Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Jurisprudência da Relação Criminal
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 - ACRL de 15-12-2006   DANO. Elementos do tipo. Grafittis em carruagem metro. Inexistência do crime. Responsabilidade civil
I- Em causa está saber se os arguidos, tendo executado pinturas e desenhos com tinta em latas de spray, conhecidos como 'grafitti', em várias carruagens estacionadas numa estação do Metropolitano de Lisboa, tal acção constitui crime de dano (qualificado) 'em coisa destinada ao uso e utilidade públicos', p.p. pelos artºs 212º e 213º, n. 1, alínea c) do Código Penal - como em recurso defende o assistente - face ao arquivamento pelo MPº e à decisão instrutória de não pronúncia, proferida no âmbito da Instrução por si requerida.
II- Como bem sustenta o MPº, para que se verifiquem os elementos típicos do ilícito em causa a 'destruição', 'danificação' ou 'desfiguração' do bem tem que atingir as características funcionais da coisa, o que não aconteceu no caso concreto, uma vez que as carruagens estiveram apenas imobilizadas durante um certo tempo para limpeza dos 'estragos' dos 'grafittis'.
III- No caso, é manifesto que se deve ter como excluídas a 'destruição' ou a 'inutilização'; por seu turno, a 'desfiguração' importa um juízo estético, uma avaliação subjectiva, porquanto, se para uns o grafitte, enquanto exteriorização individual, motiva sentimentos de repulsa, para outros é aceite como manifestação artística.
IV- Colhe-se o entendimento de que os grafittis impressos nas carruagens do Metro não pouco afectou o seu uso, nem tão pouco se traduziram numa 'desfiguração' do bem, para efeitos de enquadramento d acção no tipo legal de crime em análise.
V- Outra solução seria susceptível de violar os valores protegidos pela norma, caso o preenchimento do tipo dependesse do conceito de arte de cada um, o que colide com a indispensável segurança do sistema jurídico, maxime na tipificação penal do comportamento, como tal compreendido e aceite pela generalidade das pessoas, independentemente dos seus gostos ou convicções pessoais.
VI- E também se impõe concluir, em sede de avaliação do elemento subjectivo - na esteira do máxima 'nullum crimen/poena sine culpa' - que a actuação do/s autor/es dos grafittis, inserida nos tempos e modas da juventude hodiernos, é concretizada no convencimento de se estar a desenvolver forma de arte e de expressão, sem consciência ou intenção de causar dano ou de desfigurar - o que afasta, irremediavelmente, o dolo, pressuposto essencial ao tipo (crime doloso).
VII- Ainda assim, admitida a censurabilidade da acção, enquanto geradora de prejuízo, a sua eventual reparação, assente em responsabilidade civil, há-de encontrar-se no foro próprio.

Nota:- Em conformidade com o nosso parecer nº 463/06, de 2006-02-07 (mais ousado e com mais argumentos).
Proc. 1365/06 9ª Secção
Desembargadores:  Maria da Luz Batista - Almeida Cabral - Rui Rangel -
Sumário elaborado por João Parracho