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ACRL de 31-10-2006
CRIME DE MAUS TRATOS A CONJUGE. IRRELEVÂNCIA DA DESISTÊNCIA.
I. O despacho recorrido parte do princípio de que, tendo o crime de maus tratos a cônjuge sido cometido tanto durante a vigência da Lei nº.65/98, de 2 de Setembro, como do regime da Lei nº.7/2000, de 27 de Maio, seria relevante, à luz do disposto no art.2º., nº.4 do Código Penal e do regime mais favorável ao arguido, que alguns dos factos tivessem ocorrido quando o crime tinha natureza semi-pública (sendo-lhe consequentemente indiferente que os últimos factos tivessem sido perpetrados quando o crime tinha natureza pública, nem se pronunciando sobre estes e considerando tacitamente que seguiriam o regime dos primeiros).
II. Ora, o crime de maus-tratos, pela sua natureza específica, “pressupõe, segundo a ratio de autonomização deste crime, uma reiteração das respectivas condutas” (cfr. Taipa de Carvalho, “Comentário Conimbricense do Código Penal”, Parte Especial, Tomo I, página 334), pelo que os factos têm de ser obrigatoriamente apreciados no seu todo, não tendo andado bem a decisão recorrida ao esquartejar os factos e ao omitir a consideração dos últimos.
III. Acresce que, em tal tipo de crime, e assim como nos crimes de actividade (como no de tráfico de estupefacientes) e de execução permanente (como no de evasão em que o crime se inicia com a fuga e só termina com a recaptura), a sua consumação inicia-se com o primeiro facto praticado contra a vítima, mas só termina com a execução do último que vier a ser cometido, sendo a última das datas aquela que a lei considera relevante para efeitos de apreciação jurídica, como o momento da sua consumação e para início da contagem da prescrição, nos termos do art.119º., nº.1 al.b) do C.Penal.
IV. Assim, sendo aplicável o regime vigente à data do último dos factos apurados, não há lugar a confronto de regimes aplicáveis por sucessão de leis no tempo.
V. Apurando-se que os últimos factos integradores do crime de maus tratos descrito na acusação e p. e p. pelo art.152º., nº.2 do C.Penal ocorreu após a entrada em vigor da Lei nº.7/2000, de 27 de Maio, que lhe atribuiu natureza pública, a desistência de queixa é ineficaz, não operando para efeitos de extinção de procedimento criminal.
Proc. 6491/05 5ª Secção
Desembargadores: Ricardo Cardoso - Filipa Macedo - Nuno Gomes da Silva -
Sumário elaborado por Lucília Gago
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