Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
Actualidade | Jurisprudência | Legislação pesquisa:


    Jurisprudência da Relação Criminal
Assunto    Área   Frase
Processo   Sec.                     Ver todos
 - ACRL de 07-11-2006   Crime de desobediência – Embargo de obra – Pendência de processo no TAF visando a revogação do despacho que ordenou o embargo – Questão prejudicial
I – Desobedecer é faltar à obediência devida. Só é devida obediência a ordem ou mandado legítimos. Essa legitimidade advém da competência da entidade de onde emana a ordem ou o mandado e tem esta de ser regularmente comunicada ao destinatário. Para que a desobediência tenha dignidade penal exige-se ainda que o dever de obedecer provenha de uma de duas fontes: uma disposição legal que comine, no caso, tal punição, ou, na ausência dessa norma, que tenha sido feita a correspondente cominação pela autoridade ou funcionário competente para emitir a ordem.
II – “Admitir, sem restrições o direito de desobedecer, seria permitir a anarquia na Administração e um fácil acesso a abusos, como a desobediência a ordens legais com o pretexto de que eram ilegais. Por isso, o princípio da hierarquia, baseado em considerações de segurança e de autoridade, não admite o direito de desobediência. No pólo oposto, o princípio da legalidade é no sentido de que o dever de obediência só existe em relação a ordens legais.” – Maia Gonçalves, “Código Penal”, 16.ª edição, pág. 984.
III – Tende-se para a aproximação das teses em confronto (corrente hierárquica e corrente legalista), assim nascendo as doutrinas da respeitosa representação e a da possibilidade de desobediência a ordens manifestamente contrárias à lei. A ilegalidade da ordem não pode resultar de um juízo puramente subjectivo do próprio destinatário dessa mesma ordem, pois, se assim fosse, estaria encontrado o caminho para contornar o dever de obediência e nunca cumprir qualquer ordem, sem consequências. Aquela ilegalidade da ordem ou contrariedade à ordem jurídica tem de ser manifesta, objectivamente considerada, de molde a que seja perceptível por qualquer cidadão minimamente informado e esclarecido, ou seja, tem de ser patente e óbvio, para qualquer pessoa de cultura e conhecimento dentro da média, que a dita ordem é ilegal e que a ela ninguém deve obediência.
IV – No caso, o embargo decretado não é manifestamente ilegal.
V – Na dúvida sobre a legalidade da ordem de embargo, mantem-se o dever de obediência à mesma, pelo menos até ao desfecho da acção administrativa proposta no TAF com vista à declaração da ilegalidade do acto que decretou o embargo.
VI – Conforme vem sendo decidido nos tribunais superiores, “o embargo administrativo de obra pela Câmara Municipal constitui acto que goza do benefício de execução prévia e de legalidade presumida, impondo-se sem dependência de apreciação jurisdicional do respectivo direito”. Por isso, “o prosseguimento da obra assim embargada integra o crime da desobediência, já que se trata de uma ordem transmitida na forma legal, substancialmente legítima e dimanada de autoridade competente” – Acórdão da Relação de Coimbra, de 16/1/85, CJ X, I, 88.
VII – Consequentemente, a decisão a proferir na acção administrativa proposta no TAF é irrelevante para a decisão da causa criminal, já que, seja aquela qual for, os pressupostos típicos do crime de desobediência já se mostrar preenchidos. Não constitui, pois, questão prejudicial.
Proc. 7136/06 5ª Secção
Desembargadores:  Jorge dos Santos - Vieira Lamim - Ricardo Cardoso -
Sumário elaborado por Gilberto Seabra