Não são passíveis de recurso os despachos, proferidos em sede de instrução, que:
a)- No decurso do debate instrutório indeferiu um requerimento, formulado pelo arguido nos termos do n.º 1 do art. 299.º do CPP, no sentido de que fosse ordenada a prestação de depoimento pelo assistente;
b)- Indeferiu um requerimento do arguido, através do qual este, invocando o disposto no art. 668.º, n.º 3 do CPC, veio arguir a nulidade da decisão instrutória, por alegada omissão de pronúncia.
Proc. 78921/06 3ª Secção
Desembargadores: Carlos Almeida - Telo Lucas - Pedro Mourão -
Sumário elaborado por João Vieira
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Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa
1 – No decurso do debate instrutório realizado no processo n.º 218/02.1GELRS, o mandatário da arguida M. requereu, ao abrigo do disposto nos artigos 299º e 302º, n.º 2, do Código de Processo Penal, que uma certa pessoa prestasse declarações sobre determinados factos que indicou.
Após o Ministério Público e o mandatário dos assistentes terem sido ouvidos, a sr.ª juíza proferiu o seguinte despacho (fls. 394):
«Não se considera que a pretendida tomada de declarações seja de interesse, nem necessária para as finalidades da presente instrução atentos os elementos já constantes dos autos, nomeadamente os depoimentos prestados por I. e S., a fls. 47 e 49, respectivamente, e bem assim as diligências instrutórias já levadas a cabo, pelo que se indefere a pretensão da arguida».
2 – A arguida interpôs recurso desse despacho (fls. 418 a 422).
3 – Depois de, «pelas razões de facto e de direito constantes da acusação de fls. 209/211», ter sido proferido despacho de pronúncia, a mesma arguida apresentou um requerimento em que invocava a existência de uma nulidade desse despacho por omissão de pronúncia (fls. 416 e 417).
Tal requerimento veio a ser indeferido pelo despacho de fls. 431 e 432.
4 – A arguida interpôs também recurso desse despacho (fls. 442 a 446).
5 – Esses dois recursos foram admitidos pelo despacho de fls. 450, tendo subido conjuntamente num único apenso.
6 – Não foram apresentadas respostas às motivações apresentadas.
7 – Neste tribunal, o sr. procurador-geral-adjunto, quando o processo lhe foi apresentado, emitiu o parecer de fls. 61 a 64 deste apenso, que se transcreve:
Os dois recursos ora submetidos à apreciação deste Tribunal vêm interpostos dos seguintes despachos, ambos proferidos nos autos de Instrução n.º 218/02.1GELRS, do 2.º Juízo Criminal de Loures:
1 – Do despacho certificado a fls. 21, datado de 10-01-06 e proferido no decurso do debate instrutório (em cuja acta foi exarado), que indeferiu um requerimento formulado, nos termos do n.º 1 do art. 299.º do CPP, pela arguida M., ora recorrente, no sentido de que fosse ordenada a prestação de depoimento pelo assistente A.;
2 – Do despacho certificado a fls. 45/46 – datado de 3-03-06 – que indeferiu um outro requerimento (este certificado a fls. 42/43), através do qual a mesma arguida, invocando o disposto no art. 668.º, n.º 3 do CPC, veio arguir a nulidade da decisão instrutória entretanto proferida, por alegada omissão de pronúncia.
III
QUESTÃO PRÉVIA: Da inadmissibilidade dos recursos.
1 – Quanto ao 1.º recurso:
Como é sabido, e de resto expressamente preceitua o n.º 1 do art. 291.º do CPP, pode o Juiz de Instrução indeferir, por despacho irrecorrível, os actos requeridos que não interessem à instrução ou servirem apenas para protelar o andamento do processo.
Vale por dizer, pois, e como corolário lógico do apontado normativo, que «ao juiz de instrução cabe aferir da necessidade ou não de realizar certa diligência instrutória e esse juízo não é sindicável porquanto o respectivo despacho é irrecorrível – art. 291.º, n.º 1, do CPP( )», sendo que esta dimensão normativa do citado preceito não é inconstitucional, porquanto as garantias de defesa do arguido não impõem a recorribilidade de todas as decisões do juiz, mas tão somente das decisões condenatórias e das respeitantes à privação da liberdade e outros direitos fundamentais( ).
Ora, temos por indiscutível que a diligência em causa continua a ser um acto de instrução. A circunstância de ter sido requerida, não no momento em que é pedida a abertura da instrução, mas no decurso do debate instrutório e, só por isso, nos termos do n.º 1 do art. 299.º do CPP, em nada altera aquela natureza. A sua realização processa-se, de resto, com observância das formalidades estabelecidas no capítulo anterior (art. 299.º, n.º 2), no qual se inclui precisamente o citado preceito (art. 291.º).
Por conseguinte, não pode tal requerimento deixar de ficar sujeito ao mesmo regime do n.º 1 deste art. 291.º do CPP. Qualquer outro entendimento poderia redundar, na prática, na possibilidade de total esvaziamento do comando contido neste último segmento normativo: bastaria que os actos de instrução passassem a ser requeridos apenas neste momento processual.
2 – Quanto ao 2.º recurso:
Este recurso não tem por objecto a própria decisão instrutória de pronúncia, a qual, de acordo com o n.º 1 do art. 310.º do CPP, na medida em que pronunciou a arguida pelos factos constantes da acusação do MP (e não vem invocado o vício a que se refere o art. 309.º), é irrecorrível.
O que está em causa é, pois, um despacho proferido depois da decisão instrutória, despacho esse que conheceu de alegada nulidade daquela, arguida pela recorrente, porque fora dos pressupostos do art. 309.º, n.º 1 do CPP, sob invocação do disposto no art. 668.º do CPC.
Ora, antes de mais cabe dizer que, nos termos do preceituado no art. 4.º do CPP, só para suprimento de casos omissos são convocáveis as normas do processo civil. E o certo é que, por um lado não se nos afigura que, nesta sede, exista qualquer lacuna a integrar, e por outro estamos em crer que, da análise conjugada dos artigos 379.º e 380.º do CPP, resulta que o legislador apenas cominou com a nulidade em apreço os casos de omissão de pronúncia verificados na sentença (art. 379.º, n.º 1, alínea c)), que não também os que porventura ocorram nos despachos judiciais. Como resulta do n.º 3 do art. 380.º, o legislador estendeu apenas aos despachos o regime previsto para a “correcção da sentença”, extensão essa que não alargou também ao regime estabelecido, naquele art. 379.º, para as “nulidades da sentença”.
Mas mesmo a entender-se ser aplicável ao caso, subsidiariamente, o regime do processo civil, nos termos do disposto nos arts. 668.º, n.º 1/d) e 666.º, n.º 3 deste compêndio normativo, dever-se-ia então aplicar também o n.º 3 da primeira das indicadas disposições legais e o n.º 2 do art. 670.º, de cuja leitura conjugada resulta que, não sendo a decisão passível de recurso ordinário, o despacho que conhecer da nulidade não é susceptível de recurso.
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3 – Em conformidade com o acima exposto, e sem necessidade de mais desenvolvidos considerandos, temos por certo que qualquer das decisões impugnadas é insusceptível de recurso. E uma vez que os despachos que os admitiram não vinculam o Tribunal Superior, devem os mesmos ser agora rejeitados (arts. 405.º, n.º 4, 414.º, n.º 3, 419.º, n.º 4, al. a) e 420.º, todos do CPP).
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Caso porventura assim se não entenda,
IV
4 – Do mérito dos recursos:
As questões concretas a dirimir vêm exaustiva e, a nosso ver, adequadamente equacionadas e debatidas em cada um dos doutos despachos impugnados, pelo que qualquer outra consideração redundaria em mera e desnecessária repetição.
Por inteiro se sufraga, pois, o entendimento e considerações ali expendidas, sendo que nada mais nos resta acrescentar com utilidade.
Sempre nos permitimos aditar ainda, “ex abundanti ” e apenas no que diz respeito à invocada nulidade, que a omissão de pronúncia, nos termos dos artigos 668.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil só existe se o Tribunal não resolver todas as questões que deva apreciar, sendo que essas questões não se confundem com os argumentos, as razões ou os pressupostos em que as partes fundam as suas posições na controvérsia( ).
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5 – PELO EXPOSTO, e em conclusão, é o seguinte o nosso parecer:
5.1 – Por se tratar de decisões irrecorríveis, deve o recurso interposto de cada uma delas ser liminarmente rejeitado, nos termos das disposições combinadas dos normativos supra indicados em 3., não se conhecendo por isso do respectivo objecto;
5.2 – Caso se entenda, porém, que é de conhecer de mérito, deve ser negado provimento a ambos os recursos e, assim, confirmada cada uma das decisões impugnadas.
8 – Foi cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal.
9 – Uma vez que este tribunal concorda integralmente com o parecer do sr. procurador-geral-adjunto, que se encontra devidamente fundamentado e é claro, rigoroso e preciso, decide, pelos motivos que dele constam, nos termos dos artigos 414º, n.º 3, e 420º, n.ºs 1 e 3, do Código de Processo Penal, rejeitar os recursos interpostos pela arguida dos despachos de fls. 394 e 431/2.
10 - Uma vez que os recursos foram rejeitados, deve a recorrente, como medida dissuasória, pagar uma importância entre 3 e 10 UCs por cada um deles (nº 4 do artigo 420º do Código de Processo Penal).
Atendendo à pequena complexidade dos autos e ao grau de abuso do direito de recurso, julga-se adequado fixar cada uma dessas importâncias em 4 UCs.
11 – Face ao exposto, acordam os juízes da 3ª secção deste Tribunal da Relação em:
a) Rejeitar os recursos interpostos pela arguida M. dos despachos de fls. 394 e 431/2 por serem inadmissíveis.
b) Condenar a arguida na sanção processual correspondente a 4 (quatro) UCs por cada um desses recursos.
Lisboa, 11 de Outubro de 2006
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(Carlos Rodrigues de Almeida)
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(Horácio Telo Lucas)
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(Pedro Mourão)