Não constando sequer a data do registo da notificação à mandatária do executado, fica afastada a actuação a título de dolo no cometimento do crime de descaminho.
Proc. 10722/07 9ª Secção
Desembargadores: Adelina Oliveira - Calheiros da Gama - Cid Geraldo -
Sumário elaborado por Paulo Antunes
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ACORDAM em audiência, na 9ªSecção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa :
A Assistente (…) apresentou Queixa-Crime em 23 de Julho de 2004 contra (…) e mulher, (…) por crime de 'Descaminho ou destruição de objectos colocados sob o poder público', nos termos do artigo 355° do Código Penal.
O Ministério Público considerando não existirem indícios suficientes de que os Arguidos tenham praticado tal crime, decretou o arquivamento dos autos.
Tal decisão foi proferida por se ter considerado que a ineficácia da penhora registada a favor da Assistente se deveu a inércia da mesma, bem como ao facto de os Arguidos não terem sido constituídos fieis-depositários pelo que não lhes era imputável especial dever de manter a guarda e conservação da coisa.
que a penhora do imóvel dos autos foi feita em 15.07.2003, notificada à assistente em 16.09.2003 e que, em 19.09.2003, a assistente requereu o registo da penhora, a qual ficou provisória por natureza uma vez que incidia já sobre o imóvel registo provisório por natureza a favor de terceiros. Mais diz que essa inscrição a favor de terceiros foi efectuada em 18.9.2003, sendo que os arguidos já tinham conhecimento, nesse momento, da penhora e agiram deliberadamente com vista a subtrair o imóvel da disponibilidade do poder público obstando à satisfação do crédito da ali exequente, aqui assistente (fls. 282-299).
Realizado o debate instrutório, foi proferida decisão instrutória que pronunciou (..) e (...) pela prática do crime de descaminho ou destruição de objectos colocados sob o poder público, p. e p. pelo art. 355° do CP.
Inconformados com o despacho de pronuncia, vieram os arguidos interpor recurso do mesmo,
Apresentando as seguintes conclusões:
'47. O presente recurso tem por objecto o despacho de pronúncia dos ora recorrentes por alegada prática de crime de descaminho, previsto e punido pelo art° 355 do C.P.
48. A matéria de facto que foi dada como relevante para esta decisão, e que foi considerada pelo Meritíssimo Tribunal a quo, como, toda ela, documentalmente provada, foi a seguinte:
- Que correu termos na 10ª Vara Cível de Lisboa uma acção executiva movida pela assistente contra os arguidos, ali executados, em que foi indicada à penhora a fracção autónoma, descrita na 8ª CRP de Lisboa, sob o n° (...), da freguesia de S. Sebastião da Pedreira;
- Que na sequência dessa indicação, em 15.07.2003 foi lavrado o respectivo termo de penhora e nomeado fiel depositário o Sr. José da Cruz Marques;
- Que em 15.09.2003 a penhora foi notificada à ali exequente e executados;
- Que em 18.09.2003 foi pedido o registo da aquisição do imóvel objecto da penhora, por aquisição, a favor de (…) e (…), o qual ficou provisório por natureza, ao abrigo do disposto no art° 92, al. G);
- Que em 19.09.2003, a assistente pediu o registo da aludida penhora, o qual ficou provisório por natureza, nos termos do disposto no art° 92°, n° 2, a).Os recorrentes discordam da fundamentação do Despacho de Pronúncia, quer quanto a parte da matéria de facto que foi dada como documentalmente provada, quer quanto à interpretação e aplicação do direito.
49. Desde logo, e quanto à matéria de facto, discordam os recorrentes do entendimento do Tribunal a quo, quando este refere encontrar-se documentalmente provado que 'em 15.09.2003 a penhora foi notificada à ali exequente e executados'.
50. Dos autos não consta sequer nenhuma notificação pessoal, nem dos executados nem da então sua mandatária, Srª Drª (…), mas apenas e tão somente uma cópia da carta com vista à notificação desta mandatária, carta essa isso sim, datada de 15.09.2003.
51. De acordo com o art° 254, n° 3 do CPC, tratando-se de uma notificação postal, como foi o caso sub júdice, a mesma presume-se feita apenas no terceiro dia posterior ao do registo, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja.
52. Sucede que dos autos não consta sequer a data do registo desta notificação, pelo que não é possível determinar a data concreta em que se deverá presumir como efectuada a notificação da referida mandatária, pelo que, ressalvado sempre o devido respeito, não se pode afirmar, como fez o Tribunal a quo, de que em 15.09.2003 a penhora foi notificada aos executados.
53. Sem conceder, admitindo-se como mero exercício de raciocínio, que a data do registo daquela notificação tivesse sido o dia 15.09.2003, e tendo em conta o já citado art° 254, n° 3 do CPC, ainda assim apenas poderíamos presumir que a referida mandatária tivesse sido notificada da penhora no dia 18.09.2003.
54. Sucede que foi precisamente neste dia 18.09.2003 em que se efectivou o registo de aquisição do imóvel, ainda que provisório, a favor dos adquirentes (…) e (…).
56. Nem se diga, como o faz o Meritíssimo Tribunal a quo, ao sustentar o d lo dos ora recorrentes, que 'Só assim se compreende que tenha sido levado a registo o acto de aquisição de terceiros, ainda antes da celebração da escritura pública'.
57. Pois que, por um lado, é perfeitamente natural que os recorrentes, então na qualidade de promitentes vendedores, tenham procedido ao registo provisório da aquisição da mesma fracção a favor dos respectivos promitentes compradores, situação esta que se verifica na quase totalidade dos casos.
58. De sublinhar que a realização desse registo provisório nem sequer foi, passe a expressão 'feito à pressa' com vista a garantirem qualquer suposta oponibilidade face á penhora.
59. Isto, porque conforme já referido, o contrato promessa de compra e venda foi celebrado em 06.06.2003 e o registo provisório de aquisição somente foi efectuado após o decurso de mais de três meses, concretamente, em 19.09.2003, pelo que, sem conceder quanto ao entendimento dos recorrentes quanto à correspondente questão de direito, e que adiante explanarão, à partida fica afastada a possibilidade de qualquer espécie de dolo na sua actuação.
60. Por outro lado, haverá de ter-se em linha de conta que já em 06.06.2003, ou seja, mesmo muito antes da data do respectivo termo de penhora, os ora recorrentes haviam celebrado um contrato promessa de compra e venda tendo por objecto a mesma fracção autónoma, cuja cópia consta dos autos a fls. 151 a 153.
61. E este aspecto, que não é de somenos importância, ao não ter sido considerado pelo Meritíssimo Tribunal, constituiu uma incorrecta apreciação da matéria de facto.
62. Quanto à questão da interpretação e aplicação do direito, desde logo entendem os recorrentes, subscrevendo o entendimento proferido pela Digma Magistada do Ministério Público no seu Douto Despacho de Arquivamento, que não tendo sido constituídos fiel depositários, não lhes incumbia sequer um especial dever de manter a guarda e conservação do bem.
63. Neste sentido, e a título de mero exemplo atente-se no teor do Acórdão da Relação do Porto de 01.02.2006, in www.dgsi.pt, cujo sumário possui o seguinte teor: 'Não comete o crime de descaminho o executado e proprietário de um bem imóvel penhorado, do qual foi nomeado depositário e que, posteriormente à penhora não registada pelo ofendido, o vende a terceiro'.
64. Entendem ainda os recorrentes, subscrevendo em absoluto o entendimento da Digma magistrada do Ministério Público, que 'Com efeito, pela penhora os executados perdem o poder de gozo sobre o objecto, mas não o poder de dispor dele. Isto é, mantêm a titularidade de um direito esvaziado de todo o seu restante conteúdo (Lebre de Freitas, in Acção executiva, à Luz do Código Revisto, 2ª ed. pág. 216).' (o sublinhado é nosso).
65. E foi precisamente este o entendimento proferido, quer pelo Tribunal de P instância, na acção que a ora assistente moveu para o efeito contra os ora recorrentes e que correu seus termos na 1ª Secção da 3ª Vara Cível de Lisboa, sob o n° ..., quer pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, no âmbito de recurso apresentado pela assistente.
66. Com efeito, o ordenamento jurídico constitui um edifício devidamente estruturado e coerente, como aliás decorre da leitura do art° 9° do C.C: 'A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta que a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada' (o sublinhado é nosso).
67. Por outra parte, de acordo com o chamado 'Principio da máxima restrição das penas ou da mínima intervenção do estado em matéria penal' referido por Teresa Beleza, também designado, neste sentido, da subsidiariedade do direito penal, o direito penal só deve aparecer, só deve funcionar, quando não chegarem medidas de política social, quando não chegarem, por exemplo, o direito civil ou o direito administrativo.
68. De tudo isto decorre que se um determinado acto é especificamente considerado como legal, válido e eficaz no âmbito do direito civil, não é minimamente concebível que em simultâneo seja considerado como crime no direito penal.
69. Pelo exposto, no caso sub júdice não se verificou qualquer espécie de ilicitude, quer no âmbito do direito civil, quer, muito menos, no âmbito do direito criminal.
70. Apenas e tão somente se verificou que, tal como referido pela Digme Magistrada do Ministério Público no seu Douto Despacho de arquivamento, '... a venda judicial não logrou efectuar-se por inércia do assistente ao não levar a registo atempado o acto da penhora. Foi a inércia do assistente que tomou ineficaz a penhora decretada havia dois meses'.
71. E a venda da fracção por parte dos ora recorrentes não foi efectuada com o escopo de obstar a que a mesma fosse vendida judicialmente e para impedir que a assistente obtivesse a satisfação do crédito que sobre eles detinha,
72. Mas apenas e tão-somente como mera consequência de um contrato promessa de compra e venda, assinado em data muito anterior à da realização do respectivo própria penhora, ou seja, em 06.06.2003, tal como facilmente decorre do respectivo teor, constante do doc. de fls.151 a 153 dos autos.
72. Pelo que, sem conceder face ao acima exposto, mesmo na hipótese aventada pelo Meritíssimo Tribunal a quo, que, repete-se, apenas ora se admite como mero exercício de raciocínio, ainda assim afastada estaria qualquer hipótese de dolo por parte dos ora recorrentes.
Nestes termos e nos mais de Direito deverá o presente recurso ser julgado totalmente procedente, e em consequência, ser revogado o Douto despacho de pronúncia e os presentes autos ser mandados arquivar.
* * *
O M°P° respondeu às motivações de recurso,
concluindo, em síntese, que de toda a prova documental junta aos autos, incluindo do extracto do programa HABILUS, junto pela assistente, não resulta, suficientemente demonstrado que, na data em que os executados procederam ao registo provisório de aquisição do imóvel a favor dos então promitentes compradores, aqueles tivessem conhecimento de que já tinha sido realizada a respectiva penhora, pelo que face a este conjunto de elementos, não seria razoável defender a existência de indícios suficientes da prática do crime de descaminho ou destruição dos objectos colocados sob o poder público, tipificado no artigo 355° do Cód. Penal e considerar provável a condenação dos arguidos, pronunciando-os. Assim, será de revogar o douto despacho recorrido, com o consequente arquivamento dos autos.
* * *
A recorrida (…) respondeu ao recurso interposto, concluindo que:
1. No âmbito do Processo Executivo n° (…) foi ordenada pela 1ª Secção da 10ª Vara Cível de Lisboa a realização da penhora em imóvel, a qual foi efectivada e lavrado o seu termo em 15/7/2003 (cfr. doc. n° 20 da queixa-crime), último dia de funcionamento dos tribunais antes das férias judiciais de Verão.
2. Ora, a decisão supra mencionada foi dada a conhecer aos Recorrentes, tendo os mesmos sido devidamente notificados em 15/09/2003 (cfr. doc. n° 1 do requerimento de abertura de instrução), não correspondendo, portanto, à verdade o alegado pelos Recorrentes relativamente ao facto da referida notificação não constar dos autos.
3. Acresce que a Certidão necessária ao procedimento do registo da penhora pela Recorrida, nos termos do artigo 43° do Código de Registo Predial, apenas foi por esta recebida em 16/09/2003 (cfr. doc. n° 30 da queixa-crime) tal como a notificação da penhora, motivo pelo qual apenas nessa altura pode a mesma diligenciar no sentido de proceder ao seu registo. Facto este que era do conhecimento dos Recorrentes!
4. Acresce que no âmbito do Processo Executivo em que a penhora foi decretada foi nomeado depositário o Senhor (…), a quem foi entregue a administração do imóvel (cfr. doc n° 20 da queixa-crime).
5. Assim, na sequência da sua nomeação como depositário, e no cumprimento das suas obrigações, deslocou-se ao imóvel para averiguar da sua situação, conforme requerimento apresentado em Tribunal datado de 25/07/2003 (cfr. doc. n° 29 da queixa-crime).
6. Nessa ocasião, o depositário foi recebido por pessoa que se identificou como sendo filho do casal, tendo-o informado do facto de ter sido decretada penhora em imóvel.
7. Assim sendo, resulta claro o facto de os Recorrentes terem tido conhecimento do ónus que impendia sobre o imóvel entre 15/07/2003 e 25/07/2003, motivo pelo qual não pode corresponder à verdade o alegado pelos Recorrentes quando mencionam não ter tido conhecimento desse ónus aquando da realização do registo provisório de aquisição a seu favor, em 18/09/2003.
8. Desta forma, impendia sobre os Recorrentes o dever de não obstar à produção dos efeitos da ordem judicial, através de comportamentos ínvios, claramente orientados para tal objectivo. Assim ditam os princípios da boa fé!
9. É forçoso concluir-se que não assiste razão aos Recorrentes quanto à alegada inexistência de dolo do crime de descaminho ou destruição de objectos colocados sob o poder público, uma vez que os mesmos, de forma consciente, orientaram a sua conduta no sentido de obstar a que os efeitos da penhora se verificassem.
10. De acordo com o previsto no artigo 355° do Código Penal, 'Quem destruir, danificar, inutilizar, total ou parcialmente, ou, por qualquer forma, subtrair ao poder público a que está sujeito, documento ou outro objecto móvel, bem como coisa que tiver sido arrestada, apreendida ou objecto de providência cautela,, é punido com pena de prisão até 5 anos, se pena mais grave lhe não couber...'(sublinhado nosso).
11. Note-se que, por outro lado a norma faz menção a '(...) vários ramos do direito e a várias esferas da coisa pública: arresto, apreensão (onde deve destacar-se a penhora de bens) e providência cautelar (...)': Acresce que, tal '(...) como decorre da lei, as coisas no segundo segmento do artigo – tanto podem ser móveis ou imóveis.' (vide Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo UI (artigos 308° a 386°), Coimbra Editora, dirigido por Jorge de Figueiredo Dias, pag. 422).
12. Ora, a conduta dos Arguidos ao terem alienado bem imóvel sobre o qual recaía uma penhora da qual tinham conhecimento, omitindo-a no acto da escritura, frustrou, sem dúvida, a finalidade de custódia pública.
13.Atento o supra vertido, dúvidas não restam de que a conduta dos Recorrentes preenche o tipo objectivo de ilícito do crime em análise, em virtude dos mesmos terem, através de uma acção directa sobre a coisa, frustrado a finalidade de custódia, descaminhando-a.
14.No que concerne ao tipo subjectivo de ilícito mostra-se necessário, à consumação do crime, a existência de dolo em qualquer uma das suas modalidades (directo, necessário ou eventual), exigindo-se portanto uma intenção e/ou vontade dirigida à realização do tipo de crime.
15.No caso em apreço e considerando a factualidade constante dos presentes autos, resulta evidente que os Recorrentes conheciam o ónus que impendia sobre o imóvel e que a sua conduta foi dirigida à frustração dos efeitos decorrentes da decretação da penhora a favor da Recorrida.
16.Diga-se aliás, que os Recorrentes agiram conscientemente, o que facilmente se constata, se se atentar à má fé evidenciada ao longo de todo este processo.
17.Acresce que, tal como alegado pelos ora Recorrentes, nos termos do artigo 9° do Código Civil, a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, devendo atender-se igualmente ao espírito da lei, o qual deverá corresponder à vontade real do legislador.
18.Ora, no caso em apreço, não foi seguramente intenção do legislador excluir a situação em causa do âmbito do artigo 355° do Código Penal, uma vez que, se assim se entendesse, estariam as portas abertas para que quaisquer penhoras decretadas pelo poder judicial fossem frustradas, em virtude dos proprietários do bem não terem sido constituídos fieis depositários e portanto, não terem um especial dever de guarda e conservação do bem, muito embora tivessem conhecimento do ónus que impendia sobre o mesmo.
19.Refira-se ainda, que se revela inaceitável no âmbito da situação em apreço, o expendido pelos Recorrentes quanto à subsidiariedade do direito penal e quanto ao princípio da máxima restrição das penas, como forma de tentarem afastar o ilícito criminal em apreço nos presentes autos.
20.Com efeito, tais princípios são atendidos pelo legislador no momento em que procede à criação dos tipos de ilícito (legisla) capazes de consubstanciarem crime, e portanto em momento prévio à criação do tipo.
21.Ora, resta analisar o alegado pelos Recorrentes, relativamente à prevalência dos registos efectuados em primeiro lugar, de acordo com o disposto no artigo 6° do Código do Registo Predial.
22.Sublinhe-se que o elemento chave da situação concretamente analisada não é o procedimento seguido em termos registrais e portanto a perspectiva do direito civil, mas, sim, a existência de um bem sobre poder público, o qual foi de má fé subtraído ao mesmo com o único intuito de frustrar os efeitos da penhora decretada judicialmente.
23.De acordo com o tudo quanto fica exposto até ao momento, é forçoso concluir que os Recorrentes praticaram o crime de descaminho ou destruição de objectos colocados sobre o poder público, porquanto se encontra o tipo integralmente preenchido.
Nestes termos e nos melhores de direito aplicável, carece de total fundamento o recurso apresentado pelos Recorrentes, a este se devendo negar provimento, confirmando-se o despacho de pronúncia recorrido na íntegra, só assim se fazendo o que é de Lei e de JUSTIÇA!
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Neste Tribunal, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, com o seguinte teor:
'Do douto despacho de pronúncia, constante de fls. 366 e segs. recorrem os arguidos, tendo o recurso merecido resposta por parte do Ministério Público e da assistente que na requerimento de abertura de instrução requereu acusação.
É de manter o despacho de fls. 509 que admitiu o recurso.
Vai-se acrescentar o seguinte:
Está em causa, pois, a pronúncia pelo crime de descaminho, o qual se imputa como praticado pelos seus proprietários, relativamente a imóvel que tinha sido objecto de penhora, mas que ainda não tinha sido registado.
Invocam os recorrentes jurisprudência em abono da sua tese que existe jurisprudência nesse sentido, citando, a título de exemplo, o acórdão da Relação do Porto de 01.02.2006, in www.dgsi.pt.
Salvo o devido respeito, não parece ser, por isso, de considerar existir uma jurisprudência reiterada e uniforme nesse sentido.
Com efeito, não foram localizados outros acórdãos especificamente sobre a questão, havendo que verificar que a fundamentação vertida no referido acórdão assentou no especial valor do registo, e num caso em que houve demora na efectivação deste por parte do exequente.
No entanto, é de verificar que a não realização do registo não impede que a penhora de imóveis produza efeitos entre as partes, e ainda que o registo seja necessário para o processo executivo prosseguir, não se constata que no presente caso houvesse demora na sua efectivação.
Parece existir jurisprudência uniforme quanto ao acto da notificação da penhora efectuada via postal no último dia antes de férias, dever levar a considerar como praticada a mesma no 1° dia útil seguinte, ou seja, a 15/9/03, conforme consta no ponto 5 do despacho de pronúncia – nesse sentido, acórdãos da Relação do Porto de 2/4/01 no proc. 0051646 e do S. T.J. de 18/2/03 no proc. P. 02A4000, conforme consta em www. dgsi. pt., e conforme é opinião do prof. Lebre de Freitas, referida nesse último acórdão.
Acresce que o dito ( dispositivo ) legal em causa com assento no art. 355.° do actual C. Penal, originado em 1992, passou a incluir, a par de coisa móvel, qualquer coisa, seja ela móvel ou imóvel, desde que penhorada, com o que se procedeu a um alargamento do seu tipo.
Aliás, existe jurisprudência reiterada no sentido de ser possível considerar descaminho pelo simples acto de venda de veículo penhorado, o qual como é sabido também é sujeito a registo, tendo-se considerado que o mais relevante é o acto de onerar ou alienar que tenha sido realizado em prejuízo do poder público – nesse sentido jurisprudência citada por Maia Gonçalves em anotação ao art. 422° do C. Penal Português de 1886; mais recentemente, nesse sentido acórdão da Relação de Évora de 2/5/06 no proc. 51/06-1 ( rel.: o ora Conselheiro Pires da Graça), como consta em www. dgsi.pt.
Nestes termos, ainda que o recurso seja de julgar em conferência, parece que, por aplicação do considerado nesta última jurisprudência, o recurso é de improceder'.
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Como é sabido o âmbito do recurso delimita-se pelas conclusões extraídas pelo recorrente das respectivas motivações.
Em causa, no presente recurso, está a questão de saber se (in)existe prova indiciária que preencha o tipo de crime de descaminho ou destruição de objectos colocados sob o poder público, p. e p. pelo art. 355° do CP.
A decisão recorrida contem em súmula e com interesse o seguinte:
«O Tribunal é o competente.
Não existem nulidades, questões prévias ou incidentais de que cumpra conhecer.
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1. O Despacho de Arquivamento
A final do inquérito, despoletado pela apresentação da queixa-crime de fls. 2 a 31, o MP proferiu despacho de arquivamento, por ter entendido que dos autos não resultam factos indiciários que permitam imputar aos arguidos a prática de um crime de descaminho, p. e p. pelo art. 355° do CP, como se apura de fls. 274 -275.
2. A Instrução:
Inconformada com o aludido despacho de arquivamento, a assistente requereu a abertura da instrução, alegando, em síntese, e para o que ora releva, que a penhora do imóvel dos autos foi feita em 15.07.2003, notificada à assistente em 16.09.2003 e que, em 19.09.2003, a assistente requereu o registo da penhora, a qual ficou provisória por natureza uma vez que incidia já sobre o imóvel registo provisório por natureza a favor de terceiros. Mais diz que essa inscrição a favor de terceiros foi efectuada em 18.9.2003, sendo que os arguidos já tinham conhecimento, nesse momento, da penhora e agiram deliberadamente com vista a subtrair o imóvel da disponibilidade do poder público obstando à satisfação do crédito da ali exequente, aqui assistente (fls. 282-299).
3. As diligências instrutórias:
Por despacho de fls. 313-314 foi declarada aberta a instrução, e indeferidas as diligências instrutórias por se ter entendido que, atento o objecto da presente instrução, a prova indiciária já constante dos autos é bastante para proferir decisão em consciência.
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Foi realizado o debate instrutório, com observância do legal formalismo, como da Acta consta.
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Dispõe o art. 283°, n°2, aplicável à fase de instrução ex vi do n° 2 do art. 308°, ambos do CPP, que se consideram suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, uma pena ou uma medida de segurança.
Preceitua, por sua banda, o art. 308°, n°1, do CPP, que se até ao encerramento da instrução tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respectivos; caso contrário, profere despacho de não pronúncia.
Fundando-se o conceito de indícios suficientes na possibilidade razoável de condenação ou de aplicação de uma pena ou medida de segurança, deve considerar-se existirem indícios suficientes para efeitos de prolação do despacho de pronúncia (tal qual para a acusação), quando:
- os elementos de prova, relacionados e conjugados entre si, fizerem pressentir da culpabilidade do agente e produzirem a convicção pessoal de condenação posterior, e
- se conclua, com probabilidade razoável, que esses elementos se manterão em julgamento; ou
- quando se pressinta que da ampla discussão em plena audiência de julgamento, para além dos elementos disponíveis, outros advirão no sentido da condenação futura.
4. O objecto da instrução e seu enquadramento fáctico jurídico:
Fixadas as directrizes que, de acordo com a lei, nos devem orientar na prolação da decisão instrutória, de pronúncia ou não pronúncia, importa, ainda, não olvidar que o MC estará limitado, à partida, pela factualidade relativamente à qual se pediu a instrução (cfr. art. 287°, n°1 e 2 e 288°, n°4 do CPP), sendo orientado no seu procedimento e decisão pelas razões de facto e de direito invocadas.
Assim, a presente decisão abordará a questão de saber se (in)existe prova indiciária que preencha o tipo de crime de descaminho ou destruição de objectos colocados sob o poder público, p. e p. pelo art. 355° do CP.
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4.1. Os factos indiciários:
Do complexo fáctico indiciário constante dos autos, apura-se o seguinte, para o que ora releva:
- correu termos na 108 Vara Cível de Lisboa uma acção executiva movida pela aqui assistente contra os ora arguidos, ali executados, em que foi indicada à penhora a fracção autónoma, descrita na 8ª CRP de Lisboa sob o n° (…), da freguesia de S. Sebastião da Pedreira;
- na sequência dessa indicação, em 15.07.2003, foi lavrado o respectivo termo de penhora e nomeado fiel depositário do mesmo (…);
- em 15.09.2003, a referida penhora foi notificada à ali exequente e executados;
- em 18.09.2003 foi pedido o registo da aquisição do imóvel objecto da penhora, por aquisição, a favor de (…) e (…), o qual ficou provisório por natureza, ao abrigo do disposto no art. 92°, al. g);
- em 19.9.2003, a assistente pediu o registo da aludida penhora, o qual ficou provisório por natureza, nos termos do disposto no art. 92°, no 2, al. a).
Esta a factualidade relevante para a tomada da decisão, toda sustentada em prova documental junta aos autos.
Vejamos o Direito.
Dispõe o art. 355° do Código Penal que 'quem destruir, danificar ou inutilizar, total ou parcialmente, ou por qualquer forma, subtrair ao poder público a que está sujeito, documento ou outro objecto móvel, bem como coisa que tiver sido arrestada, apreendida ou objecto de providência cautelar, é punido com pena de prisão até 5 anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.'
Como é consabido, o bem jurídico protegido pela norma é a autonomia intencional do Estado, concretizada através de uma ideia de inviolabilidade das coisas sob custódia pública. Interessa a afectação de uns objectos a uma finalidade concreta, por parte da autoridade pública, finalidade essa que justifica a sua sujeição à guarda oficial.
O crime em análise é de lesão do bem jurídico, consumando-se quando o agente frustra a finalidade da custódia, através de uma acção directa sobre a coisa, inutilizando-a ou descaminhando-a.
No que tange tipo objectivo do ilícito, importa sublinhar que o documento ou objecto tem de se encontrar sujeito ao poder público.
Estar sujeito ao poder público significa que o Estado detém sobre a coisa o ius imperii, ou seja, o poder que permite às autoridades administrativas e judiciais apreender e guardar, temporária ou definitivamente, objectos, documentos, coisas, para fins diversos, mas sempre de interesse público imediato. A custódia decorre, pois, de um acto de soberania e não de um acto de transferência de propriedade.
Acresce que a sujeição ao poder público não implica necessariamente uma transferência de lugar, o transporte da coisa do seu lugar de origem para um local público. Com efeito, nas mais das vezes, os bens continuam na posse e detenção do seu proprietário.
E uma coisa encontra-se sujeita ao poder público a partir do momento em que perde a sua 'liberdade', nas palavras de Cristina Líbano Monteiro, ou seja, em que um acto de império judicial ou administrativo lhe fixa um destino e se reserva o poder de o garantir, guardando-a, real ou simbolicamente.
Por seu turno, a coisa a que se reporta a disposição legal em análise, consubstancia-se em algo susceptível de ser destruído, danificado, inutilizado ou subtraído. Pode dizer-se, pois, que aqui o conceito de coisa anda a par com o de objecto.
A acção deste tipo de ilícito consiste em destruir, danificar ou inutilizar, total ou parcialmente, ou por qualquer forma subtrair.
A conduta proibida resume-se em tomar a coisa inútil, do ponto de vista do destino que justificava a custódia oficial. Assim, ainda que não tenha sido aniquilada ou danificada na sua integridade física, mas se a actividade sobre ela exercida a tomou imprestável para o fim em vista do qual foi sujeita ao poder público, consuma-se o delito.
No que concerne ao tipo subjectivo do ilícito, exige-se o dolo, em qualquer uma das suas modalidades.
Subsumida a factualidade transcrita, constata-se que a mesma subsume-se à norma, preenchendo-a.
Com efeito, pelo acto da penhora, o imóvel dos autos foi subtraído à livre disposição dos titulares do direito de propriedade, ora arguidos, o que significa que estavam os mesmos impedidos o alienar ou de praticar qualquer acto que obstasse à prossecução da finalidade do acto restritivo do direito.
Os arguidos bem sabiam que contra eles corria acção executiva, conforme se apura do registo do programa habilus relativo ao processo em causa.
E não obstante saberem que o prédio se encontrava penhorado, quiseram frustrar a satisfação do crédito do ali exequente, subtraindo o bem à disponibilidade do poder coercivo do Estado em proceder à sua venda judicial. Só assim se compreende que tenha sido levado a registo o acto de aquisição de terceiros, ainda antes da celebração da respectiva escritura pública.
É, por isso, ponderoso optar pela pronúncia dos arguidos por haver indícios bastantes da prática do ilícito e existir, em conformidade, uma probabilidade muito maior de lhes ser aplicada uma pena do que serem absolvidos em Julgamento.
5. Decisão
5.1. De Pronúncia
Entendo que os autos revelam indícios suficientes para submeter a julgamento perante Tribunal Singular os arguidos:
(…)
e
(…)
pelos seguintes factos:
1. A assistente é uma sociedade comercial que se dedica à actividade de comércio e reparação de veículos automóveis;
2. No exercício da sua actividade celebrou diversos contratos de compra e venda de automóveis usados com o arguido (…), o qual procedia à sua compra para posterior venda a terceiros em seu nome;
3. Para satisfação do crédito que a assistente detinha sobre o arguido, aquela intentou em 28.04.2003 a respectiva Acção Executiva, sob a forma ordinária, que correu termos com o n°… pela 1ª Secção da 10ª Vara Cível de Lisboa;
4. Nas negociações que antecederam a interposição da aludida acção executiva, chegou a ser celebrado contrato-promessa de hipoteca com confissão de dívida, incidindo sobre o imóvel descrito na 8ª Conservatória do Registo Predial com o n° … da freguesia de S. Sebastião da Pedreira e inscrito na respectiva matriz urbana com o n° …;
5. Em 20.06.2003 a assistente apresentou na mencionada acção executiva requerimento a nomear o imóvel supra descrito à penhora, em obediência ao disposto no art. 838° do CPC;
6. Em 15.07.2003 foi lavrado termo de penhora do aludido imóvel e nomeado fiel depositário José Marques da Cruz;
7. Em 15.09.2003 a penhora foi notificada à assistente e aos arguidos, nos termos legais;
8. Em 18.09.2003 foi apresentada a registo a aquisição da aludida fracção em nome de(…) e (…), o qual foi lavrado provisório por natureza ao abrigo do disposto no art. 92°, n°1, al. g) do CRP;
9. Em 19.09.2003, a assistente apresentou a penhora a registo, a qual foi lavrada com a menção de provisória por natureza, ao abrigo do disposto no art. 92°, n°2, al. a) do CRP;
10.Em 10 de Outubro de 2003 foi lavrada no Cartório Notarial de Alverca do Ribatejo escritura pública de compra e venda com hipoteca e fiança, nos termos da qual (…) declararam vender o imóvel supra descrito a (…), que declararam comprá-lo;
11.Os arguidos bem sabiam, pelo menos desde a notificação da penhora a que se alude em 7, que o seu direito de propriedade se encontrava limitado por o imóvel estar afecto ao poder público do Estado,
12.e que não podiam praticar actos de subtracção do imóvel a esse poder, 13.o que fizeram, ao venderem o imóvel a (…),
14.com o escopo de obstarem a que o mesmo fosse vendido judicialmente e impedindo,
desta forma, que a assistente obtivesse a satisfação do crédito que sobre eles detinha;
15.os arguidos bem sabiam que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal, 16.e não obstante assim agiram, livre e conscientemente.
Praticaram, consequentemente, o crime de descaminho ou destruição de objectos colocados sob o poder público, p. e p. pelo art. 355° do CP.».
Cumpre decidir:
Como acima se referiu, na sua motivação do recurso, os arguidos alegam, em síntese, discordar da decisão proferida pela Mma Juiz de Instrução Criminal, bem como da respectiva fundamentação, pelas seguintes razões:
• Desde logo, e quanto à matéria de facto, discordam do entendimento do Tribunal a quo, quando este considera como documentalmente provado que os arguidos, foram notificados em 15.09.2003 da penhora efectuada sobre o seu imóvel, isto na então na qualidade de executados. Isto porque, tratando-se de uma notificação postal, a mesma presume-se feita apenas no terceiro dia posterior ao do registo, ou no primeiro dia útil seguinte a esse.
• Pelo que, estava afastada qualquer suposta actuação dos ora recorrentes a título de dolo no cometimento do suposto crime de descaminho.
• Por outro lado, também quanto à matéria de Direito, entendem os recorrentes que não tendo sido os arguidos constituídos fiel depositários, não lhes incumbia um especial dever de manter a guarda e conservação do bem e que uma conduta que seja perfeitamente legal, válida e eficaz no âmbito do direito civil, não poderá, em simultâneo, vir a ser considerada como ilícita e sancionável no âmbito do direito criminal, atenta a unidade e harmonia do ordenamento legal português.
Concluem os recorrentes que deve ser revogado o douto despacho de pronúncia, com o consequente arquivamento dos autos.
* * *
Em causa, no presente recurso, está a questão de direito, quanto aos elementos constitutivos objectivos do tipo legal do crime de descaminho ou destruição dos objectos colocados sob o poder público, tipificado no artigo 355° do Código Penal, bem como questão da (in)suficiência de indícios para a pronúncia dos arguidos pela prática desse mesmo crime.
E, quanto a esta matéria, assume relevo decisivo a questão de saber se os arguidos,
foram (ou não) notificados em 15.09.2003 da penhora efectuada sobre o seu imóvel – isto na então
qualidade de executados – se essa notificação se encontra (ou não) documentalmente provada.
A recorrida (…), na resposta à
motivação de recurso apresentada pelos recorrentes refere que:
«No âmbito do Processo Executivo n° … foi ordenada pela 1 Secção da 10° Vara Cível de Lisboa a realização da penhora em imóvel, a qual foi realizada e lavrado o seu termo em 15/7/2003 (cfr. doc. n° 20 da queixa-crime), último dia de funcionamento dos tribunais antes das férias judiciais de Verão.
Ora, a decisão supra mencionada foi dada a conhecer aos Recorrentes, tendo os mesmos sido devidamente notificados em 15/09/2003 (cfr. doc. n° 1 junto ao requerimento de abertura de instrução), não correspondendo portanto à verdade o alegado pelos Recorrentes relativamente ao facto da referida notificação não constar dos autos.
Diga-se aliás que tal notificação foi efectuada aos recorrentes nessa data, quer a título pessoal, quer na pessoa da sua ilustre mandatária, ao invés do que sucedeu com a Recorrida, a qual apenas foi notificada da realização da penhora em 16/09/2003 (cfr. doc. n° 30 da queixa-crime), após o termo das férias judiciais».
Porém, da análise da matéria fáctica existente nos autos, verifica-se que não existe nenhuma prova que demonstre indiciariamente que os então executados, e ora arguidos, tivessem tomado conhecimento da realização da penhora no dia 15.09.2003. Desde logo, porque dos autos não consta sequer nenhuma notificação pessoal, nem dos executados nem da então sua mandatária, Sra Dra Catarina Peixe, mas apenas e tão somente uma cópia da carta com vista à notificação desta mandatária, carta essa isso sim, datada de15.09.2003.
É certo, como referem os arguidos, que de acordo com o art°253, n° 1, do CPC, as notificações às partes em processos pendentes são feitas na pessoa dos respectivos mandatários judiciais. Porém, é igualmente certo que de acordo com o art° 254, n°3 do CPC, tratando-se de uma notificação postal, como foi o caso sub judicie, a mesma presume-se feita apenas no terceiro dia posterior ao do registo, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja.
Sucede que dos aut não consta sequer a data do registo desta notilcaça pelo que não é possível determinar a data em que se deverá presumir como efectuada a notificação da referida mandatária, pelo que, não se poderá concluir, como fez a decisão recorrida, que em 15.09.2003 a penhora foi notificada aos executados.
Na verdade, de toda a prova documental junta aos autos, incluindo do extracto do proErama HABILUS, junto pela assistente, não resulta, suficientemente demonstrado que, na data em que os executados procederam ao registo provisório de aquisição do imóvel a favor dos então promitentes compradores, aqueles tivessem conhecimento de que iá tinha sido realizada a respectiva penhora, pelo que afastada fica qualquer suposta actuação dos recorrentes a título de dolo no cometimento do suposto crime de descaminho.
Assim, sem prova segura do concreto circunstancialismo em que decorreram os factos, designadamente no que diz respeito à notificação da penhora aos arguidos no dia 15 .09.2003 mesmo antes do dia 18.09.2003 — data em que os arguidos pediram o registo da aquisição do imóvel a favor de terceiros e, com tal acto, frustraram a finalidade da custódia pública — entende-se não resultarem, in casu, indícios suficientes (na definição que lhe é dada pelo n° 2 do art. 283° do Código de Processo Penal) da prática, pelos arguidos, dos factos que lhe foram imputados pela assistente.
Pelo exposto, acorda-se em conceder provimento ao recurso, revogando-se o douto despacho de pronúncia, determinando-se, consequentemente o arquivamento dos autos.
Custas do recurso pela assistente porque deduziu oposição em que ficou vencida - taxa de justiça que se fixa em 3 (três) UC's .
Notifique.
(Acórdão elaborado e integralmente revisto pela relatora — arte 94°, n° 2 do C. P. Penal)
Lisboa,