-
ACRL de 18-01-2007
Negligência médica. Compressas. Instrumentista.
I – O vício de insuficiência da matéria de facto provada para a respectiva decisão verifica-se, pois, quando há uma lacuna, deficiência ou omissão no apuramento e investigação da matéria de facto. Este vício influencia e repercute-se na decisão proferida a qual, por isso, não poderá ser a «decisão justa que devia ter sido proferida» (vide Ac. Do STJ de 13MAI98, in CJ. Acs. Do STJ, Tomo II, pág. 199).
“Nos termos do art.º 15º do C.P.: «Age com negligência quem, por não proceder com o cuidado a que, segundo as circunstâncias está obrigado e de que é capaz: a) Representar como possível a realização de um facto que preenche um tipo de crime mas actuar sem se conformar com essa realização; ou b) Não chegar a representar a possibilidade de realização de facto.»
II – “No final do acto cirúrgico foi feita palpação e toilette peritoneal, para procura de qualquer corpo estranho, e não o encontraram, o que se tornou possível devido às reduzidas dimensões da compressa, embebida em sangue, confundindo-se com os próprios tecidos ou desaparecendo em qualquer cavidade natural.
A referida toilette peritoneal visa diluir e lavar o local intervencionado e, por fim, proceder à aspiração dos coágulos e outros resíduos que estejam a sobrenadar.
A distinção visual das compressas é, também, por vezes dificultada pelos mecanismos de coagulação, que as leva a confundir-se com as superfícies cruentas sobre que são colocadas.
A contagem das compressas assépticas caberia a uma enfermeira instrumentista, mas a intervenção foi realizada sem esta profissional, devido à falta de enfermeiros para cumprir essa função.
Na falta de enfermeira instrumentista é ao 2º ajudante que compete alcançar as compressas necessárias, solicitadas pelo cirurgião principal.
Tanto o 1º como o 2º ajudantes exercem as suas funções sob instruções do cirurgião principal.
Toda a actividade das equipas cirúrgicas se deve concentrar no acto cirúrgico.
As compressas utilizadas fazem parte do meio séptico, enquanto que a equipa cirúrgica apenas se pode movimentar no meio asséptico.”
III. “Ficou, pois, provado que os arguidos executaram os procedimentos a que estavam obrigados e de que eram capazes com vista a se certificarem de que não ficavam objectos dentro do corpo do paciente.
A contagem das compressas, sendo mais um procedimento de certificação, não se pode exigir aos médicos quando não há enfermeira instrumentista, como também não é admissível que um médico se recuse a operar por não ter enfermeira a exercer essa função. Aos médicos exige-se que se concentrem no campo operatório, no doente, mas não se lhes pode pedir que estejam simultaneamente a contar as compressas que entram e saem do corpo do operado, sob pena de se desconcentrarem das outras tarefas que lhes incumbem. Essa contagem também não pode ser feita na parte final da intervenção – antes de suturar o doente – pois as compressas utilizadas fazem parte do meio séptico, enquanto que os médicos se movimentam no meio asséptico.
Concluímos, portanto, que não houve qualquer conduta negligente por parte dos arguidos.”
Proc. 6002/06 9ª Secção
Desembargadores: João Carrola - Carlos Benido - Fernando Cardoso -
Sumário elaborado por Paulo Antunes
|