-
ACRL de 12-12-2006
OFENSA À INTEGRIDADE FÍSICA POR NEGLIGÊNCIA. DELITO POR OMISSÃO IMPRÓPRIA. DEVER DE VIGILÂNCIA
I. Os delitos omissivos, cuja punição é admitida pelo art.10º. do Código Penal, podem ser de omissão própria ou imprópria, infringindo-se nos primeiros uma norma preceptiva (pela não realização de uma acção exigida por lei) e sendo violado nos segundos o dever, imposto a quem esteja em posição de garante, de evitar um resultado típico, pelo que o garante é onerado com responsabilidade jurídico-penal pela verificação desse resultado.
II. No caso dos delitos por omissão imprópria, essencial é que sobre o omitente recaia um dever jurídico de garante pela não produção do resultado, dever jurídico esse que é elemento integrante da tipicidade.
III. Ora, como proprietário dos cães, sobre o arguido recaía o dever especial de os vigiar, de forma a evitar que os mesmos pusessem em risco a vida ou a integridade física de outras pessoas, dever esse expressamente consagrado no art.6º., quer do DL nº.276/01, de 17 de Outubro, quer do DL nº.312/03, de 17 de Dezembro, sendo que no art.7º. deste último diploma se concretiza a obrigação de, em relação a animais perigosos, ou potencialmente perigosos, serem adoptadas medidas de segurança reforçadas e de afixação em local bem visível de placa de aviso de presença e perigosidade do animal.
IV. O cão de raça “rottwieler”, pelas suas especificidades rácicas - em particular, tamanho, robustez e potência de mandíbula - é um cão temido pela generalidade das pessoas e tido como potencialmente perigoso, qualificação que lhe foi atribuída pelo anexo à Portaria nº.422/04, de 24 de Abril.
V. Ao se ausentar para a Madeira, por vários dias, deixando os cães soltos na sua propriedade, impunha-se que o arguido tivesse esta vedada por forma que não fosse possível os cães dela saírem só pela sua própria acção ou por intervenção fácil de um terceiro, não podendo ser aceite como suficiente um portão que pode ser vergado pela força dos animais ou que não está dotado de cadeado que impeça a sua fácil abertura por qualquer pessoa.
VI. Impunha-se que o arguido tivesse incumbido alguém de vigiar os cães regularmente - sendo que o mesmo só contratara os serviços de uma pessoa, apenas para tratamento dos mesmos, o que implicaria deslocação ao local apenas mais de 36 horas após os factos -, pois não seria de excluir a hipótese de surgir algum evento, da própria natureza ou provocado involuntariamente por terceiro, nomeadamente incêndio ou acidente de viação, que causasse destruição da vedação e permitisse a saída dos animais.
VII. Tendo o ofendido sido atacado, na via pública, pelos cães pertencentes ao arguido que, provenientes da aludida propriedade, o morderam, em várias regiões do corpo, e não existindo quaisquer indícios de acção humana no desencadear do evento (isto é, na abertura do portão da propriedade onde os cães deviam permanecer fechados), deve o arguido ser pronunciado por crime de ofensa à integridade física por negligência.
Proc. 9589/06 5ª Secção
Desembargadores: Vieira Lamim - Ricardo Cardoso - Filipa Macedo -
Sumário elaborado por Lucília Gago
|