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ACRL de 26-06-2001
Despejo. Animais de companhia. Violação do fim a que se destina o bem locado. Ilícito civil.
1 - A Autora pediu a resolução do contrato de arrendamento por violação do disposto no artº 64º, nº 1, alíneas b) e c) do Decreto-Lei nº 321-B/90, de 15/10.2 - No caso concreto está expressamente estipulado que o arrendamento se destina a habitação do inquilino.3 - Resulta da prova produzida que a Ré habita a fracção com a sua filha. Está igualmente provado que a Ré tem na fracção, há algum tempo, um número indeterminado de gatos que excede as três dezenas, nomeadamente recolhidos da via pública, alguns que se encontravam doentes, abandonados ou atropelados.4 - O artº 1º do Decreto-Lei nº 13/93 define como animal de companhia qualquer animal possuído ou destinado a ser possuído pelo homem, designadamente em sua casa, para seu entretenimento e enquanto companhia.5 - A definição de animal de companhia não depende do número de animais possuídos.Se a noção de animal de companhia dependesse do número de animais, a lei teria de determinar esse limite, sob pena de o mesmo variar de pessoa para pessoa.6 - Estando provado que a Ré vive na fracção com a sua filha, somos levados a concluir que usa o arrendado para a sua habitação e, por conseguinte, não existe violação do disposto na alínea b) do referido diploma.7 - A lei, nomeadamente o artº 10º, nºs 1 e 2 em conjugação com o artº 19º, nº 2 do Decreto-Lei nº 317/85, de 2 de Agosto, apenas determina que a permanência de cães e de felinos em habitações situadas em zonas urbanas está condicionada à existência de boas condições de alojamento dos mesmos, ausência de riscos sob o aspecto sanitário e inexistência nestes animais de doenças transmissíveis ao homem.Com este objectivo, o legislador determinou que, nas zonas urbanas, por cada fogo, não fosse permitido alojar mais de três cães adultos. Mas não impôs qualquer limite quanto a felinos, como resulta das disposições combinadas dos arts. 9º e 19º.8 - Analisado o fundamento previsto na alínea b) do art. 64º do R.A.U., cabe agora a vez de fazer o mesmo em relação ao mencionado na alínea c), também invocado pela Apelante.Segundo esta disposição legal, o senhorio pode resolver o contrato de arrendamento se o arrendatário aplicar o prédio, reiterada ou habitualmente, a práticas ilícitas, imorais ou desonestas.No caso concreto a Apelante apenas invoca a prática ilícita.Conforme a própria Apelante as define, são práticas ilícitas os actos violadores de qualquer direito subjectivo ou de qualquer norma legal de protecção, seja de interesses públicos seja de interesses privados.9 - O preceito em análise engloba os casos de violação, não de obrigações legais ou contratuais emergentes da relação locatícia, mas do dever (geral) acessório de boa fé (igual a lisura, rectidão, compostura ou lealdade) com que deve ser gozado o prédio alheio cedido por via do arrendamento.10 - Não se prova - pelo contrário - que exista ofensa aos direiros de personalidade que o art. 70º do Código Civil visa proteger, pois a presença dos gatos não afecta o direito que os vizinhos do locado têm, enquanto permanecem em casa, ao repouso e à saúde.11 - Não procede, portanto, o segundo fundamento invocado pela Autora para a resolução do contrato de arrendamento, pois não se verifica a prática de qualquer ilícito, não tendo sido violada qualquer disposição legal, nomeadamente as que referiu.Assim, improcedem todas as conclusões da alegação de recurso.
Proc. 5403/01 1ª Secção
Desembargadores: Pais do Amaral - - -
Sumário elaborado por Helena Varandas
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