A decisão judicial que converte a pena de multa em pena de prisão subsidiária no caso de não pagamento atempado e voluntário da pena de multa, tem que ser objecto de notificação pessoal ao arguido
Junta-se cópia integral do acórdão
Proc. 3220/08 3ª Secção
Desembargadores: Domingos Duarte - Rui Gonçalves - -
Sumário elaborado por Natália Lima
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Processo n.º 3220/08-3
Acordam, em conferência, os Juízes da 3ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa.
I – No âmbito do processo comum singular n.º 53/03.0ECLSB do 3.º Juízo de Pequena Instância Criminal de Loures foi, em 19/04/2005, proferida sentença que, para além do mais, condenou o arguido Jiang Ping Lin, pela prática de um de um crime contra a genuinidade, qualidade ou composição de géneros alimentícios, p e p. pelos artigos 24°, n.º 1, alínea c), e n.º 2, al. c), e 82°, n.º 2, alínea c), ambos do Decreto-Lei n.º 28/84, de 20 de Janeiro, na pena de 90 (noventa) dias de prisão, substituída por igual número de dias de multa, e de 150 (cento e cinquenta) dias de multa, ambas à taxa legal € 3, 50 (três euros e cinquenta cêntimos), num total de 240 (duzentos e quarenta dias de multa), à taxa diária de € 3, 50 (três euros e cinquenta cêntimos).
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II – O mencionado arguido foi pessoalmente notificado da sentença em 13/07/2006 – cfr. fls. 30 – tendo a mesma transitado em julgado.
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III – Em 27/09/2007 foi expedida notificação para a morada do arguido, por via postal simples com prova de depósito, notificando-o para proceder ao pagamento da multa em que havia sido condenado com a cominação de não o fazendo cumprir a pena de 90 dias de prisão acrescidos de 100 dias de prisão subsidiária. Foram enviadas guias – cfr. fls. 34.
Na mesma data foi enviada idêntica notificação, por via postal registada, à ilustre defensora do arguido – cfr. fls. 35.
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IV – Em 13/12/2007 foi proferido, nos autos, o seguinte despacho:
«O arguido Jian Lin foi condenado na pena de 90 dias de prisão substituída por idêntico tempo de multa, à taxa diária de três euros e cinquenta cêntimos.
Não cumpriu a pena em que foi condenado no âmbito dos presentes autos, nem se mostrou viável a sua execução patrimonial para lograr coercivamente o pagamento de tal sanção pecuniária.
Por outro lado, não veio o mesmo requerer o pagamento da multa nos termos previstos no art. 47°, n° 3 do C.Penal ou a substituição da multa aplicada a título principal por trabalho, nos termos do artigo 48.°, n.º 1, do mesmo diploma.
Pelo exposto, declaro exequível a pena de prisão de noventa dias e converto a pena de multa de 150 dias à razão diária de três euros e cinquenta cêntimos, não cumprida, na pena de 100 (cem) dias de prisão subsidiária (artigo 49.°, n.º 1, do Código Penal).
Após trânsito, remeta boletins ao Registo criminal e expeça mandados para cumprimento da pena.
Certifico que o presente documento foi por mim elaborado e integralmente revisto (art. 94°, n° 2 do c.P.P.)
Loures, 13/12/2007»
Este despacho foi notificado ao arguido, por via postal simples com prova de depósito, e à sua ilustre defensora, por carta registada, expedidos em 18/12/2007 – cfr. fls. 37 e 38.
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V - O arguido veio a ser detido em 03/03/2008 e conduzido ao EPL.
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VI - No dia 04/03/2008, o arguido veio aos autos arguir a nulidade do despacho proferido em 13/12/2007 por falta de fundamentação e, em simultâneo, requerer a suspensão da execução da prisão em causa pelo pagamento imediato da multa de 90 dias e juros de mora devidos, bem como requerer o pagamento da multa de 150 dias, no valor de € 525,00.
Mais requereu que para o efeito lhe fossem passadas guias para pagamento imediato.
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VII - Em 6/3/2008 foi proferido, nos autos, o seguinte despacho:
«O arguido Jian Ping Ling foi condenado na pena de noventa dias de prisão substituída por igual número de dias de multa e de cento e cinquenta dias de multa à taxa diária de € 3,50, num total de duzentos e quarenta dias de multa à mesma taxa diária.
O arguido foi pessoalmente notificado da sentença, através do OPC competente em 13/07/2006, tendo a sentença transitado em julgado, pacificamente, decorrido o prazo após tal notificação.
Não tendo cumprido voluntariamente a pena de multa aplicada a título principal nem a pena de multa, como pena de substituição, foi proferido o despacho de fls. 223.
Tal despacho foi notificado à ilustre defensora e ao próprio arguido, tendo transitado em julgado.
Após ter sido detido, veio o arguido – através de ilustre mandatário constituído – arguir a nulidade do despacho de fls. 223, por falta de fundamentação, veio ainda requerer a suspensão da execução da prisão, pelo pagamento das multas que se propõe, agora, fazer.
O MP pronunciou-se no sentido da improcedência da referida arguição.
Dando por reproduzida a douta fundamentação expendida a fls. 254/255, igualmente entendemos que a arguição da nulidade não pode proceder.
Na verdade, o despacho posto em causa encontra-se devidamente fundamentado, tendo transitado em julgado como se conclui da mera leitura do mesmo e da análise das notificações subsequentes.
Quanto à emissão de guias cumpre referir que o arguido pode, de facto, a todo o tempo, cumprir a multa aplicada a título principal através do pagamento, apenas tendo, em tal hipótese, de cumprir a pena de 90 dias de prisão (o que obviamente, prejudica a pretensão de emissão de mandados de libertação, mas influirá na liquidação da pena mista aplicada).
Nestes termos, aquando da notificação, emita guias relativas a 150 dias de multa à taxa de € 3,50.
Sobrevindo o pagamento, o mesmo será considerado.
Quanto à pena de prisão, já declarada exequível, não há fundamento legal para a sua suspensão como bem expõe o Digno Magistrado do M.º P.º.
Na verdade, o arguido foi repetidamente notificado para pagar as multas e inclusivamente advertido das consequências do incumprimento), mas nada fez, nem justificou a sua inércia, alheando-se completamente da pena mista aplicada e de que tinha conhecimento, saliente-se, desde 13/7/2006.
Assim, não se verificam os pressupostos do art. 49/3 ex vi 44/2 do CP – na versão aplicável, vigente à data da condenação, tendo sido, aliás, na ausência de tais pressupostos – face ao total silêncio do arguido – que foi determinada a exequibilidade da pena de prisão aplicada.
…
Em aditamento ao requerimento inicialmente formulado, veio ainda o arguido invocar não lhe ter sido pessoalmente notificado o teor da sentença, nem ter assinado qualquer correspondência que lhe tenha sido dirigida.
Igualmente invoca não ter sido interpelado para o pagamento da multa, com envio de guias.
Ora, como bem refere o Digno Magistrado do M.º P.º, da análise dos autos decorre que o arguido foi pessoalmente notificado da sentença em 13/7/2006 (fls. 177).
Nessa altura, referiu pretender que as notificações fossem enviadas para a R. Arminda Gomes de Carvalho n.º 14, 2.º andar, esquerdo, Moscavide, o que foi sendo sempre cumprido, quer através de correspondência enviada para o arguido directamente, quer através da ilustre defensora (cfr. fls. 192/196; 213/215, 220, 224, 225, 227).
Deste modo, improcede a pretensão do arguido.
Notifique com cópia da promoção, para a qual o despacho remete.
Loures, 6/3/2008.»
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VIII – Não se conformando com os despachos de 13/12/2007 e de 6/3/2008, deles interpôs o arguido o presente recurso tendo extraído da correspondente motivação, as seguintes (transcritas) conclusões:
1.ª - As notificações de fls. 215, 225 e 227, têm de ser consideradas como nulas e ineficazes relativamente ao arguido porquanto a forma de notificação do despacho de fls. 214 e do despacho aqui recorrido, de fls. 223, ambos proferidos depois do trânsito em julgado da sentença condenatória é o 'contacto pessoal' ou a 'via postal registada' (Art. 113°, n.ºs 1 e 2 do CPP) uma vez que não existe norma que expressamente preveja a 'via postal simples';
2.ª - Com o trânsito em julgado da decisão condenatória cessam as medidas de coacção, incluindo o Termo de Identidade e Residência (Art. 214°, n.° 1, al. e) do CPP), deixando, a partir de então, de ser possível notificar o arguido por via postal simples, nos termos do Art. 196°, n.° 3, al. c) do CPP;
3.ª - Por isso, não tendo o despacho de fls. 223 sido notificado na forma legal, não pode o arguido considerar-se regularmente notificado de tal despacho. Tal notificação só se deu de forma válida aquando da sua detenção, em 03.03.08;
4.ª - O prazo para interpor recurso da decisão que ordenou o cumprimento da pena de prisão (por não ter sido paga a multa de substituição) conta-se a partir da data em que o arguido foi notificado de tal decisão, por contacto pessoal (quando foi detido).
5.ª - O arguido deveria ter sido notificado do despacho de fls. 223 não por via postal simples mas sim por contacto pessoal ou por via postal registada;
6.ª - Assim, o despacho de fls. 223 não transitou em julgado sendo manifesta a tempestividade do recurso;
7.ª - Tal despacho baseia-se no pressuposto de que o arguido fora notificado para pagar a multa (pena de substituição) com a cominação da exequibilidade da prisão quando é certo que tal comunicação não pode considerar-se como feita, dada que efectuada em violação do disposto no Art. 113°, n.° 9, do CPP;
8.ª - De acordo com o disposto no Art. 97°, n° 5, do CPP, 'os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão';
9.ª - Provando o arguido e aqui condenado que a razão do não pagamento da multa não lhe é imputável, pode a execução da prisão subsidiária ser suspensa por um período de 1 a 3 anos;
10.ª - Tendo notificado o arguido, de forma indevida e ilegal, para os actos e termos subsequentes ao trânsito em julgado da sentença, a Mm.ª Juíza recorrida não permitiu ao arguido o exercício do contraditório e bem assim não permitiu àquele a prova de que a razão do não pagamento da multa lhe não é imputável;
11.ª - Por tudo isto o acto judicial aqui recorrido (despacho de 13.12.07) é nulo por falta de fundamento sendo certo que tal constitui nulidade em atenção ao disposto, entre outros, nos art.. 205.º n.° 1, da Constituição da República Portuguesa, art., 49.º n.° 3 e 44.º n.° 2 do C. Penal e art. 379.º n.° 1, als. a) e c) e n.° 2 do CPP;
12.ª - No despacho acima referido (despacho de 06.03.08) a Mm.ª Juíza recorrida parte do pressuposto (errado) de que o despacho de 13.12.07 já transitou em julgado para, assim, poder concluir - mal, no nosso entendimento - que, antes de este ter sido exarado, já o arguido havia sido notificado quer das guias para pagamento de custas quer da obrigatoriedade do pagamento dessas mesmas custas sob cominação do cumprimento de 90 dias de prisão, ou seja do cumprimento da sanção principal;
13.ª - O douto despacho de 06.03.08, fazendo assentar a sua fundamentação em pressupostos de facto que são errados, ou seja, no facto de ter sido considerado notificado o arguido das guias para pagamento da multa (pena de substituição) e da comunicação em caso de não pagamento apresenta-se ferido de invalidade, violando igualmente os normativos que são assacados ao despacho de 13.12.2007.
Termos em que, deverá conceder-se provimento ao presente recurso revogando-se as decisões consubstanciadas nos despachos recorridos, na parte em que determinaram (e confirmaram) a exequibilidade da pena de prisão de 90 dias, ordenando-se a libertação imediata do arguido e bem assim que o Tribunal recorrido proceda às diligências de prova necessárias para averiguar se o recorrente está ou não em condições de pagar a multa (subsidiária) em que foi condenado, ouvindo pelo menos as testemunhas que entretanto arrolou.
Com o que se fará JUSTIÇA!
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IX – A Digna Procuradora-Adjunta respondeu ao recurso, tendo expendido a seguinte argumentação:
Conforme decorre dos doutos despachos proferidos nos autos, ora colocados em crise, não se encontra previsto no art. 113°, do C. P. Penal a notificação do arguido, de qualquer acto processual que directamente o afecte, mediante contacto pessoal ou por via postal registada, após a extinção das medidas de coacção, no caso em apreço do TIR.
Na verdade, a norma legal em causa excepciona do regime geral das notificações as respeitantes à acusação, decisão instrutória, designação de dia para julgamento, à aplicação de medidas de coacção e de garantia patrimonial que têm de ser notificadas ao arguido e ao respectivo defensor/mandatário, sendo que todas as restantes poderão apenas ser notificadas ao defensor/mandatário, não impondo a notificação pessoal ou via postal registada ao arguido.
Se fosse intenção do legislador dar conhecimento ao arguido dos subsequentes actos processuais que o afectem, após a extinção das medidas de coacção, estaria prevista, como excepção, às regras gerais sobre notificações.
Ora, da interpretação do citado art. 113°, do C. P. Penal, não resulta que tal excepção tenha sido consagrada, não podendo, em consequência, ser a mesma acolhida, conforme pretende o arguido.
Assim, nesta parte, em nossa opinião, a interpretação avançada pelo arguido não encontra fundamento legal e afasta-se das regras gerais sobre notificações consagradas no art. 113°, do C. P. Penal, não podendo, pois, a mesma proceder por carecer de fundamento legal.
Quanto à segunda questão suscitada pelo arguido, ora recorrente, diremos o seguinte:
O regime das nulidades processuais previstas nos art°s 119°, 120° e 121º do C.P. Penal apenas se referem, para além doutras, à falta de notificação do assistente que, no entanto, constitui nulidade dependente de arguição.
Nos restantes casos, a falta de notificação constitui mera irregularidade, entre elas, as notificações ao arguido.
Ora, no caso em apreço, tal irregularidade nem se verificou pois, conforme decorre dos doutos despachos em apreço, bem como das promoções do Ministério Público, os actos processuais que afectaram o arguido foram notificados em obediência aos referidos comandos legais, não se vislumbrando que dos mesmos resulte a invocada falta de fundamentação ou errónea interpretação dos fundamentos de facto em que os mesmos assentaram, como pretende o arguido.
Na verdade, os referidos despachos são claros, assentes nos comandos legais aplicáveis, in casu art°s 43°, n.º 2 e 49°, n.º 1, ambos do C. Penal, foram regularmente notificados à defensora oficiosa nomeada ao arguido, bem como ao próprio arguido, embora a lei a isso não obrigasse, conforme supra se deixou exposto, não merecendo tais despachos quaisquer reparos.
Assim, e em conclusão:
Deverão os despachos proferidos no âmbito dos presentes autos, ora colocados em crise pelo arguido no presente recurso, ser mantidos na íntegra, por não se verificar qualquer irregularidade quanto à notificação dos mesmos ao arguido, nem se verificar a invocada nulidade.
Por tudo quanto se deixou exposto, entendemos que se deverá negar provimento ao recurso e confirmarem-se, na íntegra, os despachos recorridos.
Assim farão V.as Exas a costumada Justiça!
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X - Nesta Relação a Digna Procuradora-Geral-Adjunta emitiu o seguinte parecer:
Nada obstando ao conhecimento do recurso, afigura-se que o mesmo deverá ser apreciado em sede de conferência.
O objecto do recurso restringe-se à questão de saber se a notificação ao arguido da decisão judicial que determina a exequibilidade da pena de prisão, determinada pela falta de pagamento de pena de multa fixada em substituição da pena de prisão, (sem que tenha requerido o pagamento em prestações ou a sua substituição por dias de trabalho, e mostrando-se inviável a sua execução patrimonial), tem de ser uma notificação pessoal do arguido ou se, ao invés, se basta com a notificação ao arguido através de envio de postal com prova de depósito.
Está, pois, em apreciação o disposto no art. 113° n.º 9 do CPP.
Ressalvado o respeito por opinião contrária, afigura-se assistir razão ao recorrente.
Vejamos a marcha do processo:
A sentença proferida em 19.04.2005 - cujo julgamento ocorreu na ausência do arguido nos termos do art. 333° do CPP, foi pessoalmente notificada ao arguido em 13.07.2006, imposição que, aliás, se afigura decorrer do art. 333° n.º 5 do CPP
No âmbito de tal sentença o arguido foi condenado na pena de 90 dias de prisão, substituída por 90 dias de multa à taxa diária de 3,50 €, e na pena de multa de 150 dias à taxa legal de 3,50 €.
Em 01.03.2007 vem o arguido aos autos indicar nova morada - vd fls. 31.
Por despacho judicial de 26.09.2007 determina-se a notificação do arguido 'para proceder ao pagamento das multas, sob pena de ter de cumprir 90 dias de prisão acrescidos de 100 dias de prisão subsidiária'.
Em 27.09.2007 é expedida notificação ao arguido, com envio de guias para pagamento, por via postal simples, para a morada indicada a fls. 31.
Por despacho judicial de 13.12.2007, pelos fundamentos aduzidos a fls. 36, foi declarada exequível a pena de prisão de 90 dias e foi declarada convertível a pena de multa de 150 dias à taxa diária de 3,50 €, não cumprida, na pena de 100 dias de prisão subsidiária.
O arguido foi notificado de tal decisão através de via postal simples, expedida em 18.12.2007 - fls. 37.
A primeira questão a dirimir é a de saber se a nova morada indicada pelo arguido a fls. 31, indicada posteriormente ao trânsito em julgado da sentença proferida em 19.04.2007, tem a virtualidade de poder ser considerada um termo de identificação e residência (art. 196.º do CPP).
Na opinião da signatária não tem tal virtualidade, porquanto com o trânsito em julgado da sentença cessou (caducou) a medida de coacção de TIR inicialmente fixada.
Tal como decidido no Acórdão do Tribunal Constitucional de 17.08.2005 (n.º 422/2005, relator Mário Torres, disponível em www.tribunalconstitucional.pt) 'Na verdade, a insubsistência da obrigação jurídica de manutenção da residência declarada e da comunicação imediata da sua alteração toma intolerável que se continue a ficcionar que o mero depósito da carta postal simples no receptáculo postal da residência mencionada em termo juridicamente caduco seja meio idóneo de assegurar, pelo menos, a cognoscibilidade do acto notificando, designadamente quando esse acto encerra uma alteração in pejus da sentença condenatória e tem por efeito directo a privação da liberdade do notificando'.
'Para respeitar o direito ao recurso constitucionalmente garantido no n.' 1 do artigo 32.° da Constituição da República Portuguesa, a possibilidade de interposição, pelo arguido, de recurso de decisões penais desfavoráveis tem de ser uma possibilidade real e efectiva e não meramente fictícia, como sucederia no presente caso se se atribuísse relevância a uma notificação por via postal simples que manifestamente não garante, com o mínimo de certeza, a cognoscibilidade da decisão impugnanda.'.
Ora, na situação dos presentes autos, a decisão judicial de determinar a exequibilidade da pena de prisão de 90 dias e de declarar a conversão da pena de multa em pena de prisão subsidiária de 100 dias exigiria que o arguido da mesma fosse notificado pessoalmente, porquanto tal decisão 'encerra uma alteração in pejus da sentença condenatória e tem por efeito directo a privação da liberdade do notificando', afigurando-se mesmo ser questionável que o tribunal não tenha ponderado a possibilidade de aplicação do disposto no art. 49° n.º 3 do CP.
Em face do exposto, na procedência do recurso, promove-se que sejam emitidos, via fax, mandados de libertação do arguido recorrente.
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XI - No exame preliminar a que se procedeu, atento o estatuído no art. 408.º, n.º 2, alínea c) do CPP, modificou-se o efeito do recurso, fixando-se o efeito suspensivo e, consequentemente, ordenou-se a imediata libertação do arguido.
Não se ordenou o cumprimento do n.º 2, do art. 417.º, do CPP, atento o teor do parecer da Ilustre PGA e a natureza urgente do processo.
Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.
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Como se afirmou no despacho preliminar que ordenou a imediata libertação do arguido tal ocorria porque se considerou que o recurso do despacho proferido em 13/12/2007 era tempestivo e, sendo-o, porque se tratava de um despacho que ordenava a execução da prisão, em caso de não cumprimento de pena não privativa da liberdade, o recurso interposto suspende os efeitos da decisão recorrida, como decorre do estatuído na alínea c), do n.º 2, do art. 408.º, do CPP.
Assim, a primeira questão a tratar prende-se com a tempestividade do recurso do despacho de fls. 223 exarado nos autos em 13/12/2007.
No despacho de fls. 321 e 321 v.º afirmou-se que o recurso que se reportava a tal despacho era intempestivo, na medida em que o mesmo havia transitado em julgado.
Entendemos assistir razão ao arguido, quando afirma a tempestividade do mesmo.
A Mm.ª Juiz a quo considerou que o mesmo tinha transitado em julgado, na medida em que o arguido teria sido notificado em 27/09/2007 para proceder ao pagamento da multa de substituição com a cominação de não o fazendo ter de cumprir a pena de 90 dias de prisão que lhe havia sido fixada na sentença e que o próprio despacho que tornou exequível tal pena de prisão também havia sido notificado ao arguido em 18/12/2007.
Sendo os dados expostos reais, o que torna tempestivo o recurso?
A resposta é simples, as aludidas notificações, porque efectuadas por via postal simples com prova de depósito, não são válidas e eficazes.
Partindo do princípio comummente aceite de que o TIR se extingue com o trânsito em julgado da sentença – ver entre outros o Ac. de 09/05/2007 do T,R.C., CJ, Ano 2007, Tomo III, pág. 51 – os efeitos que do mesmo resultavam, nomeadamente a notificação por via postal simples com prova de depósito, cessam.
Defende a Digna Procuradora-Adjunta que não se encontra previsto no art. 113°, do C. P. Penal a notificação do arguido, de qualquer acto processual que directamente o afecte, mediante contacto pessoal ou por via postal registada, após a extinção das medidas de coacção, no caso em apreço do TIR, pois se fosse intenção do legislador dar conhecimento ao arguido dos subsequentes actos processuais que o afectem, após a extinção das medidas de coacção, estaria prevista, como excepção, às regras gerais sobre notificações.
É certo que o art. 113.°, n.° 9, do C. P. Penal estabelece que as notificações do arguido podem ser feitas ao respectivo defensor e que a decisão em causa não configura nenhuma das situações, que se encontram expressamente ressalvadas pelo legislador no mesmo preceito, em que é exigida a notificação ao próprio arguido.
Também é certo que para efeitos do disposto no n.º 3, do art. 49°, do Código Penal a lei não impõe de uma forma expressa a notificação do arguido mas, salvo o devido respeito por opinião contrária, não se vislumbra significativa diferença entre o não cumprimento do pagamento da multa de substituição e o não cumprimento dos deveres ou regras de conduta impostas como condicionantes da suspensão da execução da pena.
Se neste último caso, como decorre do n.º 2, do art. 495.º, do CPP é necessário ouvir o condenado (o que pressupõe que o mesmo seja validamente notificado para o efeito, o que implica o contacto pessoal ou a via postal registada) entendemos que no caso que nos ocupa (o não pagamento, atempado e voluntário, da multa de substituição) o condenado deve ser, do mesmo modo, notificado para efectuar o respectivo pagamento com o envio das respectivas guias e advertido da respectiva cominação em caso de incumprimento.
O Prof. Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português - As Consequências do crime”, pág. 570, escreve que «...o propósito político-criminal de tornar em extrema ratio o cumprimento da prisão pode justificar atenuações de pura lógica: assim como...o incumprimento de condições da suspensão de execução da prisão não deve conduzir sem mais, à execução daquela, também aqui se podem invocar razões para que entre o incumprimento da multa de substituição e a execução da prisão se interponham vias de “diversão” análogas às cominadas para o incumprimento da pena pecuniária principal».
Ora estas “vias de diversão” impõe à partida a “audição” do condenado e esta só realiza verdadeiramente se a notificação que para o efeito lhe terá de ser feita for válida e regular.
Acresce que, não pode olvidar-se o disposto no art. 61.º, n.º 1 alínea b) do Código de Processo Penal que no que ao caso releva reza assim:
O arguido goza, em especial em qualquer fase do processo (…) do direito de:
(…)
“b) Ser ouvido pelo Tribunal (…) sempre que deva tomar qualquer decisão que pessoalmente o afecte”.
Ora este direito de audiência é nem mais nem menos que uma emanação do princípio do contraditório que, em matéria penal adjectiva tem consagração constitucional (cf. art.º 32.º, n.º5 da Constituição da República).
Finalmente, como bem salienta a ilustre Procuradora-Geral-Adjunta, fazendo apelo a decisão do Tribunal Constitucional, «…a decisão judicial de determinar a exequibilidade da pena de prisão de 90 dias e de declarar a conversão da pena de multa em pena de prisão subsidiária de 100 dias exigiria que o arguido da mesma fosse notificado pessoalmente, porquanto tal decisão 'encerra uma alteração in pejus da sentença condenatória e tem por efeito directo a privação da liberdade do notificando”…»
Ora, no caso em apreço, tendo tal notificação, para pagamento da multa com o envio das respectivas guias e correspondente cominação em caso de incumprimento, sido feita ao arguido por via postal simples com prova de depósito, quando já haviam cessado as obrigações decorrentes do TIR, designadamente, a decorrente da alínea c) do n.º 3, do art. 196.º, do CPP, tornam a mesma inválida e, consequentemente, sem aptidão para produzir os correspondentes efeitos, designadamente torna inválido o despacho que declarou exequível a pena de prisão o que, por esse mesmo motivo, determina o não trânsito em julgado do despacho de fls. 223, proferido em 13/12/2007
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Pelo exposto, acordam os Juízes da 3ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa, na procedência do recurso, em revogar os despachos exarados no processo em 13/12/2007 e 06/03/2008 que devem ser substituídos por outro que determine a notificação pessoal do arguido recorrente para no prazo que lhe for fixado provar nos autos a razão do não pagamento da multa resultante da substituição de 90 (noventa) dias de prisão que lhe foi imposta por sentença de 19/04/2005, e tenha presente o disposto no n.º 3 do art. 49.º do Código Penal, nomeadamente, observância de efectivo contraditório com audição do arguido/recorrente, observando-se, se for caso disso, o período de tempo de prisão já cumprindo pelo arguido à ordem destes autos efectuando-se o pertinente desconto.
Sem custas.
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Lisboa, 23/04/2008 (processado e revisto pelo relator)
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Domingos Duarte
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Rui Gonçalves