I. O recurso sobre despacho que verse indeferimento de diligências requeridas em qualquer fase do processo só deverá subir com o que vier a ser eventualmente interposto da decisão final ( final, em função da respectiva fase processual ), nos termos do art. 407.º n.º 3 do CPP.
II. Com o entendimento acima defendido, de não se verificar inutilidade absoluta do recurso com o regime de subida dos mesmos, não se mostram violados os direitos de defesa fundados no art. 32.º CRP, tal como muito claramente se decidiu no ac. do T. Const. n.º 68/00, de 9/2/2000.
Proc. 10148/05 9ª Secção
Desembargadores: João Carrola - Carlos Benido - Ana Brito -
Sumário elaborado por Paulo Antunes
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Acordam, em conferência, na 9.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:
I.
No Proc. 1048/99.1 TDLSB da 2ª secção da 4ª Vara Criminal de Lisboa, o arguido F ..., inconformado com o teor dos despachos, proferidos pelo Juiz titular dos autos, de fls. 609 dos autos– que, apreciando requerimento feito em sede de contestação crime apresentada pelo arguido mencionado em que eram requeridas diligências, decidiu relegar para a audiência de julgamento a utilidade e necessidade de tais diligências - e de fls. 716 - que, acerca de documentos apresentados pelo recorrente, mencionou retirar do mesmo documento um determinado facto e, acerca de documentos que o arguido anteriormente requerera ao tribunal a respectiva obtenção a entidades bancárias (e que haviam ficado de ser apreciado pelo tribunal em sede de julgamento), determinou que a respectiva junção ficaria ao critério do arguido concedendo-lhe, para tanto, o prazo de 60 dias - decisão instrutória que os pronunciou e indeferiu a arguição de questões prévias e incidentais - a nulidade do despacho que determinou intercepções telefónicas e a nulidade das mencionadas intercepções telefónicas -, veio interpor recurso dos mesmos.
Formulou então as seguintes conclusões:
- quanto ao primeiro recurso:
“1- A defesa aplica-se e exerce-se com relevância desde o inicio de audiência de julgamento, que é o universo de produção e apreciação da plenitude da prova e onde a defesa se começa exercer após a culpa formada (artigo 355º n.° 1 e 340° CPP).
2- É direito da defesa, e inerente a esta, formar-se, definir-se e aplicar-se antes da audiência se iniciar, portanto antes de começar a ser aplicada exercida na audiência, (artigo 322 n.2 1 da CRP) salvo quanto à excepção prevista no artigo 340° da CPP, conforme prevêem os arts 341° e segs, nomeadamente 355° do CPP
3- Os documentos solicitados nos 8 pontos da contestação de fls. 28 e 29 da mesma, tal como em geral os documentos requeridos sobre factos da contestação, definem o quadro que a defesa tem que enfrentar, e sobre o qual se concebe e organiza. Tal implica que a documentação pertinente e a documentação requerida se devam encontrar no processo antes da ocasião de se aplicar a contestação e a defesa inerente. Antes da prova oral se começar a exercer.
4- O poder de disciplina e direcção da audiência por parte do Tribunal não pode ser susceptível de prejudicar os direitos e as garantias da defesa, sob pena de violação do artigo 32º n.º 1.
5- Na medida em que não permita a produção de prova a actuação pela defesa conforme esta se organizou com base na lei e começou a aplicar-se ao longo da audiência o artigo 323° a) do CPP prevê uma inconstitucionalidade ao permitir a alteração da ordem de prova legalmente fixada sem o acordo da defesa. Viola as garantias de defesa do arguido artigo 32º da CRP
6- A defesa não se pode prejudicar por razões processuais de que é alheia. A falta de conhecimento de documentação solicitada na contestação pode gerar prejuízos irreversíveis na defesa e na justiça do processo. A verdade a apurar no processo deve ser completa e não dispersa (em cada passo da audiência de julgamento cria-se uma realidade processual, convicções e verdades formais susceptíveis de prejudicar irreversivelmente a defesa).
7- Sendo o domínio da defesa do arguido exclusivamente pertencente a este, a falta de documentação requerida na contestação para provar factos da contestação, como tal admitida, viola as garantias constitucionais de defesa. Essa falta de documentação pelo menos atempada é susceptível que prejudicar a defesa por se ver forçada a actuar em julgamento com respectivo desconhecimento, mas também porque muito pragmaticamente poderá expor-se, não prevenir em função destes documentos, evitar questões, evitar dispersão, perder eficácia, força ou alcance provatório na sua acção em audiência. Ou simplesmente por falta de prevenção oportuna de defesa contra esses documentos, por falta de recurso oportuno aos mesmos durante a produção de prova em audiência anterior à chegada dos documentos.
8- Viola-se assim o artigo 322 n.° 1 da CRP, arguindo-se desde já a inconstitucionalidade do Despacho recorrido pelas razões das conclusões anteriores e das seguintes.
9- A falta dos documentos solicitados desde o primeiro momento da audiência, em que a prova começa a ser valorizada em conjunto com o que os autos vão revelando, constitui uma subtracção ilegal e inconstitucional de um meio de prova e da eficácia que este deveria ter, e que será desde o início da audiência em que começa a valoração a apreciação conjunta de prova.
10-Desde o frustado reato de instrução que o arguido demonstrou pretender que essa documentação era essencial para a sua intervenção no processo e produção de prova, que, é seu direito ter-se iniciado desde o início da audiência com a prova documental que pretendia.
11- As exposições introdutórias, tomadas de posições sobre questões incidentais, o exercício total ou parcial do direito ao silêncio, o conteúdo e interesse ou gestão do contra interrogatório às testemunhas de acusação, o poder confrontar coarguido assistente e testemunhas de acusação sem possibilidades de premeditação (genuinidade da 12 vez que se insta a testemunha) com os documentos, a simples valoração de prova desde o inicio do processo à luz da documentação solicitada, a habilitação do Tribunal para a condução da audiência e gestão das questões colocadas e o conhecimento do conteúdo da documentação para a defesa se organizar, podem ser decisivos para a formação da convicção do Tribunal e para a descoberta da verdade. E não podem, ficar prejudicadas, bem como a defesa, pelo menos no inicio da audiência, com a privação decretada dos documentos e diligências requeridos. Contra o que repete-se, foi requerido na contestação para a sua prova e para a defesa nela consagrada. O prejuízo inicial é susceptível de provocar o prejuízo do restante exercício da defesa e da apreciação restante da prova.
12-Não tem o Tribunal o direito a rejeitar um qualquer meio de prova, e a respectiva eficácia desde o momento em que deveria ser produzido, desde antes da audiência que a defesa requereu por necessária e pretender necessária à sua defesa, sendo soberana e 'in'dependente de justificação nesta sua pretensão. Tanto não pode rejeitar uma testemunha, como um documento, ou a diligência para o obter, já que o arguido não os detém nem pode suprir a sua falta com outra prova.
13-Não sendo de indeferir tem que se admitir as diligências e documentos requeridos nos referidos 8 pontos da contestação. Não havendo lei que permita deferir mediatamente.
14- Não há justificação (nem o Despacho foi fundamentado, como exige a lei) nem fundamentação legal admissível para a diligência de obtenção de meio de prova requerida não ser aplicada imediatamente.
15- Com o despacho recorrido ofende-se as garantias de defesa constitucionalmente consagradas: artigo 32° n.2 1 da CRP. E o contraditório, artigo 322 n.2 2. Por muito que não se queira o que ocorrer durante o julgamento antes dos documentos serem juntos já afectou a apreciação de prova, e não há novo contraditório sobre a prova produzida antes de juntos os documentos que apague o primeiro (e viciado) contraditório do espirito dos julgadores. O contraditório privado dos meios de prova possíveis está viciado mas é também viciantes, na medida em que no espirito dos julgadores e nas edificações de convicções por eles já formadas, nunca deixará de estar presente.
16- O Tribunal a quo deveria ter, em consequência com essas normas e o princípio da defesa livre e independente que enferma o direito penal, deferido as requeridas diligências para prova documental.
17- Na parte que se pronúncia sobre a perícia o Despacho recorrido condiciona ilegalmente exercício do 'direito ao silêncio' parcial ou total, artigo 612 c) do CPP. E faz o exercício do direito aos silêncio' condicionar o direito à perícia, (artigo 154° do CPP) uma vez que exercendo-se o direito ao silêncio priva-se o Tribunal de fazer a sua apreciação positiva do arguido de que defende o seu assentimento à realização das perícias pretendidas.
18- Viola-se pois a integridade do artigo 61° c) e o direito À perícia previsto nos arts 155° e 1512 e segs do CPC.
19- O Tribunal não tem nem se pode arrogar com conhecimentos técnicos para fazer uma apreciação, pela sua própria observação e conhecimento, para aferir da razão e pertinência do reqto de perícia requerido. Tal apreciação exige competência técnica que o arguido não tem. Ainda que preliminar. A aferição em que o Tribunal se reserva e arroga lograr é técnico científico e é ela própria objecto da perícia. Trata-se pois de uma ilícita (artigo 1522 e 1532 do CPC) invasão e também substituição de competência que não pode basear a decisão de realizar a perícia.
20- A lei não lhe permite nem lhe atribui ou reconhece tal competência técnica que o Despacho pressupõe.
21- Viola-se pois também aqui o artigo 322 n.° 1 da CRP ofendendo-se claramente as garantias de defesa do arguido que se prejudicam com a condicionação da perícia ao exame prévio do Tribunal. Devendo naturalmente por força dessa norma e do artigo 315° e 151° e sgts do CPP ter-se admitido o requerido imediatamente sem quaisquer limitações.
22- Devendo a perícia consumar-se antes da prova testemunhal.
23- Aliás em relação a tudo quanto concluído: Desde que a defesa entenda pertinente, está retirado ao Tribunal decidir e limitar o que é pertinente à defesa, excepto por razões de prazo para exercer a defesa. Sob pena de violação da estrutura do processo penal instituído e dos seus mais fortes valores como o direito à defesa independente, o direito ao silêncio_ o caracter privado pessoal e sigiloso das razões da defesa etc.
Porque ao contrário o arguido o Tribunal não domina até ao encerramento da audiência o universo das razões que podem relevar para a defesa.
24- Tem, por consequência, e sob pena de ilegalidade e inconstitucionalidade que deferir-se imediatamente as diligências de prova documental requeridas nos pontos 1 a 8 da pag. 28 e 29 da contestação, e tudo quanto requerido quanto à prova pericial na contestação, para que se respeite as garantias e direitos do arguido, ordenando-se a não realização da audiência do julgamento enquanto não forem, obtidas tais provas. E caso esta se tenha iniciado dando-se sem efeito os actos já realizados em audiência.
25- Deverá revogar-se a parte recorrida do Despacho sob recurso, por ilegal e inválido, e inconstitucional e dando-se a mesma sem efeito, e deverá decidir-se conforme conclusão anterior.”
- quanto aos segundo dos recursos:
“Relativamente á decisão sobre o 1°) de fls 716:
1-O despacho decidiu antecipadamente matéria de facto que cumpria à sentença e em sentido contrário ao que a prova impunha: doc de fls 699 versus toda a documentação dos autos com o nome da assistente (incluindo procuração judicial).
2-Violou o art° 32n°1 da CRP, como o art 355 n°1, 365 n°3 e ainda incorreu no previsto no art 120 do CPP ainda que a prova seja apreciada livremente (art° 127).
3-Estes artigos do CPP deveriam ser aplicados no sentido de se aguardar pela audiência e só decidir a matéria na deliberação prevista no art 365 do CPP
4-Mas a decidir-se logo, deveria decidir-se no sentido dos únicos meios de prova produzidos: vd o documento de fls 699 face aos restantes do processo que mencionam a G … reconhecendo que esta sociedade não é a G …, Sociedad Unipersonal,.
5-Nem a assistente (tal como sempre identificada) jamais foi uma sociedade unipessoal. Provado ficou apenas que há dois tipos de sociedades, uma SA outra unipessoal que comungam de parte de nome. Ambas personalidades diferentes, ainda que com possíveis relações de grupo.
Por isso nada se poderia provar em relação ao Sr H … e assistente nem a pretendida data concreta de 1998. Nem os poderes para movimentar cheques etç, ... Houve um erro notório de apreciação da prova.
Relativamente á decisão sobre o 2) a) de fls 716:
6- Integra a defesa constitucionalmente assegurada ao arguido, a possibilidade de juntar e de fazer o tribunal juntar aos autos os documentos que desde a instrução (foram então e até hoje requeridos e negados) reputa essenciais para a sua defesa e para a verdade.
7-Os documentos cuja junção foi requerida no ponto 1 de jls 28 da contestação estão na posse das respectivas entidades bancárias e não do assistente. E requereu-se que se ordenasse a junção àquelas, e não ao assistente. Negou-se o requerido, e criou-se um absurdo, certamente por descuido. Deve deferir-se conforme se requereu. Mas entretanto a defesa foi prejudicada pelo engano. O art° 32 n°1 da CRP impõe a revogação do despacho e o deferimento do requerido.
8- Decidir corno o despacho recorrido que determinou 'juntará a assistente querendo...' é alienar a defesa e o destino do processo para as mãos do assistente que até se pode dar ao luxo de legitimamente subtrair meios de prova.
Tal decisão é objectivamente indeferir o requerido nos pontos 1 a 8 de fls 28 e 29 da contestação.
9- Para além de ser aberrante colocar a defesa do arguido, o tribunal, e a decisão da causa dependente da vontade interessada do assistente e peticionante cível, fere o direito constitucional do arguido previsto no art° 32 n°1 da CRP de ver asseguradas todas as garantias de defesa.
10- Sem prejuízo da litigância de má fé, a defesa é soberana e intangível no seu conteúdo, estratégia e organização, e exclusiva do arguido. As razões que justificam o direito ao silêncio em conjunto com defesa activa justificam que não se possa onerar a defesa da justificação da pertinência dos actos que pratica ou requer.
Daqui decorre que não poderia a defesa ser prejudicada pela eventual falta de justificação de pertinência do que requereu. O mesmo resulta da constatação de até ao fim (pelo menos) da audiência o tribunal não dominar os factos do processo para poder garantir o desinteresse dos documentos.
11- Uma vez que o arguido pede ao tribunal e reputa de interesse determinado meio de prova não pode o tribunal activa ou omissivamente nega-lo e demitir-se do exercício dos seus poderes para o conseguir. Basta que a defesa pretenda certo meio de prova que ninguém lhe o pode retirar. A menos que o tribunal lhe elimine todas as possibilidades dele poder ser relevante. O que até, por falta absoluta de fundamentação, nem foi o caso.
12-Não sendo de indeferir tem que se admitir as diligências e documentos requeridos nos referidos 8 pontos da contestação.
13- Jamais o tribunal pode interferir na defesa nem subtrair um meio de prova sem ter a certeza que é dispensável ou impertinente, senão quando a convicção do tribunal poder estar formada e concluída, o que por definição só acontece a final.
14- Todos os documentos pedidos nos pontos 1 a 8 do requerimento de prova da contestação são necessários à defesa. Como resulta do próprio requerido em confronto com a própria contestação. Mas também porque o arguido o requereu, porque quando o requereu logo o alegou, e porque além de o declarar e é manifesta a respectiva utilidade, desde o reato de instrução e na Contestação.
14- Não é só a defesa que declara o interesse dos documentos para a causa. É o Tribunal que não o nega. Quem aprofunde o conhecimento sobre o processo e repare nas diversas causas de exclusão, na excepção de não cumprimento, na falta de apropriação na inexistência ou na ineficácia de endosso... e o mais contestado, não pode deixar de reconhecer a urgência dos documentos pedidos através da autoridade do tribunal.
15-O despacho recorrido não nega a pertinência e relevância dos documentos cuja exigência se requereu. Mas contraditoriamente condena o arguido à dependência da vontade do assistente interessado na condenação do arguido e destruição da defesa bem como noutros interesses de defesa do próprio assistente por determinadas condutas. Mais, faz depender a decisão a decisão da junção dos documentos sobre o facto de em poder de quem estão! Se estivessem em poder do arguido admitia a junção, não estando admite e responsabiliza-se pela sua não junção!
16-0 despacho recorrido: ou julgava e fundamentava conforme exige o art° 97 n°4 do CPP que os documentos não tinham interesse para a causa; ou porque para formar o seu julgamento tem que ouvir a defesa até ao fim, teria que admitir a susceptibilidade do interesse dos documentos e só lhe restava ordenar aos bancos e assistente a sua requerida junção. Não podendo e não tendo exercido a primeira alternativa está obrigado à segunda!
17- O despacho recorrido não negou a pertinência, logo necessidade, da documentação requerida na contestação mas não a garantiu para o processo quando a defesa lhe declarou ser necessária. E quando o tribunal é obrigado a não prescindir do que possa ter relevância para a defesa, já que para o próprio tribunal não é admissível condenar um inocente.
18- E com tudo o concluído ofendeu os direitos e garantias constitucionais do arguido à defesa.
Por tudo o concluído o despacho recorrido violou o art 32 n° 1 da CRP.
Cumprir o art 32 n°l da CRP era neste caso ordenar a requerida junção dos documentos pedidos nos pontos 1 a 8 do reqto de prova da contestação, a fls 28 e 29 desta.
19- Sendo o domínio da defesa do arguido exclusivamente pertencente a este, este é que sabe como e que defesa quer, a falta de documentação requerida na contestação para provar factos da contestação, como tal admitida, viola as garantias constitucionais de defesa. Essa falta de documentação pelo menos atempada é susceptível que prejudicar a defesa pelo seu desconhecimento mas também porque poderá expor-se, não prevenir em função destes evitar questões, dispersão, perder eficácia, força ou alcance probatório na sua acção em audiência. Ou simplesmente por falta de prevenção oportuna de defesa contra esses documentos.
20- Acresce que no pedido cível se pediu a mesma documentação que nos termos dos artgs 519 a 535 do CPC sempre teriam que ser fornecidos. O despacho recorrido contrariou estas normas, e por maioria de razão violou o art 340 do CPP. À inconstitucionalidade soma-se a ilegalidade.
21- Também integra as garantias constitucionais asseguradas ao arguido por esse preceito constitucional a garantia de desde o inicio da audiência (momento a partir do qual se inicia a formação da convicção do Tribunal), já estarem no processo os documentos exigidos. Viabilizando designadamente o confronto dos documentos com a genuidade do seu primeiro depoimento de testemunha. O momento da produção de prova tem consequências na sua valoração e na valoração dos meios de prova antecedentes. Ora essas consequências não podem prejudicar a defesa. Esta mera possibilidade aberta pelo despacho é um prejuízo inconstitucional da defesa.
22- A defesa não se pode prejudicar por razões processuais de que é alheia. A falta de conhecimento de documentação solicitada na contestação pode gerar prejuízos irreversíveis na defesa e na justiça do processo. A verdade a apurar no processo deve ser completa e não dispersa (A segurança jurídica sendo um fim prioritário da justiça, que prevalece sobre a justiça material cria uma realidade processual e verdades formais susceptíveis de prejudicar irreversivelmente a defesa).
23- No início da audiência o arguido tem direito a prever a prova documental que defronta para poder organizar e fazer as opções e compromissos da sua prova. Este direito ao quadro probatório que envolve o processo e sobre o qual desde o inicio se exerce e organiza a defesa está tutelado pelo mesmo art 32 n° 1 CRP bem como em parte o art° 120 d) do CPP.
24- Os documentos solicitados nos 8 pontos da contestação de fls. 28 e 29 da mesma, tal como em geral os documentos requeridos sobre factos da contestação, definem o quadro que a defesa tem que enfrentar, e sobre o qual se concebe e organiza. Tal implica que a documentação pertinente e a documentação requerida se devam encontrar no processo antes da ocasião de se aplicar a contestação e a defesa inerente.
26- A defesa aplica-se e exerce-se com relevância desde o início de audiência de julgamento, que é o universo de produção e apreciação da plenitude da prova e onde a defesa se começa exercer após a culpa formada (artigo 355° n.2 1 e 340° CPP).
27- É direito da defesa e inerente a esta formar-se definir-se e aplicar-se antes da audiência se iniciar, portanto antes de começar a ser aplicada exercida na audiência, artigo 32º n.º 1 da CRP salvo quanto à excepção prevista no artigo 340° da CPP, conforme prevêem os arts 341° e segs, nomeadamente 355°.
28- Violou-se portanto o artigo 32º n.º 1 da CRP, arguindo-se desde já a inconstitucionalidade do Despacho recorrido pelas razões das conclusões anteriores e das seguintes.
29- As exposições introdutórias, tomadas de posições sobre questões incidentais, o exercício total ou parcial do direito ao silêncio, o conteúdo e interesse ou gestão do contra interrogatório às testemunhas de acusação, o poder confrontar co-arguido assistente e testemunhas de acusação sem possibilidades de premeditação com os documentos, a simples valoração de prova desde o inicio do processo à luz da documentação solicitada., a habilitação do Tribunal para a condução da audiência e gestão das questões colocadas, podem ser decisivos para a formação da convicção do Tribunal e para a descoberta da verdade e não pode, ficar prejudicadas bem como a defesa, com a privação decretada dos documentos e diligências requeridos pelo menos no inicio da audiência. Contra o que repete-se, foi requerido na contestação para a sua prova e para a defesa nela consagrada.
30- Tem, por consequência, e sob pena de ilegalidade e inconstitucionalidade que deferir-se imediatamente as diligências de prova documental requeridas nos pontos 1 a 8 da pag. 28 e 29 da contestação, para que se respeite as garantias e direitos constitucionais do arguido, ordenando-se a não realização da audiência do julgamento enquanto não forem, obtidas tais provas.
31- Deverão revogar-se por inconstitucionais e ilegais as partes recorridas do Despacho sob recurso por inconstitucional, ilegal e inválido. Dando-se sem efeito o despacho deverá o Tribunal ad quem julgar e determinar conforme conclusão anterior.”
A tais motivações e conclusões veio o Digno Magistrado do Mº Pº junto daquele tribunal responder concluindo que tais recursos não têm razão de ser já que as diligências requeridas pelo arguido na sua contestação vieram afinal a ser deferidas pelo que aos recursos deve ser negado provimentos.
O M.mo Juiz titular dos autos manteve os despachos em questão.
Neste Tribunal, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto teve vista dos autos, elaborando parecer em que propugna ser de alterar o regime de subida dos recursos devendo-lhe ser fixada a subida deferida com o que vier a ser eventualmente interposto da decisão final.
Foi dado cumprimento ao disposto no art.º 417º n.º 2 CPP não tendo o recorrente apresentado qualquer resposta.
II.
Colhidos os vistos legais, cumpre agora apreciar e decidir, começando pela questão suscitada pelo Digno Procurador-Geral Adjunto no seu parecer.
Os despachos em recurso, da autoria do juiz titular dos autos, versam, o primeiro, requerimento de diligências formulado em sede de contestação crime pelo arguido/recorrente remetendo a sua apreciação para a audiência, e o segundo, para além de se manifestar sobre documento junto aos autos pelo recorrente dele extraindo uma conclusão fáctica, remete para a disponibilidade, com prazo, do arguido/recorrente a apresentação de documentação que o mesmo anteriormente requerera ao tribunal a obtenção.
Tais recursos foram admitidos – certidão a fls. 151 dos presentes - e foi-lhes fixado o regime de subida imediata na sequência do pretendido pelo recorrente que nas suas alegações expressamente o referia por entender que a respectiva retenção os tornaria absolutamente inúteis e invocava, em favor de tal pretensão, o disposto no art.º 407º n.º 2 CPP.
Este Tribunal vem entendendo que o recurso que sobe imediatamente porque a sua retenção o torna absolutamente inútil é “tão só aquele que, seja qual for a solução que o Tribunal Superior lhe der, ela será sempre completamente inútil no momento de uma apreciação diferida, mas não aquele cujo provimento possa conduzir à eventual anulação do processado posterior à sua interposição”, não sendo de “confundir inutilidade do recurso com eventual anulação do processado; a inutilidade do recurso respeita ao próprio recurso e não à lide em si; só se verifica a inutilidade absoluta do recurso, quando, seja qual for a solução que o Tribunal Superior lhe der, ele já é absolutamente inútil no seu reflexo sobre o processo” (Ac. desta Relação de 96.11.5, proc. 479/96).
O n.º 2 do art. 407º CPP invocado no despacho que admitiu o recurso e fixou o seu regime de subida pressupõe que da retenção resulte a inoperância total, ou seja, que com a demora da subida, se esgote todo o efeito útil que através do recurso se procurava obter .
Ora, in casu, a fixação do regime de subida diferida, embora possa atrasar o efeito que através do recurso se pretende obter, não o torna absolutamente inútil - neste sentido Ac. Rel. Lisboa, de 96.1.10, CJ 1/96-148.
“Se o facto do provimento final do recurso inutilizar ou prejudicar termos e actos praticados pudesse enquadrar-se no n.º 2 do art. 407º, a subida imediata e em separado dos recursos das decisões interlocutórias passaria a ser a regra geral, pois que, continuando o processo a correr apesar da interposição do recurso, quando este venha a ser provido quase sempre terão de ficar sem efeito actos e termos já processados. (…) Quanto aos recursos ordinários e relativamente aos recursos com efeito meramente devolutivo, a decisão pendente de recurso comporta-se em regra como acto eficaz sujeito a condição resolutiva - Prof. Castro Mendes, Recursos, 1980, pág. 54.” (Ac. Rel. Lisboa, de 92.6.30, CJ 3/92-254).
Com idêntico entendimento acerca da inutilidade absoluta de recurso como fundamento da subida imediata se pronunciaram os acórdãos deste Tribunal da Relação de Lisboa de 29/04/97 proferido no P.º 22405, relator Pulido Garcia, e de 16/11/00 proferido no P.º 71049, relator Cid Geraldo, in www.dgsi.pt/jtrl.
Para além disso, e independentemente de se perfilhar a tese vertida na resposta do Magistrado do Mº Pº junto da primeira instância às motivações de recurso em que propugna que as diligências não foram indeferidas e como tal os recursos “não têm razão de ser”, face ao acima explanado acerca da inutilidade absoluta do recurso em caso de retenção do mesmo, sempre é certo que o recurso sobre despacho que verse indeferimento de diligências requeridas em qualquer fase do processo só deverá subir com o que vier a ser interposto com o eventualmente interposto da decisão final (final, em função da respectiva fase processual).
Tal é o entendimento perfilhado unanimemente pela jurisprudência dos nossos tribunais superiores, quer relativo a diligências em sede de inquérito – vide acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 14/02/2000 proferido no P.º 0012156, relator Silva Baptista -, quer em sede de instrução – vide acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 21/02/95, 15/03/95, 21/02/96, 24/09/97, proferidos nos P.ºs 0082195, relator Aragão Barros, 0339343 e 0000943, relator Santos Monteiro, 0056453, relator Santos Carvalho, e do Tribunal da Relação do Porto de 29/05/96 proferido no Pº 9610183, relator Baião Papão -, quer em sede de julgamento - acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 18/07/94, 1/02/95, 14/02/95, e 17/07/02, proferidos nos P.ºs 0334453, relator Cotrim Mendes, 0337663, relator Dinis Alves, 0081255, relator Teixeira Pinto e 0046173, relator Rodrigues Simão, e do Tribunal da Relação do Porto de 17/05/95, proferido no P.º 9540315, relator Neves Magalhães, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
No caso presente, o que pode vir a suceder com a eventual procedência dos recursos, é que seja anulada a decisão final a ser proferida ou, maxime, o julgamento e seja determinada a realização das diligências - se se vier a mostrar que as mesmas acabaram por não ser efectuadas em sede de audiência de julgamento - dando-se assim satisfação à pretensão do recorrente, em nada ficando prejudicados os seus direitos.
E os, muito frequentemente, invocados pelo recorrente direitos de defesa, fundados no art.º 32º CRP, não se mostram violados, com o entendimento acima defendido de não se verificar inutilidade absoluta do recurso com o regime diferido de subida dos mesmos, tal como muito claramente se decidiu no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 68/00 de 9/02/2000 in www.w3b.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos, onde é referida jurisprudência constitucional acerca dessa matéria e para cujos fundamentos remetemos o recorrente.
Não ocorre, portanto, a situação prevista no n.º 2 do art. 407º, devendo o recurso subir conjuntamente com o que vier a ser interposto da decisão que ponha termo à causa, nos termos do n.º 3 do daquele artigo.
*
III - Pelo exposto decide-se alterar o regime de subida dos recursos, determinando que os mesmos subam diferidamente, nos próprios autos, com o que for interposto da decisão que ponha termo à causa, nos termos do art. 407º, n.º 3 CPP e, em consequência, obsta ao seu conhecimento e se determina a baixa dos autos à 1ª instância.
Sem tributação.
Feito e revisto pelo 1º signatário.
Lisboa, 26 de Janeiro de 2006.