Mesmo não sendo titular de carta ou licença de condução, deve ser condenado na pena acessória de proibição de conduzir, o arguido condenado por crime previsto pelo artigo 69º, nº. 1, do Código Penal.
Proc. 5311/06 3ª Secção
Desembargadores: Carlos Sousa - Varges Gomes - Conceição Gomes -
Sumário elaborado por João Ramos
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Rec. n.º 5311/06 - 3. Secção
Acordam em audiência no Tribunal da Relação de Lisboa:
I - No processo abreviado proveniente do 2° Juízo – 2.ª Secção do TPIC de Lisboa, com o n.º 258/05.9PCLSB, por sentença de 26 de Abril de 2006, foi condenado o arguido f. … …, como autor material de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo mo 292°, nº 1 do C. Penal, na pena de 100 (cem) dias de multa, à razão diária de €3,00, ou seja, em €300,00 (trezentos euros); e pela autoria material de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3°, nos I e 2, do Decreto-Lei nº. n.º 2/98, de 3 de Janeiro, conjugado com os artigos 121º e 125º do C. Estrada, na pena de 9 (nove) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 4 ( quatro) anos ( artigo 50° n.º 1 do C. Penal).
II - A) Inconformado, recorre o digno Procurador Adjunto para esta Relação, formulando as seguintes conclusões (que se transcrevem):
“1 - Nos termos do disposto no artigo 69°, n.º 1, do Código Penal, é condenado na proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre três meses e três anos quem for punido por crime cometido no exercício daquela condução com grave violação das regras de trânsito rodoviário.
2 - Desde logo, a condução de veículos automóveis sob efeito do álcool constitui uma violação grave das regras de trânsito conforme desde logo resulta do disposto nos artigos 145°, n.º 1, al. l), e 146°, al. j), do C.E. que as classifica, respectivamente, como contra-ordenações graves e muito graves.
3 - A pena acessória em questão visa prevenir a perigosidade do agente do ilícito que, no caso concreto, comete dois crimes com grave violação das regras de trânsito rodoviário, pondo abstractamente em causa e risco com a conduta a segurança dos demais utentes da via pública.
4 - Ainda que o arguido não esteja habilitado com a necessária licença ou carta de condução deve aplicar-se a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor prevista no artigo 69º do Código Penal, no caso de o mesmo ser condenado por crime de condução de veículo em estado de embriaguez p. e p. pelo artigo 292° do Código Penal.
5- Ao não aplicar ao arguido tal pena acessória, a douta sentença recorrida violou o disposto no artigo 69º, n.º 1, al. a), do Código Penal.
6- Deve, pois, ser substituída por outra que aplique também tal pena acessória.
Termos em que, decidindo-se em conformidade com as conclusões que antecedem, se fará a costumada JUSTIÇA.»
B) Respondeu a ilustre defensora oficiosa do arguido, pugnando pela manutenção do decidido, em síntese, por considerar que: não é possível efectuar, actualmente, um juízo de perigosidade merecedor de censura, sob uma eventual e remota perigosidade, no momento em que o arguido se habilitar a conduzir; nem no seu entender, fará sentido, então, impor o cumprimento da mencionada pena acessória ao arguido condenado nos termos do artigo 292° do Código Penal, se ele, finalmente, vier a habilitar-se a conduzir e se for reconhecidamente hábil para tal pela DGV; e, atento o princípio da necessidade, basilar no ordenamento jurídico-penal, considera ainda que se afigura um verdadeiro excesso, se o arguido não vier a habilitar-se à obtenção da carta de condução e, por outro lado, porque impõe como consequência que poderá não fazer sentido no momento histórico em que se aplicará, por então já não se verificar a perigosidade subjacente à pena.
C) Já nesta Relação, o Ex.mo PGA apôs o seu visto (artigo 416° do CPP), relegando a sua posição para a audiência, em alegações orais.
III - Colhidos os vistos, cumpre decidir .
A) Âmbito do recurso:
São as conclusões do recorrente que delimitam o âmbito do recurso, como é jurisprudência pacífica dos nossos tribunais superiores - cfr., por todos, Ac. STJ de 24/03/99, (Col. Jur., Acs. STJ, VII, tomo I, p. 247), vd. ainda artigos 403° e 412°, n.º 1, ambos do CPP.
Como vimos, o recurso do MP limita-se à medida da pena e, dentro desta, à (não ) aplicação da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, nos termos do artigo 69°, n.º 1, al. a) do C. Penal.
B) Para ponderar e decidir tal questão, passamos a transcrever a douta sentença ora recorrida (na parte pertinente).
Aí se deu como assente a seguinte matéria de facto:
“A matéria de facto provada é a seguinte:
1. No dia 11 de Abril de 2005, pelas 03 horas e 40 minutos, o arguido f. … … conduzia o (veiculo) motociclo de matrícula LX-41-04, pela via pública, na Rua da Rosa - Bairro Alto, na área da comarca de Lisboa, quando foi fiscalizado pelos agentes da Policia de Segurança Pública.
2, No momento referido em 1, o arguido conduziu o motociclo sem que estivesse legalmente habilitado para tal.
3. Submetido, pelos agentes da PSP, a exame de pesquisa de álcool ao ar expirado, através do aparelho 'Drager-Alcotest 7110MKII P', o arguido apresentou uma Taxa de Álcool no
Sangue (TAS) de 2,53g/1 (dois vírgula cinquenta e três gramas de álcool por litro) de sangue não pretendendo realizar a contraprova.
4. O arguido agiu, em tudo, de forma livre, deliberada e conscientemente, determinando-se a conduzir o motociclo, na via pública, sem se encontrar habilitado para tal, e após haver ingerido bebidas alcoólicas em quantidade suficiente para acusar a taxa referida em 3.
5. O arguido sabia ser a sua conduta proibida e punida por lei.
6. Do certificado do registo criminal do arguido consta:
- uma condenação pela prática, em 14 de Dezembro de 2000, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de multa - decisão de 15 de Dezembro de 2000;
- uma condenação pela prática, em 15 de Março de 2001, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de multa - decisão de 15 de Março de 200l;
- uma condenação pela prática, em 03 de Outubro de 2001, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 7 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 (três) anos - decisão de 09 de Outubro de2001;
7. O arguido é servente, auferindo €25 (vinte e cinco euros), por dia;
8. O arguido vive sozinho, em casa arrendada, pagando de renda a quantia de €21(vinte e um euros) e suportando as despesas correntes;
9. O arguido presta a título de pensão de alimentos a um filho menor a quantia de e7S (setenta e cinco euros) mensais;
10. Tem por habilitações literárias o 5º ano de escolaridade.
Factos não provados:
Não existem factos por provar . »
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C) Medida concreta da pena: da pena acessória.
Como se viu, pretende o recorrente (MP) que, ao invés do decidido, é de aplicar, além do mais, com fundamento no artigo 69º , n.º 1, al. a) do Código Penal, a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados.
Vejamos se tem razão ?
1. Note-se que, nesta matéria, na douta sentença recorrida começa-se por transcrevera norma em causa, para explicar, afinal, a sua não aplicação.
O que se afirma, desde logo, um paradoxo.
Assim, dispõe o artigo 69º. do Código Penal:
' 1. É condenado na proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre três
meses e três anos quem for punido;
a) – Por crime previsto nos artigos 291º ou 292°;
(...)
2. A proibição produz efeitos a partir do trânsito em julgado da decisão e pode abranger a condução de veículos com motor de qualquer categoria.
3. No prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da sentença, o condenado entrega na secretaria do tribunal, ou em qualquer posto policial, que remete àquela, o título de condução, se o mesmo não se mostrar já apreendido no processo.
4. A secretaria do Tribunal comunica a proibição de conduzir à Direcção-Geral de Viação no prazo de 20 dias a contar do trânsito em julgado da sentença, bem como participa ao Ministério Público as situações de incumprimento do disposto no número anterior.
(:..)
6. Não conta para o prazo da proibição o tempo em que o agente estiver privado da liberdade por força de medida de coacção processual, pena ou medida de segurança”.
Acresce que naquela sentença não se olvida a jurisprudência constante do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do STJ, n.º 5/99, de 17/6 (in DR I-A Série, de 20/0711999), no qual se afirma, clara e inequivocamente, que:
«o agente do crime de condução em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292°
do Código Penal, deve ser sancionado, a título de pena acessória, com a proibição de conduzir prevista no artigo 69º, nº 1, alínea a), do Código Penal».
Apesar disso, O Mmo Juiz “a quo” sustenta a não aplicação da pena acessória, desde logo, por não ser de aplicação automática, «...não bastando que o arguido seja condenado na pena principal correspondente ao crime cominado com tal pena acessória - cfr. artigo 650 do Código Penal e artigo 300º da Constituição da República Portuguesa ...»
De seguida, releva o fim de prevenção da perigosidade do agente, com vista a satisfazer as necessidades de política criminal de combate à sinistralidade estradal, «... como censura, adicional pelo facto que ele praticou ...» (citando a Acta nº 8 da Comissão de Revisão do Código Penal).
Considera o Mmo Juiz “a quo” que, apesar de tudo, no presente caso, tratando-se de condução sem habilitação legal, não faz sentido estarmos hoje a julgar da sua futura e eventual perigosidade, impondo ao agente o cumprimento da pena agora aplicada, 'num juízo de prognose significativamente falível”( sic ).
Finalmente, evoca o princípio da necessidade, para concluir que, no seu entender, no presente caso, não se verifica a necessidade de aplicação da dita pena acessória, mas antes «' ... se
afigura um verdadeiro excesso, por um lado vazio de conteúdo se o arguido não vier a habilitar-se e, por outro, porque impõe uma consequência que poderá não fazer sentido no momento histórico em que se aplicará, por não mais se verificar a perigosidade subjacente à pena,..»
2. Este tipo de argumentação vem sendo comummente feita, mas entendemos que não pode proceder ,
Desde logo, como ensina o Prof. Germano Marques da Silva, in 'Crimes Rodoviários' (publicação da Universidade Católica Editora), na pág. 28: «… a pena acessória de proibição de conduzir não pode ser suspensa na sua execução nem substituída por outra. Verificados os seus pressupostos e aplicada a pena acessória. esta tem de ser executada. Assim, ainda que a pena principal seja substituída ou suspensa na sua execução. o mesmo não pode suceder relativamente à pena acessória de proibição de conduzir».
Estamos, como bem se compreende, perante a condução de veículo em estado de embriaguez que constitui, por si só, grave violação das regras do trânsito rodoviário, pelo que se justifica a aplicação da pena acessória de proibição de conduzir como meio adequado a prevenir a perigosidade que está imanente àquela norma incriminadora e que a mesma visa evitar.
Por outro lado, quando a Lei nº 77/2001, de 13 de Julho, procedeu à alteração da redacção do citado artigo 69º. do Código Penal, previu, especificamente, a respeito da medida de segurança prevista no artigo 101° do mesmo Código, a execução da mesma quando o arguido não seja titular de título de condução(cfr. 101°, nº 4 do Código Penal) - o que significa que deve igualmente proceder-se no caso do artigo 69º.
Aliás, vimos afirmando nesta Relação de Lisboa e 3ª Secção - por todos, por ser o mais recente, veja-se o Ac. TRL de 17/05/06 (Rec. 2892/06-38- mesmo relator)que:
« A questão suscitada pelo tribunal a quo do arguido não ser titular de carta de condução, na altura dos factos, não afasta a aplicação da pena acessória nem se verifica a pretensa ineficácia que ali se alega.
Por um lado, a lei não distingue, mormente no aludido artigo 69º do Código Penal, se o agente infractor possui, ou não, licença de condução.
Por outro, o Mmo Juiz 'a quo' labora em erro ao alegar a pretensa ineficácia desta sanção tanto mais que olvida que o cumprimento desta pena acessória fica, obviamente, condicionada pela obtenção do necessário título de condução (cfr. artigo 500º, nºs 2, 3 e 4, do CPP e ainda artigo 69º, nºs 2 e 3, do C. Penal).
De igual modo improcede o argumento de que o n.º 4 do artigo 101° do Código Penal salvaguardaria este tipo de situações, ao invés do disposto no artigo 69° do mesmo código, e por isso não seria aplicável esta última norma legal aos condutores não habilitados.
Ao invés, da própria natureza destas medidas de segurança é que resulta logicamente a sua diversidade, as quais não se confundem com a aludida pena acessória.
Significa isto que não se proíbe que o agente obtenha a carta de condução, mas antes e somente que, caso a venha a obter e mal a obtenha, deve cumprir aquela pena acessória.
Neste sentido, veja-se a jurisprudência apontada pelo digno magistrado recorrente, mormente: Acs. RP. de 29/11/2000 (in www.dgsi.pt relator: des. Dr. Manso Raínho), e da RL., de 28/06/2001 (relator: des. Dr. Gomes da Silva, in www.dgsi.pt) e Ac. R.L. de 29/10/2002 (Processo nº 5.734102-5, relator: des. Dr. Gaspar de Almeida).
Em suma, o legislador do Código Penal não quis distinguir, em sede de punição, as situações em que o condutor seja ou não encartado, face a uma condenação pela prática de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, nos termos dos artigos 69°,n° 1,al. a) e 291º, ambos do C. Penal. »
3. Deve, assim, o arguido ser também condenado na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados.
Concordamos com o Prol. Figueiredo Dias (in 'Direito Penal Português ,Editorial Notícias, 1993, pág. 165) quando salienta que 'a sanção acess6ria visa, lundanle1ltllbllen~ prevenir a perigosidade do agente (muito embora se lhe assinale também um efeito de prever!Ç4o geral)'.
Repete-se esta pena acessória varia entre o mínimo de 3 meses e o máximo em 3 anos cfr. artigo 69º, nº 1, al. a) do C. Penal (red. Lei nº 77/01).
Ora, o recorrente (MP) apenas pede que seja aplicada a pena acessória sem a quantificar .
Assim, atento o grau de culpa do agente e sem olvidar a gravidade da T AS e face aos fins das penas, mormente as exigências de prevenção especial (vide antecedentes criminais e rodoviários do arguido, com várias condenações por condução sem habilit8!çló legal), consideramos adequada, no caso concreto, uma pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 6 (seis) meses.
IV - DECISÃO:
Nos precisos termos acima expostos, acordam em dar provimento ao recurso, pelo que vai o arguido Paulo José Silva Martins condenado também na aludida pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, pelo período de 6 (seis) meses - cfr. artigo 69º., nº. 1, al. a), do C. Penal. Comunique-se à DGV, oportunamente.
Sem custas.
Lisboa, 27 de Setembro de 2006.
Carlos de Sousa - relator
Varges Gomes
Conceição Gomes