Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Jurisprudência da Relação Criminal
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 - ACRL de 15-02-2007   ABUSO CONFIANÇA FISCAL. Segurança Social. IGFSS. Pessoa colectiva. Responsabilidade sócio-gerente. Indemnização.
I- A apropriação é elemento do tipo de crime de abuso de confiança fiscal, p. p. pelo artº 24º, n.s 1 e 2 do RJIFNA (DL 20-A/95, de 15 de Janeiro, com as alterações introduzidas pelo DL 140/95, de 14 de Junho), pré-vigente ao artº 105º do RGIT, actualmente em vigor ( Lei nº 15/2001, de 5 de Junho) e pressupõe um correlativo prejuízo patrimonial para a Fazenda Nacional, que deixa de receber, total ou parcialmente, as prestações tributárias devidas.
II- Aquela apropriação não tem de ser reconduzida a gasto ou consumo em proveito próprio ou alheio, bastando para a sua consumação a falta de entrega da prestação vencida nos termos da lei.
III- Conforme o artº 6º (quer do RJIFNA quer do RGIT), 'quem agir voluntariamente como órgão da sociedade é punido quando, como representante, o faça no interesse da representada mesmo que pratique o facto no seu próprio interesse.' O legislador consagra um crime específico em que o círculo de autoria é constituído, não pelo contribuinte originário mas pelo substituto, o qual é investido na qualidade de depositário da prestação devida à Segurança Social, e colocado, temporariamente, na sua detenção, com vista à entrega ao Estado. Por isso, sobre o arguido, enquanto gerente, recaía a obrigação de fazer com que a Administração Fiscal recebesse as quantias em causa.
IV- Quanto ao dever de indemnizar o Estado, disciplina o artº 79º do Código das Sociedades Comerciais, recaindo sobre o arguido a responsabilidade civil por facto ilícito. Acresce que a responsabilidade civil está igualmente consagrada no artº 483º Cód. Civil.
V- As dificuldades económicas da empresa não justificam a conduta do arguido, pois que não o desobriga do dever de entregar as prestações à Segurança Social. De facto a obrigação legal de entregar as prestações é superior ao dever funcional de manter a empresa em actividade, de pagar os salários aos trabalhadores e as dívidas aos fornecedores. É que os valores que se tutelam com a norma incriminadora entroncam directamente nas funções do Estado, maxime de salvaguardar aos cidadãos a assistência e protecção na velhice, na invalidez e orfandade, bem como meios de subsistência.
VI- Em caso de conflito no cumprimento de deveres jurídicos ou ordens legítimas, só não é ilícito o facto cometido para satisfazer dever ou ordem de valor superior ao sacrificado (cfr. artº 36º Cód. Penal).
VII- Enquanto que a obrigação de pagar impostos ou de entregar as prestações à Segurança Social resulta de obrigação legal, cuja violação põe em causa um dos mais relevantes interesses do Estado (a cobrança de impostos), daí a sua tutela jurídico-penal, já a obrigação de pagar salários aos trabalhadores tem natureza contratual.
VIII- Pelo exposto e face à matéria de facto apurada, verificando-se todos os pressupostos legais, sobre o arguido, sócio-gerente da sociedade, recai igualmente o dever, solidariamente, de indemnizar o demandante IGFSS.
Proc. 1552/07 9ª Secção
Desembargadores:  Trigo Mesquita - Maria da Luz Batista - Almeida Cabral -
Sumário elaborado por João Parracho