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ACRL de 09-02-2006
HOMICÍDIO. Faca de cozinha. Afastar cabeçada. Legítima defesa. Excesso
I- Consta do acórdão dos autos, na parte respeitante aos factos provados, que a vítima estava embriagada, que o arguido, no calor da contenda verbal se muniu de uma faca de cozinha, com 20,5 cm de lâmina e que, quando a vítima o ia a agredir com uma cabeçada, o arguido desferiu-lhe um golpe na zona abdominal, para por termo à agressão.
II- Neste quadro fáctico, o tribunal a quo decidiu-se pela absolvição do arguido por ter como assente que agiu em legítima defesa.
III- No entanto, ainda que não se questione a verificação dos demais pressupostos da legítima defesa, enquanto causa de exclusão da ilicitude (artºs 31, n.s 1 e 2, a) e 32º do Cód. Penal), no caso em apreço, atenta a matéria de facto dada como provada, o arguido agiu com excesso de legítima defesa (artº 33º CP).
IV- Segundo a definição mais clássica de legítima defesa - acção necessária para repelir por si mesmo um ataque actual e antijurídico, que essencialmente vem aceite no artigo 32° do Código Penal - a situação de defesa pressupõe e tem de ser desencadeada por uma agressão actual e ilícita contra o agente ou terceiro, afectando bem jurídico susceptível de ser protegido através de defesa.
V- A acção defensiva necessária é a que é idónea para a defesa, e constitua o meio menos prejudicial para o agressor; a avaliação da necessidade depende do conjunto de circunstâncias nas quais ocorre a agressão e a reacção, especialmente a intensidade do concreto meio ofensivo e da ofensa, a perigosidade do agressor e o modo de actuação, bem como dos meios disponíveis para a defesa, e deve valorar-se sob uma perspective objectiva ex ante, isto é, tal como um homem médio, colocado na posição do agredido, teria valorado as circunstâncias da agressão.
VI- A necessidade da acção defensiva supõe que esta não deve passar além do que seja adequado para afastar e repelir eficazmente a agressão - princípio da menor lesão para o agressor; quem defende deve escolher de entre os meios eficazes de defesa que estejam, em concreto, à sua disposição, aquele que resulte menos perigoso e que cause menor dano.
VII- No caso dos autos é notória a desproporção entre o meio empregue pelo defendente (faca de cozinha)e a zona atingida (barriga da vítima) e a cabeçada iminente do agressor. Note-se que não se provaram factos que atestem um perigo para a vida do arguido, mas apenas agressão à sua integridade física, sendo que ele podia ter usado outro/s utensílio/s disponíveis no local onde os factos se desencadearam (cozinha).
VIII- O princípio in dubio pro reo (in caso pro defendente), embora possa estender os seus efeitos às causas justificativas do facto e a não exigibilidade, não é aplicável quando a situação de facto que resultar do julgamento não estabelece a dúvida razoável justificativa do favorecimento ao arguido.
IX- O excesso de legítima defesa punível é o crime que se realiza com um modo especial de execução, isto é, mediante uma defesa ilegítima. Os requisitos da legítima defesa condicionam a sua licitude objectiva e, por isso, a sua falta dá lugar à ilicitude objectiva do excesso.
X- Assim e face ao disposto no artº 410º, n. 2 alínea b) do C.P.Penal, existe contradição entre os factos provados e a decisão de direito, pelo que se anula o acórdão recorrido e se determina que o Tribunal Colectivo proceda à elaboração de novo acórdão em que proceda à condenação do arguido pela prática de crime de homicídio simples com excesso de legítima defesa (artºs 131º e 33º CP) fixando a pena que resultar da percepção imediata do julgador (especialmente atenuada, nos termos do artº 73º, n. 1 a) CP, passando o crime a ser punível de 1 ano, 7meses e 6 dias a 10 anos e 8 meses de prisão), mediante os factos apurados que, evidentemente, o tribunal de recurso não pode suprir, porque não deve substituir-se ao tribunal recorrido.
Proc. 8707/05 9ª Secção
Desembargadores: Fernando Correia Estrela - Margarida Vieira de Almeida - Cid Geraldo -
Sumário elaborado por João Parracho
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