Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Jurisprudência da Relação Criminal
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Processo   Sec.                     Ver todos
 - ACRL de 19-09-2007   Lesado. Pedido cível. Art. 72.º, n.ºs 2 e 3 do CPP. Notificação da possibilidade de dedução feita depois do prazo. Irregularidade.
I – A notificação ao lesado da possibilidade de deduzir pedido de indemnização civil em processo penal e das formalidades a observar, realizada quando já se encontrava encerrado o inquérito e depois de terem decorrido os prazos estabelecidos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 77º do Código de Processo Penal para essa dedução, não determina, só por si, a anulação de qualquer acto processual praticado.
II – Essa irregularidade apenas legitima a dedução do pedido civil em separado [alínea i) do n.º 1 do artigo 72º do Código de Processo Penal].
Proc. 7216/07 3ª Secção
Desembargadores:  Carlos Almeida - Telo Lucas - Pedro Mourão -
Sumário elaborado por João Vieira
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Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa



I – RELATÓRIO
1 – No dia 9 de Outubro de 2006, no âmbito do processo n.º 166/05.3JBLSB, o Ministério Público deduziu acusação contra H. imputando-lhe a prática de um crime de roubo (fls. 110 a 113).
O arguido foi notificado dessa acusação no dia 23 de Novembro seguinte (fls. 129), juntando aos autos, no dia 16 de Janeiro de 2007, uma procuração forense e requerendo a remessa do processo para julgamento (fls. 132 e 133).
No dia 17 desse mesmo mês, o Ministério Público ordenou a notificação do «BPI, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 75º, n.º 1, e 77º, n.º 2, do Código de Processo Penal» (fls. 131).
Essa notificação foi feita por carta remetida pelos serviços do Ministério Público no dia 21 de Fevereiro (fls. 134), tendo os autos sido remetidos para julgamento no dia 26 de Fevereiro (fls. 137).
No dia 7 de Março, no 2º Juízo Criminal, o sr. juiz, a fim de poder elaborar o «despacho a que se referem os artigos 312º e 313º do Código de Processo Penal», determinou que os autos fossem apresentados ao sr. juiz de círculo para que este designasse datas para julgamento (fls. 138), o que veio a ser feito, tendo então sido indicados os dias 8 e 29 de Maio (fls. 139).
Depois de essas datas terem sido notificadas aos sujeitos e participantes processuais (fls. 140 a 159), o B. veio, por requerimento endereçado ao Ministério Público, entrado nos respectivos serviços no dia 8 de Março , «manifestar o seu propósito de deduzir pedido de indemnização civil», requerendo «que fosse notificado nos termos e para os efeitos do n.º 2 do artigo 77º do Código de Processo Penal», logo que fosse deduzida acusação (fls. 160).
No dia 10 de Abril, o sr. juiz da comarca proferiu o despacho a que se referem os artigos 311º a 313º do Código de Processo Penal, nele tendo apreciado o requerido pelo B. ao Ministério Público, dizendo o seguinte (fls. 163 a 165):
«O Banco.... e já após terem os presentes autos sido remetidos à distribuição para julgamento, alegando a qualidade de lesado, veio por requerimento de 09/04/2007 e junto a fls. 160, requerer a sua notificação nos termos e para os efeitos do artigo 77º, n.º 2, do Código de Processo Penal logo que seja deduzida a acusação.
Conforme se afere dos autos o requerente não manifestou anteriormente a sua intenção de deduzir pedido de indemnização civil.
Ora dispõe o artigo 77º, n.º 3, do Código de Processo Penal que, no caso de não sido manifestado o propósito de deduzir o pedido de indemnização civil, o lesado pode fazê-lo até 10 dias depois de ao arguido ser notificado o despacho de acusação. No caso em apreço o arguido foi notificado do libelo acusatório em 23/11/2006 (fls. 129), estando como tal já precludido o prazo em referência.
Por outro lado, a notificação ao lesado da acusação nos termos pretendidos pelo requerente só ocorre quando o lesado, nos termos do artigo 77º, n.º 2, do Código de Processo Penal tenha anteriormente manifestado o propósito de deduzir o pedido de indemnização civil, o que não é caso em apreço.
Assim sendo, a pretensão do requerente não pode proceder por não só ser extemporânea como só haveria lugar à referida notificação caso tivesse anteriormente manifestado o propósito de deduzir pedido de indemnização civil conforme supra se expôs.
Assim sendo, indefere-se o requerido pelo B. a fls. 160.
Notifique».

O “Banco..., através de requerimento entrado no dia 27 de Abril, arguiu a nulidade ou a irregularidade do despacho proferido (fls. 173 a 176), requerimento esse que só veio a ser apreciado no dia 11 de Junho, depois de ter tido lugar a audiência de julgamento (acta do dia 8 de Maio, a fls. 184 a 186) e de ter sido proferido acórdão condenatório do arguido (fls. 245 a 255 e acta da sessão de leitura do mesmo, realizada no dia 29 de Maio, a fls. 256).
No despacho então proferido, o sr. juiz disse o seguinte (fls. 272 e 273):
«A fls. 173 e segs. veio o banco B. arguir a nulidade do nosso despacho de 10/4/2007 em que se indeferiu a sua pretensão de requerer a sua notificação nos termos e para os efeitos do artigo 77º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
Salvo o devido respeito, não tem o requerente qualquer razão na sua pretensão, mantendo-se inteiramente o despacho judicial anteriormente referido.
Aliás, se e conforme o requerente, digo, só em 21/2/07 foi notificado pelo Ministério Público para, querendo, deduzir o pedido de indemnização civil em 20 dias, conforme cópia de notificação que junta, então o requerente já teria sido notificado para deduzir o pedido de indemnização civil, em prazo cujo “terminus” já decorrera quando veio aos autos requerer a sua nova notificação.
Ou seja, não só a pretensão do requerente já fora até atendida anteriormente, como mesmo no caso em que tivesse vindo a apresentar pedido de indemnização civil, este teria sido tido por extemporâneo.
Por outro lado, o alegado pelo requerente não se nos afigura como qualquer das nulidades a que se referem os artigos 119º e 120º do Código de Processo Penal, pelo que atento o disposto no artigo 118º, n.º 2, e 123º do mesmo diploma.
Só que tal vício não ocorre, a nosso ver, no despacho judicial sindicado, pelo que se indefere o requerido pelo B..
Notifique».

2 – No dia 28 de Junho, o “Banco...” interpôs recurso do primeiro desses despachos (fls. 290 a 299).
A motivação apresentada termina com a formulação das seguintes conclusões:
1. «Nos presentes autos o recorrente foi notificado pelo Ministério Público no dia 21 de Fevereiro de 2007, nos seguintes termos 'Fica o destinatário devidamente informado, na qualidade de lesado nos termos do disposto nos artigos 75°, 76° e 77° do Código de Processo Penal, da possibilidade de deduzir pedido de indemnização civil em processo penal, devendo manifestar no processo o propósito de o fazer (…).
2. Logo após ter sido notificado o recorrente manifestou tal propósito em 6 de Março de 2007;
3. No despacho de pronúncia o Tribunal entendeu indeferir tal pretensão alegando, em síntese, que como o arguido tinha sido notificado em 23.11.06 do despacho de acusação, aquela era extemporânea.
4. O recorrente arguiu tal irregularidade (e também a nulidade), alegando em síntese que só pôde manifestar o propósito de deduzir o seu pedido de indemnização civil após a notificação de 21.02.06;
5. Que fê-lo em 06.03.07, e só o poderia fazer após a notificação referida;
6. E que só poderia vir aos autos manifestar o propósito de deduzir o seu pedido cível quando fosse notificado para o tal efeito, e só o foi pela 1° Secção de Processos do Ministério Público na data já referida.
7. Pese embora se tenha arguida tal irregularidade o tribunal entendeu indeferir a pretensão do ora recorrendo alegando que '(...) só em 21.02.07 foi notificado pelo MP para querendo deduzir o pedido de indemnização civil em 20 dias, conforma cópia da notificação que junta (...)'.
8. Basta compulsar a notificação de 21.02.07, para se constatar facilmente de que se não trata de qualquer notificação do MP para, querendo deduzir o pedido de indemnização civil em 20 dias, mas tão só, para manifestar o propósito de deduzir o pedido de indemnização civil.
9. Assim sendo o despacho recorrido enferma em erro claro nos pressuposto de facto da decisão já que confunde a notificação nos termos do art. 75° (Informação sobre os arts 75° e segs do CPPenal), com a notificação do despacho de acusação.
10. Acresce que bastaria constatar que a referida notificação de 21.02.07, não era acompanhada do despacho de acusação (nem poderia ser) para se perceber que o recorrente não poderia exercer o direito de deduzir o seu pedido de indemnização civil.
11. Toda a argumentação do despacho recorrido assenta na presunção (errada) que a notificação de 02.02.07, se destinava a dar conhecimento do despacho de acusação (o recorrente nestes autos, certamente por esquecimento nunca foi notificado do despacho de acusação e como tal nunca poderia exercer o direito a uma indemnização.
12. Devido ao erro que o Tribunal cometeu ao confundir que a notificação de 21.02.07 era para '(...) querendo deduzir o pedido de indemnização civil em 20 dias, conforma e cópia da notificação que junta (...)' (cfr. fls. 272, 3° parágrafo), o ora recorrente viu o seu direito precludido.
13. Ao constar no despacho recorrido (a fls. 272 e 273) que a notificação de 21.02.07, se destinava a 'querendo, deduzir o pedido de indemnização civil em 20 dias' aquele enferma em erro nos pressupostos de facto, bastando uma leitura da mesma notificação para de imediato se constatar que aquela não se destinava a notificar o ora recorrente para em 20 dias deduzir qualquer pedido de indemnização civil.
14. Assim sendo e uma vez que o despacho de fls. 272 e seguinte assenta em erro nos pressupostos de facto deve o mesmo ser declarado nulo pelos motivos amplamente expostos nestas alegações e, em consequência todos os actos processuais subsequentes, designadamente, o julgamento já realizado».

3 – Esse recurso foi admitido pelo despacho de fls. 302.

4 – Não foi apresentada qualquer resposta a essa motivação.

5 – Neste tribunal, o sr. procurador-geral-adjunto, quando o processo lhe foi apresentado, apôs nele o seu visto.

II – FUNDAMENTAÇÃO
6 – Uma vez que o recurso interposto pelo “Banco...” é manifestamente improcedente, o tribunal limitar-se-á, nos termos dos n.°s 1 e 3 do artigo 420° do Código de Processo Penal, a especificar sumariamente os fundamentos da decisão.

7 – De acordo com o n.º 1 do artigo 75º do Código de Processo Penal, «logo que, no decurso do inquérito, se tomar conhecimento da existência de eventuais lesados, devem estes ser informados, pela autoridade judiciária ou pelos órgãos de polícia criminal, da possibilidade de deduzirem pedido de indemnização civil em processo penal e das formalidades a observar».
Acrescenta o n.º 2 desse mesmo preceito que «quem tiver legitimidade para deduzir pedido de indemnização civil deve manifestar no processo, até ao encerramento do inquérito, o propósito de o fazer».
Estabelece, por sua vez, o n.º 2 do artigo 77º do mesmo diploma que «o lesado que tiver manifestado o propósito de deduzir pedido de indemnização civil, nos termos do artigo 75º, n.º 2, é notificado do despacho de acusação, ou, não o havendo, do despacho de pronúncia, se a ela houver lugar, para, querendo, deduzir o pedido, em requerimento articulado, no prazo de 20 dias».
Porém, diz o n.º 3 desse mesmo artigo, que, «se não tiver manifestado o propósito de deduzir pedido de indemnização ou se não tiver sido notificado nos termos do número anterior, o lesado pode deduzir o pedido até dez dias depois de ao arguido ser notificado o despacho de acusação ou, se o não houver, do despacho de pronúncia».
Ora, no caso dos autos, como a sua simples consulta demonstra, o lesado “Banco...” não foi notificado nos termos previstos no artigo 75º, n.º 1, a tempo de poder manifestar, até ao encerramento do inquérito, o propósito de deduzir pedido de indemnização civil.
Quando foi notificado já o inquérito se encontrava, há muito, encerrado.
Nessa altura, já tinham decorrido os prazos estabelecidos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 77º do Código de Processo Penal para a dedução do pedido de indemnização civil.
A irregularidade cometida (artigos 118º e 123º), mesmo que tivesse sido arguida tempestivamente, não poderia determinar a anulação de qualquer acto, permitindo apenas a dedução do pedido civil em separado. É o que claramente resulta da alínea i) do n.º 1 do artigo 72º do referido Código.

8 – Embora o despacho proferido não seja rigoroso na descrição da tramitação processual, esse facto não determina a sua nulidade porque nenhuma disposição legal como tal o comina. Implicaria a sua revogação se se pudesse admitir que, no momento em que o requerimento foi apresentado, o lesado ainda podia exercer no processo penal o seu direito, o que, como dissemos, não acontece.

9 – Não obstante ter sido caótica a tramitação deste processo e de o recorrente ter sido prejudicado por esse facto, a sua pretensão de ser declarado nulo o despacho recorrido e, em consequência, todos os actos processuais subsequentes, designadamente, o julgamento já realizado é, pelo exposto, manifestamente improcedente.

10 - Uma vez que o recorrente decaiu no recurso que interpôs é responsável pelo pagamento da taxa de justiça e dos encargos a que a sua actividade deu lugar (artigo 520º do Código de Processo Penal).
De acordo com o disposto na alínea b) do nº 1 e no nº 3 do artigo 87º do Código das Custas Judiciais a taxa de justiça varia entre 1 e 15 UC.
Tendo em conta a complexidade do processo, julga-se adequado fixar essa taxa em 4 UC.
Para além disso, uma vez que o recurso foi considerado manifestamente improcedente, deve o recorrente, como medida dissuasória, pagar uma importância entre 3 e 10 UC (nº 4 do artigo 420º do Código de Processo Penal).
Atendendo aos factores considerados na graduação da taxa de justiça e ainda ao grau de abuso do direito de recurso, julga-se adequado fixar essa importância em 4 UC.

III – DISPOSITIVO
Face ao exposto, acordam os juízes da 3ª secção deste Tribunal da Relação em:
a) Rejeitar, por ser manifestamente improcedente, o recurso interposto pelo “Banco...”.
b) Condenar o recorrente no pagamento das custas do recurso, com taxa de justiça que se fixa em 4 (quatro) UC.
c) Condenar o recorrente na sanção processual correspondente a 4 (quatro) UC.



Lisboa, 19 de Setembro de 2007

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(Carlos Rodrigues de Almeida)

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(Horácio Telo Lucas)

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(Pedro Mourão)