Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Jurisprudência da Relação Criminal
Assunto    Área   Frase
Processo   Sec.                     Ver todos
 - ACRL de 19-06-2008   PERDÃO pena. Lei amnistia 29/99. Condição resolutiva verificada antes. Não resolução.
I- Tenha-se em conta até que a pena imposta ao arguido nos presentes autos (por factos ocorridos em Janeiro de 1999) deveria ser objecto de cúmulo com a pena imposta pelos factos praticados em Junho de 2001 (Proc. nº 945/01, da 1ª Vara mista de Sintra).
II- Caso o Tribunal a quo pudesse agir com outra dinâmica e rigor teria concluído, cumprindo a lei, que o arguido nem sequer era merecedor do perdão de pena aplicado, visto que ele foi condenado por crime de tráfico (artº 25º do DL 15/93 de 22 de Janeiro) facto que está previsto, especial e claramente, como excepcionado do benefício do perdão de penas (cfr. Lei nº 29/99 - alínea n) do n. 2 do artº 2º).
III- A “falta de registo ou de informação” oportunos do Tribunal a quo, que não pôde, por isso, em devido tempo, fiscalizar se o arguido reunia ou não os requisitos para beneficiar do perdão previsto na Lei de Amnistia nº 29/99, de 12 de Maio, não podem, mais tarde, reverter em desfavor do condenado; a tanto obstam razões de lealdade e de certeza jurídico-processuais, informadas que são por princípios e por valores de que todo o cidadão é merecedor num estado de direito. – Ac. Rel. Lisboa, de 2008-06-19 (Rec. nº 4143/08-9ª secção, rel. Trigo Mesquita, in www.dgsi.pt).
Proc. 4143/08 9ª Secção
Desembargadores:  Trigo Mesquita - Maria da Luz Batista - -
Sumário elaborado por João Parracho
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Nota: - para melhor enquadramento e compreensão do caso - sobre o qual foi retirado o acórdão - aqui se deixa o parecer do MPº (artº 416º CPP).

Recurso N.º 4143/08 - 9
9ª Secção
Parecer N.º

Nada obsta ao conhecimento do recurso, já que a decisão é recorrível, o recurso é tempestivo, o recorrente arguido possui legitimidade e o efeito/regime de subida fixados são os próprios e previstos na lei – cfr. artigos 401º, n.º 1, al. b), 406º, nº1, 407º, n.1, al. b), 408º e 411º, nº1, todos do C.P.Penal.

O recurso do arguido X. incide sobre o despacho judicial de 2007-02-21 (fls. 103), proferido na sequência da promoção do M. Público (fls. 102) e que declarou “ resolvido o perdão da pena de prisão de 12 meses a que fora condenado, por se ter verificado a condição resolutiva a que se refere o artº 4º da Lei nº 29/99, de 12 de Maio”.
Daí o natural, compreensível e legal recurso do arguido que, em síntese, conclui (fls. 113 a 121):
-- que a norma do artº 4º da Lei de Amnistia em causa - a condição resolutiva - só opera caso se verifique que o arguido haja cometido crime “nos 3 anos subsequentes à condenação no processo em que o perdão de pena foi decretado;
-- nos autos, o arguido foi condenado, por sentença de 2 de Abril de 2004, tendo-lhe aí sido aplicado o perdão de pena (12 meses), sob a “condição resolutiva”, conforme o artº 4º da Lei nº 29/99, de 12 de Maio;
-- acontece que a condenação – a que sustenta a decisão ora sob recurso (de revogação do perdão concedido, ao abrigo da citada Lei 29/99) - é anterior (de 2002-06-07) e relativa a factos que já havia cometido aquando da sentença condenatória proferida nos presentes autos (em 2004-04-02), onde a pena imposta foi integralmente perdoada(artº 1º da Lei 29/99);
-- ou seja, quando nos presentes autos, a pena lhe foi perdoada é que deveriam ter sido controlados os pressupostos da sua aplicação e verificado que ele não beneficiava da medida de clemência (artº 2º, n. 3 n) da citada Lei nº 29/99);
-- a decisão, agora, de revogar o perdão concedido é completamente desajustada;
-- o cumprimento, agora, da pena de prisão, para além de frustrar expectativas jurídicas criadas e em que confiou, prejudica-o, profissional, social e familiarmente;
-- assim, não existe suporte legal para a decisão nem subsistem razões de prevenção geral ou especial que exijam o cumprimento daquela pena perdoada);
-- termos em que deve ser revogada a decisão recorrida, por forma a manter-se o perdão de que beneficiou e foi decidido.

A nossa posição
Com a vénia devida, ao contrário do que sustentou o Magistrado do M. Público, em 1ª instância, na sua «resposta» (fls. 137 a 145) o recorrente tem razão.
E, para não incorrer a repetições, pois nada de novo se nos oferece acrescentar face à clareza dos argumentos e normativos aplicáveis, louvamo-nos nas razões aduzidas pelo recorrente, que fez jus à sua pretensão.
Apenas breves notas.
Tenha-se em conta até que a pena imposta ao arguido nos presentes autos (por factos ocorridos em Janeiro de 1999) deveria ser objecto de cúmulo com a pena imposta pelos factos praticados em Junho de 2001 (Proc. nº 945/01, da 1ª Vara mista de Sintra).
Caso o Tribunal a quo pudesse agir com outra dinâmica e rigor teria concluído, cumprindo a lei que o arguido nem sequer era merecedor do perdão de pena aplicado, visto que ele foi condenado por crime de tráfico (artº 25º do DL 15/93 de 22 de Janeiro) facto que está previsto, especial e claramente, como excepcionado do benefício do perdão de penas (cfr. Lei nº 29/99 - alínea n) do n. 2 do artº 2º).
A sentença condenatória, onde o “perdão” foi aplicado, transitou. O MPº conformou-se com o erro notório na aplicação do perdão.
A “falta de registo ou de informação” oportunos do Tribunal a quo, que não pôde, por isso, em devido tempo, fiscalizar se o arguido reunia ou não os requisitos para beneficiar do perdão previsto na Lei de Amnistia nº 29/99, de 12 de Maio, não podem, mais tarde, reverter em desfavor do condenado; a tanto obstam razões de lealdade e de certeza jurídico-processuais, informadas que são por princípios e por valores de que todo o cidadão é merecedor num estado de direito.

Termos em que se julga que o recurso merecerá provimento – o que, será decidido em Conferência.
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Promovo o cumprimento do n. 2 do art.º 417º do C. P. P.
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Lisboa, 07 de Maio de 2008
O Procurador-Geral Adjunto

(João Manuel Parracho Tavares Coelho)