Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Jurisprudência da Relação Criminal
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 - ACRL de 04-10-2006   Escutas telefónicas. Controle judicial. Audição directa. Constitucionalidade do art188 CPP. Informação de oficiais de ligação estrangeiros.
1. São válidas as provas obtidas por escutas telefónicas cuja transcrição seja determinada pelo juiz de instrução, não com base em prévia audição pessoal das mesmas, mas por leitura de textos contendo a sua reprodução, apresentados pela PJ, acompanhados das fitas gravadas os elementos análogos. Não se verifica inconstitucionalidade da norma do art.º 188°, nº 1, 2 e 3, do CPP, quando interpretada nesse sentido.
2. Informações de oficial de ligação de polícia estrangeira não são meio de prova nem de obtenção de prova, não sendo relevante para o objecto do processo diligência que procure obter desses oficiais a origem das mesmas, pelo que o seu indeferimento pelo juiz de instrução não constitui nulidade.
Proc. 7856/06 3ª Secção
Desembargadores:  Conceição Gonçalves - Rodrigues Simão - Carlos Sousa -
Sumário elaborado por João Ramos
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Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa.

I-RELATÓRIO.

1.No processo n° … … … do Tribunal … … …, o Mmo Juiz, previamente à decisão instrutória, decidiu julgar improcedente a arguição da nulidade das escutas telefónicas, bem como a arguição da nulidade da instrução, nos termos do mo 120°, nº 2, al. d), do CPP por omissão de diligências essenciais.
E sobre esta parte da decisão que os arguidos f. … … … e f. … … … vieram recorrer.
2. Os arguidos f. … … …, f. … … … e f. … … …requereram a abertura da instrução negando os factos constantes da acusação, e como únicos actos de instrução requereram que fosse solicitada informação, junto do oficial de ligação da Embaixada de …., a saber se as informações carreadas para as autoridades portuguesas tiveram origem em alguma investigação britânica e, em caso afirmativo, a identificação do processo e autoridade judiciária e se ocorreram intercepções telefónicas no Reino Unido (cfr. requerimento de abertura de Instrução - fls.62 a 65).
3. Foi proferida decisão instrutória que pronunciou os arguidos e outros como autores materiais de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, decidindo previamente a arguição da nulidade das intercepções telefónicas e sobre a omissão de diligências essenciais que, na parte para o efeito relevante se transcreve (fls.94/97).
'Alegam, em síntese, que o Juiz apenas pode julgar relevante o material recolhido quando e se tiver conhecimento de todo o material gravado e no caso dos autos apenas tomou conhecimento de parte do material gravado, daquele que lhe foi sugerido pela PJ. Questionam assim, os arguidos o critério que presidiu a essa selecção que não foi o do Juiz, mas sim da PJ, sendo que a ausência de conhecimento de todo o material inquina todas as transcrições juntas aos autos.
Cumpre decidir:
Dispõe o n° 1 do artigo 188° que da intercepção e gravação é lavrado auto, o qual com as fitas gravadas ou elementos análogos, é imediatamente levado ao conhecimento do Juiz que tiver ordenado ou autorizado as operações com a indicação das passagens das gravações ou elementos análogos considerados relevantes para a prova.
Nesta fase do processo a intervenção do juiz caracteriza-se pela tutela das liberdades alheando-se da actividade investigativa e o MP como titular da acção penal, escolhe o material das escutas pois é o responsável em carrear para os autos a prova relativa aos factos em investigação. A intervenção do juiz visa fundamentalmente a tutela dos direitos e liberdades individuais. O MP emitiu opinião, com base na sugestão do OPC, quanto ás gravações que interessavam para a recolha da prova promovendo a selecção e transcrição daquelas que considerou mais importantes.
Conforme acórdão n° 4/2006 de 31/7/06 do Tribunal Constitucional o acompanhamento judicial da intercepção telefónica ' deve ser contínuo e próximo temporal e materialmente da fonte, mas que não implica necessariamente que toda a operação de escuta tenha de ser materialmente executada pelo juiz ' como uma visão 'maximalista ' exigia.
Conclui-se da leitura do artigo 188° CPP que após a realização da escuta é lavrado auto, sem transcrição das conversações ouvidas, mas com a indicação das passagens que juntamente com as cassetes é levado de imediato ao conhecimento do juiz que tiver ordenado a intervenção. E este, coadjuvado por órgão de polícia criminal, se assim o desejar, tem de proceder à audição das cassetes de modo a pode seleccionar a matéria relevante e controlar a necessidade de prosseguimento da operação de escuta.
Ora, a lei não obriga que o juiz faça uma análise largamente fundamentada de todas as conversas interceptadas.
Refira-se que o acompanhamento das intercepções pelo JIC é a melhor garantia para assegurar os direitos fundamentais afectos ás escutas telefónicas, o que aconteceu no caso em concreto.
Embora dos vários despachos que autorizam as intercepções ou a sua prorrogação não conste a análise exaustiva da prova recolhida nos autos, até porque tal não é exigido por lei, naturalmente, toda a prova foi avaliada e só depois, de ponderada a necessidade da intercepção ou da sua prorrogação, foi esta autorizada.
Pelo exposto, não se verifica a nulidade arguida.

O arguido f. … … …veio, também, invocar a nu/idade da instrução, nos termos do artigo 120º, n° 2, al. d) por omissão de diligências essenciais com a consequente invalidade dos actos posteriores, do debate instrutório e do despacho que pronuncie o arguido.

Alega, em síntese, que ao requerer a abertura da instrução solicitou que junto das autoridades Britânicas fosse pedida informação sobre a existência de determinado processo e em que tribunal o mesmo se encontraria, tendo em conta que os autos se terão iniciado com base em informações colhidas a partir do processo que se encontraria acorrer termos no Reino Unido (...).
Cumpre decidir:
(...) Tais diligências foram indeferidas por se entender que nenhuma relevância teria para o objecto dos presentes autos e que o deferimento dessa diligência apenas teria como efeito o protelamento dos autos.
(...) Os actos de instrução requeridos consubstanciam actos que se realizam no âmbito do poder discricionário do juiz.
Esses actos só se realizam se o Tribunal os considerar de interesse para a própria instrução, indeferindo aqueles que considere sem interesse ou que considere como proteladores do andamento do processo, conforme dispõe o artigo 291° CPP.
Ora não nos parece que o Tribunal tenha omitido a realização de qualquer diligência requerida pelo arguido, uma vez que a diligência requerida foi apreciada e indeferida por se considerar que não tinha qualquer interesse para a instrução.
Não se verifica, assim, a nulidade arguida'.


4. É da decisão Instrutória na parte em que se pronuncia pelo indeferimento das arguidas nulidades que os arguidos f. … … …e f. … … … interpuseram recurso.
A motivação apresentada termina com a formulação das seguintes conclusões:
'1. Vem o presente recurso das doutas decisões proferidas pela Meritíssima JIC, em sede de apreciação de questões prévias da decisão instrutória, e se prendem com o indeferimento das arguidas nulidades: das escutas telefónicas realizadas nos autos: com a omissão de diligências essenciais.
2. Os recorrentes arguíram em sede de instrução, a nulidade das intercepções telefónicas efectuadas aos postos telefónicos com os nos. 00447904639525,00447930678306, 00447884256415 e 916716051.
3. Ao argumento do recorrente consubstanciado na ausência de controlo jurisdicional pelo facto de o juiz não ter seleccionado o material gravado, responde o despacho recorrido com o mais recente acórdão proferido pelo TC- 4/2006.
4. Acontece que a citada jurisprudência, refere que deve ser claramente distinguido o plano constitucional do plano da lei ordinária, e como parece ressaltar das advertências feitas nestes dois acórdãos do TC uma operação de escuta feita de forma contrária à lei, não significa que também não seja conforme à constituição.
5. A falta de conhecimento de todas as conversas, seja por resumos escritos ou por outro meio (presença física do OPC ou do intérprete), resulta de fls.130,134,135,137 e 139.
6. O despacho de fls. 262 é claro, no sentido de o juiz ordenar a transcrição das sessões sugeridas pela PJ, sem fazer qualquer alusão ás não traduzidas.
7. E, de acordo com o teor do artigo 188° do C.P.P., bem como para a jurisprudência dos tribunais superiores, o juiz tem de tomar conhecimento das sessões gravadas e depois, decidir, seleccionando-as, de uma forma imparcial, isenta e distanciada da acusação ou defesa.
8. Com efeito, o auto a que a lei se refere no nº l e nº 4 deste artigo 188°, são de natureza distinta. O auto referido no n° 1, é de intercepção (que comprova a realização das operações materiais), o auto referido no n.º 4 é o de transcrição.
9. Dúvidas não existem que o critério da selecção é judicial e não policial.
10. Pelo que, não se pode dizer, porque a lei não autoriza que a permissão conferida aos OPC no n° 4, seja para ouvir previamente as comunicações telefónicas de forma a escolherem as que são relevantes para a prova, restando ao juiz tomar apenas conhecimento das indicadas pelo OPC.
11. Neste sentido veja-se o acórdão da Relação de Lisboa, Prc.5607/05 da 3ª secção, de 29/06/2005 e Acórdão TRL, Proc. 7140/2004.3, de 12/10/2003.
12. Ora, o juiz no caso concreto, apenas tomou conhecimento de parte do material gravado, aquele que lhe foi sugerido pela PJ e que esta remeteu apenas estas, traduzidas.
13. Daí, a defesa questionar, não as sessões cuja transcrição foi ordenada, mas sim o critério que presidiu a essa selecção, que não foi o do juiz, mas sim em última análise, o da PJ.
14. Por outro lado, constata-se, da audição das mesmas, mas também dos vários despachos judiciais, que todas as conversações telefónicas não indicadas pelo OPC e que não foi ordenada a sua transcrição, foram destruídas.
l5. Daqui também se retira a importância para os direitos fundamentais destes arguidos, de um controlo total, por parte do juiz, de todas as sessões gravadas.
16. A interpretação contrária à sufragada neste preceito viola a Constituição porquanto, como acima se invocou, os preceitos constitucionais - artigos 18°, n° 2 e 34°, n° 4 - assim o determinam.
17. Assim, entendemos que deve ser declarada inconstitucional a norma do artigo 188°, nºs. 1, 2, 3 e 4, do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de que são válidas as provas obtidas por escutas telefónicas cuja transcrição foi determinada pelo juiz de instrução, não com base em prévia audição das mesmas, mas por indicação das passagens relevantes segundo os critérios da Polícia Judiciária.
18. Sempre se dirá, que se por mero raciocínio académico se entendesse que o juiz não está obrigado a ouvir as sessões gravadas, sempre seria de entender, que o OPC tinha de o informar por escrito, do conteúdo de cada uma das sessões gravadas, podendo então o juiz concordar ou não com as passagens indicadas pelo OPC, ordenando total ou parcialmente a sua transcrição, ou até determinar a transcrição de passagens não sugeridas.
19. Outra interpretação que não esta ofende as normas constantes dos artigos 18°, 32° e 34°, da CRP.
20. O ora recorrente veio aos autos requerer ABERTURA DE INSTRUÇÃO, tendo solicitado a realização de diligências, as quais consistiram no pedido de informações ás autoridades Britânicas (NCSI - National Criminal Intelligence Service), com vista a averiguar da existência de determinado processo e a autoridade judiciária ou tribunal em que o mesmo se encontraria.
21. Pelo douto despacho de fls. 1923, o Meritíssimo JIC indeferiu tais diligências, tendo o arguido reclamado desse douto despacho (artigo 291 ° n° 1 do C.P.P.), mas ainda assim o Meritíssimo JIC manteve a douta decisão de indeferimento, pelo que, –
22. Veio o recorrente arguir a nulidade da Instrução, com base no disposto no artigo 120° al. d) do C.P.P., a qual também veio desatendida pela douta decisão de que ora recorre. Com efeito, –
23. Entendeu o Meritíssimo JIC que '… os actos de instrução requeridos consubstanciam actos que se realizam no âmbito do poder discricionário do juiz', e que só se realizam '... se o tribunal os considerar de interesse para a própria instrução…', concluindo que, não foi omitida a realização de qualquer diligência requerida pelo arguido, dado que a '... diligência requerida foi apreciada e indeferida por se considerar que não tinham qualquer interesse para a instrução”.
24. Neste âmbito, o poder do Meritíssimo JIC (conferido pelo artigo 291º do CPP) ainda que num quadro indiciário, não é totalmente discricionário, mas antes vinculado, ao apuramento da verdade material e tendo em vista as finalidades da Instrução.
25. Na verdade, com os seus argumentos, o arguido demonstrou: a essencialidade de tais diligências, para o apuramento da verdade e para a sua defesa; a sua suma importância para o resultado final destes autos (pelos feitos que a sombra de provas inquinadas ou mesmo eventuais factos cujo conhecimento assim se ignora, pode lançar sobre outras provas colhidas nos presentes autos); a relação directa entre tais meios de prova ou de obtenção, com os dos presentes autos, e do seu inteiro cabimento nesta fase processual (averiguar a conformidade das provas dos autos com a lei ordinária e constitucional). De facto, –
26. 'A comprovação' (artigo 286° nº. 1 C.P.P.), da decisão de deduzir acusação, deverá assegurar ao arguido a possibilidade de fiscalizar a legalidade dos meios de prova/obtenção de prova de que o MP se socorreu durante o Inquérito, e com base nos quais verteu os factos na acusação; de outra forma, –
27. Consideramos que são inconstitucionais os artigos 286° nº. 1 e 291°, nº. 1 do C.P .P., com a interpretação de que lhes dada pelo tribunal a quo no sentido de que o poder do Juiz de Instrução de deferir ou indeferir as diligências requeridas é meramente discricionário, não assegurando ao arguido, na fase de instrução – primeiro momento em que tem amplo acesso aos autos – a possibilidade de fiscalizar a legalidade dos meios de prova/obtenção de prova de que o MP se socorreu para formular a acusação, e assim recusando a realização de diligências destinadas ao apuramento da verdade material, por violação do disposto nos artigos 32°, nºs. 1 e 5 da Constituição da República Portuguesa.
.
5. Este recurso foi admitido com subida imediata em separado e efeito meramente devolutivo (fls.l00.).

6.O Ministério Público respondeu à motivação apresentada defendendo a improcedência do recurso, com a seguinte argumentação (síntese).
Os arguidos fundamentam a nulidade das intercepções telefónicas alegando ausência de controlo jurisdicional, designadamente porque o juiz não tomou conhecimento de todas as sessões gravadas e não as seleccionou, limitando-se a seguir o critério da P.J.
Defende o MP que a lei não obriga a que o juiz tenha, sequer, de proceder à audição de todas as conversas gravadas podendo aderir à proposta do OPC, veiculada através do Ministério Público.
Entende, contudo, não ser este o caso dos autos, na medida em que resulta de fls. 254 que foram remetidos ao JIC os CDs com as conversas gravadas com a indicação das sessões a transcrever, efectuadas por súmula e por escrito, e do facto de nada se mencionar no despacho judicial acercada audição desses suportes não decorre que o juiz os não tenha ouvido total ou parcialmente e que o possa ter feito na ausência de intérprete por ter conhecimentos da língua inglesa, além de que, contrariamente ao afirmado, nenhuma das sessões gravadas foi destruída.
Entende assim o MP que a interpretação da norma do artigo 188°, nºs. l, 2, 3 e 4 do C.P.P., no sentido de que são válidas as provas obtidas por escutas telefónicas cuja transcrição foi, em parte, determinada pelo juiz de instrução, não com base em prévia audição pessoal das mesmas; mas por leitura de textos contendo a sua reprodução, que lhe foram espontaneamente apresentados pela Policia Judiciária, acompanhados das fitas gravadas ou elementos análogos, tem conformidade constitucional.
Quanto à invocada nulidade de instrução pugna pelo seu indeferimento, no entendimento de que as diligências requeridas nada de essencial trariam , para a provados autos.
8.Colhidos os vistos legais procedeu-se a Conferência.

II - FUNDAMENTAÇÃO.

9. Tendo em conta as conclusões da motivação do recurso e que estas delimitam o seu objecto, são duas as questões suscitadas pelos recorrentes: a) a nulidade das escutas telefónicas; b) a omissão de diligências essenciais para a investigação, e consequente nulidade da instrução.
Analisemos a primeira das questões suscitas.
a )Escutas telefónicas.
Os recorrentes invocam a nulidade das intercepções telefónicas efectuadas aos postos telefónicos com os nos. ……………, ………….., ………..….. e ……… .
Fundamentam a nulidade na ausência de controlo jurisdicional das intercepções telefónicas alegando que o Juiz não tomou conhecimento de todas as conversas gravadas, seja por resumos escritos ou por outro meio, tendo ordenado a transcrição das sessões sugeridas pela Polícia Judiciária pelo que foi a PJ e não o Juiz quem fez a selecção e aferiu do interesse para a prova.
Dizem que a ausência de conhecimento de todo o material gravado pelo Juiz inquina todas as transcrições juntas aos autos, porque só tomando conhecimento de todas as transcrições estaria em condições de saber quais as relevantes para a acusação e para o defesa, garantindo o princípio da imparcialidade.
Invocam ainda a inconstitucionalidade da norma do artigo 188°, nº. 1, 2 e 3, do C.P.P. quando interpretada no sentido de que são válidas as provas obtidas por escutas telefónicas cuja transcrição foi determinada pelo juiz de instrução, não com base em prévia audição das mesmas, mas indicação das passagens relevantes segundo os critérios da Polícia Judiciária.

Vejamos então se o recurso merece provimento.

10.Com vista a melhor dilucidar a questão colocada importa analisar, com carácter geral, o regime constitucional e legal das escutas, e quanto a este a sua evolução.
As intercepções telefónicas, como meio de investigação, podem naturalmente pôr em crise os valores fundamentais inerentes à reserva da vida privada e familiar, bem como ao sigilo e à inviolabilidade no domínio das telecomunicações.
Tratando-se de um meio de investigação invasivo dos direitos fundamentais, acolhe justificação numa sociedade democrática na necessidade de prevenção e repressão do crime.
O artigo 34°, no 1, da C.R.P. garante a inviolabilidade dos meios de comunicação privada, entre os quais se incluem as telecomunicações. Estabelece depois o nº. 4 Desse mesmo preceito que 'é proibida toda a ingerência das autoridades públicas na correspondência, nas telecomunicações e nos demais meios de comunicação, salvo os casos previstos na lei c matéria de processo criminal'.
Ao permitir-se tal ingerência nas telecomunicações, com a consequente limitação de um direito fundamental, a actuação das autoridades públicas está limitada, exigindo-se um efectivo controlo judicial dos concretos termos da intrusão, devendo a ingerência cingir-se ao mínimo indispensável à realização da justiça. Assim o estabelece o normativo constitucional do n° 4 do artigo 32°.
Como primeiro e fundamental principio temos que os meios de investigação invasivos dos direitos fundamentais têm de estar expressamente previstos na lei, que deverá definir com precisão os pressupostos da sua admissão e os mecanismos de controlo.
E quando permitida a ingerência nas telecomunicações, sempre no quadro do processo criminal, terá de ser compaginada com o princípio da proporcionalidade, subjacente ao artigo 18°, n° 2, da CRP, garantindo que as restrições dos direitos fundamentais que possam ocorrer com as escutas, se limitem ao estritamente necessário à salvaguarda do interesse na descoberta de um crime e dos seus agentes.
E sendo este o quadro constitucional, o Código de Processo Penal nos artigos 187° a 189° estabeleceu o regime das escutas telefónicas.
De acordo com o artigo 187° do C.P.P. que estabelece as condições de admissibilidade das escuta: as escutas só podem ser ordenadas ou autorizadas por despacho do Juiz; estar em causa um dos crimes taxativamente enunciado no preceito (sistema de crimes de catálogo); e a diligência só deve ser autorizada se se revestir de grande interesse para a descoberta da verdade ou para aprova e tem de ser proporcional em relação à finalidade prosseguida.
Por sua vez o artigo 188° estabelece as formalidades das operações de captação das escutas, e no artigo 189° o legislador cominou como nulidade a violação de qualquer dos requisitos e condições estabelecidos nos artigos 187º e 188°.
Merece a pena atentarmos no preceito legal do artigo 188° e a sua evolução (preceito que mais nos importa face às questões suscitadas pelos recorrentes).
Na redacção originária do artigo 188° dizia-se nos nºs. 1 e 2 sobre as formalidades das operações:
' 1. Da intercepção e gravação a que se refere o artigo anterior é lavrado auto, o qual, junto com as fitas gravadas ou elementos análogos, é imediatamente levado ao conhecimento do Juiz que tiver ordenado ou autorizado as operações.
2.Se o Juiz considerar os elementos recolhidos, ou alguns deles, relevantes para a prova, fá-los juntar ao processo...'
Entendia-se (1) que no auto a que se refere o n° 1 do artigo 188° se devia transcrever o conteúdo da gravação através do qual o juiz poderia decidir sobre quais os elementos a inserir no processo ou a destruir, por irrelevantes. Daqui resultava que eram os OPC que executavam as operações de intercepção e escuta das comunicações telefónicas que procediam a um primeiro juízo sobre a questão da relevância ou irrelevância probatória dos elementos recolhidos, sendo certo que quem a final decidia dessa relevância era sempre o juiz, depois de analisar o conteúdo das gravações e, se necessário, confrontá-las com as fitas gravadas, através da própria audição.
A primeira alteração foi levada a cabo pela Lei n° 59/98, de 25 de Agosto, que alterou a redacção, entre outros, do artigo 188°, alteração que se revelou necessária face a divergências surgidas quanto aos formalismos estabelecidos, designadamente a necessidade de clarificara quem selecciona os elementos a transcrever e o que é que o juiz ouve.
Face à referida alteração, dispõe o artigo 188° do mesmo diploma (entre duplo parêntese, as alterações de 98:
'1.Da intercepção e gravação a que se refere o artigo anterior é lavrado auto, o qual, junto com as fitas gravadas ou elementos análogos é imediatamente (2) levado ao conhecimento do juiz que tiver ordenado ou autorizado as operações.
2. “”O disposto no número anterior não impede que o órgão de polícia criminal que proceder à investigação tome previamente conhecimento do conteúdo da comunicação interceptada a fim de poder praticar os actos cautelares necessários e urgentes para assegurar os meios de prova.””
3. Se o Juiz considerar os elementos recolhidos, ou alguns deles, relevantes para a prova, “”ordena a sua transcrição em auto”” e fá-lo juntar ao processo; caso contrário, ordena sua destruição, ficando todos os participantes nas operações ligados ao dever de segredo relativamente àquilo de que tenham tomado conhecimento.
4. “”Para efeitos do número anterior, o juiz pode ser coadjuvado, quando entender conveniente, por órgão de polícia criminal, podendo nomear, se necessário intérprete. À transcrição aplica-se, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo l0lº , nºs. 2 e 3”'.
5. O arguido e o assistente, bem como as pessoas cujas conversações tiverem sido escutadas, podem examinar o auto de transcrição a que se refere, o n° 3 para se inteirarem da conformidade das gravações e obterem à sua custa, cópias dos elementos naquele referidos'.
Verifica-se assim que as alterações operadas consistiram no aditamento de um novo n° 2, permitindo que o órgão de polícia criminal que procede à investigação possa ouvir o conteúdo da escuta antes do juiz com a estrita finalidade de poder intervir de imediato em actos que se revelem essenciais para assegurar os meios de prova, procedendo, por exemplo, a escutas em 'tempo real', com vista a conseguir fazer uma apreensão de droga ou deter o agente do crime em flagrante delito.
No n° 3, correspondente ao anterior n° 2, faz referência expressa à transcrição em auto, vindo a dissipar as dúvidas anteriormente geradas sobre a quem competia fazê-la passando a ficar claro que uma coisa é o auto de intercepção (n° 1) e outra o auto de transcrição (nº. 3). O primeiro comprova a realização das operações materiais, e tem como objectivo documentar a própria diligência em si, indicando o respectivo tempo, o lugar e o modo de intercepção, a indicação do telefone a que se dirigiu e a indicação de quem a ela procedeu (3). O segundo, ordena a transcrição.
No aditamento de um novo n° 4, permitindo ao juiz solicitar a coadjuvação do órgão de policia criminal.
Na passagem do primitivo n° 3 a n° 5, especificando que o auto cujo exame é facultado ao arguido, assistente e às pessoas escutadas se reporta ao auto de transcrição a que se refere o nº. 3.
Na eliminação do primitivo n° 4.

O novo preceito do nº. 4 do artigo 188º do C.P.P. atribui ao juiz quando o entender conveniente, a possibilidade de ser coadjuvado por funcionários do órgão de polícia criminal. O Juiz podia então proceder directamente à audição das intercepções telefónicas ou solicitar a coadjuvação dos OPC
para esse efeito, afim de, sob o seu controlo, efectuar essas operações, dando-lhes depois conta do resultado dessa audição.
H avia que encontrar um sistema prático que não submetesse o Magistrado Judicial à audição intensiva por longas horas de gravações sem o menor interesse probatório, e ao mesmo tempo mantendo intactas as garantias dos cidadãos.
Esta questão mostra-se agora mais clarificada com a mais recente alteração legislativa operada pelo Decreto-Lei n° 320-C/2000, de 15/12, que aditou à redacção do n° 1 do artigo I88º do C.P.P. o seguinte (com duplo parêntese a alteração): 'Da intercepção e gravação a que se refere o artigo anterior é lavrado auto, o qual, junto com as fitas gravadas ou elementos análogos é, imediatamente, levado ao conhecimento do juiz que tiver autorizado as operações “”com a indicação das passagens das gravações ou elementos análogos considerados relevantes para a prova””.
Para dar cumprimento a este preceito, resulta a audição prévia das gravações pelo funcionário do órgão de polícia criminal, pois só assim pode indicar no auto de intercepção as passagens das gravações relevantes.
Com esta alteração ou aditamento ao nº. 1 do artigo l88º o juiz, na sua tarefa de seleccionar as passagens relevantes, tem desde logo a indicação (sugestão) do que é relevante, não se vendo a braços com a audição de material sem qualquer relevo.
O juiz toma então conhecimento por súmula escrita do conteúdo das sessões reputadas relevantes pelo OPC e analisadas emite o seu juízo autónomo e definitivo acerca da relevância das mesmas,
podendo, se achar necessário, confrontar previamente a gravação com dúvidas suscitadas face à
sugestão do OPC, ou vir a entender outras sessões relevantes e ordenar transcrição.'
Permitiu-se com esta alteração introduzir uma maior rapidez e precisão ao acto judicial de controlo da relevância das gravações e de selecção das que devem ser transcritas.
Em conformidade com este entendimento refere-se no Acórdão nº. 4/2000 do Tribunal Constitucional citado no despacho recorrido, que o acompanhamento judicial da intercepção telefónica “deve ser contínuo próximo temporal e materialmente da fonte”, mas não implica necessariamente que toda a operação de escuta tenha de ser materialmente executada pelo juiz” como uma visão 'maximalista' exigia.
Também ao nível da jurisprudência constitucional, sobre o modo de acompanhamento judicial das escutas, incidiu o Acórdão n° 426/2005, proferido em 25/08/2005, e publicado no D.R., II série, de 5/12/2005 que veio consignar que “… não constitucionalmente imposto que o único modo pelo qual o juiz pode exercitar a sua função de acompanhamento operação de intercepção de telecomunicações seja o da audição, pelo próprio, da integralidade das gravações efectuadas ou sequer das passagens indicadas como relevantes pelo órgão de polícia criminal (4) bastando que, com base nas menções ao conteúdo das gravações, com possibilidade real de acesso directo às
gravações, o juiz emita juízo autónomo sobre essa relevância, juízo que sempre será susceptível de contradição pelas pessoas: executadas quando lhes for facultado o exame do auto de transcrição'.

11. Feita esta leitura interpretativa dos normativos em apreço, vejamos o caso concreto.
Resultam dos autos, com interesse, os seguintes factos:

- Foi judicialmente ordenada a intercepção dos números … … …, … … …, … … …, … … ….
- As intercepções iniciaram-se no dia 5 de Agosto de 2005 (com excepção feita ao último número cuja intercepção ocorreu no dia 18/08/2005.
- No dia 18 de Agosto a PJ1. procedeu à audição das gravações resultantes da intercepção efectuada aos telemóveis … … …, … … … e … … …, tendo elaborado os respectivos autos dos quais constam os resumos das conversas que reputam relevantes (fls.; 134 a 148).
- No dia 24 de Agosto o processo e os CDs foram remetidos ao TIC, juntamente: com os autos de Audição de Intercepção Telefónica, com a indicação das sessões que se lhe afiguram relevantes.
- Por despacho proferido nesse mesmo dia foi determinada a transcrição, tradução e junção aos autos das sessões que constam do despacho judicial de fls. 268.
- Das intercepções verifica-se o seguinte:
Ao n° … … … correspondem os alvos … (TMN) e …(Vodafone), e relativamente ao 1º alvo, no CD existem as sessões 1 a 24 tendo sido ordenada a transcrição das sessões 54, 56, 65, 67, 72, 78, 79 e 80 e do 2º alvo, no CD existem 12 sessões tendo sido ordenada a transcrição das sessões 5 e 6;
- Ao n° … … …, a que corresponde o alvo … (TMN), o CD contém as sessões 1 a 92, tendo sido ordenada a transcrição da sessão 76;
- Ao n° … … …, a que corresponde o alvo … (Vodafone), o CD contém as sessões 1 a 81, tendo sido ordenada a transcrição das sessões 58,61 e 72;
- Ao n° … … … a que corresponde o alvo … (Vodafone), o CD contém as sessões 1 a 114, tendo sido ordenada a transcrição das sessões 16,24, 27, 30, 33, 36, 38, 45, 51, 54 e 55.

12. Recordemos o fundamento para a pretendida nulidade das escutas: ausência de controlo jurisdicional, designadamente, porque o juiz não tomou conhecimento de todas as sessões levadas pelo que não foi ele quem seleccionou as transcrições, limitando-se a seguir o critério da PJ, violando assim o princípio da imparcialidade.
Ora, dos elementos certificados nos autos verifica-se terem sido observadas as formalidades legais previstas nos nºs. 1 e 3, do artigo 188º, do CPP.
Da intercepção e gravação das conversações telefónicas autorizadas por despacho do juiz foi lavrado auto de intercepção, o qual, junto com os CDs contendo as conversações, foi levado ao conhecimento do juiz, com a indicação das passagens das gravações consideradas relevantes para a prova, constando dos autos o resumo dessas conversas reputadas relevantes.
Depois, por despacho judicial, foi ordenada a transcrição, tradução e junção aos autos das sessões nele indicadas, por as mesmas terem relevância para a prova (que são coincidentes com as sessões sugeridas pelo OPC).
Conclui por isso a defesa que o juiz apenas tomou conhecimento de parte do material gravado, ou seja, aquele que foi sugerido pela P.J., e que esta remeteu apenas estas, traduzidas, daí vir questionar o critério que presidiu a essa selecção.
Alicerçam tal afirmação dizendo que se infere, sem margem para dúvidas, da dimensão das gravações entregues, do tempo que mediou entre a apresentação dessas gravações e elaboração dos despachos que ordenaram as transcrições, da língua estrangeira em que muitas conversações eram mantidas, sem que exista qualquer vestígio de ter sido pedida a colaboração de um intérprete, e porque nenhuma referência se faz ás demais sessões.
No fundo, o que os recorrentes fizeram foi inferir dos autos com base nestes factos que o juiz não tomou conhecimento das sessões cuja transcrição não foi ordenada. Mas sem razão.
Em primeiro lugar, o juiz não é obrigado por lei a ouvir directamente todas as intercepções telefónicas.
Como supra referido, nos termos do n.º 1 do art. 188°, do C.P.P., o funcionário do órgão de polícia criminal quando remete o auto de intercepção, ao qual junta as fitas gravadas, indica as passagens das gravações consideradas relevantes para a prova. O Juiz toma conhecimento dessas passagens, ou por textos contendo a sua reprodução ou procedendo à sua audição, e emite o seu juízo autónomo e definitivo acerca da relevância das gravações, podendo vir a reputar outras sessões que não as sugeridas, como relevantes.
Em segundo lugar, não resulta dos autos que o juiz as não tenha ouvido.
O certo é que todas as fitas gravadas foram remetidas ao TIC. Da ausência de menção no despacho judicial ás sessões cuja transcrição não foi ordenada não decorre que o juiz as não tenha ouvido, total ou parcialmente, e sem intérprete por possivelmente ter conhecimentos da língua inglesa.
A audição das escutas é um acto isolado do juiz, não obrigando a lei a que tal tarefa seja documentada nos autos, donde, tendo sido remetidas todas as gravações, não se vê razão para supor que o juiz das mesmas não tenha tomado conhecimento, ou através da sua audição directa, total ou parcialmente ou coadjuvado pelo funcionário do OPC, nos termos permitidos pela lei, designadamente, no n.º 4 do art.º 188°, do C.P.P., vindo a ordenar a transcrição das que considerou relevantes (que foram as sugeridas pelo OPC) (5).
Deste modo mostra-se assegurado um efectivo controlo judicial no acompanhamento das escutas em causa e garantida a imparcialidade da selecção dos elementos de prova, não ocorrendo a violação de qualquer normativo legal e, consequentemente, a invocada nulidade das gravações, pelo que nenhuma censura merece a decisão recorrida.

13. Dizem ainda os recorrentes que todas as conversações telefónicas não indicadas pelo OPC e que não foi ordenada a sua transcrição, foram destruídas. Porém, tal não corresponde à verdade.
Mostram-se juntos aos autos todos os CDs das intercepções telefónica realizadas. E bem certo que o art.º 188°, no seu nº 3 manda proceder à destruição dos elementos considerados irrelevantes para a prova.
Sobre esta questão vem sendo entendido pela doutrina e alguma jurisprudência que tal destruição só deveria ocorrer após trânsito em julgado da decisão, dado o inconveniente da imediata destruição das gravações que o juiz reputou irrelevantes, por assim se eliminar irremediavelmente a possibilidade de a defesa, reputando-as de interesse, as indicar como meio de prova. O que de direito constituendo deveria ser uma solução a adoptar
Seja como for, o certo é que nenhuma das sessões gravadas foi destruída, constando dos CDs juntos aos autos todas as sessões.
Daí que se estranhe que os recorrentes venham dizer que tais sessões foram destruídas, e que não tivessem desde logo indicado as passagens que reputavam relevantes para a defesa e que não foram transcritas, de modo a melhor evidenciarem a fundamentação trazida ao recurso.

14. Por último, quanto à questão da inconstitucionalidade.
Os recorrentes vieram ainda invocar a inconstitucionalidade da norma do art.º 188°, nº 1, 2 e 3, do C.P.P., quando interpretada no sentido de que são válidas as provas obtidas por escutas telefónicas cuja transcrição foi determinada pelo juiz, não com base em prévia audição das mesmas, mas por indicação das passagens relevantes segundo o critério da Polícia Judiciária.
O sentido da decisão facilmente se adivinha face ao que deixamos exposto supra.
É a própria lei, mais concretamente, o nº 1 do art.º 188°, (na redacção introduzida pelo D.L. nº 320-C/2000, de 15/12) que veio permitir de uma forma clara que a transcrição possa ser ordenada pelo juiz com base na indicação das passagens das gravações considerados relevantes feita pelo OPC no auto de intercepção.
E sobre o modo de acompanhamento judicial das escutas, incidiu já c citado Acórdão do Tribunal Constitucional n° 426/2005, que entendeu “não julgar inconstitucional a norma do art.º 188° n° 1, 3 e 4, do Código de Processo Penal, interpretado no sentido de que são válidas as provas obtidas por escutas telefónicas cuja transcrição foi, em parte, determinada pelo juiz de instrução, não com base em prévia audição pessoal das mesmas, mas por leitura de textos contendo a sua reprodução, que lhe foram espontaneamente apresentados pela polícia judiciária, acompanhados das fitas gravadas os elementos análogos …”
Assim, e com base na fundamentação já acima explanada entende-se que tal interpretação da norma do art.º 188°, n° 1, 3 e 4 do Código de Processo Penal, tem conformidade constitucional, mostrando-se assegurado um efectivo acompanhamento e controlo judicial da escutas.

15. Analisemos agora a segunda das questões suscitadas.
b) A omissão de diligências essenciais para a investigação, consequente nulidade da instrução.
Vejamos:
Resulta dos autos que o Inquérito teve início com informações fornecidas pelas autoridades britânicas, veiculadas pelo oficial de ligação em Portugal que informou da existência de uma organização criminosa sedeada no Reino Unido que estava a ultimar o transporte de 130 kg de cocaína, por via aérea, a partir de Portugal, indicando o nome de dois desses indivíduos, números de telemóveis — conforme cópia certificada da informação, junta a fls. 34.
Os recorrentes, como únicos actos de instrução requereram que fosse solicitada informação, junto do oficial de ligação da Embaixada Britânica em Lisboa, a saber se as informações carreadas para as autoridades portuguesas tiveram origem em alguma investigação britânica e, em caso afirmativo, identificação do processo e autoridade judiciária e se ocorreram intercepções telefónicas no Reino Unido (cfr. requerimento de abertura de Instrução de fls.62 a 65).
Ora, de acordo com o disposto no art.º 286° do C.P.P. a instrução visa comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar.
Por força do art.º 287°, n° 2 do citado diploma, o requerente dos actos de instrução deve justificar no próprio requerimento a relevância para as finalidades de instrução das diligências pretendidas.
Verifica-se que os arguidos negaram a acusação e alegam que, para poderem exercer o seu direito de defesa, necessitam dos elementos disponíveis pelas autoridades inglesas.
0 Meritíssimo JIC, e muito bem, indeferiu o requerido por entender que as diligência requeridas nenhuma relevância teriam para o objecto dos presentes autos, isto porque, o processo para o seu início partiu daquela informação que se afigurou credível pela sua idoneidade e pormenores, mas a partir dessa informação foram realizadas várias diligências de prova, como vigilâncias, buscas, intercepções telefónicas, detenções, apreensões e outras, e foi com base nesse conjunto de elementos de prova recolhidos que o MP deduziu a acusação.
A informação em causa por si não constitui meio de prova, nem o MP indicou na acusação qualquer referência a meios de prova fornecidos pelas autoridades inglesas. Por isso, não faz sentido a defesa, em sede de instrução, querer pôr em causa algo que não foi indicado nos autos pela acusação como meio de prova.
Nada adiantaria ao objecto dos autos saber se existem outros processos e se nesses foram efectuadas intercepções telefónicas. Para quê? O que está aqui em causa são as intercepções telefónicas autorizadas e realizadas no âmbito dos presentes autos e não em qualquer outro processo.
Não estamos neste caso em presença dos chamados “conhecimentos fortuitos” obtidos através de escutas, em que ao arguido tem de ser concedido o direito de controlar os conhecimentos adquiridos por essa via. Isto para poder valorar tal conhecimento como meio de prova. Bem longe está o caso em apreço, que não passou de uma mera informação, comprovada por meios de prova que depois foram carreados para os autos.
Não se vê, pois, qualquer razão ao recorrente na afirmação de que o indeferimento daquelas diligências lhe retirou a possibilidade de fiscalizar a legalidade dos meios de prova/obtenção de prova, e que a realização de tais diligência iria contribuir para a apuramento da verdade material, violando o despacho recorrido o disposto no art.º 32°, n° 1 e 5 da C.R.P.
A decisão que indeferiu tal pretensão mostra-se fundamentada, e não merece qualquer reparo, não se verificando, pois, qualquer omissão de diligências essências, ou nulidade de instrução.

16. O despacho recorrido não violou qualquer dispositivo legal, designadamente, o disposto nos artigos 18°, 31, n° 1 e 5, 32 e 34° da C.R.P. e 187°, 188°, 286°, n° 1 e 291°, n° 1, todos do C.P.P., decidindo com acerto, pelo que deverá ser mantido.
O recurso improcede na totalidade.

III - Decisão.
Nestes termos, e com os fundamentos acima expostos, acordam os juízes da 3ª secção deste Tribunal da Relação em negar provimento ao recurso, mantendo-se consequentemente, a decisão recorrida.
Custas pelos recorrentes, fixando a taxa de justiça em 8 UC. (cfr. arts. 87°, n° 1, al. b) e 3, do CCJ e 5 13°, do CPP).
Notifique.
*
Elaborado, revisto e assinado pela relatora Conceição Gonçalves e assinado pelos Desembargadores Rodrigues Simão e Carlos Sousa.
Lisboa, 4/10/2006


Notas de pé-de-página.

1. Interpretação doutrinária baseada no Parecer da PGR nº. 92/91 (complementar), de 9 (04/92), na BD PPGR/ITIJ (Internet).
2. Vide acórdão do Tribunal Constitucional n° 407/97, de 21/05/97, no DR, II série, de 18/97/97, e no BMJ nº. 467, pag. 199 que fundou o seu juízo de inconstitucionalidade, por violação do disposto no n° 6 ( actual n° 8) do artigo 32º da CRP, da norma do nº. 1 do artigo 188 do C.P.P. - 'quando interpretado em termos de não impor que o auto da intercepção e gravação de conversações ou comunicações telefónicas seja, de imediato, lavrado e levado ao conhecimento do juiz, de modo a este poder decidir atempadamente sobre a junção ao processo ou a destruição dos elementos recolhidos, ou de algum deles'.
3. Cfr. acórdão do STJ de 29/10/t998, in BMJ,480,292.
4. Sublinhado nosso.
5. O que não é de estranhar face á específica qualificação na área da investigação criminal por parte da Polícia Judiciária.