Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Jurisprudência da Relação Criminal
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Processo   Sec.                     Ver todos
 - ACRL de 15-11-2006   Reembolso do encargo das transcrições. CCJ vigente antes de Janeiro/2004.
O valor pago pelo tribunal pela transcrição das declarações prestadas oralmente na audiência não constitui um encargo que, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 89º da redacção então vigente do Código das Custas Judiciais, deva ser suportado pelo responsável pelo pagamento das custas quando em causa estiver um processo crime instaurado antes de 1 de Janeiro de 2004.
Proc. 7126/06 3ª Secção
Desembargadores:  Carlos Almeida - Telo Lucas - Pedro Mourão -
Sumário elaborado por Carlos Almeida (Des.)
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Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa

I – RELATÓRIO
1 – A arguida f. ... ..., depois de ter sido notificada da liquidação efectuada no processo n.º 1093/01.9TASNT, apresentou, em 10 de Janeiro de 2006 (fls. 4 a 7 destes autos), uma reclamação pedindo que:
a) se excluísse da liquidação o montante de 1.508,00 €, relativo à transcrição da prova testemunhal;
b) subsidiariamente, se reduzisse o valor do custo atribuído a tal transcrição;
c) se excluísse da liquidação o montante de 907,80 €, relativo a 2472 páginas de processado;
d) se deduzissem no valor apurado 337,62 €, correspondentes ao valor das taxas de justiça pagas pela interposição de dois recursos e pelo pedido de abertura de instrução.
Tal reclamação foi apresentada ao sr. funcionário judicial que, nos termos do n.º 1 do artigo 61º do Código das Custas Judiciais, se pronunciou nos seguintes termos:
«A liquidação de custas de fls. 2474 foi elaborada nos termos da legislação legal para os processos instaurados até 31/12/2004 (Código das Custas Judiciais anterior a 2004), designadamente:
a) quanto à transcrição da prova gravada, a mesma foi quantia adiantada pelo Cofre Geral dos Tribunais, aplicando-se o artigo 89º, n.º 1, alínea a), do Código das Custas Judiciais;
b) quanto ao reembolso a que se refere o artigo 89º, n.º 3, é calculado em relação ao número de folhas de processado, aplicando-se o disposto nos termos do n.º 2 do artigo 32º do Código das Custas Judiciais;
c) quanto às taxas de justiça já pagas, são taxas de justiça criminais devidas por interposição de recursos e de abertura de instrução, as quais não são abatidas, sendo que a legislação referida pela reclamante (artigo 56º do Código das Custas Judiciais) diz respeito à parte das custas cíveis».
O magistrado do Ministério Público manifestou concordância com as razões expostas pelo sr. funcionário judicial, dizendo o seguinte:
«Concordamos com as razões expostas pelo Exm.º Senhor escrivão de direito pelo que conjugadas com as razões apresentadas pelo Exmº Senhor advogado quer-nos parecer que não assiste razão a este último».
Conclusos os autos, o sr. juiz proferiu, em 20 de Janeiro de 2006, o despacho que, a seguir, se transcreve:
«Fls. 2482: a arguida veio reclamar da conta elaborada pelo sr. secretário, nomeadamente no que concerne ao reembolso das despesas feitas com as transcrições e das taxas de justiça já pagas, em relação às quais requer a sua dedução, pedindo a final a sua dedução.
O sr. secretário explicou as operações que fez e fundamentou.
O Ministério Público teve vista e pronunciou-se no sentido do indeferimento.
Analisada a conta, parece-nos ter a arguida incorrido em erro quanto à legislação aplicável aos presentes autos, bem como aos cálculos por si efectuados, pois resulta claramente de fls. 2477 que tanto as normas aplicadas como os cálculos realizados se mostram correctamente feitos pelo que, acolhendo a posição do Ministério Público, se indefere a reforma da conta».

2 – A arguida interpôs recurso desse despacho.
A motivação apresentada termina com a formulação das seguintes conclusões:
A) «O despacho recorrido viola o disposto no artigo 379º, n.º 1, al. c), do C.P.P., sendo, por isso, nulo, na medida em que não conhece dois dos pedidos formulados na reclamação da conta de custas, estando a tal adstrito, nos termos do disposto no artigo 61º, n.º 1, do C.C.J.;
B) Aquela norma legal é aplicável, nos termos do disposto no artigo 4º, 1ª parte, do C.P.P.;
C) Subsidiariamente, pugna-se pela nulidade do despacho recorrido por violar o disposto no artigo 668º, n.º 1, al. d), do C.P.C.;
D) Esta norma legal é aplicável “in casu” por remissão expressa do disposto no artigo 666º, n.º 3, do C.P.C., e no artigo 4º, 2ª parte, do C.P.P.;
E) Pelo que deve ser proferido novo despacho que conheça todas as questões suscitadas na Reclamação da conta de custas; Acresce que
F) O despacho recorrido viola o disposto no artigo 374º, n.º 2, do C.P.P., sendo nulo, nos termos do disposto no artigo 379º, n.º 1, al. a), na medida em que padece de total falta de fundamentação;
G) As normas em causa são aplicáveis, nos termos do disposto no artigo 4º, 1ª parte, do C.P.P.;
H) Subsidiariamente, pugna-se pela nulidade do despacho recorrido por violar o disposto no artigo 668º, n.º 1, al. b), do C.P.C.;
I) Esta norma legal é aplicável “in casu” por remissão expressa do disposto no artigo 666º, n.º 3, do C.P.C., e no artigo 4º, 2ª parte, do C.P.P.;
J) Pelo que deve o despacho recorrido ser reformulado, no sentido de nele se fazer incluir motivos, de facto e de Direito, que fundamentem a decisão a proferir; Paralelamente,
K) Deve o despacho recorrido ser declarado nulo e substituído por outro que não enferme das nulidades apontadas e que reforme a conta de custas de acordo com os pedidos formulados em sede de Reclamação; Assim,
L) A conta deverá ser reformada, no sentido de dela ser excluído o montante de € 1.508,00 relativo à transcrição da prova testemunhal, sob pena de violação do disposto no artigo 89º, n.º 1, do C.C.J., uma vez que a referida despesa não está compreendida nos encargos sujeitos a reembolso, ou, subsidiariamente, ser aquele montante reduzido, na medida em que se afigura excessivo e desprovido de qualquer justificação, e fixado com recurso ao critério estabelecido nos termos do disposto no artigo 32º, n.º 2, do C.C.J.;
M) A conta de custas deverá igualmente ser reformada, no sentido de dela ser excluído o montante de € 907,80 relativo a 2472 páginas de processado, sob pena de se violar o disposto no artigo 89º, n.º 1, do C.C.J., uma vez que as despesas relativas aos gastos de papel estão expressamente excluídas dos encargos;
N) Por último, deve a conta de custas ser reformada, no sentido de ser subtraído ao valor global das custas a quantia de € 337,62, correspondente ao valor das taxas de justiça gradualmente pagas pela Recorrente durante a normal tramitação do processo, sob pena de se violar o disposto na alínea b) do n.º 3 do artigo 56° do C.C.J..
Nestes termos e nos demais de direito, que V.Exªs. doutamente suprirão, deverá ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência:
a) ser declarado nulo o despacho recorrido; e
b) ser o mesmo substituído por outro que defira a Reclamação da conta de custas deduzida;
pois só assim se fará Justiça».

3 – Esse recurso foi admitido pelo despacho de fls. 35.

4 – O Ministério Público respondeu à motivação apresentada defendendo a improcedência do recurso (fls. 39 a 44).

5 – Neste tribunal, o sr. procurador-geral-adjunto, quando o processo lhe foi apresentado, emitiu o parecer de fls. 62 a 70 no qual sustenta que o recurso não merece provimento.

6 – Foi cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal.

7 – Tendo em conta os fundamentos do recurso interposto pelo arguido e os poderes de cognição deste tribunal, importa apreciar e decidir as seguintes questões:
- A nulidade do despacho recorrido (por omissão de pronúncia e por falta de fundamentação);
- O reembolso do valor das transcrições;
- O reembolso de outras despesas;
- A dedução do valor da taxa de justiça já paga.

II – FUNDAMENTAÇÃO
A nulidade do despacho recorrido
7 – A arguida sustenta que o despacho recorrido é nulo, quer porque não apreciou dois dos pedidos por ela formulados, quer porque não se encontra devidamente fundamentado.
Ora, se bem que nos pareça que assiste razão à recorrente quando afirma que o tribunal de 1ª instância não se pronunciou sobre o pedido subsidiário de redução do valor atribuído à transcrição (n.ºs 9 e 10 do requerimento de 10 de Janeiro), nem sobre o pedido de exclusão dos valores relativos aos reembolsos de comunicações efectuadas e de suportes magnéticos adquiridos (n.ºs 11 a 19 desse mesmo requerimento) e que a mesma também tem razão quanto à falta de fundamentação do despacho recorrido, cujas razões só se compreenderiam se o mesmo se considerasse integrado pela informação prestada pelo sr. funcionário judicial, entendemos que tais deficiências não se podem qualificar como nulidades, constituindo meras irregularidades que, por não terem sido arguidas atempadamente (artigo 123º, n.º 1, do Código de Processo Penal), se devem considerar sanadas.
Tais vícios não podem ser qualificados como nulidades, antes de mais, porque o artigo 379º, n.º 1, alíneas a) e c), do mencionado Código, como o corpo desse número expressamente indica, só se aplica às sentenças e não também aos despachos. E num sistema, como o nosso, em que as nulidades são típicas (artigo 118º, n.ºs 1 e 2) não seria possível, nem, de resto, faria qualquer sentido, aplicar, por analogia, tal preceito aos meros despachos ou recorrer para esse mesmo efeito às disposições próprias do processo civil uma vez que não existe qualquer lacuna de regulamentação, pressuposto indispensável para a adopção de qualquer desses procedimentos.
Não se pode, por isso, deixar de julgar improcedente, nesta parte, o recurso interposto.

O reembolso do valor das transcrições
8 – Entrando no fundo da questão, sustenta a arguida que o custo da transcrição das declarações oralmente prestadas na audiência deve ser excluído da liquidação, no que, a nosso ver, tem absoluta razão.
Na verdade, o Código das Custas Judiciais, na versão aplicável a estes autos , ao contrário do que acontece com a redacção hoje vigente , não previa como encargo do recorrente ou do condenado nas custas o pagamento do reembolso desse tipo de despesas, as quais, de resto, só existiam pela manifesta incapacidade que os serviços judiciais tinham, e continuam a ter, de cumprir as obrigações que lhes eram e são impostas pelo Código de Processo Penal, nomeadamente a de documentar na acta as declarações prestadas oralmente na audiência (artigo 363º).
Na verdade, a elaboração de uma acta (que, como instrumento público que é, deve ser redigida pelo funcionário de justiça - artigos 100º e 101º) não deveria, por princípio, originar qualquer despesa que o condenado devesse autonomamente suportar.
Se o Estado, porque é manifestamente incapaz de cumprir as obrigações que a si próprio impôs, teve de recorrer à contratação de terceiros para realizar tais tarefas, não pode depois, sem lei expressa que o preveja, vir responsabilizar os sujeitos processuais pelo seu reembolso.
Daí que, nesta parte, o recurso interposto deva proceder.

O reembolso de outras despesas
9 – Pretende também a arguida que da liquidação sejam excluídos os valores relativos aos reembolsos de comunicações efectuadas e de suportes magnéticos adquiridos, aqueles a que se referem as alíneas e) e f) do n.º 1 do artigo 89º do Código das Custas Judiciais.
De acordo com esta disposição, as custas compreendem os encargos com «o reembolso por franquias postais, comunicações telefónicas, telegráficas, por telecópia ou por meios telemáticos» e «o reembolso com a aquisição de suportes magnéticos necessários à gravação das provas». Porém, por força do n.º 3 deste mesmo preceito e do n.º 2 do artigo 32º do referido diploma legal, esses valores são obtidos através de uma fórmula pré-determinada, que parte do número de folhas do processado. No caso, às primeiras 50 folhas correspondia um reembolso de 44.50 € (metade de uma UC), sendo devido o pagamento de 863.30 € pelos 97 restantes conjuntos de 25 folhas (97  110 de UC). Por isso, tal como consta da liquidação, eram devidos 907.80 €, valor correspondente à soma daquelas duas parcelas.
Improcede, assim, nesta parte, o recurso interposto.

A dedução do valor da taxa de justiça já paga
10 – Resta apreciar a questão da dedução das taxas de justiça pagas ao longo do processo pela recorrente.
Em abono da sua pretensão, a arguida invoca o previsto na alínea b) do n.º 3 do artigo 56º do Código das Custas Judiciais, disposição que manifestamente não é aplicável ao presente caso uma vez que nele não se verificou, nem podia verificar, qualquer pagamento gradual da taxa de justiça, próprio do processo civil (artigo 22º daquele Código). Trata-se de disposição que se insere na descrição da forma de elaborar a conta que, como se disse logo no início, não se confunde com a mera liquidação, operação a que se procedeu e de que a arguida reclamou.
Note-se ainda que as taxas de justiça pagas anteriormente reportaram-se à interposição de dois recursos (artigo 86º) e à abertura de instrução (artigo 83º, n.º 1), actos autónomos que não se confundem com as taxas de justiça devidas pela condenação na 1ª instância (artigo 85º) e pelo decaimento nos recursos interpostos (artigo 87º).
Pelo sumariamente exposto, o recurso não pode, quanto a este ponto, deixar de improceder.

A responsabilidade pelas custas
11 – Uma vez que a arguida decaiu, embora apenas parcialmente, no recurso que interpôs é responsável pelo pagamento da taxa de justiça e dos encargos a que a sua actividade deu lugar (artigos 513º e 514º do Código de Processo Penal).
De acordo com o disposto na alínea b) do nº 1 e no nº 3 do artigo 87º do Código das Custas Judiciais a taxa de justiça varia entre ½ e 15 UCs.
Tendo em conta o provimento parcial do recurso e a complexidade do processo, julga-se adequado fixar essa taxa em 4 UCs.

III – DISPOSITIVO
Face ao exposto, acordam os juízes da 3ª secção deste Tribunal da Relação em:
a) Conceder parcial provimento ao recurso interposto pela arguida f. ... ... do despacho proferido em 20 de Janeiro de 2006, determinando que seja excluída da liquidação efectuada a verba correspondente ao custo da transcrição das declarações prestadas oralmente na audiência, mantendo, em tudo o mais, a decisão impugnada.
b) Condenar a recorrente no pagamento das custas do recurso, com taxa de justiça que se fixa em 4 (quatro) UCs.



Lisboa, 15 de Novembro de 2006
Carlos Rodrigues de Almeida
Horácio Telo Lucas
Pedro Mourão