Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Jurisprudência da Relação Criminal
Assunto    Área   Frase
Processo   Sec.                     Ver todos
 - ACRL de 18-01-2006   Abuso sexual de pessoa internada. Dosimetria da pena. Recurso em matéria de facto. Prova por declarações. Prova por reconhecimento. Perícia médico-legal e psicológica.
1. A literatura especializada dá conta de que não existem técnicas suficientemente seguras ou indicadores fiáveis que permitam distinguir uma declaração sincera duma enganosa, limitando-se os estudos realizados nos últimos anos a indicar comportamentos que são mais frequentes no primeiro caso que no segundo.
2. Porém, para a utilização dos critérios apontados pela investigação psicológica não basta a análise racional do conteúdo das declarações prestadas, sendo necessário tomar em consideração as formas de comunicação não verbal às quais um tribunal de 2ª instância, mesmo ouvindo as gravações efectuadas, não tem, em grande medida, acesso. Daí que a reapreciação da matéria de facto pouco mais possa ser do que uma análise racional do conteúdo das declarações prestadas e da prova documental e pericial junta.
3. Embora a decisão tomada pela 1ª instância pudesse não ser a única permitida pela prova produzida e analisada em audiência, não podendo o tribunal de recurso concluir, através dos elementos de prova de que dispõe e que pode valorar, que essa prova impusesse decisão diversa da proferida,não pode dar provimento ao recurso da matéria de facto.
4. O recurso da matéria de facto, que se funda na existência de um erro de julgamento e implica que o tribunal “ad quem” reaprecie a prova produzida e examinada na audiência de julgamento na 1ª instância, não se confunde com a mera invocação dos vícios da sentença enunciados no nº 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal, que devem resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras de experiência comum. Neste último caso, o objecto da apreciação é apenas a peça processual recorrida.
Proc. 7071/05 3ª Secção
Desembargadores:  Carlos Almeida - Telo Lucas - Rodrigues Simão -
Sumário elaborado por João Ramos
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Proc. n.° 7071/05 – 3ª Secção
Relator: Carlos Rodrigues de Almeida



Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

I – RELATÓRIO
1 – O arguido F. ... ... foi julgado na 3ª Vara Criminal de Lisboa e aí condenado, por acórdão de 6 de Abril de 2005, como autor de dois crimes de abuso sexual de pessoa internada p. e p. pelo artigo 166º, n.º 1, alínea c), e n.º 2, do Código Penal, na pena, por cada um deles, de 5 anos de prisão e, em cúmulo, na pena única de 6 anos de prisão.
Foi ainda condenado a pagar ao demandante cível F. ... ... a quantia de 50 000 €, acrescida de juros calculados à taxa legal e contados desde a data da notificação efectuada nos termos do artigo 78º do Código de Processo Penal até ao efectivo e integral pagamento.
Nessa peça processual considerou-se provado que:
1. O arguido foi monitor da Casa Pia de Lisboa, entre 18 de Novembro de 1999 e Maio de 2000.
2. O arguido exercia as funções de monitor no Lar ... ..., do Colégio ... ..., competindo-lhe especialmente acompanhar os educandos durante o período nocturno, ajudando nas tarefas escolares e na tomada de refeições.
3. A partir de Março de 2000 começou a exercer, também, funções de professor de … … no Colégio ... ... e … … da Casa Pia de Lisboa e até ao ano lectivo de 2002.
4. O desempenho das funções de monitor no Lar ... ... proporcionou ao arguido a criação de especiais ligações de ascendência com os educandos que nele viam uma referência de poder e de autoridade.
5. O arguido deslocava-se com à vontade na instituição e mantinha um bom relacionamento com todos.
6. O arguido, durante o período nocturno, dormia no Lar ... ... no andar inferior ao andar onde dormiam 25 rapazes e 9 raparigas.
7. O arguido exercia as funções de monitor no período nocturno juntamente com a sua colega ... ... que também dormia no Lar.
8. Os educandos dormiam em número de dois ou três por quarto.
9. No andar inferior aos quartos dos educandos e onde ficava o quarto do arguido existia uma casa de banho.
10. O F. ... ..., nascido a 20.3.1985, ingressou como aluno interno da Casa Pia de Lisboa em 5 de Agosto de 1994, tendo sido colocado no Centro de Acolhimento e, em finais de 1997, no Lar ... ... do Colégio ... ....
11. Aquando da sua entrada na Casa Pia de Lisboa o F. ... ...foi descrito como “sendo um rapaz de semblante triste (...) de aparência frágil e com traços depressivos na estrutura da sua personalidade'.
12. Desde sempre apresentou 'visíveis dificuldades de ordem cognitiva, pessoal e social'.
13. O arguido conheceu o F. ... ...como educando do Lar em causa e auxiliava-o na realização dos deveres escolares.
14. O arguido, valendo-se do ascendente que tinha sobre o menor F. ... ...derivado das funções que exercia como monitor, da pouca idade, das suas dificuldades e atrasos no desenvolvimento psíquico e intelectual e da especial carência afectiva em que se encontrava, começou a chamá-lo para junto de si, à noite e quando o resto dos alunos se encontrava já a dormir.
15. Assim, pelo menos duas vezes e no período compreendido entre Dezembro de 1999 e Maio de 2000, à noite e aproveitando o facto dos seus colegas estarem a dormir, o arguido chamou o F. ... ...para ir ter consigo à casa de banho dos rapazes e, uma vez aí, despiu o menor e despiu-se da cintura para baixo e começou a manipular o pénis do menor, ao mesmo tempo que lhe ordenava que manipulasse também o seu próprio pénis, o que aquele fez.
16. De seguida o arguido introduziu o pénis do menor na sua boca e chupou-o, tendo depois introduzido o seu pénis na boca do menor e ordenado ao menor que lho chupasse, o que este fez.
17. Depois, o arguido voltou o menor de costas contra si introduziu-lhe o pénis erecto no ânus aí o friccionando até ejacular.
18. O arguido ordenou ao menor que introduzisse o pénis no seu ânus e o friccionasse, o que o menor fez.
19. O F. ... ...tinha medo do arguido, uma vez que este referiu que caso se esquivasse ou denunciasse os factos de que era vítima, o arguido bater-lhe-ia.
20. O F. ... ...foi submetido a exame pericial de natureza médico-legal, tendo-se constatado à observação do ânus 'um franco apagamento das pregas da mucosa, com algumas erosões de cor nacarada, sobretudo a nível dos quadrantes laterais e uma certa congestão do plexo hemorroidário, sendo de assinalar a marcada hipotonia do esfíncter anal”.
21. O F. ... ...apresentava, ainda, um atraso do desenvolvimento cognitivo, com uma apreciável limitação do seu juízo crítico e uma maior vulnerabilidade, o que 'sob o ponto de vista clínico, o situa na casa dos 9 a 10 anos de idade mental'.
22. Sujeito a perícia sobre a personalidade, concluiu-se que o ofendido apresentava um 'atraso no desenvolvimento geral, que é compatível com um quadro de debilidade, ainda que ligeira', ligada a factores emocionais e psicossociais.
23. O arguido, voluntariamente, praticou/manteve com o menor referido os actos de natureza sexual que se descreveram, com intenção de satisfazer os seus instintos libidinosos.
24. O arguido actuou sempre de modo voluntário, livre e consciente, bem sabendo serem as condutas que adoptou proibidas por lei penal.
25. O arguido, voluntariamente, aproveitou-se do seu estatuto de funcionário da CPL e das funções que aí desempenhava, as quais lhe permitiam um contacto privilegiado com os alunos, para manter com o menor F. ... ..., que sabia ser aluno interno da Casa Pia de Lisboa, os descritos actos de natureza sexual.
26. Ao praticar com o menor f. … os actos descritos, o arguido actuou com perfeito conhecimento de que tal menor padecia de um atraso do seu desenvolvimento cognitivo.
27. O arguido, voluntariamente, aproveitou-se da incapacidade do F. ... ... e do facto de estar internado para o sujeitar aos descritos actos sexuais.
28. Bem sabia o arguido que ao manter com o menor as mencionadas práticas sexuais, com perfeito conhecimento da idade e estádio de desenvolvimento de tal menor, afectava de forma grave o seu normal e saudável desenvolvimento psíquico, afectivo e sexual.
29. O F. ... ..., em consequência da penetração anal levada a cabo pelo arguido, sofreu fortes dores.
30. O F. ... ...é oriundo de uma família com dificuldades económicas e sem referências afectivas.
31. O F. ... ...revela dificuldades em relatar os factos praticados pelo arguido.
32. O arguido é Licenciado em “Ciências Religiosas” pela Universidade Católica Portuguesa, trabalha como vigilante onde aufere 550 € mensais, vive em casa de uma irmã.
33. O arguido é tido pelos colegas professores como sendo um bom professor e com uma boa relação com os alunos e demais profissionais.
34. O arguido é tido pelos amigos como sendo uma pessoa íntegra.
35. O arguido não tem antecedentes criminais.
Simultaneamente, considerou-se não provado que:
1. O arguido, valendo-se do à vontade com que se deslocava na instituição e do bom relacionamento que tinha com todos, decidiu aproveitar-se disso para estabelecer com os menores que ali eram alunos uma especial relação de confiança, em particular com os menores que sabia, quer face ao comportamento que observava nos mesmos, quer face ao que os mesmos lhe contavam, serem especialmente vulneráveis, desprotegidos, carentes de afecto e, em muitos casos, sem uma referência parental masculina.
2. O arguido conseguiu criar um clima de medo junto dos alunos e nomeadamente junto do menor F. ... ..., o que o impediu de reagir.
3. O arguido repetiu os factos referidos em 15, 16, 17 e 18 da matéria assente muitas vezes.
4. O arguido já tinha batido muitas vezes no F. ... ....
5. A idade mental do F. ... ...não lhe permitia opor-se à prática dos actos descritos de que foi vítima.

2 – O arguido interpôs recurso desse acórdão.
A motivação apresentada termina com a formulação das seguintes conclusões:
a) Foi, o ora arguido, incorrectamente condenado pela prática como autor de dois crimes de abuso sexual de pessoa internada p. e p. pelo artigo 166° n.° 1 alínea c) e n.° 2 do Código Penal na pena de 5 anos de prisão para cada crime;
b) Pela prática dos mencionados crimes foi o mesmo condenado em cúmulo jurídico na pena única de 6 anos de prisão;
c) Foi, ainda, o ora arguido condenado parcialmente no pedido de indemnização cível na quantia de 50.000,00 € (cinquenta mil euros);
d) Atenta a prova produzida, a factualidade supra referida foi incorrectamente julgada;
e) Em face do supra transcrito, baseou o Douto Tribunal, assim, embora de forma inquestionavelmente errónea, a sua convicção, quase na sua plenitude, no depoimento prestado pelo ofendido F. ... ...;
f) O Douto Tribunal, notoriamente, errou na apreciação e valoração da matéria de facto que deu como provada, o que desde logo consubstancia o presente recurso nos termos e para os efeitos do n.° 2 alíneas a), b) e c) do artigo 410° do Código de Processo Penal;
g) Não se aceitando haverem sido dados como provados os factos n.°s:
'4 - O desempenho das funções de monitor no Lar ... ... proporcionou ao arguido a criação de especiais ligações de ascendência com os educandos que nele viam uma referência de poder e autoridade;
14 - O arguido, valendo-se do ascendente que tinha sobre o menor F. ... ..., derivado das funções que exercia como monitor, da pouca idade, das suas dificuldades e atrasos no desenvolvimento psíquico e intelectual e especial carência afectiva em que se encontrava, começou a chamá-lo para junto de si, à noite, e quando o resto dos alunos se encontrava já a dormir;
15 - Assim, pelo menos duas vezes e no período compreendido entre Dezembro de 1999 e Maio de 2000, à noite, e aproveitando o facto de os seus colegas estarem a dormir, o arguido chamou o F. ... ...para ir ter consigo à casa de banho dos rapazes e, uma vez aí, despiu o menor e despiu-se da cintura para baixo e começou a manipular o pénis do menor, ao mesmo tempo que lhe ordenava que manipulasse também o seu próprio pénis, o que aquele fez;
16 - De seguida o arguido introduziu o pénis do menor na sua boca e chupou-o, tendo depois introduzido o seu pénis na boca do menor e ordenado ao menor que lho chupasse, o que este fez;
17 - Depois, o arguido voltou o menor de costas contra si e introduziu-lhe o pénis erecto no ânus aí o friccionando até ejacular;
18 - O arguido ordenou ao menor que introduzisse o pénis no seu ânus, o friccionasse, o que o menor fez;
19 - O F. ... ...tinha medo do arguido uma vez que este referiu que, caso se esquivasse ou denunciasse os factos de que era vítima, o arguido bater-lhe-ia;
23 - O arguido, voluntariamente, praticou/manteve com o menor referido os actos de natureza sexual que se descreveram, com intenção de satisfazer os seus instintos libidinosos;
24 - O arguido actuou sempre de modo voluntário, livre e consciente, bem sabendo serem as condutas que adoptou proibidas por lei penal;
25 - O arguido, voluntariamente, aproveitou-se do seu estatuto de funcionário da CPL e das funções que aí desempenhava, as quais lhe permitiam um contacto privilegiado com os alunos, para manter com o menor F. ... ..., que sabia ser aluno interno da Casa Pia de Lisboa, os descritos actos de natureza sexual;
26 - Ao praticar com o menor F. ... ... os actos descritos, o arguido actuou com perfeito conhecimento de que tal menor padecia de um atraso do seu desenvolvimento cognitivo;
27 - O arguido, voluntariamente, aproveitou-se da incapacidade do F. ... ... e do facto de estar internado para o sujeitar aos descritos actos sexuais;
28 - Bem sabia o arguido que ao manter com o menor as mencionadas práticas sexuais, com perfeito conhecimento da idade e estádio de desenvolvimento de tal menor, afectava de forma grave o seu normal e saudável desenvolvimento psíquico, afectivo e sexual;
29 - O F. ... ..., em consequência da penetração anal levada a cabo pelo arguido, sofreu fortes dores;
31 - O F. ... ...revela dificuldades em relatar os factos praticados pelo arguido;'
sendo inequívoco, em face de todo o explanado na presente peça, haverem sido incorrectamente julgados;
h) Na verdade, o depoimento prestado pelo ofendido, ao contrário do que refere o douto acórdão, é inequivocamente um depoimento incoerente, inconsistente e claramente induzido quase na totalidade para respostas 'sim', 'não', 'era';
i) Ressaltam evidentes contradições no seu testemunho que deveriam ter sido tomadas em conta pelo Tribunal 'a quo' aquando a sua decisão ... o que não ocorreu, senão atente-se ao teor das declarações em sentido oposto proferidas pelo mesmo;
j) Para além das evidentes contradições acima descritas, entre outras, o menor mentiu no seu depoimento;
k) O depoimento contraditório do ofendido encontra-se eivado de falsidades;
l) Não entende o ora recorrente como pôde o douto Tribunal 'a quo' considerar o depoimento do ofendido como coerente, sereno e consistente, que o tenha levado a convencer-se que os factos ocorreram quando o próprio acórdão, que ora se quer em crise, de forma peremptória admite que o depoimento daquele apresentou desvios!? O que desde logo consubstancia o presente recurso nos termos e para os efeitos do n.° 2 alínea b) do artigo 410° do Código de Processo Penal;
m) É manifestamente falso que o douto Tribunal não tenha utilizado formas ou expressões que tenham conduzido o ofendido F. ... ...a respostas como 'sim', 'não' ou semelhantes, ao invés do que consta no teor do acórdão ora recorrido;
n) As perguntas efectuadas ao ofendido foram, bastas delas, sugeridas/induzidas a respostas simples;
o) O próprio relatório de perícia sobre a personalidade constante de fls. 145 e ss., nas suas conclusões, referiu que os relatos feitos pelo ofendido F. ... ...'poderão, em termos de probabilidade, corresponder à realidade', aliás como refere ainda o douto acórdão;
p) Trata-se de, apenas, um mero juízo de probabilidade respeitando a todo o relato feito pelo menor no dito exame;
q) Do teor do “Auto de Reconhecimento” é claramente expresso que o ofendido admitiu “ab initio” não saber se o ora recorrente era de facto o autor dos factos por si denunciados;
r) Confrontadas as testemunhas de acusação com a factualidade em apreço nos presentes autos, admitiram nunca ter tido conhecimento de quaisquer queixas que envolvessem o ora recorrente;
s) Em face de todo o exposto, uma conclusão é clara: o ora arguido foi incorrectamente condenado;
t) É inequívoca a insuficiência da prova, que não pode ser colmatada com presunções ou eventuais pressões mediáticas ... o que desde logo consubstancia o presente recurso nos termos e para os efeitos do n.° 2 alínea a) do artigo 410° do Código de Processo Penal;
u) Certo é que o douto Tribunal em acórdão que se quer em crise, formou a sua convicção em declarações prestadas por alguém que o próprio Tribunal admitiu possuir 'desvios' na sua coerência, não aceitando a versão contraditória dos mesmos produzidas em sede de audiência pelo ora recorrente ... não as valorando nem sequer justificando a razão de ser da omissão da respectiva apreciação; o que desde logo consubstancia o presente recurso nos termos e para os efeitos do n.° 2 alíneas a), b) e c) do artigo 410° do Código de Processo Penal;
v) O douto Tribunal formou, igualmente, a sua convicção com base em relatórios de perícia sobre a personalidade do arguido e de relatório de exame médico-legal, onde este admitiu haver sido alvo de violação por mais do que um indivíduo e mais do que uma vez;
w) Em face das patentes contradições de alguém que, como o próprio Tribunal admitiu, possui 'desvios', não se vislumbra como pode tal depoimento ser utilizado para condenar quem quer que seja;
x) Certo é que a testemunha … … expressamente admitiu a possibilidade de o ora ofendido haver sido violado por um tal de …;
y) Já o depoimento das restantes testemunhas em nada incriminaram o ora recorrente, demonstrando uma absoluta falta de conhecimento directo ou sequer indirecto dos factos, desconhecendo toda a factualidade aduzida nos presentes autos;
z) Tendo em consideração todo o retro exposto, é claro, inequívoco e manifesto existir insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, o que desde logo consubstancia o presente recurso nos termos e para os efeitos do n.° 2 alínea a) do artigo 410° do Código de Processo Penal;
aa) No que concerne à restante prova em que o Tribunal baseou a sua decisão, vide relatório de perícia sobre a personalidade bem como o relatório de exame médico-legal, cumpre referir que o Tribunal deveria ter tido em consideração os documentos no seu todo ... o que não fez;
bb) Resulta ainda do douto acórdão que ora se recorre haver, inequivocamente, contradição insanável da fundamentação e entre a fundamentação e a decisão, o que desde logo consubstancia o presente recurso nos termos e para os efeitos do n.° 2 alínea b) do artigo 410° do Código de Processo Penal;
cc) De uma leitura ainda que menos atenta dos factos supra citados, resulta, assim, clara e inequivocamente existir contradição entre os factos provados dos factos dados como não provados, que imporia desde logo ao Tribunal decisão diversa da ora recorrida;
dd) Nesta conformidade, não entende como pôde o douto Tribunal 'a quo' considerar provados os factos acima referidos, visivelmente contraditórios entre si, e haver condenado o ora recorrente fundamentado a sua decisão nesses mesmos factos;
ee) Verifica-se, ainda, uma falha grosseira e ostensiva na análise da prova produzida em audiência de julgamento;
ff) Ocorreu um evidente erro na apreciação da prova feita pelo Tribunal recorrido, o que desde logo consubstancia o presente recurso nos termos e para os efeitos do n.° 2 alínea c) do artigo 410° do Código de Processo Penal;
gg) Deveria o ora arguido ser absolvido com base no princípio da presunção de inocência, sendo este um direito constitucionalmente consagrado, nos termos do artigo 32° da Constituição da República Portuguesa;
hh) Sem prejuízo de todo o retro exposto, e apenas por mero cuidado, uma vez que não se concede a determinação de aplicação de qualquer pena ao ora recorrente, sempre se contraditará, por mera hipótese académica, a medida da pena aplicada;
ii) O douto Tribunal fez, simplesmente, tábua rasa do registo criminal incólume do ora recorrente e do seu passado na instituição, factores fundamentais numa eventual aplicação de qualquer pena;
jj) Sem prescindir do retro exposto, não pode o ora recorrente deixar de manifestar o seu mais profundo repúdio pela condenação cível de que foi, o mesmo, injustamente condenado;
kk) Em face do exposto, deverá o arguido ser absolvido pela existência de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e, em consequência, se assim não se entender,
ll) Deverá o arguido ser absolvido pela contradição insanável entre a própria fundamentação e entre esta e a decisão, se ainda assim não se entender;
mm) Deverá o arguido absolvido pela existência de erro notório na apreciação da prova, se, mesmo assim, não se entender,
nn) Deverá o arguido absolvido porque a análise de toda a prova produzida impõe a conclusão de que não praticou qualquer crime;
oo) Deverá o arguido ser absolvido por não haver praticado os crimes de que foi condenado, conforme todo o retro explanado, e, em consequência,
pp) Deverão ser arquivados os presentes autos com todas as consequências daí advenientes;
qq) Caso assim não seja entendido, o que só por mera hipótese académica se concede, seja reduzida a medida da pena aplicada nos termos e para os efeitos do artigo 71° do Código Penal;
rr) Deverá, igualmente, ser o ora recorrente absolvido por infundado do pedido cível formulado;
ss) Caso seja entendido pelo douto Tribunal a efectivação de renovação de prova, nos termos e para os efeitos da alínea c) do n.º 3 do artigo 412° do Código de Processo Penal, desde já se requer nova inquirição do ofendido e renovação da remanescente prova testemunhal.

3 – Esse recurso foi admitido pelo despacho de fls. 461.

4 – O Ministério Público e o demandante cível responderam à motivação apresentada defendendo a improcedência do recurso (fls. 465 a 480 e fls. 495 a 502, respectivamente).

5 – Neste tribunal, a srª. procuradora-geral-adjunta, quando o processo lhe foi apresentado, apôs nele o seu visto.

6 – Realizada audiência e produzidas as alegações orais, cumpre apreciar e decidir as seguintes questões:
• O recurso sobre a decisão da matéria de facto;
• Os vícios previstos no n.º 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal;
• A medida da pena;
• A condenação em indemnização cível.

II – FUNDAMENTAÇÃO
O recurso sobre a decisão da matéria de facto
7 – O arguido começou por impugnar a decisão do tribunal que considerou provados os factos narrados sob os n.ºs 4, 14 a 19, 23 a 29 e 31 por, em seu entender, terem sido incorrectamente julgados, tendo cumprido, de uma forma minimamente aceitável, as exigências contidas nos n.ºs 3 e 4 do artigo 412º do Código de Processo Penal [1].
Embora denote alguma confusão entre a impugnação da decisão de facto e a mera invocação dos vícios enunciados no n.º 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal, como adiante melhor se explicará, o recorrente indicou os pontos de facto que considerava incorrectamente julgados, as provas que, em seu entender, impunham decisão diversa, fazendo-o por referência aos suportes técnicos, e requereu mesmo a renovação da prova, se bem que esse requerimento tenha sido indeferido por deliberação tomada em conferência, como se pode ver da acta de fls. 569 e 570.
Há, pois, que apreciar este ponto do recurso.

8 – Quanto a esta matéria poderemos dizer, em síntese, que o recorrente põe em causa a decisão do tribunal de ter considerado que ele, valendo-se da ascendência que a sua situação de monitor lhe proporcionava, da pouca idade do F. ... ..., das suas características psíquicas e da carência afectiva em que se encontrava, tinha mantido, pelo menos por duas vezes, relações orais e anais com o então menor.
Analisemos a questão colocada.
Para tanto importa, antes de mais, delimitar os meios e fontes de prova que, nos termos do artigo 355º do Código de Processo Penal, podem ser considerados para a formação da convicção do tribunal.
O Ministério Público, para além do demandante civil e das quatro testemunhas que arrolou (fls. 206 e 207), indicou como prova da acusação formulada os relatórios médico-legais de fls. 49 e 67 [2] e o auto de reconhecimento de fls. 179. O demandante cível limitou-se a arrolar três testemunhas e a fazer referência genérica à prova documental “dos autos”, sem especificar quais os concretos elementos a que se referia (fls. 241 e 242), no que, nesta última parte, foi seguido pelo arguido (fls. 306 a 308).
O tribunal, por sua vez, atendeu, como se pode ver do acórdão elaborado, às declarações do arguido e do demandante civil, ao depoimento de onze testemunhas inquiridas na audiência, que identificou, aos relatórios periciais de fls. 49 a 56 e 145 a 154, ao auto de reconhecimento de fls. 179, ao certificado de registo criminal do arguido e ao processo individual do demandante civil, junto como apenso B.
Embora o tribunal de 1ª instância, como se pode ver das actas de fls. 377 a 383, não tenha dado cumprimento ao disposto na parte final da alínea d) do artigo 362º do Código de Processo Penal [3], entende este tribunal, tendo em conta as indicações fornecidas pelos sujeitos processuais, a que atrás se fez referência, que pode e deve atender aos seguintes meios e fontes de prova [4] :
Prova documental:
 Fls. 13 e 14 – carta aberta elaborada pelo arguido depois de ter cessado as funções de monitor no Lar ... ...;
 Fls. 15 – Registos informáticos do documento de fls. 13/4;
 Fls. 16 – Relação dos internos do Lar ... ...;
 Fls. 32 a 36 – Informação sobre o arguido, elaborada pela testemunha ... ... em 6/8/2003, e seus anexos;
 Fls. 64 e 277 – certificados de registo criminal do arguido;
 Fls. 244 – fotocópia do BI do demandante;
 Apenso A
o Fls. 3 – Declaração de situação de desemprego;
o Fls. 16 – Declaração de tempo de serviço docente do arguido;
o Fls. 88/9 – Contrato administrativo de provimento dos anos de 2000/01;
o Fls. 101/2 – Contrato administrativo de provimento com início em 1/3/2000;
o Fls. 111 – Proposta de admissão do arguido, datada de 28/2/2000, para prestação de 5 horas de apoio educativo;
o Fls. 120/1 – Contrato do arguido como servente, datado de 18/11/1999;
o Fls. 123 – Proposta de admissão do arguido como monitor;
o Fls. 126/7 – Cópia do BI do arguido;
• Apenso B
o Fls. 24 – Fotocópia do BI do demandante;
Relatórios Periciais [5]
 Fls. 49 a 56 – Perícia médico-legal do demandante;
 Fls. 145 a 154 – Perícia da personalidade do demandante;
 Fls. 193 a 198 – Esclarecimentos dos peritos em psicologia sobre as perícias realizadas;
Prova por reconhecimento
 Fls. 179 – Auto de Reconhecimento
Prova Pessoal (documentada no apenso das transcrições e nas cassetes gravadas)
 Declarações do arguido F. ... ...;
 Declarações do demandante cível F. ... ... [6];
 Depoimentos das testemunhas [7], [8]:
 … …
 ... ...
 ... ...
 ... ...
 … …
 … …
 … …
 ... ...
 … …
 ... ...
 … …
 ... ...

9 – Delimitados os meios e fontes de prova atendíveis, debrucemo-nos agora sobre o cerne do recurso que, como se referiu, tem por objecto a decisão que o tribunal tomou quanto aos mencionados pontos da matéria de facto.
Para fundamentar a sua decisão, o tribunal disse, nomeadamente, que:
«O F. ... ..., ouvido na qualidade de demandante cível, descreveu a actuação do arguido e explicou os comportamentos por si suportados apresentando um depoimento coerente, sereno e consistente, mesmo quando contraditado com elementos de pormenor, que levou o tribunal a convencer-se que os factos ocorreram nos moldes em que foram considerados provados.
É certo que o F. ... ...apresentou pequenos «desvios» no decurso do seu depoimento, desvios esses perfeitamente compreensíveis em jovens traumatizados como é o caso. Porém, a demais prova produzida em audiência de julgamento, na convergência dos depoimentos prestados e documentos e relatórios periciais são bem demonstrativos de que o F. ... ...não falou de forma leviana ou infundada, ou de modo a levantar suspeitas sobre a sua personalidade. Para além disso, há que referir que neste tipo de crimes, referentes à intimidade e à vida sexual das pessoas existe, em regra, por parte das testemunhas/vítimas uma certa dificuldade em falar e abordar o assunto.
No caso em apreço essa dificuldade foi patente. Com efeito, o F. ... ...revelou dificuldades em falar de forma espontânea sobre os factos ocorridos. Em face dessas dificuldades, o tribunal, no dever de recolher todos os elementos que considera necessários para construir uma decisão justa, procurou restituir ao Rui a possível dignidade e serenidade para que o mesmo ajudasse a esclarecer o julgador sobre os factos ocorridos. É certo que na senda dessa procura, o tribunal, em face das dificuldades iniciais, utilizou, na inquirição feita ao depoente, expressões e formas para que o mesmo se sentisse à vontade e confortável, formas e expressões que, de modo algum, conduziram a uma «espontaneidade provocada». Basta referir que o tribunal nunca utilizou formas ou perguntas que conduzissem ao F. ... ...a proferir uma simples resposta de «sim ou não».
Para além das declarações em si há que reter e, como referimos supra a propósito da comunicação, a dinâmica do comportamento não verbal de cada um dos depoentes. Na verdade, essa dinâmica revelou-se determinante para o apuramento da respectiva credibilidade, nomeadamente ao nível do tom de voz, pausas entre respostas, olhares, ruborização, movimentos corporais, coerência de raciocínio e reacção imediata à posição contrária, defesa e reafirmação de situações de conhecimento comum, em suma: elementos de prova cuja transcrição seria impossível e cuja apreensão e percepção apenas, e parcialmente, pode ser sindicada mediante a audição da fixação sonora da audiência.
A este propósito, basta recordar a forma que o F. ... ...se apresentou perante o tribunal, sobretudo quando falou sobre os factos: com um olhar cabisbaixo, rosto ruborizado e a sua expressão corporal, particularmente ao nível como colocava e manuseava a mãos, reveladora de que falava verdade.
Para além disso, há que salientar que o F. ... ...descreveu os factos ocorridos de forma pormenorizada e emotiva o que lhe confere uma dimensão de experiências vivenciadas o que revela que os mesmos terão ocorrido e pela forma como os descreveu. O F. ... ...descreveu o espaço físico interior do Lar, descreveu o local onde dormia e a forma como eram distribuídos os rapazes pelos quartos, o local onde o arguido dormia o local, a forma como arguido lhe ordenava que o acompanhasse ao andar inferior, como lhe ordenou que tirasse as calças do pijama, a forma como arguido tirou as suas, o local onde os factos foram praticados, referindo que foi na casa de banho situada no andar inferior onde dormia, relatou a forma como o arguido praticou os actos sexuais, a sequência dos mesmos, descrevendo quer o sexo oral que praticou e o sexo anal e que, quando terminava, havia um líquido que saía do pénis do arguido que este limpava com papel e seguidamente tomava duche.
A credibilidade deste depoimento, além de resultar da sua naturalidade intrínseca, atenta a postura do Rui em julgamento, foi corroborado pela análise feita ao relatório de exame médico-legal de natureza sexual e constante de fls. 49 e ss, de onde se conclui que aquele apresenta sinais físicos compatíveis com a prática de coito anal, e do relatório de perícia sobre a personalidade de fls. 145 e ss consta das conclusões que, em face dos elementos de ordem clínica e psicométrica, os relatos feitos pelo F. ... ...poderão, em termos de probabilidade, corresponder à realidade.
Sobre a autoria dos factos relatados pelo F. ... ...mostrou-se relevante a análise feita ao auto de reconhecimento pessoal constante de fls. 179 no qual o F. ... ...identifica o arguido como sendo o autor dos factos dados como assentes. Reconhecimento esse que, por obedecer aos requisitos enunciados no artigo 147º do Código de Processo Penal, pode e deve ser usado como meio de prova.
Ainda sobre a valoração das declarações feitas pelo F. ... ...cumpre salientar que, neste tipo de crimes, as declarações das vítimas merecem uma ponderada valorização, dado que os factos ocorrem, por regra, em espaços fechados ou escusos, sem testemunhas, a coberto, muitas vezes, da sensação de impunidade dada pelo espaço fechado e pela situação de dependência da vítima.
As testemunhas … … e ... ..., coordenador do lar ... ... e Directora do Lar, respectivamente, depuseram relativamente a aspectos circunstanciais admitidos pelo próprio arguido e referiram as funções que este desempenhava no lar e durante quanto tempo, referiram as características do F. ... ...no que concerne às suas dificuldades a nível cognitivo e a forma como essas dificuldades eram facilmente perceptíveis para quem falava e trabalhava com ele, mais referiram as características físicas do Lar, mostrando-se, no essencial, coerentes, consistentes e sérios de maneira que mereceram credibilidade.
As testemunhas ... ... e ... ... as quais, por terem sido educadoras e monitoras do lar ... ... e colegas do arguido, esclareceram o tribunal quanto ao conteúdo das funções de monitor e educador e por conhecerem o F. ... ...referiram que o mesmo tinha problemas ao nível cognitivo facto esse que era do conhecimento de todos, não por ser um facto perceptível mas, também, por terem sido informados pela Direcção do lar.
Relevante foi, ainda, o depoimento de … … a qual, embora não tendo um conhecimento directo dos factos na medida em que a sua razão de ciência assentou em duas conversas que manteve com o F. ... ..., revelou ao tribunal a forma angustiada e sofrida como este falou sobre os factos o que contribuiu para esclarecer o tribunal quanto às consequências do crime.
As testemunhas … …, … …, … …, … …, ... ... e … … apresentaram-se apenas como abonatórias e revelaram o sentimento de apreço que o colega, amigo e irmão lhes merece, nada de concreto acrescentando relativamente ao objecto do processo uma vez que nada conheciam.
Tiveram-se ainda em conta o teor do processo individual do F. ... ...junto como apenso B no qual consta o seu assento de nascimento e a forma como ingressou na CPL».

10 – Verifiquemos agora quais são os elementos que se podem extrair dos indicados meios e fontes de prova quanto aos concretos pontos da matéria de facto impugnados pelo arguido, em especial quanto à imputação que lhe é feita de ter mantido, durante o período em que foi monitor do Colégio ... ..., ou seja, de 18 de Novembro de 1999 a Maio de 2000, pelo menos por duas vezes, relações orais e anais com o demandante, para saber se eles impõem decisão diversa da proferida.
Para tanto é, antes do mais, fundamental o relatório da perícia médico-legal realizada, do qual resulta que, na observação do ânus, se notava «um franco apagamento das pregas da mucosa, com algumas erosões de coloração nacarada, sobretudo a nível dos quadrantes laterais e uma certa congestão do plexo hemorroidário, sendo de assinalar a marcada hipotonia do esfíncter anal» (fls. 54), sinais estes que «são compatíveis com a prática repetida de coito anal» (fls. 55).
Trata-se de matéria vertida no ponto 20 da narração dos factos provados, que não é impugnada pelo recorrente [9],da qual se pode concluir, como o faz a mencionada perícia, que o demandante foi vítima da prática repetida de coito anal, o que, salvo eventualmente quanto à frequência, é confirmado pelo demandante nas declarações prestadas na audiência.

11 – A questão que seguidamente se coloca é a de saber se os elementos de prova valoráveis por este tribunal impõem decisão diversa da proferida quanto à questão de ter sido o arguido que, durante o assinalado período, praticou os actos que provocaram as lesões constatadas pela mencionada perícia ou que, mesmo não tendo sido ele o causador de tais lesões, manteve relações orais e anais com o então menor, pelo menos por duas vezes, durante o assinalado lapso de tempo.
Sobre essa matéria a principal fonte de prova é o próprio demandante civil que, quer nas declarações prestadas na audiência, quer através do reconhecimento efectuado [10], imputou ao arguido a prática dos actos que se encontravam descritos na acusação e foram dados como provados.
O tribunal de 1ª instância, como se vê da fundamentação transcrita, considerou credíveis tais declarações.
Atendeu, para tanto, à «dinâmica do comportamento não verbal de cada um dos depoentes», que se revelou «determinante para o apuramento da respectiva credibilidade, nomeadamente ao nível do tom de voz, pausas entre respostas, olhares, ruborização, movimentos corporais, coerência de raciocínio e reacção imediata à posição contrária, defesa e reafirmação de situações de conhecimento comum, em suma: elementos de prova cuja transcrição seria impossível e cuja apreensão e percepção apenas, e parcialmente, pode ser sindicada mediante a audição da fixação sonora da audiência». Concretizando, disse que bastava «recordar a forma que o F. ... ...se apresentou perante o tribunal, sobretudo quando falou sobre os factos: com um olhar cabisbaixo, rosto ruborizado e a sua expressão corporal, particularmente ao nível como colocava e manuseava a mãos, reveladora de que falava verdade».
A literatura especializada [11] dá conta de que não existem técnicas suficientemente seguras [12] ou indicadores fiáveis que permitam distinguir uma declaração sincera [13]duma enganosa [14], limitando-se os estudos realizados nos últimos anos a indicar comportamentos que são mais frequentes no primeiro caso que no segundo [15].
Porém, para a utilização dos critérios apontados pela investigação psicológica não basta a análise racional do conteúdo das declarações prestadas, sendo necessário tomar em consideração as formas de comunicação não verbal às quais um tribunal de 2ª instância, mesmo ouvindo as gravações efectuadas, não tem, em grande medida, acesso. Daí que a reapreciação da matéria de facto pouco mais possa ser do que uma análise racional do conteúdo das declarações prestadas e da prova documental e pericial junta [16].
E se bem que se concorde com o recorrente quando ele afirma que as perguntas efectuadas ao demandante não tinham, nem mesmo numa fase introdutória, um carácter aberto [17], nem foram precedidas de uma fase de narração livre [18], não dispõe este tribunal de elementos que lhe permitam afirmar, como faz o recorrente, que as declarações prestadas pelo demandante civil são, no que ao comportamento do arguido diz respeito, falsas.

12 – E embora tais declarações sejam a principal fonte de prova, deve reconhecer-se que a narração que o demandante fez dos acontecimentos [19] é, em certa medida, credibilizada pelas declarações prestadas pelo próprio arguido na audiência uma vez que ele chegou ao ponto de negar o que, aos olhos de todos, era evidente e não podia ter passado despercebido a uma pessoa que, como ele, desde o momento em que iniciou as funções de monitor lidou de muito perto com o F. ... ....
Na verdade, a simples audição da gravação das declarações do demandante e o depoimento das testemunhas arroladas pela acusação, conjugado com as regras de experiência comum, não permitem aceitar que ele, como pretendeu fazer crer ao tribunal, apenas numa fase tardia, quando, meses depois, passou a desempenhar as funções de educador, se apercebeu das dificuldades cognitivas e de comunicação do F. ... ....
Uma tal atitude dificilmente se compagina com a de uma pessoa infundadamente acusada que pretende repor a verdade dos factos.

13 – Não se podendo deixar de reconhecer que não existem depoimentos de responsáveis [20], educadores, vigilantes ou outros educandos [21], que na altura se encontrassem ligados ao Lar ... ..., que suportem directamente as declarações do demandante civil, uma vez que nenhum deles denotou ter tido, na altura, conhecimento dos abusos cometidos, deve dizer-se que tal não é completamente de estranhar dada a natureza dos factos, a personalidade do demandante, o contexto em que esses factos ocorreram e o período relativamente curto em que o arguido permaneceu no lar.
Existem, mesmo assim, em dois desses depoimentos [22] referências a atitudes do arguido com conotação sexual que, embora não tenham por objecto o abuso sexual de menores ou a pornografia infantil, podem ter algum significado e em relação às quais as declarações do arguido, que muito melhor que as testemunhas [23] e o demandante parece dominar as técnicas informáticas e de navegação na Internet, também não são suficientemente esclarecedoras.
Na verdade, as testemunhas ... ... e ... ... declararam que o arguido, em altura não precisamente determinada, mas durante o período em que este prestou serviço como monitor no Lar ... ..., lhes mostrou site ou sites pornográficos na Internet («mulheres nuas e coisas assim», no dizer da primeira das indicadas testemunhas, e «mulheres nuas», no dizer da segunda), coisa que ambas acharam estranho e, até certo ponto, despropositado, se bem que a primeira tenha integrado tal atitude num contexto determinado, que explicou.
Ora, o demandante, nas declarações que prestou, também referiu que o arguido lhe tinha exibido sites dessa natureza.

14 – De tudo isto se conclui que, embora a decisão tomada pela 1ª instância pudesse não ser a única permitida pela prova produzida e analisada em audiência, não pode este tribunal concluir, através dos elementos de que dispõe e que pode valorar, que essa prova impusesse decisão diversa da proferida.
Por isto, nesta parte, o recurso não pode deixar de improceder.

Os vícios previstos no n.º 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal
15 – Os poderes de cognição dos tribunais da relação abrangem quer a matéria de facto, quer a matéria de direito (nº 1 do artigo 428º do Código de Processo Penal), podendo os recursos, sempre que a lei não restrinja a cognição do tribunal ou os respectivos poderes, ter como fundamento quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida (nº 1 do artigo 410º do mesmo diploma).
Por isso, o recorrente, uma vez que considerou ter existido erro na apreciação da matéria de facto, impugnou esse segmento da decisão.
Para tanto, indicou os pontos que considerava incorrectamente julgados, as provas que, em sua opinião, impunham decisão diversa e as provas que entendia deverem ser renovadas (artigo 412º, nº 3, do Código de Processo Penal).
Como o fez, os poderes de cognição do tribunal “ad quem” estenderam-se à reapreciação da matéria de facto, o que levaria a que, se o recurso fosse, nessa parte, procedente, viesse a ser modificada a decisão quanto a ela tomada na 1ª instância (artigo 431º, alínea b), do Código de Processo Penal).
O recurso da matéria de facto, que se funda na existência de um erro de julgamento e implica que o tribunal “ad quem” reaprecie a prova produzida e examinada na audiência de julgamento na 1ª instância, não se confunde com a mera invocação dos vícios da sentença enunciados no nº 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal, que devem resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras de experiência comum. Neste último caso, o objecto da apreciação é apenas a peça processual recorrida.
Demonstrada a existência desses vícios e a impossibilidade de, dada a sua verificação, se decidir a causa, o tribunal “ad quem” determina o reenvio do processo para um novo julgamento (artigo 426º e 426º-A do Código de Processo Penal).
No caso concreto, como se disse logo no início da fundamentação, o arguido parece confundir o recurso sobre a decisão de facto com a mera invocação dos vícios utilizando os argumentos que poderiam fundamentar a alteração da decisão de facto para afirmar a existência daqueles vícios.
Disso é exemplo significativo o sentido que ele atribui à alínea a) do n.º 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal. Na verdade, ao contrário do que afirma, a «insuficiência para a decisão da matéria de facto provada» refere-se à possibilidade de se basear na matéria de facto assente uma decisão jurídica, ou seja, relaciona a matéria de facto com a de direito e não a prova produzida e valorada em audiência com a decisão de facto. «Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada» não significa, de forma alguma, insuficiência da prova produzida e valorada em audiência para a decisão de considerar provados determinados factos.
Ora, se analisarmos com o devido detalhe o acórdão proferido não encontramos nele qualquer dos indicados vícios. Nem mesmo existe qualquer contradição entre as lesões constatadas pela perícia médico-legal e o número de vezes que o tribunal considerou terem existido relações sexuais entre o arguido e o F. ... ..., quer porque o tribunal nada disse sobre a existência, ou não, de outros abusadores, quer porque teve o cuidado de mencionar que o arguido tinha abusado do então menor, “pelo menos”, duas vezes.
Torna-se, por isso, manifesto que não existe qualquer dos indicados vícios.

A medida da pena
16 – Apreciemos então a questão da determinação da medida das penas parcelares e única, tendo em conta que o recorrente não impugnou a decisão do tribunal quanto à qualificação jurídica das condutas e quanto à existência de uma pluralidade de infracções.
Como resulta dos n.ºs 1, alínea c), e 2 do artigo 166º do Código Penal, cada um dos crimes praticados pelo arguido é punível, em abstracto, com prisão de 1 a 8 anos.
Partindo desse parâmetro e tendo em conta, nos termos do artigo 71º do Código Penal, que:
- a vítima tinha, na altura, cerca de 15 anos (nasceu em 20/3/85);
- a vítima apresentava um atraso do desenvolvimento cognitivo, com uma apreciável limitação do juízo crítico e uma maior vulnerabilidade, e estava numa situação de especial carência afectiva;
- a vítima sofreu, em resultado dos abusos, fortes dores;
- o arguido ameaçou a vítima, provocando-lhe medo;
- possui uma formação universitária;
- é bem visto no meio social em que está inserido;
- não tem antecedentes criminais.
considera o tribunal que, atentos os quatro primeiros indicados factores, a ilicitude de cada uma das condutas do arguido excede a mediania compreendida pelo tipo, o que se reflecte na culpa, a qual é agravada pelo facto de o recorrente ser uma pessoa com formação universitária, o que tornava mais exigível um comportamento diferente, e atenuada pela circunstância de ele não ter antecedentes criminais.
Este último factor, aliado àqueles que contribuem para que o arguido seja bem aceite no meio em que se insere e à natureza episódica deste seu comportamento, propiciado por uma situação particular, apontam para que as exigências de prevenção especial não sejam muito intensas.
São maiores, no entanto, as necessidades de pena para satisfazer as necessidades de prevenção geral positiva.
Assim, e atendendo ao exposto, considera o tribunal dever graduar em 3 anos e 6 meses de prisão cada uma das duas penas parcelares.
Operando o cúmulo jurídico, nos termos do artigo 77º do Código Penal, e tendo especialmente em conta que se trata de dois comportamentos semelhantes, praticados sobre uma mesma vítima, num espaço de tempo relativamente curto, entende o tribunal dever fixar em 4 anos de prisão a duração da pena única.
Procede, assim, quanto a este ponto, o recurso interposto.

A condenação em indemnização cível
17 – Resta apreciar a questão da indemnização civil.
O tribunal de 1ª instância fixou, como se disse, essa indemnização em 50.000€, valor acrescido de juros.
Porém, tendo em atenção os parâmetros geralmente utilizados nos dias de hoje pelos tribunais portugueses para a fixação das indemnizações por danos não patrimoniais, o facto de não se encontrar provado que o arguido tenha sido a única ou, sequer, a primeira pessoa a abusar sexualmente do demandante e a circunstância de não se poderem imputar exclusivamente à conduta do arguido as lesões físicas e as consequências psíquicas decorrentes dos abusos reiterados, entende o tribunal dever alterar para 25.000 € o valor dessa indemnização.

III – DISPOSITIVO
Face ao exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em:
a) Conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido F. ... ..., alterando a medida das penas parciais, que passam, cada uma delas, a ser de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, e a pena única, que passa a ser de 4 (quatro) anos de prisão, e o valor da indemnização arbitrada, que passa a ser de 25.000 € (vinte e cinco mil euros), mantendo, em tudo o mais, a decisão recorrida.
b) Condenar o recorrente no pagamento das custas do recurso, com taxa de justiça que se fixa em 5 (cinco) UCs.
c) Condenar o demandante civil nas custas decorrentes do decaimento parcial quanto ao valor da indemnização fixada (artigo 523º do Código de Processo Penal).



Lisboa, 18 de Janeiro de 2006

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(Carlos Rodrigues de Almeida)

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(Horácio Telo Lucas)

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(António Rodrigues Simão)

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(João Cotrim Mendes – Presidente da secção)

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Notas

[1] Exigências essas que dizem respeito à motivação do recurso no seu todo e não, como acontece com as feitas pelo n.º 2 do artigo 412º quanto ao recurso sobre a matéria de direito, às suas conclusões.



[2] No que parece existir manifesto lapso uma vez que o relatório de fls. 67 a 75 se refere a uma outra pessoa que, embora mencionada nas primeiras declarações do demandante durante o inquérito, não veio a ser arrolada e inquirida como testemunha.



[3]O que constitui uma irregularidade não arguida por nenhum dos interessados e de que não há razão para conhecer oficiosamente (artigo 123º do Código de Processo Penal).



[4] Se bem que nem todos sejam relevantes para a decisão das concretas questões colocadas no recurso.



[5] A transcrição das descrições dos factos feitas pelo demandante perante os peritos que realizaram as perícias médico-legal e psicológica só podem, no entender deste tribunal, ser atendidas no âmbito de cada uma dessas perícias para aferir da sua congruência e não como elementos autónomos valoráveis para a formação da convicção do tribunal uma vez que se trata, materialmente, de declarações não lidas no decurso da audiência (artigo 356º do Código de Processo Penal).



[6] Essas declarações não podem ser confrontadas com as prestadas pelo demandante no inquérito, constantes de fls. 4 a 6 e 160 a 162, atento o disposto no artigo 355º do Código de Processo Penal e uma vez que o sr. juiz presidente, embora informalmente, a solicitação também informal da defensora, não admitiu a sua leitura (não obstante o disposto no artigo 356º, n.ºs 2, alínea b), e 5, do referido diploma).



[7] A testemunha … … também foi inquiridas mas o seu depoimento, prestado por vídeo-conferência, não se encontra documentado.



[8] Certamente por lapso, não indicada no acórdão proferido.



[9] E que, portanto, deve ser considerada como definitivamente assente.



[10] Reconhecimento que, na situação em que foi feito, não seria necessário e que, pela forma como foi realizado, nada parece acrescentar à identificação do arguido anteriormente feita pelo demandante. Na verdade, a prova por reconhecimento só deve ter lugar quando a identificação da pessoa não puder ser obtida por qualquer outro meio. Ora, no caso, o demandante civil, nas declarações prestadas durante o inquérito, tinha identificado as pessoas que dizia terem-no ofendido indicando o seu nome, a sua categoria profissional, o local de trabalho e, no caso do arguido, a idade que julgava ter – 39 anos –, o facto de usar óculos e de estar no lar durante o dia e a noite (fls. 5 e 160), o que era suficiente para se saber a quem ele se queria referir. Mas, se não se achassem suficientes estes elementos de identificação e se se considerasse haver necessidade de proceder a reconhecimento, então o painel deveria ser integrado por outras pessoas que reunissem as características indicadas pelo demandante (neste sentido, veja-se, entre outros, WELLS, Gary, e outros, in «Recommendations for properly conducted lineup identification tasks» in «Adult Eyewitness Testimony», coordenado por ROSS, David, READ, J. Don, e TOGLIA, Michael, Cambridge University Press, 1994, p. 223 e segs., WELLS, Gary, e outros, in «Eyewitness Identification Procedures: Recommendations for Lineups and Photospreads», in «Law and Human Behavior», vol. 22, n.º 6, 1998). Ora, ao constituir-se um painel de reconhecimento integrando, para além do suspeito, consabidamente conhecido do demandante, duas outras pessoas dele totalmente desconhecidas e sem qualquer relação com a instituição que frequentou, está-se a retirar qualquer força probatória a este meio de prova. Neste contexto, seria altamente provável que ele viesse a reconhecer o arguido uma vez que era a única cara que lhe era familiar. Se algum efeito esse reconhecimento poderá ter tido, até pela forma como o auto denota ter decorrido, é o de ter incrementado a confiança do demandante na identificação da pessoa que tinha indicado como responsável (ver, neste sentido, WELLS, Gary, OLSON, Elizabeth, e CHARMAN, Steve, in «Distorted Retrospective Eyewitness Reports as Functions of Feedback and Delay», in «Journal of Experimental Psychology: Applied», 2003, volume 9, n.º 1, p. 42-52).



[11] Ver, nomeadamente, VRIJ, Aldert, in «Detecting Lies and Deceit», Wiley, Chichester, 2000, e MEMON, Amina, VRIJ, Aldert, e BULL, Ray, in «Psychology and Law – Truthfulness, Accuracy and Credibility», Wiley, 2ª edição, Chichester, 2003.



[12] Sobre o “Statement Validity Assessment” (SVA), as suas três fases e os 19 factores incluídos no “Criteria-based Content Analysis” (CBCA), veja-se, entre outros, VRIJ, Aldert, ob. cit., Capítulo V, p. 113 e segs.



[13] Independentemente de a narração feita corresponder ao não aos acontecimentos presenciados pela testemunha e ser, portanto, verdadeira ou falsa.



[14] Considerando-se enganosa aquela que corresponde a «uma bem ou mal sucedida tentativa deliberada de, sem aviso prévio, criar noutra pessoa uma crença que quem comunica considera não ser verdadeira» (in MEMON, Amina, e outros, ob. cit. p. 7).



[15] Sobre a possibilidade de se descobrir uma falsidade nas respostas verbais e não verbais, veja-se, nomeadamente, GULOTTA, Guglielmo, e outros, in «Elementi di Psicologia Giuridica e di Diritto Psicológico», Giuffrè Editore, Milano 2002, p. 504 e segs. e NEUBURGER, Luisella de Cataldo, e GULOTTA, Guglielmo, in «Trattato della Menzogna e dell’inganno», Giuffrè Editore, Milano, 1996, p. 217 e segs.



[16] Como já se afirmou, por exemplo, no acórdão proferido no processo n.º 5346/04.



[17] O que era essencial numa primeira fase da prestação de declarações (ver FISHER, Ronald, e GEISELMAN, Edward, in «Memory-Enhancing Techniques fot Investigative Interviewing», Charles C. Thomas, Springfield, 1992, p. 73 e segs.).



[18] O que se pode compreender pelas dificuldades cognitivas e de expressão do F. ... ...e pela perturbação que a narração de actos que se incluem na esfera da intimidade sempre provoca.



[19] Cuja credibilidade não pode assentar na perícia psicológica efectuada – perícia essa cuja realização apenas está prevista no Código de Processo Penal para os menores de 16 anos vítimas de crimes sexuais (artigo 131º, n.º 3, do Código de Processo Penal) – uma vez que a versão dos factos narrados à perita pelo demandante civil não coincidem, em alguns aspectos, com as prestadas na audiência de julgamento e porque o perito apenas pode e deve pronunciar-se sobre a capacidade da pessoa em causa conservar em memória e reproduzir os acontecimentos que presenciou, ou seja, sobre os aspectos perceptivos e cognitivos do depoimento, e não sobre a sua credibilidade. Este juízo pertence, inexoravelmente, ao tribunal.



[20] Nomeadamente não se encontra qualquer apoio nos depoimentos das testemunhas ... ..., que só teve conhecimento da matéria dos autos através de um inspector da Polícia Judiciária que o contactou para o ouvir, e ... ... , que só teve conhecimento depois da acusação do Ministério Público no processo de que foi extraída a certidão que deu origem a estes autos.



[21] De todos os educando ouvidos no inquérito que, no dizer do demandante, também teriam sido vítimas de abuso por parte do arguido ou teriam conhecimento dos factos por ele relatados, nenhum foi arrolado como testemunha ou ouvido na audiência.



[22] Existem em dois outros depoimentos – o de … … e de ... ... – referências a facetas do episódio a que aludem as testemunhas ... ... e ... .... Trata-se, porém, de depoimentos indirectos em que não se identificaram as pessoas a quem a informação é atribuída ou, nos casos em que foram parcialmente identificadas, essas mesmas pessoas não foram ouvidas na audiência, sem que se estivesse numa das situações previstas na parte final do n.º 1 do artigo 129º do Código de Processo Penal.



[23] Dos seus depoimentos resulta a ideia de que poderiam estar a falar de coisas diferentes que se podem ter verificado (ou não) simultaneamente. Uma coisa é o acesso a sites pornográficos e outra, diferente, é o acesso a sites que propiciam o conhecimento e o relacionamento (sexual ou de outro cariz, exista, ou não, a inclusão de fotografias dos participantes) entre as pessoas.