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ACRL de 06-07-2006
CÓDIGO ESTRADA. Coima. Pagamento voluntário. Inibição. Impugnação. Ainda possibilidade discutir infracção
I- Nos termos conjugados dos artºs 363º e 428º, n.s 1 e 2 (este a contrario) do CPP o Tribunal da Relação conhece o presente recurso de facto e de direito, competindo-lhe ainda conhecer oficiosamente, caso se verifiquem, os vícios enumerados no n. 2 do artº 410º do mesmo código.
II- O objecto do recurso (interposto pelo MPº) é saber se, em caso de pagamento voluntário da coima aplicada ao arguido - no âmbito de violação do Código da Estrada -, pode ele ainda, em sede de impugnação judicial da decisão que igualmente lhe aplicou inibição de conduzir, discutir a contra-ordenação, conhecendo e decidindo o Tribunal tal questão, concluindo pela sua não verificação, assim concedendo provimento ao recurso e absolvendo o arguido.
III- Diz o artº 155º, n.3 do CE que 'O arguido que proceda ao pagamento voluntário ca coima não fica impedido de apresentar a sua defesa, restrita à gravidade da infracção e à sanção acessória de inibição de conduzir aplicável.'
IV- Na óptica do recorrente, a única interpretação possível daquele segmento normativo é aquela que veda ao acoimado discutir os pressupostos da infracção, na medida em que o pagamento voluntário da coima equivale a uma confissão, só podendo, por isso solicitar uma reapreciação sobre a sua gravidade.
V- Não se perfilha a tese do recorrente. Desde logo porque no processo contra-ordenacional estão igualmente presentes os direitos e garantias constitucionais consagradas:- 1. direito de audiência e de defesa; 2. acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva. Na verdade, mesmo no domínio do direito estradal, o direito de defesa é ainda conseguido através da possibilidade de discutir, válida e eficazmente, todos os elementos de prova que integram os factos da infracção.
VI- Seria de todo inaceitável que, por razões de forma, que se impedisse a discussão substancial em busca da verdade material, diminuindo e restringindo os direitos de defesa, em fase judicial, só pelo facto de o arguido haver pago a multa voluntariamente.
VII- No caso concreto, conhecendo-se a impugnação, veio a apurar-se, afinal, que o agente não violou a regra de cedência de prioridade de passagem à entrada da rotunda, daí que tenha sido absolvido.
VIII- Num processo equitativo, maxime num Estado democrático, não pode ser condenado alguém por factos que não cometeu, ainda que tenha pago a coima, apenas devida segundo a avaliação dos factos pela autoridade administrativa.
IX- Aliás, o vocábulo 'aplicável' aponta neste sentido, pois pretende-se abranger a própria incriminação.
Sendo assim, a decisão recorrida não enferma de qualquer nulidade ou inconstitucionalidade, pois que o facto de o arguido haver pago voluntariamente a coima, tal não o impede de discutir a verificação da infracção.
Proc. 5051/06 9ª Secção
Desembargadores: Rui Rangel - Carlos Benido - João Carrola -
Sumário elaborado por João Parracho
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