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ACRL de 06-07-2000
Nulidade. Atenuação especial. Reenvio.
I - Está hoje absolutamente afastado o entendimento de que, para que seja observado o disposto no n.º 2 do art. 374º do CPP, basta a mera indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal. Com a fundamentação da sentença há-de ser possível perceber como é que, de acordo com as regras da experiência comum e da lógica, se formou a convicção do tribunal, num sentido e não noutro, e bem assim porque é que o tribunal teve por fiável determinado meio de prova e não outro.II - Daqui não resulta, no entanto, que a sentença tenha que transcrever toda a prova produzida no julgamento, a fim de permitir ao tribunal de recurso novo julgamento sobre a matéria de facto, dando como provados novos factos, ou como não provados factos assentes pelo tribunal "a quo".III - Não é possível à Relação sindicar o facto de, alegadamente, se ter valorado excessivamente o depoimento de uma determinada testemunha em desfavor de outra que, sobre os mesmos factos, terá dito coisas diversas. A sentença apenas será nula, por falta de fundamentação, se não for possível uma avaliação segura e cabal do porquê da decisão e do processo lógico-mental que serviu de suporte ao respectivo conteúdo decisório.IV - No acórdão deu-se como provado que estando o arguido em luta com o ofendido e outro indivíduo (não identificado), empunhou um revólver de calibre 32. Acto contínuo o arguido virou-se para o G., que se dirigia a ele, e apontou a ponta do cano do revolver na direcção do corpo deste, a zona não concretamente apurada, e a cerca de cinco ou sete metros efectuou um disparo (factos nºs 2, 3 e 4). Mais à frente (facto n.º 10) escreveu-se que ao disparar o tiro contra o G., o arguido visou "impedir que o mesmo se aproximasse de si e se pudesse envolver também na contenda".V - Não resulta dos factos "provados", nem dos "não provados", que o tribunal tivesse tentado investigar se o G. se aproximava do arguido para efectivamente se envolver na contenda e, em caso afirmativo, de que modo. Pretendia o G. participar na luta o lado do seu filho e ofendido, agredindo o arguido, ou apenas visava apartar os contentores? Neste caso havia a iminência de uma agressão.VI - Por outro lado, também não resulta dos factos "provados" ou "não provados" que o tribunal tivesse investigado o que pensou o arguido ao representar a hipótese do G. se envolver na contenda. Pensou ele que o G. iria apartar os contentores ou que ia envolver-se na luta ao lado do seu filho? Neste último caso, ao disparar, pretendeu afastar a iminência de uma agressão ou apenas exercer retorsão sobre o iminente agressor?VII - Todos estes factos têm relevância para a decisão sobre a questão, suscitada pelo recorrente, de saber se agiu em legítima defesa, em legítima defesa putativa, ou com excesso de legítima. Não tendo o tribunal tentado investigá-los há uma insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (art. 410º, n.º 2 do CPP), que importa, nesta parte, o reenvio do processo para novo julgamento.VIII - O arguido indica alguns factos que entende deveriam ter sido considerado provados ou não provados e, conjugando-os com os que efectivamente foram provados, tira a ilação de que agiu em legítima defesa. Também aqui apela para o principio in dubio pro reo, mas sendo este um principio da prova e não tendo esta Relação acesso a toda a prova produzida, não pode a matéria de facto ser alterada nos termos pretendidos.IX - A verificação do estado de compreensível emoção violenta implica a existência de uma adequada relação de proporcionalidade entre o facto injusto do provocador e o facto ilícito do provocado. Havendo desproporção entre o facto injusto e a reacção do agente, a emoção violenta causada por aquele facto nunca pode ser compreensível.X - É certo que a arma do crime não foi apreendida, mas as suas características mínimas, que permitem integrá-la, pelo menos, na previsão do art. 1º n.º 1 al. c) da Lei n.º 22/97, de 27/6, resultam do exame efectuado ao projéctil pelo Laboratório de Polícia Científica e que consta de fls. 17 dos autos. Aí se refere que o projéctil tem um calibre 32 H&R MAGNUM, específico para a utilização em revólveres.XI - Verificados os pressupostos legais, a concessão da atenuação especial é um dever a que o tribunal não se pode subtrair. Mas impõe-se um uso moderado deste instituto, devendo o aplicador da lei tem em especial atenção o estreito condicionalismo exigido pelo n.º 1 do art. 72º do CP. É que não basta que haja circunstâncias que diminuam a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena, sendo necessário que essa diminuição seja acentuada. Ora essa acentuada diminuição não se verifica no caso em apreço, desde logo porque, não se tendo provado a existência de qualquer provocação, a decisão de matar por parte do arguido é uma relação absolutamente desproporcionada.XII - A renovação da prova só pode ter lugar quando a Relação julga de facto e de direito, não havendo lugar a ela nos recursos de decisões proferidas em processo em que não se tenha oportunamente pedido a documentação da prova.Relator: F. MonterrosoAdjuntos: A. Semedo e G. PinheiroMP: A. Miranda
Proc. 8299/9 9ª Secção
Desembargadores: N - N - N -
Sumário elaborado por Fernando Carneiro
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