Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Jurisprudência da Relação Criminal
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 - ACRL de 31-01-2007   Caducidade de carta provisória. Cumprimento posterior de proibição de conduzir.
Se um condutor comete infracção que acarreta proibição de conduzir e, entretanto, a sua carta de condução provisória é declarada caduca e é entregue à DGV, a condenação em proibição de conduzir relativa a essa infracção só impede o condutor de requerer um novo título durante o período da inibição.
Proc. 11342/05 3ª Secção
Desembargadores:  Telo Lucas - Pedro Mourão - Ricardo Silva -
Sumário elaborado por João Ramos
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Caducidade de carta de condução provisória.
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Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa:
1 - No processo sumaríssimo n.º 186/03.2GTALQ foi, em 6 de Janeiro de 2004, proferido despacho que aplicou ao arguido, f… … …, 60 dias de multa à taxa diária de 4.50 €, o que perfaz a quantia de 270 €, e a proibição de conduzir por um período de 3 meses pela prática, no dia 3 de Maio de 2003, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, conduta p. e p. pelo n.º 1, do artigo 292º do Código penal (fls.44).
I - RELATÓRIO
Em requerimento apresentado no dia 19 de J aneiro de 2004, o arguido declarou que não procedia à entrega da carta de condução, como lhe tinha sido ordenado naquele despacho, uma vez que a mesma tinha caducado em virtude de ter natureza provisória e de ele ter sido condenado, por decisão administrativa, pela prática de uma contra-ordenação grave em inibição de conduzir por 30 dias.
Comprovou esse facto juntando fotocópia de um auto de entrega da carta que tinha o n.º L-1 790 377, na Direcção-Geral de Viação no dia 1 de Setembro de 2003 (fls. 56).
Em 1 de Abril de 2005 foi declarada extinta, por pagamento, a pena de multa (fls. 91).
Por promoção do Ministério Público (fls. 109 e 119), o sr. juiz, por despachos proferidos em 29 de Abril e 19 de Setembro de 2005 (f1S. 112 e 121), ordenou a apreensão da carta de condução do arguido.
No dia 4 de Outubro de 2005, a GNR apreendeu ao arguido a carta de condução n.º L-905243 (fls. 125).
2 - O arguido interpôs recurso do despacho proferido em 19 de Setembro de 2005 (fls. 126 a 131).
A motivação apresentada termina com a formulação das seguintes conclusões:
“I - Ao ter entregue a licença de condução na autoridade competente, embora por decisão administrativa, tendo informado tal facto o Tribunal 'a quo', e mantendo-se esta situação ao longo de cerca de dois anos, entende o recorrente que a medida inibitória a que foi condenado nestes autos foi cumprida e se consumou pela forma exposta.
II - Caso, assim não se entendesse, é inquestionável que a licença de condução sobre a qual incidiu a medida inibitória em apreço, caducou há muito e inexistia à data da referida decisão, não sendo admissível o entendimento de que um objecto substituiu o outro, um vez que o Direito Penal só se pode subsumir às realidades verificadas à data dos respectivos julgamentos e decisões.
III - Mostram-se, assim, violados no que concerne à medida de segurança que se pretende executar, entre outras as disposições dos artigos 29°, n.º 4 e 5 da CRP, artigo 126°, n.º 1, al. a) do C.P. e o 130° do Código da Estrada.
Nestes termos e nos demais de Direito aplicáveis, deverá a decisão recorrida ser revogada, não se aplicando nenhuma sanção ao arguido».
3- Esse recurso foi admitido pelo despacho de fls. 135.
4 - O Ministério Público respondeu à motivação apresentada defendendo a improcedência do recurso (f1s.138 a 141).
5 - Neste tribunal, o sr . procurador-geral-adjunto, quando o processo lhe foi apresentado, apôs nele o seu visto.

II - FUNDAMENT AÇÃO
6 - Embora os autos não contenham prova documental de todos os elementos que, numa situação ideal, seria desejável que dele constasse, nomeadamente prova das concretas datas em que foram emitidas as cartas de condução n.ºs L-1 790 377 e L-1 905 243 (apenas o recorrente nos indica que esta última foi emitida em 13 de Julho de 2005), poderemos, mesmo assim, afirmar , com a necessária segurança, que o recorrente tem inteira razão ao impugnar a decisão que determinou a apreensão de uma carta de condução emitida mais de 2 anos depois da prática da infracção que esteve na origem da sua condenação neste processo.
De facto, de acordo com o n.º 4º, do artigo 122º da redacção então vigente do Código da Estrada «o título de condução emitido a favor de quem não se encontra já legalmente habilitado para conduzir qualquer das categorias de veículos nele previstas tem carácter provisório e só se converte em definitivo se, durante os dois primeiros anos do seu período de validade, não for instaurado ao seu titular procedimento pela prática de crime ou contra-ordenação a que corresponda proibição ou inibição de conduzir» .
Certamente porque a 1ª das referidas cartas de condução tinha sido emitida menos de 2 anos antes da prática pelo arguido, no dia 10 de Maio de 2003, de uma contra-ordenação punível com inibição de conduzir(1) tal carta de condução caducou ao não ser impugnada a decisão administrativa referida a fls. 107 (artigo 130º, n.º 1, alínea ), do Código da Estrada).
Assim sendo, no momento em que transitou em julgado o despacho que, nestes autos, aplicou ao arguido a proibição de conduzir por 3 meses, o arguido já não era titular de carta de condução.
Por isso, essa pena acessória só tinha o efeito previsto na alínea d), do n.º 1 do artigo 126° e no n.º 3, alínea a, do artigo 130° do Código da Estrada, ou seja, impedia que o recorrente requeresse um novo título durante o período em que se encontrava proibido de conduzir e exigia que, depois disso, ele se sujeitasse a um novo exame para obter uma nova carta.
Ora, contando os 3 meses de proibição de conduzir a partir da data do trânsito em julgado do despacho que a aplicou, que é posterior à data de apreensão do titulo e da sua caducidade e posterior ao decurso dos 30 dias de inibição de conduzir aplicada pela prática da referida contra-ordenação, parece evidente que essa restrição foi respeitada pela administração pública.
Porque o período de proibição de conduzir decorreu antes de ter sido emitida a nova carta de condução, o que conduz à conclusão de que a mesma foi cumprida, e porque esta é mesmo um titulo diverso daquele que, na altura da prática da infracção, habilitava o recorrente a conduzir, não se pode deixar de considerar infundada a apreensão ordenada e, consequentemente, de revogar o despacho recorrido.
III - DISPOSITIVO
Face ao exposto, acordam os juízes da 3.ª secção deste Tribunal da Relação em conceder provimento ao recurso, revogando o despacho recorrido e determinando a entrega da carta apreendida ao recorrente.

Sem custas.
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Lisboa, 31/01/2007

(Telo Lucas)
(Pedro Mourão)
(Ricardo Silva)
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1. Processo Administrativo que teve origem no auto de notícia nº. 230 455 S90 (ver fls. 107).