I – O recurso interposto por um arguido abrange, em princípio, toda a decisão contra ele proferida, aproveitando, salvo se for fundado em motivos estritamente pessoais, aos restantes arguidos no caso de comparticipação.
II – Tendo o recorrente verificado, quando preparava o recurso que veio a interpor, que uma parte da prova produzida oralmente na audiência não se encontrava gravada e considerando que tal era essencial ao apuramento da verdade, deveria, invocando esses factos, ter formulado, perante o tribunal de 1.ª instância, um requerimento pedindo a repetição do acto, interpondo recurso da decisão sobre ele proferida caso a sua pretensão não viesse a ser acolhida.
III – Não tendo a questão sido suscitada na 1.ª instância, nem se tendo o tribunal recorrido pronunciado sobre ela, não pode a mesma ser suscitada no presente recurso, que tem apenas por objecto o acórdão condenatório.
IV – A repetição do depoimento só deveria, de resto, ter lugar quando tal fosse essencial ao apuramento da verdade.
V – Em face da nova redacção do Código de Processo Penal, nomeadamente dos n.ºs 1 e 2 do seu artigo 310.º, nunca a conclusão, em fase de julgamento, de que a prova obtida nas fases preliminares não pode ser valorada, por constituir uma prova proibida, poderá implicar ao retorno do processo à fase de instrução.
Proc. 10227/08 3ª Secção
Desembargadores: Carlos Almeida - Telo Lucas - -
Sumário elaborado por Carlos Almeida (Des.)
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Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa
I – RELATÓRIO
1 – O arguido M.... foi, juntamente com outros, julgado na 7.ª Vara Criminal de Lisboa e aí condenado, por acórdão de 20 de Maio de 2008, pela prática de:
- Um crime de tráfico de droga, conduta p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência às tabelas I-B, I-C e II-A anexas ao mesmo diploma, na pena de 6 anos de prisão;
- Um crime de detenção de arma proibida, conduta p. e p. pelos artigos 86.º, n.º 1, alínea d), e 2.º, n.º 1, alínea aj), e n.º 3, alíneas e) e l), todos da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, na pena de 1 ano de prisão.
Em cúmulo, este arguido foi condenado na pena única de 6 anos e 6 meses de prisão.
Nessa peça processual o tribunal considerou provado que:
2.1.1. O arguido M...., pelo menos desde início de 2005 e até ao dia 31 de Agosto de 2006, dedicou-se à venda de cocaína e pastilhas de ecstasy, que adquiria a indivíduos cuja identidade não se logrou apurar;
2.1.2. Esses produtos estupefacientes eram, depois, vendidos pelo arguido M...., quer a outros indivíduos que por sua vez os revendiam directamente aos consumidores, quer por si directamente aos consumidores;
2.1.3. Para concretizar os seus propósitos, o arguido M.... contou numa ocasião com a colaboração do arguido H...., que fez a entrega de 20 gramas de cocaína à arguida A.... a pedido do arguido M....;
2.1.4. Na concretização da referida actividade o arguido M.... contava, também, com a colaboração da arguida V...., com quem mantinha uma relação amorosa;
2.1.5. Entre outras funções, esta arguida procedia-lhe à entrega dos produtos estupefacientes aos clientes e transportava os produtos estupefacientes para os locais que o arguido lhe indicasse;
2.1.6. No desenrolar da referida actividade o arguido M...., com regularidade, abastecia de cocaína e de pastilhas de ecstasy vários indivíduos, incluindo os arguidos A.... e J.... que, por sua vez, revendiam por conta própria os referidos produtos estupefacientes;
2.1.7. O arguido M.... também procedia à distribuição de cocaína e pastilhas de ecstasy por terceiros, o que fazia em casas de diversão nocturna (discotecas) ou em outros locais que previamente combinava pessoalmente ou por contacto telefónico;
2.1.8. Para concretização desta actividade, o arguido M.... frequentava quase diariamente e durante a noite diversas discotecas da cidade de Lisboa, levando consigo cocaína e ecstasy e nesses locais procedia à venda destas substâncias a terceiros que o abordavam para o efeito ou procedia às entregas desses produtos com quem previamente tinha combinado;
2.1.9. Por força dessa actividade, os arguidos M...., V.... e A.... mantinham vários contactos telefónicos entre si e com os respectivos clientes;
2.1.10. Por força dessa actividade, os arguidos M...., A.... e J.... mantinham vários contactos telefónicos entre si;
2.1.11. Para o efeito, a arguida A.... utilizava um telefone com o n.º 918 772 665;
2.1.12. O arguido J.... utilizava telefones com os n.ºs 913 400 089 e 964 788 912;
2.1.13. O arguido M.... utilizava telefones com os n.ºs 914 004 378 e 968 851 405;
2.1.14. E a arguida V.... utilizava um telefone com o n.º 967 212 464;
2.1.15. Nas conversas mantidas durante contactos telefónicos o arguido M.... acordava detalhes relativos às transacções de estupefacientes, nomeadamente tipos e quantidades de produtos, locais e horas de entrega;
2.1.16. Na data e local aprazada, o arguido M.... encontrava-se com o comprador a quem entregava a quantidade de estupefaciente pretendida e de quem recebia, em contrapartida, a quantia pecuniária correspondente, em numerário;
2.1.17. O preço que cobrava por um grama de cocaína era cerca de 30 € e o preço por cada comprimido de ecstasy variava entre os 1,25 € e os 3 €;
2.1.18. Durante aquele período de tempo o arguido M.... marcou encontros com inúmeros indivíduos que o contactavam para o efeito, a quem depois entregava as quantidades e qualidades de produto estupefaciente combinadas, recebendo em contrapartida quantias monetárias;
2.1.19. Entre outros, o arguido M.... vendeu produtos estupefacientes às testemunhas A e N:;
2.1.20. A arguida V.... dedicou-se à venda de cocaína e ecstasy desde pelo menos 4 de Fevereiro de 2006 até ao dia da sua detenção;
2.1.21. Procedia à distribuição dessas substâncias estupefacientes por terceiros, o que fazia em casas de diversão nocturna (discotecas) ou em outros locais que previamente combinava, pessoalmente ou por contacto telefónico;
2.1.22. Para concretização desta actividade, a arguida V.... frequentava quase diariamente e durante a noite diversas discotecas da cidade de Lisboa, levando consigo cocaína e ecstasy e nesses locais procedia à venda destas substâncias a terceiros que a abordavam para o efeito;
2.1.23. Durante o período de tempo acima referido a arguida V.... entregou ecstasy às testemunhas A..J.. e ...;
2.1.24. Os arguidos A.... e J.... mantinham uma relação amorosa;
2.1.25. Dedicavam-se em conjunto e em comunhão de esforços à venda de ecstasy e cocaína pelos menos desde inícios de 2005 e até à data em que foram presos preventivamente;
2.1.26. Os arguidos A.... e J.... adquiriam cocaína e pastilhas de ecstasy ao arguido M....;
2.1.27. Depois procediam à distribuição dessas substâncias estupefacientes por terceiros, designadamente na discoteca Kremlin em Lisboa;
2.1.28. Para concretização desta actividade, os arguidos A.... e J.... frequentavam quase diariamente e durante a noite estabelecimentos de diversão nocturna de Lisboa;
2.1.29. O preço que cobravam por um grama de cocaína variava entre os 35 e 45 € e por cada comprimido de ecstasy entre os 1,75 € e os 5,00 €;
2.1.30. Os arguidos A.... e J.... venderam ecstasy e cocaína a vários indivíduos, entre eles às testemunhas V. e V;
2.1.31. A arguida A.... vendeu comprimidos de ecstasy e cocaína a L. e comprimidos de ecstasy a A., a L. e a A.;
2.1.32. O arguido M.... deslocava-se quase diariamene ao estabelecimento comercial “Bar House”, gerido pela mãe;
2.1.33. No dia 31 de Agosto de 2006 o arguido M.... transportou 32 (trinta e dois) comprimidos contendo MDMA no veículo de matrícula 47-93-VA, de marca “Nissan Almera”, para a sua residência, sita na Rua Emídio Pinto, n.º 1, 3.º Esq., Santo António – Costa da Caparica;
2.1.34. No dia 31 de Agosto de 2006 Agentes da P.S.P. deram cumprimento aos mandados de Busca e Apreensão emitidos nos presentes autos;
2.1.35. Na residência, dos arguidos A.... e J...., sita na Travessa Quinta da Areia, n.º 10, r/c Esq. - Fogueteiro, foi encontrado e apreendido:
No quarto da arguida:
12,5 comprimidos de cor rosa, com o símbolo de um crocodilo em cuja composição configura a substância MCPP;
1 (uma) balança de precisão, de marca “Tanita”, modelo 1479V, de cor preta, devidamente acondicionada numa bolsa, em pele, de cor preta;
1 (um) telemóvel, de marca “Nokia”, modelo 6101, de cor prateado, com o IMEI 358389-00-865943-0, contendo um cartão Chip da Operadora Móvel “Vodafone”, com o número 913 897 933 e o PIN 5551;
1 (um) telemóvel, de marca “Nokia”, modelo 2660, de cor prateada, com o IMEI 355671-00-757490-7, com o cartão Chip da Operadora Móvel “Vodafone”;
1 (um) maço de tabaco vazio, de marca LM, contendo no seu interior várias pedaços de canabis (resina), com o peso líquido de 23,330 gramas;
1 (um) telemóvel, de marca “Sansung”, modelo SGH-Z107, de cor prateado e azul, com o IMEI 354297-00-125561-5, com o cartão da operadora Móvel TMN, com o número 964 788 912, com o PIN 2764;
Na sala:
1 (uma) agenda, de cor castanha, com as inscrições “ADDRES”, contendo diversos contactos telefónicos;
1 (uma) unidade CPU, de marca “Highscreen”, com o respectivo teclado, da mesma marca, e um monitor, de marca “Samsung”, modelo 793DFW-17’;
2.1.36. Na residência da arguida V...., sita na Alameda Diogo de Teive, 8 A – Bairro dos Navegadores – Porto Salvo, foi encontrado e apreendido:
1 (uma) caixa de plástico contendo no seu interior:
a) 2 (duas) argolas de cor amarela;
b) 8 (oito) pulseiras de cor amarela de várias malhas;
c) 1 (um) par de argolas em cor amarela;
d) 5 (cinco) fios em cor amarela de várias malhas;
e) 1 (um) coração de cor amarela;
f) 6 (seis) anéis de cor amarela;
g) 4 (quatro) brincos de cor amarela;
h) 3 (três) medalhas de cor amarela;
i) 3 (três) pregadeiras de cor amarela;
j) 1 (um) fio de cor amarela;
k) 1 (um) anel de cor amarela;
l) 1 (uma) bola de cor amarela com pedras;
m) 1 (um) triangulo (medalha) de cor amarela;
n) 300 € (trezentos euros) em numerário.
2.1.37. Também nessa altura a arguida V.... foi sujeita a revista, tendo sido encontrado e apreendido na sua posse:
1 (telemóvel da marca “Sony Ericson” modelo T630 de cor preta e cinza, com o cartão da TMN inserido, com o IMEI 353401-00-470042-6.
2.1.38. Na residência do arguido E..., sita na Rua Infante D. Henrique, n.º 24 – St.º António – Costa da Caparica, foi encontrado e apreendido:
No quarto:
2 (dois) sacos de plástico com vários recortes redondos, habitualmente usados para embalar produto estupefaciente;
5 (cinco) munições de calibre 32 magnum acondicionadas dentro de uma meia;
Num outro quarto:
Vários pedaços de haxixe, com o peso líquido de 4,492 gramas;
Vários pedaços de haxixe com o peso líquido de 0,384 gramas misturado com tabaco;
Vários pedaços de haxixe com o peso líquido de 9,811 gramas misturado com tabaco;
2.1.39. Na residência do arguido M...., sita na Rua Emídio Pinto, n.º 1, 3 Esq. – Santo António – Costa da Caparica e na posse do arguido, foi encontrado e apreendido:
No interior da viatura Nissan Almera 47-93-VA:
32 (trinta e dois) comprimidos com o símbolo de um peixe, contendo MDMA;
1 (uma) carta verde da seguradora Fidelidade Mundial Seguros, da viatura Nissan Almera de matrícula 47-93-VA;
Certificado de Matrícula (consta Livrete e registo de propriedade) da viatura Nissan Almera de matrícula 47-93-VA;
No interior da viatura BMW X5 65-29-UC:
Livrete da viatura;
1 (uma) folha, documento da Conservatória do Registo Automóvel de Lisboa, para transferência de propriedade da viatura 69-25-UC para o nome de Margarida Aguiar Vieira;
1 (uma) folha “Declaração Circulação” do comerciante de automóveis “Artur M. S. Neves da viatura BMW X5 de matrícula 65-29-UC;
1 (um) recibo de prémio da companhia de seguros Fidelidade Mundial, correspondente viatura BMW X5 de matrícula 65-29-UC;
1 (uma) fotocópia do cartão de contribuinte do M.... e fotocópia do cartão Visa do Banco Espírito Santo;
1 (um) telemóvel da marca “Nokia” com o IMEI 358801-00-237233-1 e respectivo cartão da TMN inserido;
1 (um) telemóvel da marca “Nokia” com o IMEI 354349-00-232126-6 e respectivo cartão da Vodafone inserido;
1 (uma) soqueira em metal;
1 (uma) garrafa de gás com inscrição “SKRAM” e “Defensa Personal”;
1 (um) cartão VISA do Banco Espírito Santo, com o numero 4407 9900 1506 6080 em nome de M....;
1 (um) cartão VISA do Banco Espírito Santo, com o numero 966 0004 0007 118688 0001, em nome de Restaurante Bar Socorro;
No interior da viatura Porche Carrera 39-42-XU:
Certificado de Matrícula (consta registo de propriedade e Livrete) da viatura “Porche Carrera” de matrícula 39-42-XU, em nome de Margarida Aguiar Vieira;
Carta verde da viatura atrás mencionada da seguradora Fidelidade Mundial seguros em nome de M....;
Na posse do arguido M....:
340,90 € (trezentos e quarenta euros) fraccionada em várias notas;
1 (uma) bolsa em cabedal cor preta;
1 (um) telemóvel da marca “Nokia”, modelo 3200, com IMEI 353797-00-111648-6 e cartão da TMN inserido;
1 (um) frasco pequeno de vidro, contendo 5,287 gramas de MDMA;
Vários pedaços de haxixe com o peso bruto de 0,651 e peso líquido de 0,293 gramas;
Na caixa do correio:
1 (uma) caixa em cartão que continha no interior:
a) 1 (um) canto de saco plástico contendo cocaína com o peso bruto de 9,192 gramas e peso líquido de 8,744 gramas;
b) 1 (um) canto de saco plástico contendo cocaína com o peso bruto de 16,265 gramas e peso líquido de 15,369 gramas;
c) 1 (uma) balança de precisão, modelo “Tanita”, com resíduos de cocaína;
d) 1 (um) canto de saco de plástico contendo MDMA com o peso bruto de 19,8715 gramas e peso líquido de 19,312 gramas;
e) 1 (um) canto de saco de plástico, contendo MDMA com o peso bruto de 7,926 gramas e peso líquido de 6,821 gramas;
f) 2 (dois) canto de saco de plástico contendo cocaína com o peso bruto total de 20,892 e peso líquido de 20,185 gramas;
g) 1 (um) canto de saco de plástico contendo cocaína com o peso bruto de 9,286 gramas e peso líquido de 8,841 gramas;
No Hall de entrada:
490 € (quatrocentos e noventa euros) fraccionada em várias notas;
2 (dois) cantos de saco de plástico contendo cocaína com o peso bruto de 2,085 gramas e peso líquido de 1,752 gramas;
No quarto de visitas:
1 (um) saco plástico contendo cocaína com o peso bruto de 6,471 gramas e peso líquido de 5,001 gramas;
1 (um) cheque do BBVA em nome de Carlos José Agostinho P de Oliveira, no valor de 2.220 €;
1200 € (mil e duzentos euros) fraccionada em várias notas;
14,61 € (sessenta e um euros) fraccionada em várias notas e moedas;
No quarto
400 € (quatrocentos euros) fraccionada em várias notas;
1 (uma) bolsa em pele cor cinzenta, contendo no interior uma caixa que continha resíduos de MDMA;
7 (sete) comprimidos (tipo coração) de MDMA;
1 (um) comprimido (Mitsubishi) de MDMA;
1,5 (um e metade de outro) comprimidos (tubarão) de MDMA;
1 (um) comprimido (butterfly) de MCMP;
1 (um) canto de saco plástico contendo MDMA com o peso bruto de 0,615 grama e peso líquido de 0,380 gramas;
1 (um) carimbo em nome de Restaurante Bar “O Socorro Lda.”, Cabana do Pescador, Costa da Caparica, contribuinte 505686580;
Na cozinha:
1 (uma) balança de precisão cor cinzenta, marca “UFESA”;
1 (uma) caixa de REDRATE, com 06 carteiras por encetar, no interior;
1 (uma) caixa de TADALAFIL TABLETS 20 Mg, contendo no interior 07 caixas de 4 comprimido, perfazendo o total de 28 comprimidos;
Na sala:
1 (uma) caixa em madeira, contendo no interior:
a) 1 (uma) carteira em cabedal azul, com kit próprio para consumir cocaína, composto por um tubo usado para inalar, uma pinça para dosear, uma lâmina e uma pedra laminada contendo o tubo resíduos de MDMA;
b) Vários pedaços de haxixe com o peso bruto de 5,893 gramas e peso líquido de 5,695 gramas;
c) 1 (um) telemóvel de marca “Siemens” modelo MC60, IMEI 353475-00-486536-3, sem cartão.
No Ginásio:
1 (um) documento relativo a arma, marca “Yildiz”, calibre 12, em nome de M....;
1 (um) cheque do Banco BPI no valor de 250 Euros, em nome de C.;
2.1.40. Nessa altura foram também apreendidos ao arguido M.... as seguintes viaturas automóveis:
1 (um) Jipe da marca BMW Modelo X5, de cor preta, com a matrícula 65-29-UC;
1 (um) Porche Modelo Carrera, de cor azul, com a matrícula 39-42-XU;
1 (um) Nissan Modelo Almera, de cor cinzenta, com a matrícula 47-93-VA.
2.1.41. Na residência da mãe do arguido M...., sita na Rua Principal, Lote 16 – Portela da Azóia, foi encontrado e apreendido:
No sótão/arrecadação:
518 (quinhentos e dezoito) pastilhas de MDMA (em forma de coração, de cor rosa) com o peso líquido de 97,996 gramas;
10 (dez) munições, de calibre .32;
2.1.42. No estabelecimento comercial, propriedade da mãe do arguido, denominado “BAR HOUSE” sito na Praceta Padre Abel Varzim, n.º 5, C/v Dt.ª – Bobadela, onde foram encontrados e apreendidos:
1 (uma) espingarda de caça n.º 01395, marca “Yildiz”, cabibre 12, de um [cano] de alma lisa com 510 mm de comprimento, sistema de carregamento pampo, em bom estado de conservação e funcionamento;
A factura da arma acima referida, em nome do arguido M....;
1 (uma) licença de uso e porte de arma de caça, com o n.º 630, em nome do arguido M...., caducada desde 23FEV04;
24 (vinte e quatro) cartuchos, de calibre 12, da marca GB Club;
8 (oito) cartuchos de caça de calibre 12, da marca FIOCCHI, carregados com esferas de borracha;
85 (oitenta e cinco) munições de calibre .22, da marca FEDERAL HI-POWER, acondicionadas em duas caixas;
17 (dezassete) munições de calibre .38, de marca LAPUA;
1 (uma) embalagem de spray de gás composto pela substância Clorobenzalmalononitrilo, também designado CS, que possui uma substância lacrimogénea que apresenta propriedades irritantes, particularmente para os olhos, mucosa, pele e vias respiratórias, mas que não é vesicante, asfixiante nem corrosiva, que quando aplicado prejudica as funções vitais, configurando uma substância tóxica;
1 (uma) carteira de cor castanha, contendo 500 €, fraccionada em várias notas;
1 (uma) bolsa de cor castanha com atilhos, contendo 20 € fraccionada em várias notas;
1 (uma) bolsa de cor preta com um bolso castanho, contendo 30 € fraccionada em várias notas;
1 (uma) bolsa de usar ao pescoço, contendo 33,80 € fraccionada em várias notas e moedas;
1 (uma) bolsa de cor preta e verde, contendo 325 € fraccionada em várias notas;
1 (uma) bolsa preta grande, contendo 2 sacos plásticos, tendo um 500 € e o outro 800 € fraccionada em várias notas;
1 (um) saco em rede, contendo 100 € fraccionada em várias notas;
1 (uma) caixa em plástico transparente contendo 80 € fraccionada em várias notas;
2.1.43. Na residência, da mãe do arguido M...., sita na Rua Joaquim Agostinho, n.º 26, 3 – A, na Costa da Caparica, foi encontrado e apreendido:
No quarto, dentro de um cofre:
2000 € (dois mil euros) divididos em dois maços de notas de 1000 € cada;
2.1.44. A soqueira em metal, a espingarda de caça n.º 01395, marca “Yildiz”, calibre 12, em bom estado de conservação e funcionamento, os 24 (vinte e quatro) cartuchos, de calibre 12, da marca GB Club, e os 8 (oito) cartuchos de caça de calibre 12, da marca FIOCCHI, carregados com esferas de borracha, pertenciam ao arguido M...., que conhecia as respectivas características;
2.1.45. O arguido M.... não possuía qualquer licença válida para usar a referida espingarda, bem sabendo o mesmo que não a podia deter, o mesmo acontecendo relativamente aos cartuchos;
2.1.46. O arguido conhecia ainda as características e natureza da soqueira, bem sabendo que a sua detenção era proibida;
2.1.47. O arguido E... também conhecia as características e natureza das 5 munições de calibre 32 magnum que lhe foram apreendidas, bem sabendo que a sua detenção era proibida;
2.1.48. Os produtos estupefacientes apreendidos, com excepção dos pedaços de haxixe apreendidos num dos quartos da residência do arguido E... e dos comprimidos de cor rosa e dos pedaços de canabis (resina) apreendidos na residência dos arguidos A.... e J...., eram o remanescente de outras quantidades não apuradas que os arguidos M.... e V.... comercializaram e destinavam à venda a terceiros;
2.1.49. As balanças eram usadas na actividade de comercialização de estupefacientes;
2.1.50. O telemóvel de marca “Nokia” com o IMEI 354349-00-232126-6 e respectivo cartão inserido, foi utilizado pelo arguido M.... na actividade de venda de estupefacientes acima referida;
2.1.51. Todos os arguidos conheciam a natureza da cocaína, do ecstasy e do haxixe;
2.1.52. Todos os arguidos actuaram de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que as suas descritas condutas eram proibidas e punidas por lei;
2.1.53. O arguido E... e uns amigos deste encontraram umas munições de características não apuradas quando aquele ainda era adolescente;
2.1.54. O arguido M.... é empresário;
2.1.55. Tem rendimentos mensais de 500/700 euros;
2.1.56. Explorou um bar na Costa da Caparica, bar esse que vendeu;
2.1.57. Também explorou máquinas de jogos;
2.1.58. Os pais do arguido M.... sempre tiveram uma vida desafogada;
2.1.59. O que lhe permitiu usufruir de carros de grande cilindrada, pertença dos pais;
2.1.60. É consumidor de ecstasy;
2.1.61. Sentiu a morte do pai;
2.1.62. Como habilitações literárias tem a 4.ª classe;
2.1.63. A arguida V... tomava conta de crianças;
2.1.64. Actualmente trabalha num bar da mãe do arguido Manuel;
2.1.65. Ganha 300/400 euros por mês;
2.1.66. Tem uma filha de 9 anos;
2.1.67. Vive com o arguido Manuel, numa casa da mãe deste, juntamente com a filha;
2.1.68. Como habilitações literárias tem o 9.º ano de escolaridade;
…
2.1.98. Por acórdão de 24.03.2000 foi o arguido M.... condenado na pena de um ano e seis meses de prisão, cuja execução foi suspensa pelo período de dois anos, pela prática, em 1997, de um crime de corrupção activa, p. e p. pelo artigo 374.º, n.º 1, do Código Penal; por sentença de 12.04.2000 foi condenado na pena de cinco meses de prisão, substituída por igual tempo de multa, à taxa diária de 500$00, pela prática, em 22.07.1995, de um crime de exploração ilícita de jogo, p. e p. pelo artigo 108.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2/12; por sentença de 23.02.2001 foi condenado na pena de oito meses de prisão, cuja execução foi suspensa pelo período de um ano, pela prática, em 25.10.1995, de um crime de exploração ilícita de jogo, p. e p. pelo artigo 108.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2/12; por sentença de 20.11.2000 foi condenado na pena de cem dias de prisão, substituída por igual tempo de multa, à taxa diária de 400$00, pela prática, em 9.03.1996, de um crime de exploração ilícita de jogo, p. e p. pelo artigo 108.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2/12; por acórdão de 10.05.2002 foi condenado na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de 3,00 euros, pela prática, em 30.04.1997, de um crime de furto, p. e p. pelo artigo 203.º, n.º 1, do Código Penal; por sentença de 27.06.2007 foi condenado na pena de 200 dias de multa, à taxa diária de 5,00 euros, pela prática, em 31.01.2002, de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143.º, do Código Penal; por sentença de 1.06.2007 foi condenado na pena de 150 dias de multa, à taxa diária de 5,00 euros, pela prática, em 12.07.2003, de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal;
2.1.99. …
O tribunal considerou não provado que:
2.2.1. O arguido M.... também se dedicou à venda a terceiros de haxixe;
2.2.2. Para concretizar os seus propósitos o arguido M.... contava com a colaboração do arguido E...;
2.2.3. Era diariamente que o arguido M.... procedia à distribuição dos produtos estupefacientes por terceiros;
2.2.4. O arguido M.... procedia a entregas de cocaína e de ecstasy no estabelecimento comercial “Bar House”;
2.2.5. O preço que cobrava variava em função das quantidades que vendia;
2.2.6. Durante o período de tempo em que se dedicou à venda a terceiros de produtos estupefacientes, o arguido M.... não exerceu qualquer actividade profissional lucrativa, vivendo exclusivamente do rendimento que auferia com o exercício desta actividade;
2.2.7. O arguido M.... transportou produtos estupefacientes nas viaturas automóveis de matrícula 39-42-XU da marca “Porche” e de matrícula 65-29-UC de marca “BMW” para a sua residência, sita na Rua Emídio Pinto, n.º 1, 3.º Esq., Santo António – Costa da Caparica e para as residências e estabelecimento comercial da sua mãe, sitas na Rua Joaquim Agostinho, n.º 26, 1.A, Santo António – Costa da Caparica, Rua Principal, Lote 16, Portela da Azóia e “Bar House”, Praceta Padre Abel Varzim, n.º 5, c/v Dt.ª, Bobadela;
2.2.8. As viaturas automóveis de matrícula 39-42-XU da marca “Porche”, de matrícula 65-29-UC de marca “BMW”, de matrícula 47-93-VA de marca “Nissan Almera”, pertencem ao arguido M....;
2.2.9. O arguido M.... misturou produtos estupefacientes com outros produtos, nomeadamente com “redrate” e “tadalafil” de modo a aumentar as quantidades e lucro desses produtos;
2.2.10. Depois subdividia e guardava os produtos estupefacientes, distribuindo-os pelo estabelecimento comercial da sua mãe e por residências pertença de outros indivíduos que aceitavam colaborar consigo para esse fim, até o arguido proceder à sua venda;
2.2.11. Os arguidos H.... e E... cederam as suas residências para o arguido Manuel armazenar parte dos produtos estupefacientes que transaccionava e depois iam-lhe entregando as quantidades que este lhes solicitava;
2.2.12. Os arguidos H.... e E... também colaboravam com o arguido M.... na mistura da cocaína com outras substâncias, como forma de aumentarem a quantidade e o preço desse produto para posterior venda aos consumidores e ainda na pesagem e embalagens em doses individuais ou de acordo com as quantidades que lhe eram encomendadas;
2.2.13. O arguido E... fez entregas de estupefacientes por conta do arguido M....;
2.2.14. Em troca desta colaboração os arguidos H.... e E... recebiam do arguido M.... produtos estupefacientes e quantias monetárias resultantes da venda dos mesmos;
2.2.15. Os arguidos H.... e E... revendiam as pastilhas de ecstasy e cocaína que recebiam do arguido M.... a terceiros residentes nas zonas das suas residências a consumidores que os abordassem para esse efeito ou no interior dos estabelecimentos de diversão nocturna que frequentavam;
2.2.16. A colaboração prestada pelo arguido H.... ao arguido M.... durou pelo menos até ao mês de Maio de 2007, altura em que o arguido H.... foi vítima de assalto à sua residência e lhe subtraíram todos os produtos estupefacientes pertença do arguido M.... que ali estavam guardados nos termos acima descritos;
2.2.17. Depois dessa data as referidas funções passaram a estar a cargo só do arguido E...;
2.2.18. A arguida V..., para além de colaborar com o arguido M.... nos termos descritos na matéria de facto provada, também lhe adquiria elevadas quantidades de cocaína e ecstasy mediante contrapartida económica, vendendo estes produtos posteriormente por sua conta a outros que a abordavam para o efeito;
2.2.19. O arguido M.... também procedia diariamente à distribuição dessas substâncias estupefacientes por terceiros na sua residência e no estabelecimento comercial “Bar House”;
2.2.20. O arguido M.... utilizava os veículos de matrícula 39-42-XU da marca “Porche” e de matrícula 65-29-UC de marca “BMW” para proceder ao transporte e entrega dos produtos estupefacientes;
2.2.21. O arguido M.... utilizava o veículo Nissan Almera de matrícula 47-93-VA para a entrega de produtos estupefacientes;
2.2.22. O arguido M.... vendeu produtos estupefacientes a Feld Yoran e a M.;
2.2.23. A arguida V.... adquiria produtos estupefacientes que vendia ao arguido M....;
2.2.24. Os arguidos M.... e V.... frequentavam quase diariamente e durante a noite diversas discotecas dos arredores da cidade de Lisboa e aí vendiam cocaína e ecstasy que levavam consigo a terceiros que a abordavam para o efeito;
2.2.25. A arguida V.... vendeu estupefacientes a C. e M.;
2.2.26. Para transporte e entregas de produtos estupefacientes, a arguida V.... utilizava a sua viatura automóvel de marca Honda Civic de matrícula 31-63-JB e por vezes também utilizava as viaturas automóveis do arguido M....;
2.2.27. Os arguidos A.... e J.... durante a maior parte do tempo referido na matéria de facto provada não exerceram qualquer actividade lucrativa, vivendo exclusivamente dos rendimentos que auferiam com a venda dos produtos estupefacientes, designadamente pastilhas de ecstasy, cocaína e haxixe;
2.2.28. Os arguidos A.... e J.... adquiriam haxixe a indivíduos cuja identidade não se logrou apurar;
2.2.29. Os arguidos A.... e J.... também vendiam haxixe;
2.2.30. Os arguidos A.... e J.... procediam à mistura dos produtos estupefacientes com outras substâncias designadas de “produtos de corte”, nomeadamente “MCPP”, de modo a aumentar as quantidades e procediam à sua pesagem e embalagem em doses individuais ou de acordo com as quantidades que lhe eram encomendadas;
2.2.31. Os arguidos A.... e J.... venderam produtos estupefacientes nas suas residências e em casas de diversão nocturna (discotecas) da zona da sua residência;
2.2.32. O preço que cobravam variava em função das quantidades que vendiam;
2.2.33. As 10 munições de calibre .32, apreendidas no sótão da arrecadação da residência da mãe do arguido M.... e as 85 munições de calibre .22, as 17 munições de calibre .38 e a embalagem de spray apreendidos no Bar “House” pertenciam àquele arguido;
2.2.34. As substâncias Redrate, Taddalafil e MCPP eram usados na actividade de comercialização de estupefacientes;
2.2.35. Os objectos, telemóveis (com excepção telemóvel de marca Nokia com o IMEI 354349-00-232126-6 e respectivo cartão inserido), quantias monetárias e viaturas automóveis apreendidas aos arguidos foram adquiridos com os proventos obtidos na venda de estupefacientes e eram utilizados nessa actividade;
2.2.36. O arguido M.... passou a consumir cocaína, que passou a adquirir na passagem de ano de 2005/2006 para seu consumo;
2.2.37. Onde se iniciou no consumo de estupefacientes;
2.2.38. Após a morte do pai e a venda do bar da Costa da Caparica procurou consolo no consumo de estupefacientes;
2.2.39. As munições encontradas na residência do arguido E... ficaram esquecidas na varanda do quarto;
2.2.40. Eram as munições que encontrou com amigos quando era adolescente.
O tribunal fundamentou a decisão de facto nos seguintes termos:
Nos termos do disposto no artigo 374.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, o Tribunal deve indicar os motivos de facto e de direito que fundamentam a sua decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a sua convicção.
Em sede de valoração da prova, a regra primacial é a constante do artigo 127.º do mesmo código, segundo a qual a prova é apreciada “segundo as regras da experiência e a livre convicção do Tribunal”.
Este princípio da livre apreciação da prova traduz-se na ideia de que “o Tribunal baseia a sua decisão sobre a realidade de um facto na íntima convicção que formou a partir do exame e da ponderação das provas produzidas” .
Assim, quanto aos factos provados, a decisão teve por base a análise e valoração da prova produzida e examinada em audiência, apreciada segundo as regras da experiência, designadamente:
As declarações do arguido M...., na parte em que referiu sempre ter trabalhado, na parte em que confirmou que o arguido H.... trabalhou para ele, como nadador salvador, uma ou duas épocas balneares, na parte em que confirmou ter, numa ocasião, entregue à arguida A.... pastilhas de ecstasy, 100 ou 200, dizendo-lhe que era 1,25 euros cada pastilha e pedindo-lhe esse dinheiro pelo telefone, e na parte em que confirmou o seu número de telemóvel (n.º 914 004 378), esclarecendo que tinha também um com o indicativo 96, cujos número não se recorda. Não se mostrou credível na parte em que referiu ter comprado ecstasy à referida arguida A...., pois a prova produzida é claramente em sentido contrário, designadamente as esclarecedoras conversas telefónicas havidas entre ambos , na parte em que referiu nunca ter entregue estupefacientes à testemunha Â., sua amiga, pois esta, de forma que se revelou credível, considerando, designadamente, o teor da conversa telefónica transcrita a fls. 16 a 21, do anexo 3, disse o contrário, desmentindo-o, na parte em que referiu que a droga apreendida era para seu consumo, pois a prova produzida mostra claramente que se dedicava à venda de produtos estupefacientes, designadamente diversas transcrições de escutas telefónicas, onde se destaca a transcrita a fls. 18, do anexo 3, onde fala em preço e é esclarecido que “não é coca é pastilha”, e os depoimentos das testemunhas que confirmaram ter-lhe adquirido produtos estupefacientes. No que diz respeito à sua situação pessoal, referiu que é empresário, que tem rendimentos mensais de 500/700 euros, que vive com a arguida V... e a filha desta e que tem a 4.ª Classe, no que se mostrou credível, sendo as suas declarações, no essencial, confirmadas pela demais prova produzida;
As declarações do arguido E., na parte em que confirmou deter as balas na varanda, nunca ter vendido droga, designadamente para o arguido M...., para quem trabalhou como disc jockey no estabelecimento daquele e ter recebido uma herança dos pais e avós, vivendo numa casa que fazia parte dessa herança. Mais referiu que vivia metade do tempo na Costa da Caparica e a outra metade no Estoril, informando que o haxixe encontrado na busca efectuada na casa da Costa da Caparica pertencia ao irmão, que tinha vivido com ele. Confirmou, ainda, ter sido toxicodependente de heroína, tendo feito dois ou três tratamentos, e ter consumido por volta do dia da busca;
As declarações da arguida A., que, de relevante, para além de confirmar a relação com o arguido J...., confirmou ter adquirido, a partir do início de 2005 e até alguns meses antes da detenção, cocaína e ecstasy ao arguido M...., produtos esses que levava para casa, onde os dividia, vendendo-os, depois, juntamente com o arguido J...., sem fazer qualquer tipo de mistura, que seria feita pelo arguido M...., segundo o que este lhe disse. Referiu que normalmente adquiriam 200/300 gramas de pastilhas de ecstasy por semana, à 5.ª ou 6.ª feira, e que adquiriu ao arguido M.... um total 120 gramas de cocaína, por 3 vezes (duas vezes 50 gramas e a outra 20 gramas), sendo que as 20 gramas foram entregues, alguns meses antes de serem detidos, pelo arguido H...., que lhe foi apresentado pelo arguido M...., com quem combinou a entrega. Esclareceu onde ia buscar os produtos (a um café, junto da sua residência), pagando 1,25 euros por cada comprimido de ecstasy e 30 euros por cada grama de cocaína, vendendo, depois, os comprimidos entre 1,75 e 1,85 euros. Na discoteca Kremlin, todavia, vendeu por 5,00 euros cada pastilha de ecstasy e a cocaína entre 35 e 45 euros o grama. Referiu que o arguido J.... também foi vender ao Kremlin, onde conheceu o arguido M...., e que ambos consumiam ecstasy, cocaína e haxixe. Esclareceu que o Bofo, o Anão e o Paulino eram pessoas que lhe compravam produtos estupefacientes, explicou o teor de algumas chamadas telefónicas com o arguido M...., confirmou o número de telemóvel usado por este e esclareceu que só depois de vender as pastilhas é que lhe pagava. Também referiu uma situação em que o arguido J.... entrou em contacto com o arguido M.... para este não fazer mais ameaças, dizendo que lhe entregava a quantia que estava a dever, cerca de 2.000 euros relativos ao fornecimento da cocaína. Ainda quanto ao arguido M...., disse que não conhecia o bar deste, que este lhe propôs que vendesse por ele em discotecas para pagar a dívida, que o viu andar de “Porche”, carro que deixou de lhe ver quando adquiriu outro “Porche” após a morte do pai, vendo-o também a conduzir um jipe, cuja marca não recorda. Referindo-se aos demais arguidos, esclareceu que no Kremlin viu a arguida V... e o arguido H.... com o arguido M...., tendo visto uma vez com este o arguido E. (quando o M. lhe foi fazer uma entrega ao referido café), não tendo voltado a ver o arguido H.... após o mesmo ter feito aquela entrega de 20 gramas de cocaína. Também referiu que segundo o arguido M.... este só consumia haxixe, porque tinha problemas cardíacos, tendo, porém, tomado comprimidos com ele, e que viu a arguida V... consumir ecstasy no Kremlin. Também esclareceu que escreveu duas cartas ao arguido M...., não se recordando de ter pedido advogado, pois até já tinha um, que aquele não lhe emprestou dinheiro quando esteve doente, nunca lhe tendo, sequer, pedido dinheiro. No que diz respeito ao seu consumo, disse que consumia mais ou menos um grama de cocaína por dia, que já não consome qualquer produto estupefaciente, não tendo feito qualquer tratamento, tendo consciência que prejudicou pessoas que a rodeiam e perdeu a sua confiança, dizendo estar arrependida. Quanto à sua situação pessoal, referiu que trabalha numa fábrica, que indicou, e numa empresa de limpezas, ganhando 900/1000 euros por mês, que vive com a mãe e que tem o 9.º ano de escolaridade e um curso técnico-auxiliar de fisioterapia. A referida arguida mostrou-se particularmente credível, considerando a forma clara como relatou os factos e a circunstância de, no essencial, as suas declarações estarem em sintonia com outra prova produzida e examinada nos autos, designadamente e em particular as intercepções telefónicas devidamente transcritas, o auto de reconhecimento de fls. 1161 e as apreensões de produtos estupefacientes, em quantidades consideráveis, ao arguido M.... ;
As declarações do arguido J. De relevante e em síntese, para além de confirmar a sua relação com a arguida A...., confirmou que vendia ecstasy na sua zona, a 5,00 euros cada pastilha, que dispensou haxixe aos amigos, tendo chegado a receber dinheiro, e que chegou a dispensar cocaína a um amigo ou outro. Também confirmou ser consumidor de cocaína, consumindo um ou dois gramas por dia, esclarecendo que começou a vender para poder consumir e que actualmente já não consome. No que diz respeito à sua situação pessoal, referiu que está a trabalhar em Cascais, como calceteiro, e que tem 2 filhos, de 10 e 9 anos. Quanto ao demais, as suas declarações não mereceram qualquer crédito, designadamente na parte em que referiu nunca ter vendido estupefacientes em discotecas e nunca ter visto a arguida A.... vender no Kremlin, considerando a demais prova produzida, designadamente as declarações da arguida A.... e o depoimento da testemunha V., e ainda na parte em que referiu adquirir os produtos estupefacientes no bairro, considerando, designadamente as declarações da arguida A...., o teor das conversas telefónicas que teve com o arguido M.... e o confronto com as declarações de fls. 1736, por ele prestadas perante o juiz de instrução e onde disse que comprava produto estupefaciente ao co-arguido Manuel e outras pessoas, que não quis esclarecer;
O depoimento da testemunha A.. Em síntese, conhecendo todos os arguidos, referiu que conhece os arguidos A.... e J.... da discoteca, nunca lhes tendo comprado directamente produtos estupefacientes, tendo ido comprar pastilhas com a Ana e não com o João, sendo que este numa ocasião lhe arranjou um amigo a quem comprou cocaína. No que diz respeito a não ter comprado directamente à arguida A...., não se mostrou credível, considerando o teor das intercepções telefónicas constantes do anexo 1 (fls. 24 e 25, 38, 52, 55 e 56, 62 a 64, 79 e 80 a 82) e do anexo 4 (fls. 88 a 90, 106, 136, 144, 170 e 171);
O depoimento da testemunha V.. De relevante e em síntese, conhecendo os arguidos A.... e J...., sendo amigos há 2/3 anos, referiu que adquiriu pastilhas de ecstasy à Ana, 5 ou 10 pastilhas, pagando 5 euros em média por pastilha, bem como meio grama ou um grama de cocaína, pagando entre os 40 e os 50 euros por cada grama, tendo algumas das aquisições sido no Kremlin e estando o arguido João junto da arguida Ana quando tal aconteceu. Concretamente quanto ao arguido J...., confirmou que este também lhe vendeu cocaína e pastilhas. Por último, referiu que os referidos arguidos consumiam pastilhas e cocaína;
O depoimento da testemunha A.. De relevante e em síntese referiu que conheceu o arguido M.... numa discoteca, há 2 anos, tendo-lhe comprado pastilhas. Esclareceu que lhe ligou para o telemóvel, lembrando-se do teor da conversa, e que ele arranjou 5 ou 6 pastilhas, que foram entregues, depois, por uma pessoa que conduzia um táxi. Mais esclareceu que nunca adquiriu pastilhas ao arguido M.... em discotecas e que cada pastilha custava 2,50 ou 3,00 euros. A referida testemunha depôs de forma que se revelou credível, sendo o seu depoimento confirmado pelo teor das conversas telefónicas constante dos autos de transcrição de fls. 16 a 21 do anexo 3;
O depoimento da testemunha M.. De relevante e em síntese, referiu que conhece os arguidos M. e V..., que ofereceu o telemóvel com o n.º 918 698 768 ao namorado, que identificou, sendo este que utilizava esse número, e que o n.º 919 014 002 é dela, sendo, por vezes, também usado pelo namorado. Esclareceu que não adquiriu estupefacientes ao arguido M., que via rodeado de muitas mulheres, tendo algumas vezes fumado charros e uma ou duas vezes consumido pastilhas com ele;
O depoimento da testemunha Ao. De relevante e em síntese, referiu que conhece os arguidos M. e V..., sendo amiga de ambos há 2 anos e tal, e que o arguido M. lhe deu, pelo menos duas vezes, ecstasy para consumir, nunca o tendo visto vender. Também confirmou que a arguida V. também lhe deu ecstasy para consumir, nunca tendo pago nem a um nem a outro;
O depoimento da testemunha J.. De relevante e em síntese, conhecendo os arguidos M. e V..., depondo de forma que se revelou convincente, esclareceu que numa ocasião, porque ia para Ibiza e queria levar pastilhas para ele e uns amigos, telefonou à arguida V... e perguntou-lhe se sabia de alguma coisa, confirmando que é ele que fala a fls. 37 e 38 do anexo 6 e que foi ele que mandou a mensagem de fls. 39, do mesmo anexo;
O depoimento da testemunha C.. De relevante e em síntese, referiu que conhece os arguidos M. e V... e Ana e namorado, tendo conhecido o primeiro há uns dois anos e qualquer coisa na discoteca “Luanda”, confirmou que este (o arguido M.) lhe dispensou uma ou duas vezes ecstasy (pastilhas), nunca lhe tendo pago. Referiu ainda pensar que o telemóvel de fls. 15 do anexo 6 era dela e que o Ildo era seu namorado;
O depoimento da testemunha V., agente da PSP, tendo sido titular do processo. De relevante, tendo participado em diversas vigilâncias, referiu que nunca viu fazer entregas, e confirmou a apreensão das 500 e tal pastilhas na casa da mãe do arguido M...., estando no local concreto que apuraram nas escutas, em cima de uma prateleira. Confirmou, ainda, que o arguido M.... tinha um “Porche” e comprou, depois, um “X5”, tendo, também, “Almera”, e que, das vezes que verificaram, o referido arguido estava no bar “House” entre a 1 e as 2 da manhã, fechando o bar às duas horas, sendo o mesmo gerido pela mãe daquele;
O depoimento da testemunha L. Conhecendo os arguidos A.... e J...., tendo trabalhado com aquela na clínica, de relevante, depondo de forma convincente, confirmou que lhe adquiriu pastilhas de ecstasy, por cerca de 5 euros cada uma. Esclareceu ainda que as adquiria quando saía à noite, sendo cerca de 5/10 por mês, tendo adquirido durante 6/7 meses. Mais esclareceu que uma vez também lhe adquiriu cocaína, um grama, por mais ou menos 40 euros, nunca tendo adquirido nada ao arguido J.;
O depoimento da testemunha V. Conhecendo os arguidos A.... e J...., de forma convincente, confirmou que adquiriu pastilhas de ecstasy à arguida Ana e cocaína ao arguido João, confirmando, ainda, o número do seu telemóvel (912 101 075);
O depoimento da testemunha L., que conhece a arguida A...., frequentando o Kremlin, tal como aquela e o arguido J. De relevante, confirmou que pagava 5,00 euros por cada pastilha, dando o dinheiro à arguida à A...., que trazia as pastilhas depois;
O depoimento da testemunha M, que conhece os arguidos M. e V.... De relevante, referiu que a arguida V..., quando tinha ecstasy, partilhava com ela. Também referiu que o arguido M. consumia cocaína e ecstasy. Por último, acabou por referir que, afinal também disse que o M. lhe dava ecstasy para consumir;
O depoimento da testemunha J., agente da PSP. Tendo participado na investigação, para além de se referir ao que foi apurado através das escutas, confirmou que o arguido M.... andava num “Porche” e depois num BMW, já adquirido durante a investigação, e que não presenciou qualquer entrega de estupefacientes. Estando presente na detenção do arguido M...., confirmou o que foi encontrado durante busca realizada à residência do mesmo, tendo ainda confirmado que aquele apenas ia ao Bar “House” cerca de uma hora por dia, seguindo, depois, para discotecas. Por último, e ainda de relevante, confirmou que o arguido M.... vendeu ou trespassou um bar que tinha na praia;
O depoimento da testemunha L, sub-chefe da PSP. Tendo participado na investigação, em duas ou três vigilâncias e na busca ao bar “House” e à residência da mãe do arguido M...., referiu o que foi encontrado, esclarecendo que foi levado todo o dinheiro encontrado no bar;
O depoimento da testemunha P., agente da PSP. Tendo participado na busca a casa da mãe da arguida V... e feito vigilância no bar “House”, de relevante referiu o que foi encontrado na referida busca, não tendo sido confirmada a proveniência do ouro encontrado;
O depoimento da testemunha M., agente da PSP. Tendo participado na busca a casa da arguida A...., de relevante, referiu o que ali foi encontrado e apreendido;
O depoimento da testemunha C., agente da PSP. Tendo participado na busca à casa do arguido E., de relevante, referiu o que foi ali encontrado;
O depoimento da testemunha N., que conhece o arguido M..... De relevante, confirmou que o seu n.º de telemóvel é o 918 404 068, que havia quem o chamasse por “Mike”, sendo também tratado por Nuno;
…
Defesa do arguido M....:
O depoimento da testemunha P., que conhece o arguido M.... há 20 anos, tendo trabalhado para ele como porteiro do Bar “House” há 16/17 anos. Em síntese, referiu que foi despedido pelo referido arguido há 16/17 anos por ser consumidor, sendo que na altura eram 10/12 empregados e que a sexta-feira dava para pagar a todos. Também se referiu a vários carros que o arguido M. teve e disse que nunca se apercebeu que o arguido M. seja consumidor, embora se encontre com este com alguma regularidade. Também referiu que o arguido M. ficou afectado com a morte do pai e que explorou um bar na Costa da Caparica;
O depoimento da testemunha M, mãe do arguido M..... De relevante, confirmou a busca feita a sua casa e confirmou que foi encontrada qualquer coisa no sótão, confirmando, também, a busca ao Bar “House”, de onde foi levado todo o dinheiro que ali havia e que era do movimento do mesmo. Esclareceu que está todos os dias no referido bar, que o filho teve outro bar na Costa da Caparica e que foi ela que comprou os carros, com dinheiro dela, o que justificou. Também referiu que morte do pai marcou o filho, que sempre andou com carros caros, dando-lhe dinheiro, o que justificou;
O depoimento da testemunha L., que conhece o arguido M.... há 18 anos, vivendo frente ao Bar “House”. De relevante, referiu que o arguido M. sempre teve uma boa vida e bons carros, não necessitando de vender droga para viver;
…
Foram ainda relevantes:
Os autos de busca e apreensão de fls. 649 a 657, 669 a 670, 675, 681 a 682, 702 a 718, 722 a 727, 728 a 731, 737 a 738;
O auto de apreensão de fls. 671;
Os autos de exame e avaliação de fls. 699, 700, 701, 807 a 808, 878 a 879, 1005;
Os apensos I, II, III, IV, V, VI, VII e VIII (transcrições das intercepções autorizadas nos autos e correspondentes alvos 1G316, 1G317, 1H074M, 1G316M, 29704M, 29705M, 29860M (com excepção das sessões 435 – fls. 7 e 8 - e 626 – fls. 10), T1H988M, destacando-se as intercepções de fls. 180 e 181, do anexo 4, enviadas pela arguida V... à arguida A...., a conversa entre aquela e o arguido M.... de fls. 19, anexo 6, 20 a 23, anexo 7, e 30 a 33 e 51, deste mesmo anexo;
Os relatos de fls. 136, 190 a 191, 222, 260 a 263, 499, 500;
A documentação bancária de fls. 361 a 412, 415 a 430, 1286 a 1312;
Os documentos de fls. 1240 a 1276, 1313 a 1320, 1552 a 1571;
Os exames toxicológicos de fls. 1108, 1216, 1743 a 1746;
Os exames de fls. 1020 a 1022.
Quanto à situação pessoal, familiar e profissional dos arguidos, foram relevantes a respectivas declarações, os depoimentos das testemunhas por eles indicadas e ouvidas e, quanto à arguida A...., ainda os documentos de fls. 1684 a 1725 e 1788.
Quanto aos antecedentes criminais dos arguidos foram relevantes os respectivos CRC.
Quanto aos factos constantes da matéria de facto não provada, o tribunal teve por base a circunstância de a prova produzida em audiência não ter confirmado os mesmos.
2 – O arguido M.... interpôs recurso desse acórdão.
A motivação apresentada termina com a formulação das seguintes conclusões:
I. O tribunal ora recorrido serviu-se da prova resultante das escutas telefónicas para a motivação da decisão de facto e consequentemente para a sua condenação (cfr. fls. 54 do douto acórdão recorrido).
II. Entendeu o douto acórdão recorrido que relativamente às escutas telefónicas nenhuma nulidade existiu, sendo certo que não se pronunciou quanto às alegadas inconstitucionalidades.
III. Na verdade, na esteira da mais recente jurisprudência do Tribunal Constitucional, como pilar, temos que o pretendido pelo legislador, além do mais, é que o juiz faça um controlo efectivo, real e próximo das escutas telefónicas.
IV. Para tanto, deverá sempre o juiz ouvir as escutas pessoalmente, mesmo as sugeridas pelos OPC, ou ler as passagens ou resumos das sessões feitas pelos mesmos, por forma a fazer depender a aquisição processual da prova assim obtida a um “crivo” judicial quanto ao seu carácter não proibido e à sua relevância.
V. O que não deve é autorizar a transcrição das sessões sugeridas pelos OPC, sem as ouvir, pessoalmente, ou que de outra forma, espelhada nos autos, tenha tido conhecimento prévio do conteúdo das sessões que mandou transcrever e destruir.
VI. E na verdade a interpretação que o tribunal recorrido deu à norma do artigo 188.º n.º 1 do CPP é que a expressão “imediatamente” não queria dizer no dia seguinte mas apenas e tão só num prazo razoável, que nada impede ser superior a 30 dias, o que, aliás, diga-se, nunca prejudicaria os interesses do qualquer visado”.
VII. Ora, esta interpretação dada à expressão “imediatamente” (constante na redacção que foi dada pelo DL. N° 320-C/2000 de 15-12, aplicável ao presente processo), já mereceu juízos de inconstitucionalidade por parte do Tribunal Constitucional, mormente quando abrange escutas telefónicas que autorizadas pelo juiz só delas teve conhecimento 38 dias depois de elas terem início (Acórdãos do TC n.ºs 528/2003 e 379/2004).
VIII. Mas mesmo na situação acima indicada, não basta os OPC levarem ao conhecimento do juiz a intercepção das escutas telefónicas, quer através dos suportes técnicos, quer através da transcrição dos excertos do conteúdo das sessões interceptadas.
IX. Importante é que exista despacho judicial no sentido de que previamente à ordem de transcrição e destruição das escutas telefónicas, conste dos autos que o juiz procedeu à sua, audição, ou leu os resumos dos excertos de eventuais transcrições, ou mesmo o resumo do conteúdo das sessões que mandou transcrever ou destruir, isto na esteira e com os argumentos da melhor interpretação ao citado artigo 188.º n.º 1 do CPP, feita pelo nosso Tribunal Constitucional sob pena de ser interpretado inconstitucionalmente por violação do n.º 8 do artigo 32°, e 34° n.ºs 1 e 4 da CRP (cfr., por todos, mui douto acórdão do Tribunal Constitucional n.º 426/2005 de 26-08-2005, processo n.º 487/05 da 2a secção relatado pelo Exmo. Senhor Conselheiro Mário Torres, especialmente no que concerne à necessidade de o juiz ouvir previamente as sessões (pelo menos as indicadas pelos OPC), ou por alguma forma, consignar em despacho, inequivocamente, que tomou conhecimento do conteúdo das mesmas antes de ordenar a transcrição e destruição das comunicações telefónicas efectuadas.
X. Da análise destas sessões constata-se desde logo que o prazo entre a realização das intercepções telefónicas e o conhecimento efectivo do conteúdo das sessões validadas e mandadas transcrever, por parte da autoridade judicial, são, respectivamente, de 62, 60. 59, 46, 44, 38 e 36 dias respectivamente.
XI. Assim sendo o prazo mais curto de 36 dias sempre se pode considerar excessivo perante a circunstância da expressão “imediatamente” ser considerada pela jurisprudência constitucional como um prazo que não permite o acompanhamento próximo pelo juiz das intercepções telefónicas.
XII. Em 05 de Maio, 21 de Maio, 23 de Junho, 31 de Julho e 17 de Agosto do ano de 2006 foram elaborados relatórios policiais em que eram sugeridas várias sessões como sendo relevantes requerendo-se que as mesmas fossem validadas.
XIII. A 8 de Maio, 23 de Maio, 27 de Junho, 1 de Agosto, 17 de Agosto de 2006, o Digno Magistrado do Ministério Público promoveu no sentido da validação e transcrição das intercepções telefónicas constantes dos relatórios policiais anteriormente mencionados.
XIV. Por despacho nos dias 10 de Maio, 26 de Maio, 04 de Julho, 02 de Agosto e 17 de Agosto de 2006, o JIC, validou as intercepções propostas por cada um dos relatórios respectivamente, sem que tivesse procedido à audição das mesmas, não tendo em momento algum essas mesmas transcrições sido objecto de despacho no sentido de ser admitidas.
XV. Assim sendo e atendendo a que o controlo jurisdicional não foi efectuado através da audição das referidas intercepções, nem tão pouco pela leitura das transcrições das mesmas, somos obrigados a concluir que sobre estas o circunstancialismo “imediatamente” nem sequer se coloca em causa, pelo que devem ser declaradas nulas desde logo as intercepções e respectivas transcrições referentes às sessões 1744, 1817, 1845, 1876, 2004, 2041, 2047, 2162, 2506, 2550, 2861, 2905, 2943, 2984, 3009, 3031, 3102, 3156, 3185, 3223, 3463, 3464, 3594, 3802, 3805, 4454 do Alvo 1H074M e sessões 980, 985, 997, 998, 1010, 1044, 1350, 1499, 1587, 1741, 1780, 2285, 2821, 3202, 3240, 3243, 3534, 3650, 3917, 3986, 3987, 4076, 4593, 5128 e 5134 do Alvo 29860M.
XVI. A este propósito transcrevemos os ensinamentos do aliás mui douto acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa que diz:
XVII. ' O que importa, pois, é saber se os Srs. Juízes de instrução que ordenaram a transcrição das conversações que constam dos autos ouviram efectivamente, mesmo que coadjuvados pelo OPC (artigo 1880, n.º 4), as gravações efectuadas e se foram eles que seleccionaram essas sessões.
XVIII. Ora, nesta sede, não podemos deixar de reconhecer que os elementos disponíveis nos autos nos convencem plenamente que nenhum dos senhores juízes, ( ..) ouviu essas gravações ou ouviu sequer as sessões que mandou transcrever.
XIX. Limitaram-se, todos eles, (...) a seguir as sugestões da Polícia Judiciária e os resumos das sessões feitos por este OPC, ou seja, apenas daquelas que o sr. Inspector responsável pela investigação achou pertinentes (...). - o sublinhado é nosso – (cfr. Ac. do TRL n.º 5607/05 da 3a secção fls. 62).
XX. Em consequência, decidiu o douto acórdão acima indicado que as provas assim obtidas estavam feridas de nulidade de acordo com o artigo 122.º n.º 1 do CPP, pelo que o despacho de pronúncia proferido (irrecorrível face à nova redacção do CPP), bem como os actos subsequentes do processo, nos quais tenham sido atendidas as escutas declaradas nulas, como é o caso da audiência de julgamento e respectivo acórdão proferido, não se poderiam manter, o que neste caso também se requer.
XXI. A validação da transcrição das escutas telefónicas não foi precedida da assinatura do juiz e da certificação da conformidade da transcrição, nos termos do n.º 4 do artigo 188.º do CPP e 101.º n.º 2 do CPP.
XXII. Ora se considerarmos e se vier a ser interpretado que o auto de validação das transcrições telefónicas não tem de estar assinados pelo juiz, nem sequer tem de certificar a conformidade da transcrição, e que do mesmo modo não tem que proceder à prévia audição das escutas telefónicas cuja transcrição e destruição ordenou, nos termos dos artigos 188.º n.ºs 1 e 3 e 4 do CPP, é a mesma inconstitucional por violação do artigo 18.º n.º 2, 32.º n.ºs 1 e 8 e 34.º n.ºs 1 e 4 da CPP.
XXIII. Com interesse para o presente recurso, os factos vertidos no douto acórdão recorrido nos parágrafos 2.1.1, 2.1.2, 2.1.4, 2.1.5, 2.1.6, 2.1.7, 2.1.8, 2.1.15, 2.1.17, 2.1.17., 2.1.18., e 2.1.19, 2.2.36 a 2.2.38.
XXIV. Nos autos e após a audição da prova produzida pode-se desde logo constatar que no que respeita ao depoimento da testemunha Júlio Sancha, que decorreu na audiência de julgamento do dia 27/03/2008, faltam 32 minutos de gravação de depoimento, nomeadamente a identificação da testemunha efectuada pelo Meritíssimo Juiz Presidente, a instância do Digno Magistrado do Ministério Público, bem como os esclarecimentos pedidos por alguns mandatários dos arguidos.
XXV. O arguido recorrente impossibilitado de utilizar um meio de prova para impugnar a matéria de facto dada por assente pelo acórdão recorrido.
XXVI. O arguido não pode impugnar – entenda-se recorrer nesta parte – a matéria de facto e assim é-lhe coarctado a possibilidade do duplo grau de jurisdição sobre a matéria de facto que pretendia ver reapreciada por um tribunal superior.
XXVII. A irregularidade em apreço, constante dos autos consiste na deficiente documentação das declarações da testemunha de acusação Júlio Sancha, constante do CD de 27-03-2008, minuto 1 a 32.
XXVIII. O arguido encontra assim afectado um direito fundamental, o seu direito ao recurso em matéria de facto, sendo este considerado como '...sendo impeditiva do completo exercício da competência material desse tribunal em matéria de recursos – conhecer de facto e de direito”.
XXIX. Para o recorrente impugnar a matéria de facto e dessa forma dar cabal cumprimento ao artigo 412.º n.º 4 do CPP é necessária a documentação da prova.
XXX. Nestes termos deverá ser declarada a invalidade parcial do julgamento realizado, bem como a invalidade do acórdão, acto dele dependente, devendo nesse aspecto ser determinada a repetição do julgamento.
XXXI. A omissão parcial das declarações prestadas oralmente na audiência constitui nos termos do artigo 363.º conjugado com o artigo 364.º, n.º 2, do CPP, uma nulidade que desde já se invoca para os devidos e legais efeitos.
XXXII. Da análise da prova produzida em momento algum são mencionadas as circunstâncias dos actos concretos de venda, nomeadamente a data em que eram efectuadas, os compradores, quais os produtos estupefacientes suas quantidades, qualidades nem mesmo o grau de pureza.
XXXIII. O aqui recorrente encontrou-se sob vigilância cerca de 8 (oito) meses, pelo que não se compreende como é que não se logrou apurar a identidade dos indivíduos, a não ser que se atenda à insuficiência de prova quanto a estes factos deve-se pura e simplesmente à circunstância do arguido aqui recorrente não ter praticado factos nesse sentido.
XXXIV. O recorrente desconhece qual o fundamento ou prova que foi levada em conta pelo julgador uma vez que compulsados os autos não se encontra nenhum, zero, relatórios de diligências, apesar das mesmas se encontrarem autorizadas (nomeadamente captação de imagens e som), o que só se pode dever à ausência de actos por parte do aqui recorrente que se compadeçam com a caracterização de venda.
XXXV. Nunca foi identificado nem presenciado por qualquer OPC, apesar das vigilâncias efectuadas, qualquer acto de venda por parte do aqui recorrente, nem mesmo concretizado qualquer acto de venda directamente através do auxílio das escutas telefónicas.
XXXVI. Tal situação essa reafirmada pela testemunha de acusação Júlio Sancha, mas do qual não se pode fazer cabal reprodução em virtude do testemunho da mesma não se encontrar reproduzido pelos meios de gravação magnetofónica na sua integralidade, o que impossibilita ao recorrente infirmar qual o segmento do testemunho que deveria ser reapreciado pelo Tribunal da Relação.
XXXVII. Quanto à prova não se encontra provado por nenhuma prova bastante uma vez que novamente se desconhece o que é entendido por regularidade, uma vez que para isso teria que constar nos autos, bem como ser feita prova em audiência de julgamento que o arguido com método, proporção, harmonia ou até mesmo com cumprimento escrupuloso de uma obrigação, abastecia de cocaína e de pastilhas de ecstasy vários indivíduos.
XXXVIII. Até das escutas telefónicas, da qual se nos cumpre dizer que estão feridas de nulidade, não se consegue em momento algum e atendendo a que o arguido aqui recorrente se encontrou sob escuta durante vários meses, de tais conversações, não se retira qualquer regularidade seja de qualquer acção do aqui recorrente quanto mais da prática de abastecimento de qualquer produto que fosse ou sequer de produto estupefaciente.
XXXIX. Até à presente data desconhece-se assim quem são os terceiros e de que forma estes factos (meios de prova) chegaram ao conhecimento do julgador.
XL. Desde o momento da venda do Bar da praia o “Restaurante Bar O Socorro”, ocorrida em 31 de Janeiro de 2006, sendo certo que esse estabelecimento era diurno, pelo que seria humanamente impossível o arguido trabalhar de dia e sair “quase diariamente” à noite em Lisboa antes daquele período temporal.
XLI. Quanto ao testemunho de Júlio Sancha, mas do qual não se pode fazer cabal reprodução em virtude do testemunho do mesmo não se encontrar reproduzido pelos meios de gravação magnetofónica na sua integralidade, o que impossibilita ao recorrente infirmar qual o segmento do testemunho que deveria ser reapreciado pelo Tribunal da Relação.
XLII. De toda a prova produzida em sede de audiência e julgamento não se constatou que o aqui recorrente contactasse com imensas pessoas de forma a proceder a entregas de produto continuando-se a desconhecer quais as quantidades e qualidades.
XLIII. Quanto ao facto dado como provado de que fora acordado locais e horas de entrega nenhuma testemunha veio relatar que lhe tivera sido vendido produto estupefaciente pelo aqui recorrente após conversa mantida entre os dois a combinar locais de entrega.
XLIV. No que diz respeito à matéria de facto dada como provada no ponto 2.1.48, de que “Os produtos estupefacientes apreendidos eram o remanescente de outras quantidades não apuradas que os arguidos M.... e V.... comercializavam e destinavam à venda a terceiros”, de toda a prova produzida em sede de audiência e julgamento não foi em momento algum constatado qual a qualidade e características do referido produto, não tendo sequer a mesma sido objecto de comparação com qualquer outra que tivesse sido objecto de apreensão e da qual se dissesse que tivera sido comprada aos aqui arguidos, pelo que inexiste qualquer prova que corrobore o facto que foi dado como provado.
XLV. Da matéria de facto dada como não provada relativamente ao consumo de cocaína pelo arguido M.... constante dos pontos 2.2.36 a 2.3.39. o recorrente requereu diligências de prova para a descoberta da verdade e boa decisão da causa, que o tribunal nunca atendeu.
XLVI. O recorrente a elaboração de relatório social nos termos do artigo 370.º do CPP, que até à produção de alegações e, pelos vistos, até à sentença nada foi ordenado.
XLVII. O tribunal nem sequer se pronunciou quanto ao requerido, sendo certo que o recorrente desde o inquérito solicitou às diversas autoridades Perícia médico-legal nos termos do artigo 52.º do DL. N.º 15/93-de 22-1.
XLVIII. A folhas 1545 dos autos (a solicitação do MP após requerimento do arguido), existe um relatório médico onde atesta que o arguido foi observado em 4/9/2006 onde referiu toxicodependência de cocaína e ecstasy tendo sido elaborado análises, tendo sido observado em 13/9/2008 por médico da psiquiatria, e mais não há nos autos, porque - como se disse – não foi ordenada a sua junção, e ao arguido ora recorrente não lhe forneciam esses elementos clínicos.
XLIX. Assim, existiu uma nulidade do acórdão nos termos do artigo 379.º n.º 1 al. c) do CPP ex vi artigo 120.º n.º 2 al. d) do mesmo diploma, pois existiu “omissão posterior de diligências” que eram essenciais para a descoberta da verdade e boa decisão da causa.
L. Pela relevância dada ao depoimento, é neste contexto que se invoca a inconstitucionalidade do artigo 127.º do CPP por flagrante violação do princípio da presunção da inocência, no caso de condenação de um co-arguido com apelo à livre apreciação da prova, mas com base única e exclusivamente nas declarações de outro co-arguido, não corroboradas objectivamente.
LI. As declarações do co-arguido só podem fundamentar a prova de um facto criminalmente relevante quando existe “alguma prova adicional a tornar provável que a história do co-arguido é verdadeira e que é razoavelmente seguro decidir com base nas suas declarações”.
LII. Se a co-arguida tivesse dito outra data, mesmo desacompanhada de outra prova que “fale” no mesmo sentido, o douto tribunal recorrido teria valorado esse meio de prova como se se tratasse de uma certeza.
LIII. O douto tribunal não devia, como fez, interpretar o artigo 345.º no sentido de que as declarações dos co-arguidos podem, só por si, suportar a prova de um facto criminalmente relevante, sob pena de inconstitucionalidade.
LIV. Entendemos que as declarações de um co-arguido vale[re]m como meio de prova é violador do princípio de igualdade previsto no artigo 13.º da CRP, na medida em que relativamente ao “Estatuto de Arguido”, e nomeadamente o direito ao silêncio, varia conforme seja julgado isoladamente ou conjuntamente, sendo prejudicado (face ao estatuído no artigo 345.º n.º 4 do CPP), o arguido no seu direito ao “silêncio”, se um co-arguido entender ter uma postura 'acusatória' para daí retirar alegados benefícios, relativamente a um processo em que não existam co-arguidos, o que desde já se alega para os devidos e legais efeitos.
LV. Da prova produzida em audiência, somos levados a concluir que o acórdão recorrido padece de uma deficiente fundamentação da matéria de facto, considerando que falta o exame crítico da prova que permite ficar a conhecer o processo lógico-mental que levou a dar como provados os factos que constam da acusação.
LVI. Os vícios do n.º 2 do artigo 410.º hão-de resultar do próprio texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum.
LVII. A V. Exas. cabe a verificação da coerência interna e da conformidade da decisão como tem afirmado a jurisprudência do STJ e do Tribunal Constitucional (cfr., quanto a este último, o Ac. de 98.10.13, no DR II Série, de 98.11.13).
LVIII. Da prova fica-se sem conseguir precisar porque deu o tribunal recorrido como provados os factos constantes em 2.1.1, 2.1.2, 2.1.4, 2.1.5, 2.1.6, 2.1.7, 2.1.8, 2.1.15, 2.1.17, 2.1.17, 2.1.18 e 2.1.19, bem como qual o processo lógico ou mental para dar como provada a matéria acima indicada, isto porque o tribunal, alinhando embora os elementos de prova de que se socorreu, não explicitou o caminho que percorreu para chegar àquela conclusão.
LIX. A fundamentação “deverá fazer-se por indicação dos fundamentos que foram decisivos para a convicção do juiz, o que compreenderá não só a especificação dos concretos meios de prova, mas também a enunciação das razões ou motivos substanciais por que eles relevaram ou obtiveram credibilidade no espírito do julgador” (cfr. Lopes Rego, “Comentário ao Código de Processo Civil”, p. 434).
LX. O douto acórdão recorrido condenou o ora recorrente na pena de 6 anos de prisão para o crime de tráfico e de 1 ano de prisão para o crime de detenção de arma proibida e, em cúmulo jurídico destas penas parcelares, na pena única de 6 anos e 6 meses de prisão, tendo tal decisão assentado entre outras considerações no conteúdo do seus antecedentes criminais.
LXI. Nos termos do artigo 15.º n.º 1 al. a) da Lei n.º 57/98, de 18 de Agosto, deveria ter sido cancelada automaticamente, e de forma irrevogável, as condenações ainda constantes no registo anteriores a 1-06-2007.
LXII. O tribunal valorou prova de que não podia conhecer pois estava proibido por lei de o fazer.
LXIII. Que não se diga que existindo mais que uma condenação antes do prazo previsto para o cancelamento, jamais é possível o seu cancelamento, porquanto tal interpretação das citadas disposições seria violadora do princípio da dignidade humana e do princípio da igualdade (artigo 13.º da C.R.P.), na medida em que permitiria uma “pena” eterna ou ilimitada (cfr. artigo 30.º n.º 1 da nossa Lei Fundamental).
LXIV. O aliás douto acórdão recorrido violou os artigos 126.º, 369.º n.º 1 do CPP e artigo 15.º n.º 1 al. a) da Lei n.º 57/98 de 18 de Agosto. Pelo que deve ser considerado nulo nos termos do artigo 379.º n.º 1 al. c) do CPP.
LXV. No que diz respeito à qualidade dos produtos estupefacientes cumpre-nos dizer desde logo que para além de não ter sido efectuado qualquer exame laboratorial no sentido de se aferir da qualidade em termos de pureza de produto estupefaciente, tanto no que diz respeito à cocaína, como às pastilhas de ecstasy.
LXVI. De acordo com a maioria da jurisprudência dos nossos tribunais superiores, o ecstasy é considerado como uma das substâncias menos nocivas para a saúde humana em relação às drogas duras.
LXVII. Essa substância normalmente é utilizada em “consumos recreativos de drogas” sendo certo que a maioria dos consumos é realizada por indivíduos que não se encontram marginalizados, muito pelo contrário, os seus consumidores tendem cada vez mais a fazer parte de uma classe bem posicionada economicamente, jovens estudantes ou que se encontram a trabalhar.
LXVIII. O recorrente detinha, como ainda hoje detém, condições pessoais e patrimoniais que lhe permitiam ter poder de compra para não ter que frequentar determinados locais de forma a poder saciar o seu consumo, não existindo assim uma qualquer necessidade do recorrente se fazer deslocar a determinados sítios, sítios esses que normalmente são reconhecidos pelas autoridades, o que inviabiliza quase na sua totalidade factual que um consumidor como o aqui recorrente frequentasse regularmente tais sítios de forma a proceder ao seu consumo.
LXIX. A prática do crime de tráfico de estupefaciente previsto e punido no artigo 21.º do DL 15/93, de 22-01, consubstancia várias possibilidades de actos de entre os quais, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar ou ceder.
LXX. O aqui recorrente admitiu ter em sua posse produto estupefaciente correspondente a pastilhas de ecstasy, cocaína e haxixe.
LXXI. Atendendo às quantidades de produtos estupefacientes, bem como ao facto de se desconhecer o seu grau de pureza uma vez que não foi efectuado nenhum relatório que permitisse vir aferir da qualidade/prejudicialidade da mesma, bem como ao facto da ilicitude se aferir das quantidades de droga que nos presentes autos somente poderão dizer respeito ao produto estupefaciente que foi apreendido porque quanto a todos os outros factos não foi efectuada prova cabal da sua existência ou realização.
LXXII. Quanto aos meios utilizados, a modalidade ou circunstâncias da acção, que nos presentes autos é praticamente nula, uma vez que o produto estupefaciente ecstasy se encontrava num sótão de uma casa, com a porta aberta, sem que estivesse dissimulado e a cocaína se encontrava na sua caixa de correio de forma a permitir um fácil acesso, a falta de qualquer intenção lucrativa por parte do recorrente, faz com que se deva considerar que não se encontram preenchidos os pressupostos normais de traficância.
LXXIII. Um facto a reter e que diz respeito à personalidade do arguido é a de que o mesmo tem 46 anos de idade, não tendo tido até à presente data qualquer problema com a justiça relacionado com o tráfico de estupefaciente, uma vez que nem sequer tinham sido até à data do início do presente processo sido sinalizadas quanto à sua pessoa, quaisquer actos que pudessem consubstanciar pela parte do mesmo a prática de crime previsto e punido pelo DL 15/93, de 22 de Janeiro.
LXXIV. Somos do entendimento que o arguido ora recorrente deveria ter sido condenado pelo artigo 25.º do DL. N.° 15/93 de 22-1 e não pelo 21.º do mesmo diploma legal pelo que o acórdão recorrido violou tais dispositivos.
LXXV. A pena aplicada ficou muito além do limite da culpa do recorrente.
LXXVI. Sempre que a pena vá além duma tal medida dada pela culpa do agente, ela já terá então deixado de constituir sanção, conforme a sanção penal prevista no artigo 11.º do Código Penal, assente na responsabilidade pessoal do agente e uma resposta ao ilícito pessoal deste, para passar a constituir uma resposta a imperativo que são totalmente estranhos ao agente e ao seu ilícito, como o serão certamente as necessidades de intimidação e defesa social.
LXXVII. Uma pena que exceda a medida da culpa não é compreendida pelo condenado, não pode ser sentida como justa e como tal não pode produzir qualquer efeito ressocializador.
LXXVIII. No que diz respeito ao crime de detenção de arma proibida previsto e punido pelo artigo 86.º n.º 1 alínea d), é punido com pena de prisão até 3 (três) anos ou com pena de multa, assim, somos obrigados a concluir que a pena a aplicar no caso concreto deve ser a pena de multa, o que se requer. No que diz respeito ao crime de tráfico de droga, entende o recorrente que de toda a prova produzida em sede de audiência de julgamento, a sua conduta, bem como a ilicitude da mesma, deve ser aferida como sendo integrante da prática de um crime de tráfico de menor gravidade previsto e punido no artigo 25.º do DL 15/93 de 22-01. O arguido aqui recorrente deverá ser condenado a uma pena de multa no que diz respeito à prática do crime de detenção de arma proibida, ou numa pena nunca superior a seis meses de prisão e numa pena de 4 anos e nove meses pela prática do crime de tráfico de estupefaciente, sendo em cúmulo jurídico aplicável uma pena nunca superior a 5 anos.
LXXIX. Quanto à suspensão da execução da pena, tal agora consagra um poder-dever, ou seja um poder vinculado do julgador, que terá que decretar a suspensão da execução da pena, na modalidade que se afigurar mais conveniente para a realização daquelas finalidades, sempre que se verifiquem os necessários pressupostos.
LXXX. Dessa forma, o Tribunal deverá atender a que o arguido tem antecedentes criminais não relacionados com os crimes de que foi condenado, leva uma vida desafogada, não pretendia a obtenção de lucro fácil, tem 46 anos de idade, e encontra-se bem inserido familiar e socialmente.
LXXXI. Afigura-se-nos assim possível formular um juízo de prognose favorável, fundado numa esperança ou expectativa razoáveis de que a condenação constituirá para o arguido, ora recorrente, uma advertência séria que o motivará a, no futuro, se abster da prática de actividades delituosas; isto é, espera-se que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizarão, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição.
LXXXII. Assim entendemos que a condenação de 5 anos de prisão, em cúmulo jurídico, que se requer, seja suspensa na sua execução por igual período.
Nestes termos e nos melhores de direito deverão V. Exa.s conceder provimento ao recurso, procedente por provado, e em consequência:
a) Declarar nulas as escutas telefónicas e em consequência ordenar a remessa dos autos para o Tribunal de Instrução, expurgadas as nulidades aí invocadas ou, caso assim não se entenda
b) Ordenar a repetição do julgamento na parte relativa ao depoimento da testemunha Júlio Sancha e respectiva acta, bem como reformular o douto acórdão recorrido nas nulidades assacadas nas conclusões ou caso assim não se entenda
c) Reduzir as penas a que o ora recorrente foi condenado, e em qualquer dos casos, sempre com a devida vénia e, misericordiosamente, a pena efectiva aplicada não ultrapasse os cinco anos, suspensa na sua execução por igual período acompanhada com regime de prova;
d) Assim se fazendo a inteira, sã e costumada justiça!».
3 – O Ministério Público respondeu à motivação apresentada defendendo a improcedência do recurso (fls. 2930).
4 – Esse recurso foi admitido pelo despacho de fls. 2932.
5 – Neste tribunal, a Sr.ª procuradora-geral-adjunta, quando o processo lhe foi apresentado, apôs nele o seu visto.
6 – Realizada a audiência e produzidas as alegações orais, cumpre apreciar e decidir, pela ordem indicada nos artigos 368º e 369º do Código de Processo Penal, as seguintes questões:
- A nulidade do acórdão por falta de exame crítico da prova;
- A nulidade do acórdão por omissão de pronúncia quanto à produção de determinados meios de prova;
- A nulidade do acórdão por excesso de pronúncia quanto a parte do conteúdo do certificado de registo criminal;
- A falta parcial de gravação do depoimento da testemunha Júlio Sancha;
- A proibição de valoração das escutas telefónicas;
- A insuficiência das declarações de uma co-arguida, desacompanhadas de qualquer corroboração objectiva, para a prova de factos relativos ao comportamento de outro arguido;
- Impugnação da decisão de facto (factos provados – 2.1.1, 2.1.2, 2.1.4 a 2.1.8, 2.1.15 a 2.1.19 e 2.1.48 – e não provados – 2.2.36 a 2.2.38);
- A moldura penal aplicável ao crime de tráfico de droga
- A natureza e medida das penas aplicadas;
- A suspensão da execução da pena de prisão.
II – FUNDAMENTAÇÃO
Delimitação do recurso
7 – Antes de apreciarmos o recurso interposto pelo arguido M.... importa delimitar o seu âmbito e, por essa via, os eventuais efeitos da sua procedência.
A alínea a) do n.º 1 do artigo 401.º do Código de Processo Penal reconhece a cada um dos arguidos legitimidade para recorrer das decisões contra ele proferidas.
De acordo com o n.º 1 do artigo 402.º do mesmo diploma legal, «sem prejuízo do disposto no artigo seguinte», ou seja, sem prejuízo de o recorrente poder limitar o seu âmbito, «o recurso interposto de uma sentença abrange toda a decisão».
A alínea a) do n.º 2 do citado artigo 402.º do mencionado Código, por sua vez, estabelece que, «salvo se for fundado em motivos estritamente pessoais, o recurso interposto» «por um dos arguidos, em caso de comparticipação, aproveita aos restantes».
Da conjugação destas três disposições legais resulta, a nosso ver, com clareza que o conceito de “decisão” utilizado pelo legislador no n.º 1 do artigo 402.º do Código de Processo Penal abrange apenas a parte do dispositivo do acórdão que se refere a cada recorrente.
Significa isto que o recurso interposto por um arguido abrange, em princípio, toda a decisão contra ele proferida, aproveitando, salvo se for fundado em motivos estritamente pessoais, aos restantes arguidos no caso de comparticipação.
Neste processo, em que nenhum dos restantes arguidos foi considerado comparticipante em qualquer dos crimes por que foi condenado o arguido M...., o recurso por este interposto tem o seu âmbito limitado à eventual responsabilidade criminal do recorrente, não abrangendo a parte do acórdão que apreciou a conduta dos outros cinco arguidos, que se conformaram com a decisão proferida pelo tribunal de 1.ª instância, não a tendo impugnado .
Daí que, no que respeita a esses cinco arguidos, a decisão tenha transitado em julgado, sendo perfeitamente justificada a primeira parte do despacho proferido a fls. 2940, que visou permitir, desde logo, a execução das penas aplicadas aos não recorrentes.
A nulidade do acórdão por falta de exame crítico da prova
8 – Delimitado o âmbito do recurso, apreciemos agora as questões suscitadas pelo recorrente, começando pelas invocadas nulidades do acórdão.
Sustenta o recorrente, no ponto 4.1 da sua motivação (fls. 97 a 101), misturando embora essa questão com a da existência de um erro notório na apreciação da prova, que essa peça processual é nula por não conter uma análise crítica da prova [artigos 379.º, n.º 1, alínea a), e 374.º, n.º 2, do Código de Processo Penal].
Muito embora se reconheça que a fundamentação da decisão de facto elaborada pelo tribunal, não obstante a sua extensão, não prima pelo apuro técnico, uma vez que, em vez de se concentrar na justificação do sentido da decisão quanto aos seus aspectos nucleares e controversos, se espraiou na descrição do conteúdo das declarações prestadas oralmente na audiência, não se pode dizer que ela não contém um exame crítico da prova produzida e que através da fundamentação não se pode compreender as razões pelas quais o tribunal considerou provados os factos narrados sob os n.ºs 2.1.1, 2.1.2, 2.1.4 a 2.1.8 e 2.1.15 a 2.1.19.
Na verdade, parece-nos claro que, para tal, o tribunal de 1.ª instância atendeu essencialmente às declarações parcialmente confessórias do recorrente, às declarações prestadas pela co-arguida A...., ao teor das conversações telefónicas interceptadas, que indicou, às apreensões efectuadas no decorrer das buscas realizadas, às perícias para determinar a natureza das substâncias apreendidas e aos depoimentos das testemunhas A., C. e M., meios estes que julgou credíveis.
Improcede, por isso, nesta parte, o recurso interposto.
A nulidade do acórdão por omissão de pronúncia
9 – O recorrente sustenta que o acórdão é também nulo por omissão de pronúncia (fls. 90 a 93 da motivação) por não terem sido atendidos ou mesmo apreciados diversos requerimentos de prova que fez ao longo do processo com vista a demonstrar que era consumidor de cocaína e por o tribunal, nos termos do artigo 340.º do Código de Processo Penal, não ter ordenado a produção de outros meios de prova que o pudessem demonstrar, com o que teria incorrido na nulidade prevista no artigo 120.º, n.º 2, alínea d), daquele diploma, o que, por sua vez, acarretaria a nulidade do próprio acórdão nos termos previstos no artigo 379.º, n.º 1, alínea c), daquele Código.
Ora, salvo o devido respeito, o recorrente confunde, a nosso ver, uma eventual nulidade de procedimento com a nulidade da decisão objecto de recurso, pretendendo que uma acarreta a outra sem minimamente fundamentar esse passo do seu raciocínio.
A nosso ver, se o arguido pretendia que fossem produzidos em audiência outros meios de prova que não tinham sido ordenados deveria ter formulado, enquanto esta decorria, um requerimento nesse sentido, interpondo recurso da decisão sobre ele proferida caso a sua pretensão não viesse a ser acolhida.
Não o tendo feito e tendo este recurso apenas por objecto o acórdão que, no final do julgamento, foi proferido pelo tribunal de 1.ª instância, não pode através dele pretender que seja apreciado o procedimento do tribunal que o antecedeu.
Seja como for, o certo é que o tribunal, no acórdão, não deixou de pronunciar-se sobre qualquer questão que devesse aí conhecer, razão pela qual o mesmo não padece da indicada nulidade.
Improcede, também quanto a esta questão, o recurso interposto pelo arguido.
A nulidade do acórdão por excesso de pronúncia
10 – Sustenta o recorrente (fls. 101 a 104) que, das sete condenações mencionadas no seu certificado de registo criminal, o tribunal apenas poderia ter atendido às duas últimas porquanto entre estas e as cinco primeiras decorreram mais de 5 anos, o que deveria ter determinado o cancelamento definitivo destas últimas.
O facto de o tribunal ter atendido a todas para a determinação da medida da pena determinaria a nulidade do acórdão por excesso de pronúncia [artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal], se bem que nesse segmento da motivação se aluda também à existência de uma proibição de prova.
Analisemos então a questão colocada.
De acordo com o artigo 15.º da Lei n.º 57/98, de 18 de Agosto, «são canceladas automaticamente, e de forma irrevogável, no registo criminal», decorridos que sejam cinco anos sobre a respectiva extinção, as decisões que tenham aplicado pena [de prisão] inferior a cinco anos «desde que, entretanto, não tenha ocorrido nova condenação por crime».
Reconhecido, pelo menos implicitamente, que entre as cinco primeiras condenações não decorreu esse prazo, importa portanto verificar se, entre a data da extinção da última das penas aplicadas por esses crimes e a data do trânsito em julgado da primeira das novas condenações decorreram ou não mais de cinco anos.
A extinção das penas aplicadas nas três primeiras condenações verificou-se, como se depreende de fls. 2266 a 2268, em 10 de Abril de 2002, 20 de Junho de 2000 e 12 de Março de 2002.
Quanto às 4.ª e 5.ª penas aplicadas, do certificado de registo criminal apenas resulta que elas foram declaradas extintas por despachos proferidos em 12 de Novembro de 2002 e em 13 de Janeiro de 2003, não se mencionando aí a data do pagamento das multas.
A dúvida sobre esse facto tem de ser resolvida a favor do arguido, ou seja, considerando que as multas foram pagas no dia imediato ao trânsito em julgado de cada uma das condenações , ou seja, em 6 de Dezembro de 2000 e em 28 de Maio de 2002.
Assim sendo, uma vez que entre esta última data (28 de Maio de 2002) e a do trânsito em julgado da primeira das novas condenações (3 de Julho de 2007) decorreram mais de 5 anos, o tribunal de 1.ª instância apenas poderia ter considerado provado o que consta dos boletins de registo criminal relativos aos processos n.ºs 288/04.8TAALM (fls. 2271) e 414/03.4JASTB (fls. 2272).
Tal proibição de prova, embora implique uma alteração da decisão de facto e a impossibilidade de valoração das restantes condenações, nomeadamente como factor relevante para a determinação da pena concreta, não consubstancia, contudo, a nulidade invocada pelo recorrente.
Na verdade, o tribunal não se pronunciou sobre qualquer questão de que não podia tomar conhecimento. Por insuficiência de preenchimento de dois boletins e deficiência dos serviços de registo criminal, atendeu a condenações que deveriam ter sido canceladas e indevidamente não o foram.
A falta de gravação de parte do depoimento de testemunha
11 – Diz o recorrente que não se encontra gravado parte do depoimento prestado pela testemunha J. na sessão da audiência realizada no dia 27 de Março de 2008. Mais concretamente, alega que não se encontram gravados os primeiros 32 minutos desse depoimento (fls. 73 a 77 da motivação).
Se analisarmos o 5.º CD que nos foi remetido, aquele que contém a gravação das declarações orais prestadas na sessão da audiência realizada nesse dia, verificamos que efectivamente se encontram por gravar os primeiros 32 minutos, o que, de acordo com a acta de fls. 2526 e ss., corresponde na verdade a parte do depoimento da indicada testemunha.
Estabelece o artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 39/95, de 15 de Fevereiro, que «se, em qualquer momento, se verificar que foi omitida qualquer parte da prova ou que esta se encontra imperceptível, proceder-se-á à sua repetição sempre que for essencial ao apuramento da verdade».
Também quanto a esta matéria se verifica que a questão não foi suscitada na 1.ª instância, não se tendo o tribunal recorrido pronunciado, consequentemente, sobre ela.
Daí que ela não possa ser suscitada no presente recurso, que tem por objecto apenas o acórdão condenatório.
Mas, mesmo que assim não fosse, sempre se deveria dizer que a repetição do depoimento só deveria ter lugar quando tal fosse essencial ao apuramento na verdade, o que neste caso não acontece. Nem o recorrente aponta nada de essencial que tenha sido declarado pela mencionada testemunha, nem tal resulta do que na fundamentação da decisão de facto se disse quanto ao por ela declarado.
Improcede, por isso, também nesta parte, o recurso interposto.
A proibição de valoração das escutas telefónicas
12 – O recorrente termina as conclusões da motivação apresentada pedindo que sejam declaradas nulas as escutas telefónicas e, em consequência, se ordene a remessa dos autos para o Tribunal de Instrução.
Independentemente da apreciação que se vier a fazer sobre a forma como foram cumpridas as formalidades estabelecidas pela lei quanto às escutas telefónicas, importa dizer que, em face da nova redacção do Código de Processo Penal, nomeadamente dos n.ºs 1 e 2 do seu artigo 310.º, nunca a conclusão, em fase de julgamento, de que a prova obtida por esse meio não pode ser valorada, por constituir uma prova proibida, poderá implicar ao retorno do processo à fase de instrução.
Esse era o resultado que podia decorrer do facto de a anterior redacção do Código de Processo Penal admitir a interposição de recurso da decisão proferida a tal respeito pelo juiz de instrução e, simultaneamente, de se ter, numa determinada fase, entendido que a subida desse recurso só ocorria com o que viesse a ser interposto da decisão final. Nesse caso, a nulidade das escutas, porque implicava a proibição da sua valoração já na decisão instrutória, implicava ou podia implicar o retrocesso à fase de instrução.
Ora, a nova redacção dada ao n.º 1 do artigo 310.º do Código de Processo Penal considera uma tal decisão irrecorrível, o que impede que uma eventual divergência quanto ao sentido da decisão proferida sobre a matéria se repercuta na decisão instrutória.
A particularidade da situação deriva do enfraquecimento da força do caso julgado, que não se impõe ao tribunal de julgamento, não impedindo que este exclua essa prova por a considerar proibida, não a valorando nos termos e para os efeitos da formação da convicção do tribunal (artigo 355.º do Código de Processo Penal).
Tal opção legislativa vai, a nosso ver, no sentido correcto, o do reforço e valorização da fase de julgamento, em detrimento das fases preliminares, que apenas visam possibilitar que este se realize.
13 – Dito isto, analisemos então a questão da validade do procedimento adoptado quanto às escutas telefónicas. Mais precisamente, quanto às intercepções realizadas aos cartões n.ºs 918 772 665 (Alvo 1G316 – Apenso I), 913 400 089 (Alvo 1G317 – Apenso II), 914 004 378 (Alvo 1H074M – Apenso III) e 968 851 405 (Alvo 29860M – Apenso VII) até ao período a que se reporta o despacho judicial proferido em 18 de Setembro de 2006 (fls. 831), ao qual se refere o relatório policial datado de 13 de Setembro do mesmo ano (fls. 775 a 777), matéria que foi abordada nas p. 4 a 72 da motivação.
Para tanto, e uma vez que a descrição feita pelo recorrente da tramitação processual não é inteiramente completa e rigorosa, importa dar conta do que efectivamente resulta dos autos.
A – O presente processo teve início com um ofício (fls. 2), a que foi junto um relatório policial (fls. 3 e 4), uma informação de serviço (fls. 5) e diverso expediente (fls. 6 a 9), através do qual a PSP comunicou ao Ministério Público as suspeitas que existiam de que duas pessoas, uma Ana e um João C., se dedicavam ao tráfico de ecstasy, utilizando nessa actividade dois telemóveis cujos números aí indicaram. Nesse expediente sugeria-se que fosse requerida a intercepção das comunicações efectuadas através daqueles cartões e dos aparelhos em que eles eram utilizados uma vez que, pelos motivos que aí se referiram, e para além das que já tinham sido feitas, se tornava impossível efectuar outro tipo de diligências sem que tal inviabilizasse a própria investigação.
Apreciando o requerimento então apresentado pelo Ministério Público (fls. 11 e 12), a Sr.ª juíza proferiu, no dia 25 de Outubro de 2005, o despacho de fls. 15 e 15 verso em que, pelos fundamentos constantes do mencionado relatório policial e demais elementos juntos, autorizou, nomeadamente, a intercepção, pelo prazo de 60 dias, das comunicações efectuadas através dos cartões n.ºs 918 772 665 e 913 400 089 e dos aparelhos em que eles eram utilizados.
Essas intercepções tiveram início, como se pode ver de fls. 26 e 24, no dia 27 de Outubro de 2005.
B – No dia 9 de Novembro de 2005, a PSP elaborou um primeiro relatório (fls. 32 a 34) em que dava conta dos resultados das intercepções efectuadas nesse período, sugeria a transcrição de diversas sessões, relatando o conteúdo de algumas delas, pedindo a nomeação de um tradutor para as conversações em crioulo e juntando os 3 CD em que se encontravam gravadas as comunicações.
Na sequência de promoção do Ministério Público e de o respectivo magistrado ter nomeado o intérprete sugerido (fls. 37), a Sr.ª juíza, certamente no dia 14 de Novembro de 2005, validou as intercepções realizadas nesse período, ordenou as transcrições indicadas relativas às comunicações em português e designou o dia 25 de Novembro para a audição das sessões em crioulo, mandando convocar o intérprete nomeado (fls. 39).
No dia aprazado realizou-se essa diligência, tendo a Sr.ª juíza determinado que se transcrevesse a sessão sugerida pela PSP (ver “Auto de audição de sessões em crioulo” a fls. 52).
Em face da mencionada tramitação, e embora não conste dos despachos proferidos que foram ouvidas as gravações ou que, por outra forma, a Sr.ª juíza tomou conhecimento do seu conteúdo, não se pode deixar de concluir que tal sucedeu efectivamente e que a selecção efectuada materializa um critério judicial que atende à relevância da prova “à charge et à décharge” e não apenas ao ponto de vista da investigação.
C – No dia 5 de Dezembro de 2005, a PSP elaborou um segundo relatório (fls. 59 e 60), a que juntou 4 CD contendo as gravações das conversações efectuadas e interceptadas nesse período, sugerindo as sessões que, na opinião desse OPC, deviam ser transcritas.
Apresentado o processo ao Ministério Público no dia 12 de Dezembro (fls. 71) veio o respectivo magistrado a requerer que se validassem as intercepções efectuadas e se determinasse a transcrição das sessões indicadas pelo OPC, requerimento esse que foi deferido pelo despacho de fls. 74, proferido no dia 14 de Dezembro.
Tendo em conta o teor do relatório policial, que com ele foram enviados os CD à Sr.ª juíza e o procedimento por ela adoptado anteriormente não pode este tribunal duvidar que, também neste caso, a selecção foi por ela efectuada mediante prévio conhecimento do que tinha sido interceptado e se encontrava gravado.
D – Em data anterior a 21 de Dezembro de 2005, a PSP elaborou novo relatório (fls. 81 e 82) em que, para além de indicar as sessões que considerava relevantes e de juntar os 3 CD em que as gravações se continham, propunha a prorrogação, por prazo não inferior a 90 dias, das escutas aos dois mencionados cartões, e dava conta de que tinha apurado, certamente através da audição de uma conversa interceptada, que o fornecedor da Ana era um indivíduo que ela tratava por “Manel”, que utilizava o cartão com o n.º 914 004 378.
No dia 27 de Dezembro, em férias judiciais, e na sequência de requerimento do Ministério Público (fls. 86), a Sr.ª juíza de turno proferiu o despacho de fls. 89 e 90, começando por consignar que tinha tomado conhecimento das intercepções realizadas e que constavam dos 3 CD, tendo-as validado. Determinou a transcrição de diversas comunicações e, em face do teor das escutas já efectuadas, prorrogou, mas apenas por 60 dias, a intercepção das comunicações efectuadas através daqueles dois cartões.
Não temos, por isso, qualquer fundamento para afirmar que a Sr.ª juíza não procedeu à audição das gravações ou que seguiu acriticamente a sugestão policial.
E – Em data anterior a 10 de Janeiro de 2006, a PSP elaborou um outro relatório (fls. 99 a 101) em que solicitou nova intercepção dos dois cartões anteriormente mencionados (uma vez que a inicialmente autorizada, por atraso da concessão da prorrogação e por erro na indicação de um dos números, tinha caducado no dia 26 de Dezembro) e a intercepção do cartão n.º 914 004 378, tudo por um prazo não inferior a 90 dias, e enviou, para validação, as transcrições já efectuadas e, para validação e autorização de transcrição, dois CD relativos ao período de 22 a 26 de Dezembro.
Também neste caso, na sequência de requerimento do Ministério Público, a Sr.ª juíza proferiu, no dia 16 de Janeiro de 2006 (fls. 111 e 112), um despacho em que, invocando o disposto na redacção então vigente dos n.ºs 1, 3 e 4 do artigo 188º do Código de Processo Penal, validou as intercepções realizadas e determinou a transcrição das sessões indicadas pelo OPC. Nesse mesmo despacho autorizou, mas apenas pelo prazo de 60 dias, novas intercepções aos cartões n.ºs 918 772 665 e 913 400 089 e validou as transcrições efectuadas, não se tendo pronunciado sobre a outra intercepção solicitada.
Detectada a omissão, foi elaborado, em 18 de Janeiro, um relatório complementar (fls. 122) em que sugeria novamente a intercepção do cartão n.º 914 004 378 por prazo não inferior a 90 dias.
Tal autorização foi concedida pelo despacho de fls. 127 e 127 verso, proferido nesse mesmo dia 18, fixando-se, no entanto, um prazo de 60 dias.
F – No dia 10 de Fevereiro de 2006, foi elaborado um novo relatório (fls. 156 a 159) em que, para além do mais, se solicitava a autorização para transcrever determinadas sessões das intercepções realizadas nesse período às comunicações feitas através dos cartões n.ºs 918 772 665, 913 400 089 e 914 004 378.
A requerimento do Ministério Público (fls. 163), veio a ser proferido, no dia 15 de Fevereiro, o despacho de fls. 167 que, para além do mais, autorizou a transcrição das sessões indicadas.
G – No dia 10 de Março foi elaborado um novo relatório (fls. 196 a 199) em que, para além de se dar conta do desenvolvimento das investigações e de algumas das diligências realizadas e informações obtidas, se solicitava a validação das escutas efectuadas, se pedia a transcrição de determinadas sessões, se solicitava a prorrogação da intercepção das comunicações efectuadas através de dois cartões e se sugeria que fosse determinada a intercepção de comunicações efectuadas através de um outro cartão utilizado pelo então suspeito M.....
Também neste caso, a requerimento do Ministério Público (fls. 202), veio a ser proferido, no dia 13 de Março, despacho (fls. 206) que validou as intercepções efectuadas, tendo ordenado a transcrição das sessões indicadas, delas excepcionando expressamente a sessão 782 e as mensagens n.ºs 165 e 276, que tinham sido indicadas pelo OPC.
H – No dia 7 de Abril de 2006 foi elaborado novo relatório policial (fls. 229 a 233) em que, para além de se dar conta da prossecução das investigações quanto a cada um dos suspeitos e de se sugerirem diversas diligências, se pedia a validação das intercepções entretanto efectuadas e a permissão para transcrever determinadas sessões que tinham sido objecto de gravação. Dizia que se juntavam 12 CD com as sessões gravadas e um outro CD com suporte Excel das sessões interceptadas.
Formulado pelo Ministério Público requerimento à Sr.ª juíza de instrução (fls. 236), foi, no dia 11 de Abril, proferido despacho que não apreciou o pedido feito por os CD com as gravações não terem acompanhado os autos, tendo a Sr.ª juíza determinado a devolução do processo ao Ministério Público (fls. 243).
No dia seguinte, o Ministério Público renovou o seu requerimento, apresentando juntamente com o processo os CD gravados (fls. 247), tendo, no dia 13 de Abril, sido proferido despacho judicial a validar as intercepções e a ordenar a transcrição das sessões indicadas pelo OPC (fls. 250).
I – No dia 5 de Maio de 2006, a PSP elaborou outro relatório (fls. 274 a 277) em que, para além de relatar o desenvolvimento das investigações quanto a cada um dos suspeitos e de sugerir a realização de diligências de prova, solicitou a validação das intercepções entretanto efectuadas, a transcrição das sessões que considerava relevantes e a validação das transcrições já efectuadas. Dizia que se juntavam 12 CD com as sessões interceptadas e um outro CD com suporte Excel das sessões interceptadas.
A requerimento do Ministério Público (fls. 282 e 283), a Sr.ª juíza de instrução, tendo recebido os CD remetidos em anexo, proferiu, no dia 10 de Maio, despacho (fls. 287 e 288) em que, para além do mais, validou as intercepções e as transcrições até esse momento efectuadas e ordenou a realização de outras transcrições.
J – No dia 21 de Maio de 2006 foi elaborado pela PSP novo relatório em que, para além do mais, se solicitava a validação das intercepções efectuadas e autorização para realizar outras transcrições (fls. 311 a 313). Juntavam-se os CD com as gravações efectuadas e um outro CD com suporte Excel das sessões interceptadas.
A requerimento do Ministério Público (fls. 323), veio a ser proferido, no dia 26 de Maio, despacho que validou as intercepções e ordenou a transcrição das sessões indicadas pelo OPC (fls. 326).
Depois de, por erro da investigação, terem caducado as autorizações concedidas para a intercepção dos cartões utilizados pelo suspeito M.... (n.ºs 968 851 405 e 914 004 378) foi solicitada a permissão para a realização de novas intercepções a esses números a qual, na sequência dos relatórios de fls. 354/355 e 458, e de requerimento do Ministério Público (fls. 461), foi concedida, pelo prazo de 90 dias, pelo despacho judicial proferido no dia 23 de Junho (fls. 465).
K – Nesse mesmo dia 23 foi elaborado novo relatório policial (fls. 475 a 478) em que, para além do pedido de cessação de uma intercepção, se solicitava a validação das intercepções entretanto realizadas e a transcrição de determinadas sessões que nele se indicavam. Juntavam-se os CD com as gravações efectuadas e um outro CD com suporte Excel das sessões interceptadas.
A requerimento do Ministério Público (fls. 481), veio a ser proferido, no dia 4 de Julho de 2006, novo despacho que validou as transcrições e as intercepções e determinou a realização das transcrições sugeridas (fls. 485).
L – Depois de, na sequência do relatório policial de fls. 497/8 e de requerimento do Ministério Público (fls. 527), ter sido ordenada, pelo despacho de fls. 530, nova intercepção do cartão n.º 918 772 665, utilizado pela suspeita A...., foi elaborado, no dia 31 de Julho de 2006, novo relatório policial (fls. 551 a 554) em que se solicitava a validação das intercepções entretanto realizadas e a transcrição de determinadas sessões que nele se indicavam. Juntavam-se os CD com as gravações efectuadas.
A requerimento do Ministério Público (fls. 557), veio a ser proferido, no dia 2 de Agosto de 2006, novo despacho que validou as intercepções e determinou a realização das transcrições sugeridas (fls. 560).
M – No dia 17 de Agosto de 2006, foi elaborado novo relatório policial (fls. 591 a 593) em que se solicitava a validação das intercepções entretanto realizadas e a transcrição de determinadas sessões que nele se indicavam. Juntavam-se os CD com as gravações efectuadas e um outro CD com suporte Excel das sessões interceptadas.
A requerimento do Ministério Público (fls. 620), veio a ser proferido, no dia 17 de Agosto de 2006, novo despacho que, para além do mais, validou as intercepções e determinou a realização das transcrições sugeridas (fls. 624).
14 – Tendo em conta a regularidade com que foram elaborados os relatórios policiais, o seu conteúdo, os elementos com eles juntos, o facto de com eles sempre terem sido remetidos os CD contendo as gravações efectuadas (e, na única vez que isso não aconteceu, eles terem sido pedidos, só tendo sido validadas as gravações e determinadas as transcrições depois da sua apresentação), o teor dos despachos proferidos, que diversas vezes limitaram os prazos sugeridos para a duração das intercepções e, por uma vez, indeferiram o pedido de transcrição de algumas delas, e ainda o facto de, quando se tratou de validar intercepções de conversações em crioulo ter sido realizada diligência adequada ao conhecimento prévio do conteúdo da gravação efectuada, não se pode, no nosso modo de ver, afirmar que os magistrados que praticaram esses actos não ouviram ou, por outro modo, não tiveram prévio conhecimento do conteúdo das gravações efectuadas e da sua relevância para o apuramento da verdade, razão pela qual não se vê qualquer motivo para declarar a nulidade da prova documental através deste meio obtida, nomeadamente das sessões indicadas pelo recorrente.
Uma vez que não se interpreta o artigo 188.º, n.ºs 1, 3 e 4, da redacção então vigente do Código de Processo Penal da forma tida por inconstitucional pelo recorrente, não há que apreciar a conformidade dessa interpretação com a lei fundamental.
15 – Sustenta o recorrente que algumas das intercepções efectuadas são também nulas porque entre o momento em que ocorreram as conversações e a data do despacho que determinou a sua transcrição decorreram prazos que ele considera excessivos e que materializam a falta de controlo judicial das escutas realizadas.
Salvo o devido respeito, a nosso ver, os factos relevantes para a apreciação da questão colocada não são os indicados pelo recorrente mas a periodicidade dos relatórios policiais e o tempo que decorreu entre a sua elaboração e a apreciação judicial dos mesmos.
Ora, em face da periodicidade dos relatórios atrás mencionados e do tempo que mediou entre a sua elaboração e a apreciação judicial dos mesmos não se pode concluir, a nosso ver, que não existiu controlo judicial das escutas.
Não existe, também por essa razão, fundamento para declarar nula a prova assim obtida.
16 – Pelo que se disse, não se pode também concluir, como faz o recorrente, que os magistrados judiciais apenas tomaram conhecimento das comunicações cuja transcrição determinaram depois de ter sido elaborado o auto a que se referia o n.º 3 do artigo 188.º do Código de Processo Penal, na redacção então vigente.
Por isso e porque para a elaboração deste auto, ao contrário do que sucedia com a elaboração do auto de intercepção, a que se referia o n.º 1 do mesmo preceito, a lei não estabelecia qualquer prazo, não se torna relevante apurar o concreto período que mediou entre a ordem judicial e a efectiva realização de cada uma das transcrições.
Diga-se ainda que o facto de os autos de transcrição não se encontrarem assinados pelo juiz não determina a nulidade das intercepções porquanto tal requisito não se encontra entre os estabelecidos nos artigos 187.º e 188.º do Código de Processo Penal (artigo 189.º). Trata-se, por isso, de mera irregularidade que em nada afecta o direito dos restantes sujeitos processuais, nomeadamente o direito de defesa do arguido, uma vez que ele podia controlar a exactidão da transcrição (n.º 5 do artigo 188.º do Código de Processo Penal).
Também por isso e porque está sempre à disposição do tribunal e dos sujeitos processuais a própria gravação das comunicações, que, no caso de se tratar de gravações de voz, pode ser ouvida na audiência de julgamento, não se vê razão para considerar que a interpretação do n.º 3 do mencionado artigo 188.º no sentido de que a falta de assinatura do juiz no auto de transcrição não consubstancia uma nulidade e não acarreta a proibição de prova viola a lei fundamental.
Não existe, por isso, também com este fundamento, razão para declarar a nulidade da prova obtida.
Improcede, também nesta parte, o recurso interposto pelo arguido M.....
O valor das declarações da co-arguida A....
17 – Sustenta o recorrente que as declarações de uma co-arguida, desacompanhadas de qualquer corroboração objectiva, são insuficientes para se considerarem provados factos relativos ao comportamento de outro arguido, no que, a nosso ver, tem inteira razão.
Já o vimos defendendo pelos menos desde Julho de 1991, data em que, num acórdão então da 1.ª instância , citando Vasquez Sotelo , dissemos que, embora considerássemos admissível o depoimento de um co-arguido, ele devia ser apreciado com um elevado grau de cepticismo e desconfiança, devendo-se «comprovar com o maior rigor possível a realidade ou veracidade das referências feitas e se no caso resultarem comprovadas, derivará das diligências efectuadas e não da imputação do co-delinquente a real ou provável participação do novo sujeito nos factos».
Só que, no caso presente, as declarações da co-arguida não se encontram desacompanhadas de elementos objectivos de prova. Existem, desde logo, as apreensões efectuadas e as conversações interceptadas.
Não existe, por isso, qualquer vício da decisão, nomeadamente não se vislumbra qualquer erro notório na apreciação da prova.
A impugnação da decisão de facto
18 – Uma vez que a impugnação da decisão de facto tinha por base a validade dos meios de prova a que o tribunal de 1.ª instância atendeu e o facto de não terem sido realizadas outras diligências, e não a valoração que a 1.ª instância fez da prova a que atendeu, tendo este tribunal considerado improcedente o recurso quanto àquelas questões, improcedente terá de ser julgado, também nesta parte, o recurso interposto quanto à decisão de facto.
A moldura penal aplicável ao crime de tráfico de droga
19 – Defende o recorrente que o tribunal deveria ter graduado a pena concreta partindo da moldura penal estabelecida na alínea a) do artigo 25.º e não daquela que consta no n.º 1 do artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.
De acordo com a primeira das indicadas disposições legais, «se, nos casos dos artigos 21.º e 22.º, a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações» a pena é «prisão de 1 a 5 anos se se tratar das plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III».
Tendo em conta o período de tempo durante o qual o arguido traficou droga, a natureza das substâncias comercializadas, o facto de fornecer terceiros que, por sua vez, revendiam aos consumidores, a circunstância de ter outras pessoas a colaborar consigo, a quantidade de substâncias psico-activas que lhe foram apreendidas e as balanças que para o efeito dispunha, não se pode, de forma alguma, considerar que, neste caso, a ilicitude da conduta se mostra consideravelmente diminuída, razão pela qual o seu comportamento não pode ser punido com a pena prevista na alínea a) do artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, mas sim com a estabelecida no n.º 1 do artigo 21.º do mesmo diploma, ou seja, com prisão de 4 a 12 anos.
A natureza e medida das penas aplicadas
20 – Tendo em conta esses mesmos factores, entende este tribunal que o grau da ilicitude é mediano, o que se reflecte na culpa, não se podendo descurar as necessidades de prevenção especial que, não obstante a idade do arguido e a sua inserção familiar e profissional, se verificam neste caso dada a existência de outras duas condenações criminais, embora posteriores a estes factos, por dois crimes de ofensa da integridade física.
Por isso, nenhuma censura merece a pena de 6 anos de prisão fixada quanto ao crime de tráfico de droga.
21 – Outro tanto não se dirá quanto ao crime de detenção de arma proibida.
Tal crime é punível, em abstracto, com prisão até 3 anos ou com pena de multa até 360 dias.
O tribunal de 1.ª instância optou, nos termos do artigo 70.º do Código Penal, pela pena privativa da liberdade. Porém, tendo em conta a concreta natureza das armas (uma soqueira, uma arma de caça de calibre 12, 24 cartuchos desse mesmo calibre e 8 cartuchos também de calibre 12 carregados com esferas de borracha), não vê este tribunal qualquer razão para optar pela pena de prisão que, não obstante as reconhecidas necessidades de prevenção geral, o legislador previu na disposição incriminadora.
A pena concreta deve, portanto, ser graduada tendo em conta a moldura da pena de multa, que pode variar entre os 10 e os 360 dias.
Considerando o grau da ilicitude (que se afere atendendo à concreta caracterização e ao número das armas detidas), a inserção profissional e familiar do arguido e a existência, embora posterior, de duas condenações pela prática de crimes de ofensa à integridade física, entende este tribunal graduar em 120 dias a duração da pena de multa.
Tendo em conta a situação económica do arguido, que ele próprio reconhece ser boa, entende este tribunal dever fixar em 10 euros o valor diário da pena de multa.
A pena única será, portanto, a de 6 anos de prisão e 120 dias de multa à razão diária de 10 euros, o que perfaz a quantia de 1200 euros.
A suspensão da execução da pena de prisão
22 – Resta dizer que, dada a medida da pena de prisão, não admite a lei a sua substituição por qualquer outra pena, nomeadamente pela suspensão de execução da prisão.
A responsabilidade pelas custas
23 – Uma vez que o arguido decaiu, embora não totalmente, no recurso que interpôs é responsável pelo pagamento da taxa de justiça e dos encargos a que a sua actividade deu lugar (artigos 513.º e 514.º do Código de Processo Penal).
De acordo com o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 87.º do Código das Custas Judiciais a taxa de justiça varia entre 2 e 30 UC.
Tendo em conta a situação económica do arguido e a complexidade do processo, julga-se adequado fixar essa taxa em 10 UC.
III – DISPOSITIVO
Face ao exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo arguido M.... e, em consequência:
a) Alterar a redacção do ponto 2.1.98 da matéria de facto provada nos termos supra expostos;
b) Alterar a pena que lhe foi aplicada pelo crime de detenção de arma proibida, que passa a ser a de 120 (cento e vinte) dias de multa à razão diária de 10 (dez) euros, o que perfaz a quantia de 1200 (mil e duzentos) euros;
c) Alterar a pena única, que passa a ser a de 6 (seis) anos de prisão e 120 (cento e vinte) dias de multa à razão diária de 10 (dez) euros, o que perfaz a quantia de 1200 (mil e duzentos) euros;
d) Manter, em tudo o mais, a decisão recorrida.
e) Condenar o recorrente no pagamento das custas do recurso, com taxa de justiça que se fixa em 10 (dez) UC.
Lisboa, 17 de Dezembro de 2008
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(Carlos Rodrigues de Almeida)
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(Horácio Telo Lucas)
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(João Cotrim Mendes – Presidente da secção)