Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Jurisprudência da Relação Criminal
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 - ACRL de 07-11-2006   Crime de gravações e fotografias ilícitas – Permitir que se utilizem as gravações… – Gravação apresentada em tribunal como meio de prova
I – O artigo 199.º do Código Penal protege o direito à palavra (e o direito à imagem, no seu n.º 2) como bens jurídicos pessoais, correspondentes a duas expressões directas da personalidade.
II – Como bem jurídico típico, o direito à palavra traduz-se no direito que assiste a cada um de decidir livremente se e quem pode gravar a sua palavra, bem como, depois de gravada, se e quem pode ouvir a gravação.
III – O que se protege é, assim, a confiança na volatilidade da palavra, bem como na conexão das palavras entre si e com o lugar, o tempo e demais circunstâncias em que foram ditas.
IV – Como bem jurídico autónomo, a palavra falada é protegida independentemente do seu conteúdo, não interessando se configura ou não um segredo, se versa sobre coisas da privacidade e da intimidade, se versa sobre negócios ou futilidades.
V – O que se pretende evitar é a redução arbitrária da palavra a coisa e a posterior e igualmente arbitrária manipulação da palavra reificada.
VI – Sendo naturalmente plúrimas e diversificadas as formas de concretização da modalidade de conduta típica prevista no artigo 199.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal, a mesma tanto pode realizar-se colocando o suporte técnico que contém a gravação fisicamente à disposição de terceiro, como reproduzindo perante ela a gravação por forma a que ele possa ouvi-la.
VII – No caos dos autos, o arguido cedeu a cassete contendo a voz da assistente ao tribunal.
VIII – Neste caso não estamos perante um qualquer terceiro que possa ouvir a cassete e reproduzi-la as vezes que quiser e nas circunstâncias que lhe apetecer, o terceiro a quem foi entregue a cassete é um tribunal, o qual age segundo princípios da legalidade. No caso, não existia, pois, a perigosidade qualificada que noutras circunstâncias possibilita tipificar como ilícita a permissão do agente a que um terceiro utilize as gravações.
IX – Não comete o crime de utilização ilícita de gravação quem, pretendendo que seja admitida num julgamento como prova um registo de voz para cuja reprodução falta a autorização do dono da voz, a conceder ou a negar naquele preciso momento, vê a produção dessa prova ser recusada pelo tribunal por o dono da voz não autorizar a reprodução da gravação.
Proc. 7075/06 5ª Secção
Desembargadores:  Martinho Cardoso - José Adriano - Vieira Lamim -
Sumário elaborado por Gilberto Seabra