É irrecorrivel o despacho que indefira reclamação apresentada nos termos da previsão do nº. 1, do artigo 291, do CPP.
Proc. 4417/07 3ª Secção
Desembargadores: Filomena Clemente Lima - - -
Sumário elaborado por João Ramos
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Reclamação n.° 4414/07 - 3a secção
I.
No processo n.º 3286/05.0 PBFUN do 2° Juízo Criminal do Funchal, o arguido f. … … … veio, nos termos do art.° 405° CPP, reclamar do despacho de 8.2.2007 que não admitiu o recurso por ele interposto a fls. 40 (29.01.2007).
O recurso incidia sobre os despachos que indeferiram as irregularidades arguidas. relativamente ao indeferimento dos requerimentos de reconstituição de factos e do interrogatório do arguido.
Em 15.12.2006 foi proferido despacho que, pronunciando-se sobre o requerimento de fls. 106 – em que o recorrente requeria se procedesse à reconstituição dos factos ou ao exame ao local e a inquirição de uma testemunha – o indeferiu nos termos do art.º 291°,n.°1 CPP, por considerar que, atentos os elementos probatórios existentes nos autos e as finalidades da instrução, a diligência requerida não se afigurava indispensável ou sequer necessária
O arguido, em 3.1.2007, reclamou nos termos do art.º 291° e 2 CPP do referido despacho e arguiu irregularidade do indeferimento do pedido de reconstituição de factos ou de exame ao local, perante o qual foi proferido despacho segundo o qual : 'Atentos os elementos autos e as finalidades da fase de instrução, indefere-se a reclamação apresentada com os fundamentos já constantes do meu despacho anterior:
O despacho reclamado não admitiu o recurso com fundamento no disposto no art.° 291°, n.°2 CPP, por ter sido já antes arguida irregularidade com os mesmos fundamentos que fora decidida por despacho transitado (fls. 95).
Na reclamação o arguido invoca em síntese:
O despacho reclamado violou por errada interpretação os art.°s 291°, °2, 399°, 401°, nº. 1 alínea b) e 411º CPP, pois tais disposições devem ser interpretadas no sentido de serem recorríveis os despachos que indeferem a arguição de irregularidades ou nulidades, além de que não existem decisões transitadas.
II.
O Juiz não admitiu o recurso, ponderando que a decisão em causa era irrecorrível conforme resulta do disposto no art.° 291°, n.°1 CPP.
Afigura-se, ressalvado o devido respeito pelo esforço argumentativo da reclamante, que a razão está com o julgado.
A questão colocada nesta reclamação incide sobre o indicado preceito do art.° 291°, n.°1 CPP, na redacção actualmente em vigor, no segmento em que dele se extrai a irrecorribilidade dos despachos que indeferem actos requeridos que não interessarem à instrução.
Nos termos do artigo 399.° do Código de Processo Penal, é permitido recorrer dos despachos cuja irrecorribilidade não estiver prevista na lei.
O artigo 400.° do mesmo diploma consigna o tipo de decisões que não admitem recurso, referindo-se, na alínea g) do seu n.° 1, aos demais casos previstos na lei.
E o artigo 291.°, n.° 1, dispõe, no que agora importa considerar: 'O juiz indefere, por despacho irrecorrível, os actos requeridos que não interessarem à instrução ou servirem apenas para protelar o andamento do processo e pratica ou ordena oficiosamente aqueles que considerar úteis, sem prejuízo da possibilidade de reclamação'.
A decisão proferida em sede de instrução, acerca da realização ou não realização de diligências a realizar em instrução, assente na ponderação do interesse e utilidade que estas revelarem para a descoberta da verdade, não admite sindicância seja quanto à própria decisão seja quanto aos fundamentos em que a mesma assenta.
De resto, o texto da norma em causa é claro ao atribuir ao juiz — e não à perspectiva de outros sujeitos processuais — o poder de avaliar quais os actos que interessam à instrução [1], ou seja, quais os actos necessários à comprovação judicial da decisão de deduzir acusação [2], apenas admitindo a possibilidade de reclamação, o que reforça o sentido de excluir a admissibilidade de recurso da decisão.
A irrecorribilidade da decisão em referência, introduzida pela Lei n.° 59/98, de 25 de Agosto, visou, consabidamente, eliminar incertezas e hesitações resultantes da versão originária do preceito sobre a possibilidade de recurso de actos intermédios quando, em regra, não era admissível recurso da decisão instrutória.
Tal irrecorribilidade está, como informa Maia Gonçalves [3], ligada à circunstância de, em regra, não haver recurso da decisão instrutória, não fazendo sentido um recurso, autónomo, de actos intermédios, quando a decisão finai da fase de instrução, consistindo na pronúncia pelos factos constantes da acusação do Ministério Público, é irrecorrível, como estabelece o artigo 310.°, n.° 1, do Código de Processo Penal.
Não há, pois, razão, para se sustentar que o despacho que indeferiu a reclamação é passível de recurso [5] e não faz sentido, salvo o devido respeito, pretender que o despacho que indefere diligências de instrução, nos termos do citado artigo 291.°, n.° 1, seja passível de recurso, nem que seja inconstitucional tal interpretação, nem que contrarie os acórdãos n.° 6/2004 e 7/2004 do STJ, perante a interpretação ora feita da questão concreta suscitada.
E naturalmente o requerimento do arguido em que reclama da decisão de não realização das diligências que requerera ou em que invoca nulidade ou irregularidade decorrente da não realização de prova requerida, reiterando o pedido de realização de tais diligências, mais não é do que uma reclamação para ver alterado o primeiro despacho, com fundamento em que, na sua perspectiva, as diligências indeferidas são úteis e importantes para a descoberta da verdade, ou seja, para a realização das finalidades da instrução.
Aceitar que o despacho que, decidindo tal reclamação confirma o primeiro despacho e mantém o indeferimento da inquirição, é recorrível, frustra o sentido e a razão de ser da irrecorribilidade consignada no preceito em causa.
E, no caso, é patente que a verdadeira e única pretensão — formulada em todas as peças apresentadas pelo arguido, posteriormente ao primeiro despacho — consiste na alteração/revogação do indeferimento das diligências probatórias que requereu.
Considerar recorrível o despacho que recai sobre a reclamação, fundada em pretensa nulidade ou irregularidade 'por insuficiência de instrução' e/ou 'omissão de diligências reputadas de essenciais para a descoberta da verdade' ou por violação do art.°.' 340° CPP — que mais não é do que a alegação de discordância sobre o que o juiz considerou inútil ou desnecessário para a realização das finalidades da instrução, face aos elementos constantes do requerimento de abertura de instrução - seria, indirectamente, aceitar-se a recorribilidade da decisão proferida ao abrigo do artigo 291.°, n° 1, do Código de Processo Penal.
Afiguram-se dispensáveis outras considerações, para se concluir, como no despacho reclamado, que a decisão que, não reconhecendo a existência das referidas 'nulidades”, confirmou o indeferimento da inquirição, não admite recurso, por mais não representar do que a confirmação daquele.
A questão, tal como aqui se mostra perspectivada, já foi diversas vezes suscitada ao nível das reclamações perante o Exm° Sr. Presidente desta Relação com idêntico tratamento e o TC já se pronunciou sobre a compatibilidade constitucional da norma sub judicio, na referida perspectiva.
Fê-lo, verbi gratia, nos seus Acórdãos números 371/2000, 375/2000, 459/2000 e 176/2002 (citados, aliás, no despacho proferido pelo Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa) e nos Acórdãos números 78/2001 (disponível em wvw.tribunal constitucional.pt) e 464/2003 (publicado na II Série do Diário da República de 5 de Janeiro de 2004) e recentemente no processo 896/2005.
IV.
Pelo exposto, desatende-se a reclamação, confirmando-se o despacho de não admissão do recurso.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 4 UCs.
Notifique.
Lisboa, 21 de Maio de 207
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1. 'A instrução formada pelo conjunto dos actos de instrução que o juiz entenda levar a cabo (...)' — artigo 289.º, n.° 1, primeiro segmento, do Código de Processo Penal.
2. Artigo 290º, n.° 1, do Código de Processo Penal.
3 .Código de Processo Penal Anotado e Comentado 14.a Edição, Almedina, Coimbra, 2004, p. 591.
4 . No sentido da inadtnissibilidade do recurso, o Acórdão da Relação de Lisboa de 17 de Fevereiro de 2000, sumariado em www.dgsi.pt., com o N.° Convencional JTRL00027772.
5. No sentido da inadtnissibilidade do recurso, o Acórdão da Relação de Lisboa de 17 de Fevereiro de 2000, sumariado em www.dgsi.pt., com o n.° Convencional JTRL00027772i