Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Jurisprudência da Relação Criminal
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 - Despacho de 29-05-2008   Decisão que nega saída precária. Recurso.
A decisão que nega saída precária prolongada admite recurso.
Proc. 4798/08 9ª Secção
Desembargadores:  Filomena Clemente Lima - - -
Sumário elaborado por Paulo Antunes
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Reclamação n.°
1. (..) arguido no processo n.° (…) do 2° Juízo do Tribunal de Execução de Penas de Lisboa, deduziu a presente reclamação contra o despacho que, por inadmissibilidade legal, não admitiu o recurso, que interpôs da decisão
que lhe negou saída precária prolongada, nos termos do art.° 127° DL 783/76 de 29.10.
2. Instruída a reclamação com os necessários elementos, cumpre decidir:
O recurso foi interposto ao abrigo do disposto nos artigos 399.°. 400.°, n.° 1, alínea g) do Código de Processo Penal.
O primeiro dos referidos preceitos consagra o princípio geral de que é permitido recorrer dos acórdãos, das sentenças e dos despachos cuja irrecorribilidade não estiver
prevista na lei.
O artigo 400.° daquele diploma indica, nas suas várias alíneas, as decisões que não admitem recurso, incluindo na alínea g) a referência 'aos demais casos previstos na lei'.
E o artigo 127.° do Decreto-Lei n.° 783/76, de 29 de Outubro reza: 'Não é admitido recurso das decisões que concedam ou neguem a liberdade condicional (...)'.
Este último diploma é lei especial, que não deve considerar-se revogada pelos artigos 399.° e 401.° do Código de Processo Penal(1).
Porém, o Tribunal Constitucional por Acórdão de 21.11.2006 (n.°63812006)considerou que: '... já antes da revisão constitucional de 1997, se veio a consolidar uma jurisprudência do Tribunal Constitucional no sentido da tutela constitucional do direito de recorrer das decisões que afectem direitos, liberdades e garantias como o direito à liberdade. A Constituição exige em tais casos a possibilidade efectiva de uma reapreciação em recurso – o que, no caso dos autos, poderia consistir no recurso para o Tribunal da Relação do Porto. Esse mesmo entendimento foi o que este Tribunal ocasião de afirmar no Acórdão n.° 249/94 (publicado no Diário da República, ll Série, de 27 de Agosto de 1994): «Nesta questão da garantia do duplo grau de jurisdição, o Tribunal Constitucional dispõe de uma jurisprudência firme, que remonta a 1985, e que fora antecedida já por uma orientação idêntica da Comissão Constitucional. Assim, no domínio do processo criminal, essa jurisprudência reconhece que, por força dos arts. 27.°, 28.° e 32. °, n.° 1, da Constituição, se acha constitucionalmente assegurado o duplo grau de jurisdição quanto às decisões condenatórias e às decisões respeitantes à situação do arguido face à privação ou restrição de liberdade ou a quaisquer outros direitos fundamentais (vejam-se, por todos, os acórdãos n.°s 31/87, 178/88, 340/90 e 401/91, o primeiro publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 9° vol., págs 463 e segs. e os outros no Diário da República, 11 Série, n.° 277, de 30 de Novembro de 1988, n° 65, de 19 de Março de 1991, e l Série-A, n.° 6, de 8 de Janeiro de 1992, respectivamente). [...] [...J Em declaração de voto subscrita pelo Conselheiro Vital Moreira relativa ao Acórdão n.° 65/88, Diário da República, ll Série, n.° 192, de 20 de Agosto de 1988, foi sustentado que havia de considerar-se 'constitucionalmente garantido - ao menos por decurso do princípio do Estado de direito democrático - o direito à reapreciação judicial das decisões judiciais que afectem direitos fundamentais, o que abrange não apenas as decisões condenatórias em matéria penal - como se reconhece no acórdão - mas também todas as decisões judiciais que afectem direitos fundamentais constitucionais, pelo menos os que integram a categoria constitucional dos 'direitos, liberdades e garantias' (arts. 25.° e segs. da CRP)' E no Acórdão n.° 202/90, Diário da República, 11 Série, n.° 17, de 21 de Janeiro de 1991, o Cons. António Vitorino, em declaração de voto nele aposta, aderiu à posição do Cons. Vital Moreira, sustentando que, 'se do seu texto [da Constituição de 1976] não ressalta, expressamente, um preceito que funde directamente um genérico princípio de duplo grau de jurisdição, tal não obsta a que o intérprete da lei fundamental e o próprio julgador de constitucionalidade dos actos normativos, maxime em sede de fiscalização concreta, formulem um entendimento (deduzido quer do princípio de Estado de direito democrático, quer da forma ampla com que o artigo 20.° da Constituição da República consagra o direito de acesso ao direito e aos tribunais) que assegure plenamente tal tutela judicial efectiva para garantia dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.'» Sobre o sentido da alteração verificada na revisão constitucional de 1997, escreveu-se, por sua vez, no Acórdão n.° 686/2004 (disponível em www.tribunalconstitucionaLpt): «A autonomização do direito ao recurso no âmbito de garantias de defesa (artigo 2.° da Constituição), operada pela Revisão Constitucional de 1997, significou a atribuição de autonomia de tal garantia no contexto geral das garantias de defesa, isto é, um valor garantístico próprio e não 'dissolúvel' em outras garantias de defesa. Tal explicitação constitucional tem por efeito a garantia (constitucional) da possibilidade da interposição de recurso de decisões que respeitem a direitos, liberdades e garantias, maxime que restrinjam tais direitos.» Dessa consagração autónoma fez decorrer o citado acórdão a impossibilidade de uma 'dupla apreciação', pelo mesmo órgão, ser suficiente para dar cumprimento a essa garantia, daí retirando a Inconstitucionalidade de uma norma processual penal vedando o recurso de uma decisão do Tribunal da Relação que declarasse a 'especial complexidade do processo'


'Trata-se, antes, de uma expressa garantia de reponderação por órgão distinto e superior no
sentido de assegurar plena imparcialidade e objectividade na decisão de uma questão que afecte os direitos fundamentais.' Ora, se no caso decidido pelo referido Acórdão n.° 686/2004 estava em causa 'indiscutivelmente a liberdade do arguido', por um dos efeitos dessa declaração ser o 'aumento do prazo de duração da prisão preventiva', é evidente que também no caso dos autos está em causa a mesma liberdade, por a possibilidade de reapreciação da decisão de recusa de liberdade condicional poder significar o fim (sujeito a condição resolutiva) da pena de prisão, não sendo relevante, na perspectiva da afectação do direito à liberdade do recorrente, relevante para o duplo grau de jurisdição, o facto de num caso ele se encontrar em prisão preventiva e no outro estar em cumprimento de uma pena privativa da liberdade. Com efeito, a decisão que nega a liberdade condicional, por ter como efeito a manutenção da privação da liberdade, tem uma indiscutível conexão com a restrição de direitos, liberdades e garantias, afectando um bem jurídico essencial que é o direito à liberdade, protegido no n.° 1 do artigo 27.° da Constituição. '
Assim, este Tribunal julgou inconstitucional, por violação do princípio do Estado de Direito consagrado no artigo 2.°, dos artigos 20.°, n.° 1, e 27.°, n.° 1, e do artigo 32.°, n.° 1, da Constituição, a norma do artigo 127.° do Decreto-Lei n.° 783/76, de 29 de Outubro, na parte em que não admite o recurso das decisões que neguem a liberdade condicional.
Perante este entendimento do TC e, não se encontrando fundamentos para divergir do que se concluiu no citado acórdão, temos de concluir pela invalidade da norma em causa, à luz do preceito constitucional, convocado na reclamação, e, portanto, pela
admissibilidade do recurso.
Também no tocante à saída precária prolongada a sua decisão colide com a esfera de interesses fundamentais relacionada, com a privação da liberdade, pelo que não haverá razão para optar por uma solução diversa no caso.

3. Pelo exposto, atende-se a reclamação, determinando-se a admissão do recurso por o mesmo ser legalmente admissível e não se ver razão legal para a sua inadmissibilidade, sem prejuízo de outras razões aqui não ponderadas a isso possam obstar mas que deverão, caso ocorram, constar de despacho fundamentado de facto e de direito.
Sem custas.
Notifique.

NOTA
(1)Cfr. Despacho do Exmo. Presidente desta Relação, de 21 de Abril de 2004, nos Autos de Reclamação n.° 3 461/2004-3.° Secção, disponível, em texto integral, em www.dgsi.pt.