. A companheira do progenitor está desempregada.
106. O progenitor dos menores e a sua companheira declararam que ainda este mês iriam viver para casa de um irmão do Sr. L….
107. A referida casa pertence à Gebalis e o progenitor e a sua companheira não estão autorizados a residir nessa habitação.
108. O progenitor verbalizou que pretendia acolher o S..., mas que não sabia se podia acolher o R... uma vez que não é o seu pai biológico.
109. Os pais continuam a não reconhecer as razões que levaram ao acolhimento residencial dos filhos.
110. M... e L... declararam em sede de debate judicial que este não era o pai biológico do menor R....
111. L... declarou na primeira sessão do debate judicial que M... se encontrava grávida, o que esta negou na segunda sessão do debate judicial.
112. De acordo com o relatório junto a fls. 802 a 820:
- ... o R... é uma criança que revela, na atualidade, grande sofrimento psicológico atendendo ao vazio interno provocado pela ausência
de uma referência de vinculação materna ou paterna ... revela comportamentos impulsivos, ansiedade, dificuldade de adaptação a novos
contextos e em gerir a frustração... Comparativamente ao avaliado aquando da sua transferência para a Casa de Sant ' Ana, o R... regrediu em todas as áreas do seu desenvolvimento, sendo uma criança, que do ponto de vista afetivo e emocional está muito instável e descompensada,
revelando uma marcada carência sem capacidade de consolo ...
113. O S... é uma criança autónoma, sorridente, interativa com o adulto e não tem revelado dificuldades na adaptação ao atual meio institucional.
114. O menor R... já foi alvo de 4 acolhimentos residenciais.
115. O S... nunca viveu em contexto familiar, tendo passado toda a sua existência em acolhimento residencial.
116. A medida em vigor a favor dos menores, D… e S…, embora lhes satisfaça as necessidades ao nível da alimentação, higiene, estimulação, saúde, segurança e supervisão, como se refere no mesmo relatório ... não está a corresponder às necessidades de afeto/pertença/vinculação de qualquer das crianças, sendo, contudo, mais
evidente no R... ... pela sua idade e entendimento que tem acerca dos
4 acolhimentos de que foi alvo, o sofrimento psicológico e instabilidade
emocional em que se encontra.
Foram dados como inexistentes factos relevantes que devessem considerar-se não provados.
O DIREITO
Com base nos factos apurados e supra transcritos, o tribunal a quo decidiu aplicar aos menores R... e S..., a medida de promoção e protecção de confiança a instituição com vista a futura adopção e colocá-los sob guarda da Santa casa da Misericórdia de Lisboa, tendo em vista tal medida.
De tal decisão interpôs recurso a mãe dos menores, alegando em síntese
que não é mais a menina perdida que fugiu das instituições, que deixou seus filhos, mas sim uma mulher que na iminência de perder os seus bens mais preciosos, foi obrigada a crescer, apresentando um projecto de vida, pois vai casar, já tem casa onde viver e onde pensa centrar sua vida e de seus filhos, constituindo família.
Diz não ser a pessoa que anos antes tentou ser, mas não conseguiu, sendo hoje uma pessoa muito diferente daquela, que goza do apoio da sua família materna, que o seu futuro marido é uma pessoa que está na disposição de acolher seus filhos e criá-los como se fossem seus.
Alega que a decisão ora recorrida é precipitada e desactualizada, na medida em que não olhou para a realidade actual, baseando-se antes em factos passados e distantes, em pareceres desactualizados, não se encontrando,
presentemente esgotadas, a possibilidade de as crianças permanecerem com a família biológica. , não tendo ficado demonstrado nos presentes autos que a medida de confiança a instituição dos menores, com vista a futura adopção seja a melhor solução e que a mesma assegure o superior interesse dos menores.
O pai dos menores interpôs igualmente recurso, alegando, em síntese que a paternidade do menor R... foi estabelecida por perfilhação e deveria o Ministério Publico ter instaurado ad initio a competente acção para posteriormente se assegurar que a medida de acolhimento com vista a adopção era a única medida possível a aplicar ao menor R..., o que não se fez.
Alega que Esta omissão, torna nulo todo o processado, porque construído em premissas que não se adequam à realidade factual, e por isso violadora do artigo 36. ° da CRP, nulidade e inconstitucionalidade que desde já se arguiu.
Refere que a medida de confiança a instituição com vista a futura adopção não lhe parece que seja a única que vise acautelar o superior interesse dos menores, afastando-os de perigos na sua educação, formação e desenvolvimento, sendo que cabe ao processo tutelar a protecção e manutenção da família biológica, prioridade, esta, estipulada na Convenção Europeia dos Direitos e Liberdade Fundamentais.
Alega que, actualmente, o recorrente possui todas as condições para que os menores R... e S... lhe seja confiados, no entanto, o Recorrente entende que em virtude do seu comportamento passado compreende que tal não seja, por ora, a medida aprovada. , pretendendo
continuar a demonstrar que a sua vida mudou completamente e que em nada tem a ver com a sua vida passada, estando em condições de cuidar e dar toda a educação e formação necessárias aos seus filhos R... e S....
Que A situação familiar do Recorrente é adequada e equilibrada e que decorreu precisamente de uma tomada de consciencialização por parte deste de que a sua conduta não era adequada e que punha em perigo os seus filhos R... e S... (...) a existência dos presentes autos possibilitou que o Recorrente acordasse o que a fez mudar radicalmente de vida para evitar que os seus filhos lhe fossem retirados e fossem entregues para adopção.
Defende no seu recurso que a alteração do seu comportamento está em consonância com o fim que um processo de promoção e protecção pretende alcançar que é o da integração dos menores no seu agregado familiar livre de disfuncionalidades e de perigos que afectem os menores. e refere que, após avaliação de todas as circunstâncias e sopesando, quer as condições de vida anteriores do Recorrente, bem como as suas actuais condições e o facto dos menores se encontrarem institucionalizados, o Recorrente pretende que seja aplicada a medida, transitória por natureza, de manutenção dos menores na situação de acolhimento na instituição onde se encontram, com a duração de um ano, no decurso do qual seria aplicado um regime de visitas gradualmente mais aberto ao Recorrente e à família paterna, tendo o acompanhamento da Técnica da segurança Social que tem acompanhado os menores.
Os dois recursos serão apreciados simultaneamente.
Primeiramente importa apreciar a omissão invocada pelo recorrente pai, quando refere que a paternidade do menor R... foi estabelecida por perfilhação e deveria o Ministério Público ter instaurado ad initio a competente acção para posteriormente se assegurar que a medida de acolhimento com vista a adopção era a única medida possível a aplicar ao menor R..., o que não se fez.
De acordo com a sua alegação, Esta omissão, torna nulo todo o processado, porque construído em premissas que não se adequam à realidade factual, e por isso violadora do artigo 36.° da CRP, nulidade e inconstitucionalidade que desde já se arguiu.
Está invocada uma nulidade processual, por omissão de um acto - interposição de uma acção judicial por parte do M°P°, uma vez que o menor R... foi por si perfilhado - segundo alega o recorrente.
As nulidades processuais têm o seu tempo e modo de arguição previstos no CPC, sendo que, o ora recorrente o não fez ao longo do processo onde teve intervenção, pelo que, no mínimo, o que se pode dizer é que tal arguição de nulidade, a existir, se mostra extemporânea.
Quanto à violação do art°36° da CRP, que dispõe sobre a Família, casamento e filiação , não se vislumbra qualquer facto ou fundamento, nos presentes autos, que determine a violação do estatuído em tal preceito constitucional, nem os fundamentos invocados pelo recorrente pai são de molde a fundamentar a arguida inconstitucionalidade.
Improcede, pois, tal arguição.
Vejamos se, com base na factualidade provada, se verificam os requisitos legais contidos no art.° 1978° do CC, na redacção que lhe foi dada pela Lei n° 143/2015, de 08.09, conducente ao encaminhamento para adopção, e se tal encaminhamento, ao preterir a aplicação da medida da imediata entrega dos menores à mãe e da medida transitória de manutenção dos menores na situação de acolhimento na instituição onde se encontram, com a duração de um ano, no decurso do qual seria aplicado um regime de visitas gradualmente mais aberto ao pai e à família paterna, com o acompanhamento da Técnica da segurança Social que tem acompanhado os menores, padece de erro de direito.
O art.° 1978° do CC dispõe:
1. O tribunal, no âmbito de um processo de promoção e proteção, pode confiar a criança com vista a futura adoção quando não existam ou se encontrem seriamente comprometidos os vínculos afetivos próprios da filiação, pela verificação objetiva de qualquer das seguintes situações:
a) Se a criança for filha de pais incógnitos ou falecidos;
b) Se tiver havido consentimento prévio para a adopção;
c) Se os pais tiverem abandonado a criança,
d) Se os pais, por ação ou omissão, mesmo que por manifesta incapacidade devida a razões de doença mental, puserem em perigo grave a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento da criança;
e) Se os pais da criança acolhida por um particular, por uma instituição ou por família de acolhimento tiverem revelado manifesto desinteresse pelo filho, em termos de comprometer seriamente a qualidade e a continuidade daqueles vínculos, durante, pelo menos, os três meses que precederam o pedido de confiança.
2. Na verificação das situações previstas no número anterior, o tribunal deve atender prioritariamente aos direitos e interesses da criança.
3. Considera-se que a criança se encontra em perigo quando se verificar alguma das situações assim qualificadas pela legislação relativa à proteção e à promoção dos direitos das crianças.
4. A confiança com fundamento nas situações previstas nas alíneas a), c), d) e e) do n.° 1 não pode ser decidida se a criança se encontrar a viver com ascendente, colateral até ao 3.° grau ou tutor e a seu cargo, salvo se aqueles familiares ou o tutor puserem em perigo, de forma grave, a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento da criança ou se o tribunal concluir que a situação não é adequada a assegurar suficientemente o interesse daquela.
Atento o disposto no art° 38°-A, ais. a) e b), da LPCJP, na versão dada pela Lei n.° 143/2015, de 08.09, está previsto A medida de confiança a pessoa selecionada para a adoção, a família de acolhimento ou a instituição com vista a futura adoção, aplicável quando se verifique alguma das situações previstas no artigo 1978.° do Código Civil, consiste:
a) Na colocação da criança ou do jovem sob a guarda de candidato selecionado para a adoção pelo competente organismo de segurança social;
b) Ou na colocação da criança ou do jovem sob a guarda de família de acolhimento ou de instituição com vista a futura adoção.
(...) A confiança judicial protege o interesse do menor de não ver protelada a definição da sua situação face aos pais biológicos, pois toma desnecessário o consentimento dos pais ou do parente ou tutor que, na sua falta, tenha o menor a seu cargo e com ele viva. O processo de integração da criança na nova família poderá assim decorrer com mais serenidade e sem incertezas que poderão prejudicar toda a necessária adaptação - Cons. Gomes Leandro - O Novo Regime Jurídico da Adopção, pág. 273; Curso de Direito da Família - Profs. Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, 2' ed., I, pág. 57.
Esta protecção é uma garantia constitucional, porque o artigo 36° da Constituição expressamente reconhece no seu n.° 6 que os filhos poderão ser separados dos pais quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles.
Por sua vez a adopção tem consagração constitucional no n.° 7 do mesmo preceito. Saliente-se que o direito e dever dos pais à educação e manutenção dos filhos (n.° 5 do artigo 36°) é um direito-dever, estabelecido, tal como todos os poderes - deveres, ou poderes - funcionais, fundamentalmente, no interesse dos filhos, não constituindo um puro direito subjectivo dos pais. Princípio esse que subjaz igualmente na Convenção sobre os Direitos da Criança. Diga-se finalmente que por maus tratos não se entende só a agressão física ou psicológica, mas também o insucesso na garantia do bem-estar material e psicológico da criança, necessário ao seu desenvolvimento saudável e harmonioso - Dr. Campos Mónaco - A Declaração Universal dos Direitos da Criança e seus Sucedâneos Internacionais, Coimbra Editora, 2004, pág. 152. (cfr. Ac. RE de 06.12.07, in proc. 2256/07-3, disponível in www.dgsi.pt)
No caso dos autos estamos no âmbito de um processo de jurisdição voluntária - cfr. art° 100° da Lei n° 147/99, de 01.09, na versão dada pela Lei n.° 142/2015, de 08.09 - não estando o tribunal sujeito a critérios de legalidade estrita, sendo o principal princípio orientador da intervenção do tribunal a ter em conta, na apreciação do presente caso, o princípio consagrado no art° 4°, al. a) da LPCJP: a) Interesse superior da criança e do jovem , segundo o qual a intervenção deve atender primordialmente aos
interesses e direitos a criança e do jovem, nomeadamente à continuidade de relações de afeto de qualidade e significativas, sem prejuízo da consideração que for devida e outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto.
Como se refere no citado Ac. da RE de 06.12.07, in proc. 2256/07-3, disponível in www.dgsi.pt, (...) O conceito de interesse do menor tem de ser entendido em termos absolutamente amplos de forma a abarcar tudo o que envolva os legítimos anseios, realização e necessidades daquele nos mais variados aspecto: físico, intelectual, moral, religioso e social. E este interesse tem de ser ponderado casuisticamente em face duma análise concreta de todas as circunstâncias relevantes. A personalidade da criança constrói-se nos primeiros tempos de vida, isto é na infância, desenvolvendo-se na adolescência. Infância e adolescência são estádios fulcrais no desenvolvimento do ser humano, revelando-se fundamental que a criança seja feliz e saudável para que venha a ser, na idade adulta, um ser equilibrado e feliz.
São os pais que têm em primeiro lugar uma influência decisiva na organização do Eu da criança.
Quem exerce as funções parentais deve prestar os adequados cuidados e afectos.
E, se atento o primado da família biológica há que apoiar as famílias disfuncionais, quando se vê que há possibilidade destas encontrarem o seu equilíbrio, há situações em que tal já não é possível, ou pelo menos já o não é em tempo útil para a criança. Quando a família biológica é ausente ou apresenta disfuncionalidades tais que comprometem o estabelecimento de uma relação afectiva gratificante e securizante para a criança é imperativo constitucional que se salvaguarde o interesse da criança, particularmente através da adopção.
Esta visão plasmada na nossa lei da adopção (Lei 31/2003 de 21 de Agosto) está presente em importantes instrumentos jurídicos internacionais, como a Convenção sobre os Direitos da Criança e a Convenção Europeia em matéria de adopção e de crianças. A criança é titular de direitos e o interesse da criança é hoje o vector fundamental que deve influenciar a aplicação do direito.
Importa, pois, ter em conta a qualidade e a continuidade dos vínculos afectivos próprios da filiação, tendo presente que o interesse da criança não se pode confundir com o interesse dos pais. E certo que o processo de promoção e protecção deve subordinar-se ao princípio da prevalência da família segundo o qual na promoção de direitos e protecção da criança e do jovem deve ser dada prevalência às medidas que os integram na sua família ou que promovam a sua adopção (a adopção sempre depois de esgotada a possibilidade de integração na família biológica e, muitas vezes, mesmo depois da tentativa de integração na família alargada) - veja-se o artigo 4° al. f),g) e i) da. da LPCJP, em consonância com a Convenção Europeia dos Direitos e liberdades Fundamentais e na Convenção das Nações Unidas Sobre os Direitos da Criança de 20 de Novembro de 1989. No entanto tal princípio não é absoluto. Há situações em que e apesar dos laços afectivos inegáveis entre pais e filhos, aqueles põem em perigo grave a segurança, a saúde, a educação e o desenvolvimento dos filhos. Não porque não os amem mas porque não têm capacidade para os proteger e para lhes proporcionar as condições essenciais ao seu desenvolvimento saudável. Não podemos olvidar que há um meio envolvente de cada criança que facilita ou impede a organização da sua vida psíquica. (...) .
Nos termos do art° 3°, n° 1 da LPCJP, a intervenção para promoção dos direitos e protecção da criança e do jovem em perigo tem lugar quando os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto ponham em perigo a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento, ou quando esse perigo resulte de acção ou omissão de terceiros ou da própria criança ou do jovem a que aqueles não se oponham de modo adequado a removê-lo.
Considera-se que a criança ou o jovem está em perigo quando, designadamente, se encontra numa das seguintes situações:
a) Está abandonada ou vive entregue a si própria;
b) Sofre maus-tratos físicos ou psíquicos ou é vítima de abusos sexuais;
c) Não recebe os cuidados ou a afeição adequados à sua idade e situação pessoal;
d) Está aos cuidados de terceiros, durante período de tempo em que se observou o estabelecimento com este de forte relação de vinculação e em simultâneo com o não exercício pelos pais das suas funções parentais;
e) E obrigada a actividades ou trabalhos excessivos ou inadequados à sua idade, dignidade e situação pessoal ou prejudiciais à sua formação ou desenvolvimento;
1) Está sujeita, de forma directa ou indirecta, a comportamentos que afectem gravemente a sua segurança ou o seu equilíbrio emocional;
g) Assume comportamentos ou se entrega a actividades ou consumos que afectem gravemente a sua saúde, segurança, formação, educação ou desenvolvimento sem que os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto se lhes oponham de modo adequado a remover essa situação (cfr. art° 3 °, n° 2 da LPCJP).
No caso presente, comprovam os factos apurados que o menor R... e o menor Santigo se encontravam numa situação de abandono por parte da mãe e do pai, não recebendo destes o afecto, a atenção e os cuidados adequados à sua idade e situação pessoal.
A situação do menor R... foi desde logo sinalizada, aquando do seu nascimento, pelo Serviço de Neonatologia do Hospital de Santa Maria, com fundamento em estrutura familiar disfuncional, desemprego de ambos os pais, sendo a mãe menor de idade aquando do seu nascimento, desorganização nas rotinas familiares e grandes dificuldades ao nível das competências parentais.
Também a situação do S... foi sinalizada pelo Serviço de Neonatologia do Hospital de Santa Maria por ter nascido de uma gestação mal vigiada, de uma mãe com hábitos de consumos de cannabis, tendo o processo sido remetido para o Ministério Público por ausência de consentimento dos progenitores relativamente à aplicação da medida de acolhimento institucional após o internamento.
O S... é um bebé fruto de uma gestação mal vigiada, de uma mãe com hábitos de consumos de cannabis mesmo durante a gravidez, tendo-lhe sido aplicada a medida de acolhimento em instituição conjuntamente com a sua mãe, à nascença, tendo sido acolhidos na Associação Mum's & Kids, onde a integração da mãe foi difícil, mas, com o decorrer do tempo se verificou-se uma evolução positiva nos cuidados prestados ao S....
O R... foi acolhido no CAT de Santa Joana, sito em Lisboa, onde deu entrada a 25.02.2014, ou seja, com 10 (dez) meses de idade, tendo continuado na Casa de Acolhimento Menino Jesus da SCML, sendo que o pai deixou de o visitar, encontra-se ausente do quotidiano dos filhos, nunca tendo manifestado qualquer interesse na definição de um projecto de vida dos mesmos nem no estabelecimento de um vínculo com qualquer um deles, ao longo de todo este processo.
Apenas aquando da integração do R... na CA Santa Joana e do S... na Mum's & Kids o pai efectuou algumas visitas às crianças, sendo que a última vez que o pai viu o S... foi em maio de 2015, justificando as suas ausências às visitas invocando que a mãe o tinha proibido de ver os filhos.
Todavia, nunca deu conhecimento às instituições onde os filhos se encontravam desta alegada proibição de visitas por parte da mãe dos menores e não solicitou visitas aos mesmos, não tendo requerido igualmente junto do tribunal a definição de um regime de visitas aos filhos. Assumiu não ser o pai biológico do R... e que nas visitas que efectuava ao S... tinha como principal intuito relacionar-se com a Márcia, mãe dos menores.
Depois de ter deixado de visitar os filhos o pai não realizou qualquer diligência para saber do paradeiro destes nem para saber como é que estes estavam.
Ora, estes factos e todos os demais provados nos autos demonstram a seguinte realidade: o S..., hoje com 2 (dois) anos e 5 (cinco) meses, nunca viveu em contexto familiar, passou toda a sua existência em acolhimento residencial, sendo um menino que, embora revele um atraso de desenvolvimento nas áreas de locomoção, de audição e linguagem revela competência do ponto de vista social, explora o espaço e os brinquedos, brinca e interage com grande facilidade, sendo um menino sorridente, expressivo que manifesta sinais de estabilidade emocional.
O R..., hoje com 3 (três) anos e 9 (nove) meses, está a passar pelo 4° acolhimento, dando sinais de grande sofrimento do ponto de vista psicológico considerando o seu vazio interno provocado pela ausência de uma referência de vinculação materna ou paterna, sendo um menino expressivo e apelativo que tem revelado grande instabilidade do ponto de vista emocional, com dificuldade em gerir a frustração, manifestas dificuldades de se auto-regular e em se sentir gratificado com algo, ansioso e com comportamentos impulsivos, revelando dificuldade de adaptação a novos contextos.
Todas estas questões traduzem-se em comportamentos regressivos em todas as áreas do seu desenvolvimento, sendo uma criança instável e descompensada do ponto de vista afectivo e emocional, com choro permanente e episódios consecutivos de birra que culminam em agitação psicomotora, com uma necessidade permanente de atenção individualizada, revelando uma marcada carência sem capacidade de consolo. Apela, mesmo assim, à interacção com o adulto como se de um bebé se tratasse, conseguindo tranquilizar-se na relação dual, ao colo, demonstrando não ter desistido da possibilidade de se compensar.
Ambos se mantêm durante o dia na Casa de Acolhimento onde participam, em grupo de pares, em actividades programadas pela equipa educativa, existindo relação entre os irmãos apesar da diferença de idade, sendo crianças saudáveis não tendo ao nível físico intercorrências significativas para além das esperadas para a sua idade. (cfr. informação de fls. 788 a 790 e relatório de acompanhamento a fls 813 a 820 dos autos, datados respectivamente de 05.05.2016 e 23.06.2016, pelo que, atenta a data de prolação da decisão recorrida - 07.10.2016 - os factos aí referidos apresentam-se actuais, ao contrário do alegado pela recorrente)
No que respeita à sua família, os factos apurados e transcritos supra, não deixam dúvidas que o R... e o S... se encontram numa situação de abandono por parte da mãe e do pai, existindo distanciamento afectivo da mãe para com os filhos - o R... não tem visitas de qualquer familiar desde 11.02.2016 - e, desde que estes meninos foram integrados na CA Menino Jesus/SCML, a mãe não voltou a entrar em contacto com os mesmos, colocando-os em abandono institucional.
O pai mantém-se como figura ausente do quotidiano dos filhos, manifestando desinteresse na definição do projecto de vida dos mesmos e no estabelecimento de um vínculo com algum deles.
Acresce o facto de não existirem na família alargada alternativas à sua actual situação de vida que, a prolongar-se, poderá comprometer o seu desenvolvimento global.
Em suma, estes pais não estabeleceram com os filhos uma relação afectiva segura e estável, pelo que se encontram seriamente comprometidos os vínculos afectivos próprios da filiação.
A avó paterna dos menores nunca os foi visitar nem procurou saber informações sobre os netos.
A Casa de Acolhimento Menino Jesus nunca foi contactada pelos avós paternos dos menores.
Para além dos pais, apenas o bisavô materno dos meninos os visitou, resultando dos factos dos autos que este não tem condições para acolher os meninos.
Assim, tal como a decisão recorrida entendeu, relativamente aos pais mostra-se preenchida a previsão do art° 1978°, n° 1, d) e e) do CC.
Nenhum dos pais reconhece os factores de perigo que levaram ao acolhimento residencial dos filhos.
No caso vertente não é possível atuar a intervenção de harmonia com o princípio da responsabilidade parental, dada a incapacidade dos pais para assumirem os seus deveres para com os filhos. (sic. decisão recorrida)
Considerando que a medida de promoção e protecção de acolhimento em instituição deve ser temporária, devendo ser encontrado um projecto de vida para o R... e o S..., é necessário averiguar se as circunstâncias que levaram ao acolhimento em instituição destes dois meninos se mantêm, se os recorrentes se empenharam num processo sério de reorganização, criando condições efectivas para ter os filhos junto de si, se houve um investimento no reforço dos laços de afectividade bem como se o R... e o S... aceitam os pais como elemento securizante e afectuoso.
Com efeito, é necessário questionar se, no superior interesse do R... e do S..., deverá o tribunal aplicar uma medida de promoção e protecção de confiança a instituição com vista a futura adopção.
A resposta só pode ser afirmativa.
De acordo com os relatórios juntos aos autos e considerando a prova produzida nestes, como se tem vindo a referir, resulta que, quer a recorrente quer o recorrente, ainda não foram capazes de interiorizar quais as suas competências enquanto pais nem foram ainda capazes de as por em prática com os seus estes seus filhos menores, não tendo estes demonstrado empenho em investir na relação afectiva com os filhos, antes demonstrando desinteresse pelos menores a culminar com o seu abandono nas instituições referidas, não se encontrando preparados para exercerem as suas competências parentais.
Também ficou provado que os meninos não identificam os recorrentes como figuras de referência, capazes de os ajudar e proteger, o que demonstra ausência de vinculação segura com ambos os pais, sendo certo que a ausência de vinculação segura por parte do R... e do S... em relação a qualquer um deles é determinante para que não sintam, quer a mãe quer o pai, como figura de referência, figura essa essencial para o seu desenvolvimento e crescimento corno seres humanos, sabendo-se que as imagens de referência desenvolvidas nas crianças pelas relações de afecto entre pais e filhos são construções feitas por referência a outras imagens, sendo o adulto a matriz de definição da criança, em termos genéticos e ontogénicos, individuais e sociais, psicológicos e culturais.
Por outro lado, estes meninos estão institucionalizados há muito tempo, o S... desde que nasceu e o R... com 10 (dez) meses de idade, ou seja, o S... desde sempre e o R... com precoce idade, estando a viver em contexto institucional há mais de dois anos, o que é extremamente prejudicial ao seu desenvolvimento.
Estas crianças não podem, pois, continuar para sempre à espera que os pais, ou pelo menos um deles, consigam organizar as suas vidas de molde a poderem integrá-las no seu projecto de vida.
Os direitos dos menores a serem educados e criados no seio de uma família, num ambiente de felicidade, amor e compreensão (cfr. preâmbulo da Convenção dos Direitos da Criança, 1989) não são compatíveis com uma espera em acolhimento institucional, por tempo indefinido. Os menores não podem hipotecar a sua vida em função das necessidades dos pais e é impensável que uma criança seja obrigada a passar a sua infância, ou até a sua adolescência, numa instituição, por faltar alguém disponível para deles cuidar de forma responsável e séria. A criança tem direito a um ambiente familiar e acolhedor, onde, além dos afectos, possa usufruir de todas as condições que são necessárias ao seu desenvolvimento integral e se os pais não o podem fazer, porque não querem ou porque não têm condições para o efeito, a criança tem o direito de encontrar uma outra família onde encontre o amor, o apoio e a segurança que constituem a base de formação de urna personalidade sã e equilibrada. O futuro das crianças não deve passar por um internamento, por melhor que seja o equipamento social em que se encontrem, mas sim, pela sua integração numa família que as proteja todos os dias. O acompanhamento das crianças deve ser constante, como constante deve ser também o amor a que têm direito, crescendo em famílias que lhes possam oferecer tranquilidade e valores que as preparem para a vida futura. O respeito pelo princípio da prevalência familiar não nos pode impedir de averiguar o que é melhor para a criança e, no caso em concreto, o melhor para o R... e o S... não é voltar para junto da sua família biológica.
Em conclusão, do que se acaba de dizer, o tribunal a quo apreciou e decidiu criteriosamente, perante os factos dados como provados nos autos, qual a medida de promoção e protecção adequada aos menores R... e S..., tendo explicado de modo claro os motivos pelos quais afastou outras medidas.
E disso exemplo o que consta da decisão recorrida quando aí se diz:
Em suma, os progenitores não estabeleceram com os filhos uma relação afetiva segura e estável, pelo que se encontram seriamente comprometidos os vínculos afetivos próprios da filiação. A avó paterna dos menores nunca os foi visitar nem procurou saber informações sobre os netos. A Casa de Acolhimento Menino Jesus nunca foi contactada pelos avós paternos dos menores. Para além dos progenitores, apenas o bisavô materno das crianças as visitou. O bisavô materno verbalizou que se pretendia constituir como alternativa para acolher os menores, no entanto, a EATTL, das diligências que efetuou concluiu que o mesmo é uma pessoa ... tendencialmente agressiva na relação de casal, com hábitos alcoólicos e sem juízo crítico para avaliar as suas próprias incapacidades como cuidador da mãe das crianças, bem como as necessidades e os maus-tratos emocionais evidenciados pelos netos.
A avó materna dos menores nunca fez qualquer diligência para se constituir como alternativa para acolher os netos. Esta avó reside há vários anos no Reino Unido e nem sequer conhece os netos.
Os menores necessitam e têm direito a ter uma família com a qual possam estabelecer uma relação afetiva segura, com adultos que estejam presentes de forma contínua e que assumam na íntegra os seus cuidados, pois só desta forma poderão crescer com sentimentos de segurança e confiança nos outros e em si próprios.
De todo o supra explanado decorre a falência da família natural, uma vez que os progenitores dos menores se mostram incapazes de lhes proporcionar um adequado desenvolvimento, donde a solução que melhor se ajusta ao seu caso, por ser a que mais se aproxima dessa família natural, é a do seu encaminhamento para a adoção e consequentemente para uma família substitutiva.(...)
Urge, pois, dar uma família ao R... e ao S.... A sua desejável e futura adopção, que deverá ocorrer o mais cedo possível, permitir-lhes-á integrar uma família, uma família humana onde os limites do biológico serão esbatidos pelas relações de ordem afectiva e social que aí irão estabelecer, família onde serão criados, amados e educados.
Pelo exposto, atentos os factos apurados nos autos e os fundamentos aqui adiantados, tal como se considerou na decisão recorrida mostram-se seriamente comprometidos os vínculos afectivos próprios da filiação biológica verificando-se, assim, os requisitos legais para a medida decretada - cfr. art°s 38°-A, al. b), da LPCJP, na versão dada pela Lei n.° 143/2015, de 08.09, 35°, n°1, al. g) e 1978°, n°1, al. d) e e) do CC, medida de confiança a instituição com vista a futura adopção, revelando-se a mesma proporcionada e adequada, atendendo em primeira linha ao superior interesse dos menores R... e S....
Improcedem, assim, as conclusões das alegações de ambos os recursos não merecendo estes provimento, não padecendo a decisão recorrida de qualquer erro de julgamento, de facto ou de direito, não tendo violado as normas jurídicas invocadas pelo recorrente pai, na subsunção que dos factos fez ao direito aplicável, devendo ser confirmada.
DECISÃO
Pelo exposto, atentos os fundamentos invocados, acordam os Juízes da 2a Secção Cível do TRL, em:
a) - negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida;
b) - sem custas.

LISBOA, 26.01.2017
Magda Geraldes
Farinha Alves
Tibério Silva
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