Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
Actualidade | Jurisprudência | Legislação pesquisa:


    Jurisprudência da Relação Criminal
Assunto    Área   Frase
Processo   Sec.                     Ver todos
 - ACRL de 12-11-2008   Roubo. violência. Colocação na impossibilidade de resisitir. Factores de determinação da medida da pena. proibição da dupla valoração.
I – Embora o recorrente não tenha impugnado expressamente a questão da qualificação jurídica das condutas por ele praticadas, o tribunal “ad quem” deve apreciar essa questão se considerar que existe, quanto a esse segmento da decisão, um erro manifesto, uma vez o enquadramento jurídico-penal é um antecedente lógico e necessário da determinação da medida da pena, matéria que foi colocada pelo recorrente à consideração do Tribunal da Relação.
II – A violência, no crime de roubo, é a violência física sobre uma pessoa.
III – Nesse mesmo crime, a colocação na impossibilidade de resistir nada tem a ver com a surpresa da actuação do agente. A impossibilidade de resistir é uma forma de violência imprópria que se verifica quando o constrangimento da vontade é obtido através de meios diferentes da força física sobre a própria pessoa, o que acontece, por exemplo, quando são utilizadas substâncias psico-activas ou a hipnose.
IV – O tribunal não pode atender, como factor agravante para a determinação da medida da pena, à falta de recuperação dos objectos porquanto esse facto é inerente à própria lesão da propriedade característica do roubo. Poderia e deveria atender à recuperação, se tivesse existido, porquanto ela, contribuindo para mitigar o desvalor do resultado, era relevante em termos de prevenção geral (havia uma menor necessidade de pena para a protecção dos bens jurídicos).
V – O facto de o arguido, num crime de roubo, ter actuado com dolo directo, que corresponde à forma normal do agir humano, não agrava a ilicitude. Dificilmente seria concebível a prática de um tal tipo de crime com outra modalidade de dolo.
VI – De igual forma, não podem ser valorados em desfavor do arguido as faltas de confissão e de arrependimento. A sua existência é que constituiria um factor relevante em termos de prevenção especial, contribuindo para a mitigação da pena.
VII – O legislador, ao prever as penas abstractas, atende não só à danosidade social das condutas mas também à sua frequência e, consequentemente, às necessidades da prevenção geral. Por isso, as considerações sobre a premência da punição do crime de roubo em geral violam a proibição de dupla valoração e não podem ser atendidas pelo tribunal.
Proc. 9493/08 3ª Secção
Desembargadores:  Carlos Almeida - Telo Lucas - -
Sumário elaborado por Carlos Almeida (Des.)
_______
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa



I – RELATÓRIO
1 – O arguido A. foi julgado no 1º Juízo Criminal do Tribunal de Vila Franca de Xira e aí condenado, por acórdão de 21 de Julho de 2008, pela prática de:
 Três crimes de roubo p. e p. pelo artigo 210º, n.º s 1 e 2, alínea b), com referência à alínea f) do n.º 2 do artigo 204º, todos do Código Penal, na pena, por cada um deles, de 5 anos e 6 meses de prisão;
 Um crime de roubo p. e p. pelo artigo 210º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 3 anos de prisão.
Em cúmulo jurídico dessas penas, o arguido foi condenado na pena única de 8 (oito) anos de prisão.
Nessa peça processual o tribunal considerou provado que:
1. No dia 16 de Janeiro de 2006, cerca das 19,30 horas, na passagem superior da A1, que dá acesso à Escola Secundária Alves Redol, nesta cidade e comarca, o arguido dirigiu-se a C.A.A. e V.C.C., que ali passavam, com o propósito de se apoderar de bens e valores que elas tivessem em seu poder;
2. Na concretização desse desígnio, uma vez junto delas, o arguido disse-lhes para pararem e, de imediato, começou a abrir as pastas que aquelas transportavam;
3. Como a C.A.A. e a V.C.C. procurassem esquivar-se, o arguido retirou do bolso um canivete, com cerca de 8 cm de lâmina e cabo de 10 cm, e, empunhando-o, ordenou-lhes que estivessem quietas e caladas;
4. Amedrontadas e receando que o arguido as molestasse fisicamente, as ofendidas C.A.A. e V.C.C., não ofereceram qualquer resistência;
5. Então, o arguido retirou da mala da C.A.A., e fez seu, um telemóvel, de marca “LG”, no valor de pelo menos 80 euros e, da mala da V.C.C., retirou e fez sua uma nota de 5 euros;
6. De seguida, na posse do telemóvel e da referida quantia em dinheiro, o arguido, abandonou o local;
7. No dia 20 de Janeiro de 2006, cerca das 19,35 horas, também na passagem superior da A1, que dá acesso à Escola Secundária Alves Redol, nesta cidade e comarca, o arguido dirigiu-se a E.R.N., que por ali passava, com o propósito de se apoderar e fazer seus, bens e valores que aquele transportasse;
8. Com esse propósito, o arguido, uma vez junto do E.R.N., meteu uma das mãos no bolso do casaco que envergava, fazendo assim crer que aí tinha uma arma e ordenou àquele que estivesse quieto “senão levava um tiro”;
9. Amedrontado com a atitude do arguido, e temendo pela sua integridade física, o ofendido E.R.N., não ofereceu qualquer resistência;
10. Então, o arguido retirou da bolsa que o ofendido E.R.N. trazia à cintura um telemóvel, de marca “Motorola”, no valor de 200 euros, fazendo-o seu;
11. De seguida, na posse do referido telemóvel, o arguido abandonou o local;
12. No dia 26 de Janeiro de 2006, cerca das 22 horas, ainda na passagem superior da A1, que dá acesso à Escola Alves Redol, nesta cidade e comarca, o arguido dirigiu-se a D.M.G., que ali passava, com o propósito de se apoderar de bens e valores que aquele transportasse;
13. Então, uma vez junto do ofendido D.M.G., o arguido empunhou um canivete, com cerca de 8 cm de lâmina e com 10 cm de cabo, e encostando-o à barriga do D.M.G., ordenou-lhe que lhe entregasse o telemóvel “senão limpava-lhe o sebo”;
14. Amedrontado e receando que o arguido o molestasse fisicamente, D.M.G. entregou-lhe um telemóvel, de marca “Motorola”, no valor de 250 euros;
15. De seguida, na posse do referido telemóvel, o arguido abandonou o local, fazendo-o coisa sua;
16. O arguido agiu, em qualquer das descritas situações, com o propósito concretizado de se apoderar e fazer seus, pela forma descrita, os objectos e valor que logrou alcançar, pertença dos ofendidos, sabendo que os mesmos não lhe pertenciam e que actuava contra a vontade dos respectivos donos;
17. Agiu, sempre, de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
18. O arguido encontra-se sujeito à medida de coacção prisão preventiva à ordem do processo n.º 240/08.4GDALM, tem de habilitações literárias o 7º ano de escolaridade, antes de ser detido era servente de pedreiro, vivia com a mãe e 4 irmãos, auferia cerca de 500,00 euros mensais, tem uma filha de 5 anos que vive em Inglaterra e a quem entregava 150,00 euros mensais; à mãe entregava 200,00 euros mensais;
19. O arguido foi condenado:
 Por acórdão proferido em 30 de Março de 2005, pela prática de um crime de detenção ou tráfico de armas proibidas em 17 de Março de 2004, na pena de 150 dias de multa à taxa diária de 3,00 euros;
 Por Acórdão proferido em 3 de Março de 2006, pela prática de um crime de roubo e de um crime de homicídio na forma tentada em 17 de Março de 2004, na pena de 3 anos de prisão suspensa pelo período de 5 anos, subordinada ao dever de, durante o período de 1 ano, prestar trabalho a favor da comunidade em instituição de solidariedade, nos bombeiros ou hospital (enquanto o arguido não trabalhar em horário laboral e, no caso de arranjar emprego, em regime pós-laboral);
 Por sentença proferida em 22 de Novembro de 2007, pela prática em 7 de Novembro do mesmo ano de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 100 dias de multa à taxa diária de 5,00 euros.

2 – O arguido interpôs recurso desse acórdão.
A motivação apresentada termina com a formulação das seguintes conclusões:
1- A., arguido nos autos supra indicados, não se conformando com o douto Acórdão de fls. ... dos autos, vem, nos termos do artigo 12º, 32º, n.º 1, da C.R.P., 399º, 427º e seguintes do CPP interpor Recurso do Acórdão em questão, visando o reexame da matéria de facto e de direito, para o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, nos termos do artigo 412º do Código Penal.
2- Vem o presente recurso ser interposto do douto Acórdão que condenou o ora recorrente pela prática em co-autoria material, por cada um de 3 (três) crimes de roubo p. e p. pelo artigo 210º, n.ºs 1 e 2, alínea b), com referência à alínea f) do n.º 2 artigo 204º, todos do Código Penal, na pena de 5 anos e seis meses de prisão e pela prática de 1 (um) crime de roubo, p. e p. 210º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 3 anos de prisão.
Em cúmulo jurídico das preditas penas parcelares, condenou o arguido na pena única de 8 (oito) anos de prisão.
3- O recurso tem, entre outros, como fundamentos:
- A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
- A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
- Erro notório na apreciação da prova;
4- É verdade que o arguido não admitiu os crimes de que vinha acusado.
5- Explicando os factos de que vinha acusado.
6- A decisão do tribunal sobre a matéria de facto baseou-se nas declarações do arguido.
7- Esclareceu o tribunal sobre a sua situação prisional - preventivo e processos pendentes.
8- O tribunal considerou os depoimentos credíveis e isentos das testemunhas arroladas pela Acusação.
9- O tribunal teve ainda em consideração o certificado de registo criminal junto a fls. 239 a 241 e 304 quanto à situação prisional do arguido.
10- Realçou a razão quanto à fixação em concreto da medida da pena, a culpa e a prevenção geral e especial, pois de facto são dois factores imprescindíveis para a aplicação da pena ao arguido.
11-Quanto à medida concreta da pena, esta não pode ultrapassar a medida da culpa, segundo o disposto no artigo 40º, n.º 2, do Código Penal.
12- Ainda nos termos do disposto do artigo 70º, n.º 1, que reza: quando sejam aplicáveis ao crime, em alternativa, pena privativa ou não privativa da liberdade, deverá o tribunal optar pela segunda se realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
13- Não obstante é a prevenção, que deve determinar a medida da pena.
14- Esclareceu o tribunal sobre a sua situação prisional - preventivo e processos pendentes.
15- Assim, o comportamento do ora arguido deve ser valorado a favor dele, arguido, em termos de medida da pena a ser aplicada.
16- Daí que 'a censura e a prevenção especial e geral' encontram-se sobejamente salvaguardadas.
17- Como assim, não se entende a pena aplicada pelo tribunal de primeira instância.
18-Ou seja, como tenha sido prejudicada a aplicação de uma pena não detentiva de liberdade.
19- Assim, existe uma clara violação dos artigos 70º, 71º, 72º, 50º, n.ºs 1 e 2, 51º, 52º, 53º, 54º e 5 do Código Penal, Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de Setembro, no seu artigo 4º, artigos 18º, 27º, 29º e 30º da CRP.
Por tudo exposto e melhor fundamentado, deve ser alterada a pena aplicada ao arguido, nos seguintes termos: numa pena única de cinco (cinco) anos de prisão, suspensa por igual período.
Com as obrigações necessárias, e/ou seja, acompanhada de regime de prova, no sentido de reintegração do arguido em sociedade, nos termos do artigo 53º, 51º, 52º, 53º, 54º e Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de Setembro, no seu artigo 4º, uma vez que o arguido era menor de 21 anos de idade à data da prática dos factos ilícitos trazidos a julgamento.
Nestes termos e nos demais de direito, que V.Exas. doutamente suprirão, deve o douto acórdão proferido pelo Tribunal “a quo” ser revogado e por conseguinte ao arguido ser-lhe aplicada a pena de cinco anos suspensão na sua execução, nos termos dos artigos 53º, 51º, 52º, 53º, 54º e Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de Setembro, no seu artigo 4º.

3 – O Ministério Público respondeu à motivação apresentada defendendo a improcedência do recurso e suscitando a questão da incompetência deste tribunal para a sua apreciação (fls. 383 a 403).

4 – Esse recurso foi admitido pelo despacho de fls. 404.

5 – Neste tribunal, a Sr.ª procuradora-geral-adjunta, quando o processo lhe foi apresentado, emitiu o parecer de fls. 409.

6 – Foi cumprido o disposto no artigo 417º, n.º 2, do Código de Processo Penal.

II – FUNDAMENTAÇÃO
7 – Antes de apreciarmos as questões suscitadas pelo arguido, importa saber se, como pretende o Ministério Público, o recurso deveria ter sido interposto para o Supremo Tribunal de Justiça por ser esta a entidade competente para o seu conhecimento.
De acordo com o disposto no artigo 427º do Código de Processo Penal, «exceptuados os casos em que há recurso directo para o Supremo Tribunal de Justiça, o recurso da decisão proferida pelo tribunal de 1ª instância interpõe-se para a relação».
Estabelece, por sua vez, a alínea c) do n.º 1 do artigo 432º do mesmo diploma, única que aqui está em causa, que se recorre para o Supremo Tribunal de Justiça «de acórdãos finais proferidos pelo tribunal de júri ou pelo tribunal colectivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito».
Ora, no caso, se é certo que o arguido foi condenado em penas parcelares e única superiores a 5 anos de prisão, não é menos verdade que o recurso interposto não visa exclusivamente o reexame da matéria de direito.
Venha ou não este tribunal a conhecer essas questões, o recorrente iniciou a motivação dizendo que pretendia impugnar a matéria de facto e de direito, afirmação que reproduziu na 1ª conclusão dessa peça processual, tendo dito, mais à frente, que o acórdão padecia de todos os vícios previstos no n.º 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal, proposição que fez constar também da 3ª conclusão por ele extraída da motivação.
Daí que se entenda que o recurso foi, e bem, interposto e admitido para este Tribunal da Relação de Lisboa.
Improcede, portanto, a questão prévia suscitada, na 1ª instância, pelo Ministério Público.

8 – O arguido, como dissemos, afirmou que pretendia impugnar a decisão de facto. Porém, nem na motivação, nem, consequentemente, nas conclusões que dela extraiu, indicou os concretos pontos que considerava incorrectamente julgados e as provas que, na sua perspectiva, impunham decisão diversa(1) .
Não tendo o arguido dado cumprimento ao ónus imposto pelas alíneas a) e b) do n.º 3 do artigo 412º do Código de Processo Penal, não pode este tribunal apreciar, nesta parte, o recurso interposto.

9 – O recorrente invocou também todos os vícios previstos no n.º 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal, sem que, no entanto, tenha concretizado qualquer deles.
Por isso, e porque não detectamos nenhum dos alegados vícios, improcede, nesta parte, o recurso interposto.

10 – Embora o recorrente não tenha impugnado expressamente a questão da qualificação jurídica das condutas por ele praticadas, entende este tribunal, porque considera que existe, quanto a esse segmento da decisão, um erro manifesto e porque o enquadramento jurídico-penal é um antecedente lógico e necessário da determinação da medida da pena, matéria que foi colocada pelo recorrente à consideração do Tribunal da Relação, dever apreciar essa questão(2) .

11 – O Ministério Público, ao deduzir acusação (fls. 160 a 163), imputou ao arguido a prática de um crime de roubo agravado p. e p. pelo artigo 210º, n.ºs 1 e 2, alínea b), com referência ao artigo 204º, n.º 2, alínea f), do Código Penal, e três crimes de roubo p. e p. pelo artigo 210º, n.º 1, do mesmo diploma legal.
Essa qualificação foi alterada no despacho a que se referem os artigos 311º a 313º do Código de Processo Penal, qualificando-se aí os factos imputados na acusação como constituindo três crimes de roubo agravado e um crime de roubo simples, qualificação que foi aceite pelo acórdão recorrido.
Verifica-se, porém, que tal alteração carece, por completo, de fundamento.
Na verdade, os dois crimes de roubo de que foram vítimas C.A.A. e V.C.C. não podem ser qualificados porque o valor do telemóvel (80 €) e a quantia em dinheiro subtraída (5 €) não excedem o valor de uma unidade de conta, que, em 2006, era de 89 € (artigos 210º, n.º 2, alínea b), parte final, 204º, n.º 4, e 202º, alínea c), do Código Penal).
Não é também qualificado o crime de roubo de que foi vítima E.R.N. porquanto o arguido não trazia, no momento do crime, qualquer arma, aparente ou oculta.
Só é agravado, nos termos indicados, o último dos crimes de roubo, aquele de que foi vítima D.M.G., uma vez que foi utilizado um canivete e que o valor do telemóvel excedia o da unidade de conta.
Daí que os três primeiros crimes sejam puníveis, em abstracto, com prisão de 1 a 8 anos e o último com prisão de 3 a 15 anos.

12 – Dito isto, debrucemo-nos agora sobre as penas concretas que devem ser aplicadas a cada um desses crimes e sobre a pena única.
Comecemos pelos dois primeiros crimes, os cometidos no dia 16 de Janeiro de 2006 (factos 1 a 6, 16 e 17).
Como factores de graduação das penas respectivas há que considerar(3) :
- O facto de o arguido ter actuado de noite (19H30 em Janeiro), ter intimidado as vítimas empunhando um canivete(4) , o concreto valor do telemóvel (80 €) e o montante pecuniário subtraído (5 €), factos que justificam a conclusão de que o grau da ilicitude não é muito elevado(5) ;
- A idade do arguido, na data dos factos com apenas 19 anos (nasceu em 28 de Março de 1987), o que impõe alguma contenção;
- O facto de o arguido trabalhar antes de se encontrar preso (era servente de pedreiro), estar familiarmente integrado (vivia com a mãe e 4 irmãos) e ter uma situação económica precária (auferia 500 € mensais, pagando 150 € de pensão de alimentos a uma filha de 5 anos e entregando 200 € à mãe), o que não traduz a existência de uma particular necessidade de pena em termos de prevenção especial;
- A anterior condenação, em 30 de Março de 2005, pela prática de um outro crime de roubo na forma tentada(6) e as duas condenações posteriores, especialmente a primeira delas, que impõe uma reacção firme por parte do tribunal face à reiteração da prática de condutas graves.
Não obstante a idade do arguido, entende este tribunal que não se justifica, tal como foi decidido, atenuar especialmente as penas aplicáveis uma vez que uma tal medida transmitiria uma mensagem de tolerância e permissividade que, face à reiteração criminal, de maneira nenhuma se justifica, o que não significa que esse factor não deva ser atendido, com a relevância que atrás se apontou, na determinação das penas concretas.
Ponderando todos os apontados factores, entende o tribunal dever graduar em dois anos de prisão cada uma das penas a aplicar por estes dois crimes de roubo.

13 – No que respeita ao crime de roubo de que foi vítima E.R.N. (factos 7 a 11, 16 e 17), há que atender, para além dos factores de natureza pessoal atrás mencionados, ao facto de o arguido ter actuado de noite (19H35 em Janeiro), ao grau de intimidação (simulou possuir uma pistola, ameaçando que disparava) e ao valor do telemóvel (200 €).
Também quanto a este crime nos parece adequado impor uma pena de 2 anos de prisão.

14 – Resta-nos determinar a pena concreta do quarto crime (factos 12 a 17), aquele que é punível, em abstracto, com uma pena de 3 a 15 anos de prisão.
Também quanto a ele, para além dos factores de natureza pessoal mencionados, há que atender ao facto de o arguido ter actuado de noite, à natureza da arma(7) (um canivete), à forma da sua utilização (encostou à barriga) e ao valor do telemóvel (250 €).
Tendo em conta esses factores, entende o tribunal dever aplicar ao arguido uma pena de 3 anos e 9 meses de prisão.

15 – Na determinação da pena única, que pode variar entre os 3 anos e 9 meses e os 9 anos e 9 meses de prisão, há que ter em conta o curto espaço de tempo que mediou entre o primeiro e o último dos crimes(8) (cerca de 10 dias), o modo de actuação semelhante em todos os casos e as circunstâncias de natureza pessoal mencionadas, em que avultam a idade e os antecedentes criminais.
Por isso, entende este tribunal dever fixar em 5 anos de prisão a duração da pena única.
Muito embora uma tal pena pudesse hoje ser suspensa, entende este tribunal que as anteriores condenações do arguido não permitem sustentar a conclusão de que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, ou seja, a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
Daí que decida não suspender essa pena.

16 – Uma vez que o arguido decaiu no recurso que interpôs, embora apenas parcialmente, é responsável pelo pagamento da taxa de justiça e dos encargos a que a sua actividade deu lugar (artigos 513º e 514º do Código de Processo Penal).
De acordo com o disposto na alínea b) do nº 1 e no nº 3 do artigo 87º do Código das Custas Judiciais a taxa de justiça varia entre 1 e 15 UC.
Tendo em conta a situação económica do arguido e a complexidade do processo, julga-se adequado fixar essa taxa em 4 UC.

III – DISPOSITIVO
Face ao exposto, acordam os juízes da 3ª secção deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo arguido e, em consequência, decidem:
a) Condenar o arguido A. pela prática de três crimes de roubo p. e p. pelo artigo 210º, n.º 1, do Código Penal nas penas, por cada um deles, de 2 (dois) anos de prisão.
b) Condenar o mesmo arguido pela prática de um crime de roubo agravado p. e p. pelo artigo 210º, n.ºs 1 e 2, alínea b), com referência ao artigo 204º, n.º 2, alínea f), do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de prisão.
c) Condenar o mesmo arguido na pena única de 5 (cinco) anos de prisão.
d) No mais, julgar improcedente o recurso interposto.
e) Condenar o recorrente no pagamento das custas do recurso, com taxa de justiça que se fixa em 4 (quatro) UC.

NOTAS:
(1)-De resto, no ponto 33 da motivação, o recorrente chegou a dizer que aceitava «a prova da prática do crime de que vem acusado».
(2)-Ver, no mesmo sentido, o nosso acórdão proferido em Dezembro de 2002 no recurso n.º 2584/02 no qual, em nota de rodapé, citando Roxin (ROXIN, Claus, in «Derecho Procesal Penal», tradução da 25ª edição alemã, Editores del Puerto, Buenos Aires, 2000, p. 451), transcrevemos um trecho em que ele escrevia que «parece correcto que, a não ser que se admita a todo o transe a impugnação parcial, o tribunal não fique vinculado à limitação da impugnação quando ele, de outro modo, apesar de reconhecer como injusta uma resolução condenatória do tribunal inferior, em prejuízo do arguido, devê-la-ia tomar como base da sua própria decisão, maxime quando o instituto da perda de eficácia do caso julgado é usual no StPO (supra § 50, B, IV). Por outras palavras, o caso julgado parcial exonera o tribunal de recurso da obrigação de controlar a correcção de todos os pontos, mas não de corrigir as incorrecções que, de outra maneira, permaneceriam na decisão a ditar por ele ...».
(3)-O tribunal não pode atender à falta de recuperação dos objectos porquanto esse facto é inerente à própria lesão da propriedade característica do roubo. Poderia e deveria atender à recuperação, se tivesse existido, porquanto ela, contribuindo para mitigar o desvalor do resultado, era relevante em termos de prevenção geral (havia uma menor necessidade de pena para a protecção dos bens jurídicos). O facto de o arguido, num crime de roubo, ter actuado com dolo directo, que corresponde à forma normal do agir humano, não agrava a ilicitude. Dificilmente seria concebível a prática de um tal tipo de crime com outra modalidade de dolo. De igual forma, não podem ser valorados em desfavor do arguido as faltas de confissão e de arrependimento. A sua existência é que constituiria um factor relevante em termos de prevenção especial, contribuindo para a mitigação da pena. Diga-se ainda que o legislador, ao prever as penas abstractas, atende não só à danosidade social das condutas mas também à sua frequência e, consequentemente, às necessidades da prevenção geral. Por isso, as considerações feitas no acórdão, em abstracto, sobre a premência da punição do crime de roubo violam, no nosso modo de ver, a proibição de dupla valoração e não podem ser atendidas pelo tribunal.
(4)-Quanto a estes crimes o tribunal pode e deve atender a este factor, sem violação do princípio da proibição da dupla valoração (corpo do n.º 2 do artigo 71ºdo Código Penal), porquanto a utilização de uma arma não faz parte do tipo, coisa que não acontece quanto ao último dos crimes, que é precisamente qualificado por essa circunstância.
(5)-Deve dizer-se que o meio utilizado, em todos os crimes, para permitir a subtracção ou constranger à entrega foi a ameaça com perigo eminente e não a violência, que no roubo tem de ser violência física sobre uma pessoa, nem muito menos a colocação na impossibilidade de resistir, que nada tem a ver com a surpresa da actuação do agente. A impossibilidade de resistir é uma forma de violência imprópria que se verifica quando o constrangimento da vontade é obtido através de meios diferentes da força física sobre a própria pessoa, o que acontece, por exemplo, quando são utilizadas substâncias psico-activas ou a hipnose.
(6)-E não, como se fez constar do certificado de registo criminal, por um crime de «detenção ou tráfico de armas proibidas p. e p. pelos artigos 210º, 22º e 23º do Código Penal»!
(7)-E não ao facto de ser uma arma, que é um elemento do tipo.
(8)-O que justifica, a nosso ver, uma menor pena única e não o seu agravamento.





Lisboa, 12 de Novembro de 2008

____________________________________
(Carlos Rodrigues de Almeida)

____________________________________
(Horácio Telo Lucas)