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ACRL de 06-06-2001
Prova indiciária suficiente, para pronúncia, nos casos da denominada "violência doméstica".
I - Entendemos que dos indícios recolhidos até ao encerramento da instrução resulta uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena, mais concretamente na pena prevista no art. 152º, nºs 1 e 2 do C.P.Isto porque, em síntese, à data dos denunciados factos (27.8.99), arguido e assistente (marido e mulher) viviam efectivamente na mesma casa, apesar de, desde Janeiro de 1999, estar a decorrer uma acção de divórcio litigioso visando a dissolução do casamento; em 27.8.99 a arguida deduziu queixa-crime contra po seu marido; a arguida apresentava, então, traumatismo craniano com equimose frontal direita, contusão do antebraço e mão direita e da parede toráxica, contusão nas coxas e joelhos de que resultaram, como consequência, quinze dias de doença e três dias de incapacidade; em reiteradas declarações a arguida imputou ao seu marido a prática das ofensas à integridade física de que foi vítima, sendo que aquelas se integram no conceito de maus tratos físicos e psíquicos constante da previsão do art. 152º do C.P.II - Parece pertinente reafirmar o que se disse no ponto anterior no que tange à valorização das declarações da assistente, donde se extrai que esta, na sequência duma ofensa à integridade física, logo apresentou queixa contra o marido, que com ela vivia no mesmo domicílio conjugal, descrevendo circunstanciadamente as agressões de que foi vítima.III - A criminalização destas condutas inseridas na chamada "violência doméstica" e consequente responsabilização penal dos seus agentes, resulta da progressiva consciencialização da sua gravidade individual e social, sendo imperioso prevenir as condutas de quem, a coberto duma pretensa impunidade resultante da ausência de testemunhas presenciais, inflige ao cônjuge, ou a quem com ele conviver em condições análogas às dos cônjuges, maus tratos físicos ou psíquicos.IV - Neste tipo de criminalidade as declarações das vítimas merecem uma ponderada valorização, uma vez que os maus tratos físicos ou psíquicos infligidos por um cônjuge ao outro, ocorrem normalmente dentro do domícilio conjugal, sem testemunhas, a coberto da sensação de impunidade dada pelo espaço fechado e, por isso, preservado da observação alheia, acrescendo a tudo isso o generalizado pudor que terceiros têm em se imiscuir na vida privada dum casal.Estamos perante um largo espectro de condutas ilícitas que só agora começaram a deixar de ser silenciadas e que, apesar de apontada consciencialização da sua gravidade, raramente chegam a julgamento face à ausência de prova testemunhal, desvalorizando-se o restante acervo indiciário, desvalorização essa que, nestes casos específicos de violência doméstica é manifestamente excessiva por condizir a situações de impunidade.
Proc. 3426/01 3ª Secção
Desembargadores: Adelino Salvado - Santos Monteiro - Teresa Féria -
Sumário elaborado por José Rita
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