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ACRL de 23-02-2006
FURTO. Prova. Valoração. Livre apreciação e convicção do tribunal
I- Ninguém viu o arguido rebentar o fecho da porta do veículo automóvel nem a arguida partir o vidro do café pastelaria nem ambos a subtraírem os valores do interior do estabelecimento X.
II- O Tribunal apreciou e valorou a prova, formando a sua convicção, de harmonia com o princípio da livre apreciação da prova do artº 127º CPP.
III- O tribunal de recurso (a Relação) não tem a percepção própria e material do que se tem como base da decisão sobre a matéria de facto, visto que, no regime de recursos existe uma radical excepção aos princípios da oralidade e da imediação.
IV- A livre apreciação da prova não se confunde com a apreciação arbitrária nem com a mera impressão gerada no espírito do julgador, pois que há-de assentar em pressupostos valorativos de obediência a critérios da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica.
V- Assim, quando está em causa a questão de apreciação da prova não pode deixar de dar-se a devida relevância à percepção que a oralidade e a imediação conferem ao julgador colocado na 1ª instância. A comunicação e percepção não se estabelecem apenas por palavras, mas também pelo tom de voz e postura corporal dos interlocutores, que devem ser apreciadas no contexto da mensagem em que se integram. Trata-se de um acervo de informação não verbal, dificilmente documentável face aos meios disponíveis, mas muito rica, imprescindível e incindível para a valoração de toda a prova produzida e oralmente prestada.
VI- O Juiz não é uma 'mera caixa receptora' de tudo o que a testemunha diz ou de tudo o que o arguido não diz ou de tudo o que resulta de um documento; a sua apreciação fundar-se-á numa valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, da experiência e dos conhecimentos científicos, enformada pela convicção pessoal.
VII- Por isso, só em casos excepcionais, ante uma valoração da prova feita incorrecta e objectivamente, ao tribunal de recurso é acessível contrariar a convicção alcançada pelo tribunal 'a quo', pois que é aí, no contacto directo e imediato com as provas, que o verdadeiro julgamento da matéria de facto ainda continua a ser feito.
Proc. 10670/05 9ª Secção
Desembargadores: Almeida Cabral - Rui Rangel - João Carrola -
Sumário elaborado por João Parracho
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