Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Jurisprudência da Relação Criminal
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 - ACRL de 20-10-2004   Fraude fiscal. Elementos objectivos e subjectivos do crime.
I – Integra todos os elementos objectivos e subjectivos do crime de fraude fiscal, matéria de facto provada, em que se apura a materialização do plano do arguido e da sociedade que representa, consistindo na elaboração de documentos sem correspondência com a realidade mas aptos a, na contabilidade da empresa, vir a representar um conjunto de despesas que não existiam, viciando o controle da matéria colectável que levaram a uma diminuição artificial do lucro tributável;II – Provando-se ainda que, o arguido agiu com vista a, assim, obter para si e para a empresa vantagem patrimonial indevida.
Proc. 5329/04 3ª Secção
Desembargadores:  Miranda Jones - Varges Gomes - Teresa Féria -
Sumário elaborado por Maria José Morgado
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Rec.5329/04 Acordam em audiência na Secção Criminal Do Tribunal da Relação de LisboaNo 2º juízo do Tribunal judicial da Moita, com intervenção do Tribunal Colectivo, foram julgados A... e a SOC. Z do seguinte modo:Condenar o arguido A... pela co-autoria comissiva de um crime de fraude fiscal [p. e p. pelos arts. 23.º, n.os 1, a1s. a) e b), 2 a1s. a) e d) e 3, al. a), do Regime Jurídico das Infracções Fiscais não Aduaneiras (RJIFNA), aprovado pelo D. Lei n.º 20-A/90, de 15 de Janeiro] e de um outro de abuso de confiança fiscal (p. e p. pelo art.º 24.º, n.os 1, 2 e 4, do mesmo diploma legal), a duas correspondentes penas de 900 dias de multa, à razão diária de Esc. 20.000$00, e à pena conjunta/unitária de 1500 (mil e quinhentos) dias de multa, à mesma taxa diária, a que corresponde a alternativa de 1000 (mil) DIAS DE PRISÃO.2 - Condenar a sociedade arguida SOC. Z, pelos mesmos ilícitos criminais, a duas correspondentes penas de 900 dias de multa, à razão diária de Esc. 50.000$00, e à pena conjunta/unitária de 1500 (mil e quinhentos) dias de multa, à mesma taxa diária.3 - Declarar a identificada sociedade responsável solidária pelo pagamento da multa imposta ao seu gerente e ora arguido A..., (cfr. art.º 6.º, n.º 3, do RJIFNA, versão original).4 – Impor à mesma sociedade arguida as penas acessórias previstas no art.º 12.º do RJIFNA, na versão originalInconformados, quer o arguido quer a Sociedade interpuseram recurso e da motivação extraem as seguintes conclusões:Quanto à matéria de facto :1a - Os factos que servem de suporte à alegada prática pelos recorrentes dos crimes de fraude e abuso de confiança fiscais foram apreciados por dois Tribunais diferentes, embora da mesma espécie e hierarquia, com resultados desastrosos pelo que respeita ao acerto e segurança que legitimamente se espera das decisões judiciais, muito particularmente, das sentenças penais.Na verdade,2a - Enquanto o Tribunal de Setúbal decidiu não estarem provados os pressupostos fácticos da acusação deduzida contra os recorrentes, o Tribunal da Moita, anos mais tarde e, portanto, em circunstâncias bem mais difíceis, considerou tais factos provados e condenou os arguidos em penas pesadíssimas, atendendo à circunstância de que apenas era aplicável a pena de multa à data dos factos.O que,3a - Para além de chocar o sentimento de segurança e estabilidade que a sociedade, através dos seus órgãos de soberania, designadamente dos Tribunais, deve transmitir aos cidadãos, levanta sérias dúvidas sobre o acerto da decisão recorrida e encoraja, no mínimo, a sua análise crítica.Ora,4a - Encontra-se provado nos autos - pontos 2 e 3 da matéria de facto - que a SOC. Z se dedicava à cedência a terceiros de pessoal de construção civil que recrutava aos chamados, ainda que impropriamente, 'subempreiteiros';Este pessoal, como também se provou, era colocado, obviamente mediante remuneração, em obras de empresas de grande dimensão que operavam essencialmente na região da grande Lisboa.5a - Na lógica deste sistema a SOC. Z situava-se, no circuito económico em que se inseria, entre os 'subempreiteiros' e as referidas empresas de grande dimensão, cobrando destas o valor relativo à mão de obra que lhes disponibilizava, valor naturalmente superior ao que pagava aos 'subempreiteiros', diferença com que cobria as suas próprias despesas de funcionamento e constituía, no excedente, o seu lucro.Porém,6a - Para evitar problemas relacionados com descontentamentos em obra derivados de faltas de pagamento ou atraso nos salários tão frequentes na época e exuberantemente referidos pelas testemunhas B..., C... e D..., a SOC. Z, com a anuência dos subempreiteiros, optou por pagar directamente aos trabalhadores, por apontamento e adiantamento das verbas devidas aos subempreiteiros, sendo a diferença a que houvesse lugar paga aquando da emissão da factura que, assim funcionava como um encontro ou acerto de contas entre a SOC. Z e os subempreiteiros.7a - É o que claramente resulta dos depoimentos das testemunhas B..., ouvido na sessão de julgamento de 26 de Novembro de 2003, encontrando-se o seu depoimento gravado em 2 fitas magnéticas, desde o nº 0000 ao nº 5055 do lado A e desde o nº 0000 ao nº 3720 do lado B da cassete nº 1, E!!: seu C..., encontrando-se o seu depoimento gravado em 2 fitas magnéticas da mesma sessão de julgamento desde o nº 3806 ao n° 5085 do lado B da cassete nº 1 e desde o nº 0000 ao nº 4229 do lado A da cassete nº 2 e 12 D... encontrando-se o seu depoimento gravado em duas fitas magnéticas ainda da mesma sessão de julgamento desde o n° 4230 ao nº 5081 do lado A da cassete nº 2 e desde o nº 0000 ao nº 1042 do lado B da mesma cassete, que relataram com clareza a situação e o posicionamento da SOC. Z explicando, por outro lado, minuciosamente a razão pela qual o pessoal, na quase totalidade de origem africana, apenas queria receber em dinheiro, matéria que, aliás, o Acórdão recorrido acabou por dar como provada.8a - As considerações supra, designadamente os depoimentos das referidas testemunhas (que não foram contrariados pelos restantes depoimentos prestados em audiência, testemunhas E... que prestou depoimento na sessão de julgamento de 25 de Novembro de 2003, encontrando-se o seu depoimento gravado em fita magnética desde o nº 0111 ao nº 2913 do lado A da cassete nº 2 e F... que prestou depoimento na mesma sessão de julgamento encontrando-se o seu depoimento gravado em duas fitas magnéticas desde o n° 2988 ao n° 4997 do lado A e desde o n° 0000 ao n° 1470 do lado B da cassete n° 2), e bem assim, a circunstância de se ter dado como provado que a SOC. Z recrutava, naturalmente mediante remuneração, pessoal aos 'subempreiteiros' desmentem a matéria dos pontos 5, 6 e 7 da matéria apurada no julgamento, ficando sem qualquer tipo de suporte as afirmações no sentido de que o recorrente A... teria idealizado e posto em prática procedimentos e planos deturpantes para comprovar diminuição de rendimentos e deduções de IVA, materializando-se tais procedimentos ou planos no preenchimento, por si ou sob a sua orientação, de facturas que não correspondiam a qualquer serviço prestado.Ainda,9a - Evidencia-se flagrante contradição entre a matéria contida nos pontos 5, 6 e 7, e o apurado recrutamento de pessoal a subempreiteiros que só faria sentido se, contra toda a lógica e regras da experiência comum, esse recrutamento fosse gratuito e não representasse - e representa como óbvia e necessariamente tem que admitir-se - um pesado encargo para a SOC. Z.10a - Os pontos 8 e 9 da matéria apurada, porque meras concretizações da matéria contida nos pontos 5, 6 e 7 não podem também, pelos motivos supra apontados, aceitar-se.Na verdade,11a - São claramente contra o que foi apurado as afirmações no sentido de que não teriam sido realizados nem pagos os serviços constantes das facturas e de que estas teriam sido ilicitamente utilizadas para fins meramente fiscais (diminuição de rendimentos e deduções de IVA).12a - Afirmações que, como já foi salientado, não só estão em contradição com os depoimentos prestados em audiência anteriormente referidos como com outra matéria apurada - recrutamento de pessoal a subempreiteiros.13a - Os pontos 10 e 11 da matéria de facto destinar-se-iam, no essencial, ao apuramento dos lucros da SOC. Z para o efeito de sobre eles ser calculado o montante de IRC que, segundo o Acórdão recorrido deveria ter sido pago ao EstadoOra,14a - Da conclusão 5 a já resulta que, situando-se a SOC. Z entre os 'subempreiteiros' e as referidas empresas a quem fornecia mão de obra, os seus resultados económicos teriam necessariamente que resultar da diferença entre aquilo que a SOC. Z cobrava àquelas empresas e o que pagava aos 'subempreiteiros', diferença com que cobria as suas próprias despesas de funcionamento e constituía, no excedente, o seu lucro.15a - Determinar, como pretende o Acórdão recorrido, o lucro da SOC. Z sem atender suas às receitas, despesas e custos, não passa de pura ficção sem qualquer base legal, científica, contabilística, fiscal ou outra minimamente convincente, pelo que não podem manter-se os pontos 10, 11 da matéria de facto que suporta o Acórdão condenatório.16a - Ao ponto 12 aplicam-se todas as críticas anteriores, salientando-se, por outro lado, que não está provado - nem é verdade - que a SOC. Z tivesse deixado de incluir nos pagamentos aos subempreiteiros o IVA correspondente.17a - Assim, quanto à matéria de facto e dando cumprimento ao disposto no n° 3 do art. 412º do CPP consideram-se mal julgados os pontos 5 a 12, porquanto:- A adequada valoração dos depoimentos das B..., C... e D..., cujas referências aos suportes técnicos se encontram na conclusão 7 a para a qual se remete, conjugada com a ausência de outros elementos em sentido contrário, determina que tais pontos devam considerar-se não provados.- Os mesmos pontos estão, por outro lado, em contradição, pelas razões supra apontadas, com a restante matéria dada como provada, particularmente com os pontos 2 e 3.18a - Devem, por isso, ser renovadas as provas consubstanciadas nos depoimentos das indicadas testemunhas ou o processo reenviado para novo julgamento em obediência ao disposto nos arts. 426 e nº 2 do art. 410° do CPP, se não se optar pela imediata absolvição dos recorrentes.Quanto ao crime de abuso de confiança fiscal:19a - Ao contrário do que decidiu o douto Acórdão recorrido, a hipótese dos autos não se encontra abrangida pela previsão do art. 24° do RJIFNA - DL 20­A/90, de 15 JAN - porquanto o crime de abuso de confiança fiscal, aliás em consonância com o art. 205° do C. Penal, exige que o agente tenha deduzido ou retido qualquer prestação tributária que devesse entregar nos serviços fiscais,Não sendo este o caso - como indubitavelmente não é - não podem os recorrentes ser condenados por comportamentos que não integram, pelo menos na totalidade, a previsão legal.Quanto ao crime de fraude fiscal:20a - Os poderes de cognição do Tribunal ficaram limitados por força do douto despacho que declarou extinto o procedimento criminal relativo aos crimes de falsificação.Dado que o meio pelo qual os arguidos alegadamente teriam iludido o Estado seria a viciação ou falsificação das facturas os autos, deixou o Tribunal de poder conhecer de um dos elementos essenciais da fraude, pelo que, também neste caso, deve considera-se que não se encontram preenchidos os elementos do tipo legal.Quanto à medida da pena:21a- A pena de multa aplicada ao recorrente A... - Esc. 30 000 000$00 (trinta milhões de escudos) mostra-se claramente desproporcionada com a sua situação económica - vencimento de 150 contos/mês e encargos com uma filha menor de 15 contos/mês - tendo a mesma pena sido aplicada com clara violação dos comandos legais contidos nos n ° 2 do art. 47 ° e alínea d) do nº 2 do art. 71°, ambos do C. Penal.Quanto à prisão em alternativa:22a - Com fundamento no nº 4 do art. 11° do RJIFNA, na sua versão primitiva, foi a arguido condenado em alternativa ao pagamento da multa de 30.000.000$00 (trinta milhões de escudos) em 1.000 (mil) dias de prisão.23a - A prisão alternativa foi banida do nosso sistema legal, não podendo, por isso, ser aplicada.24a - Se, porém, se entender, como indubitavelmente entende o Acórdão recorrido, que continua em vigor o referido n° 4 do art. 11º do RJIFNA, então tal disposição é clara e manifestamente inconstitucional, por ofensa aos princípios de igualdade, da dignidade da pessoa humana, do direito à liberdade e da adequação e proporcionalidade – arts. 1°, 13°, nº 2 do art. 18° e 27° da CRP .Na verdade,25a - O citado dispositivo normativo ao impor em todas as circunstâncias a fixação de prisão alternativa à pena de multa prejudica claramente os mais desfavorecidos que podem perder a liberdade por falta de meios económicos.A imposição automática, no momento da condenação, de prisão alternativa desligada da culpa concreta do agente é atentatória da dignidade da pessoa humana – art. 1º - e do direito à liberdade - art. 27ºAinda,26a - Tal dispositivo, consubstanciando um meio compulsório de pagamento - mero instrumento de recolha de dívidas tributárias - sem atender à efectiva capacidade económica do agente, constitui, por outro lado, uma solução legislativa excessiva e arbitrária e por isso contrária aos princípios de adequação e proporcionalidade inscritos no n° 2 do art. 18° da CRP .27a - O douto Acórdão recorrido violou, pelo menos, as seguintes disposições legais:- Arts. 23° e 24° do RJIFNA - DL 20-A/90, de 15 JAN;- Art. 47°, n° 2 , ar. 49° e alínea d) do n ° 2 do art. 71 ° do Código Penal;- Art. 1º, 18º, nº 2, 13°, nº 2 e 27 ° da CRP .E,- Aplicou, no entendimento dos recorrentes, erradamente o n° 4 do art. 11° do RJIFNA, na versão originária - DL 20-A/90 acima citado - uma vez que este dispositivo normativo se encontra revogado e está ferido de inconstitucionalidade.Termos em que, Deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, deve:a) Absolver-se os arguidos dos crimes de fraude e abuso de confiança fiscal; Ou,b) Reenviar-se o processo para novo julgamento;De qualquer forma,c) Adequar-se a pena de multa às condições económicas dos recorrentes;d) Revogar-se a prisão alternativa;e) Declarar-se a inconstitucionalidade do n° 4 do art. 11° do RJIFNA, na sua redacção primitiva - DL 20-A/90, de 15 JANO Magistrado do Ministério Publico na 1ª instância pugna pelo decidido.Neste Tribunal da Relação a Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da rejeição do recurso por intempestivo.O relator, no despacho preliminar entendeu que seria de conhecer do recurso não se verificando a alegada intempestividade.Colhidos os vistos e realizada a audiência, cumpre decidir:O recurso versa matéria de facto e de direito e as questões a decidir são:- a questão prévia da intempestividade do recurso;- consideram-se mal julgados os pontos 5 a 12 da matéria de facto que estariam em contradição com a restante matéria de facto, em particular com os pontos 2 e 3;- a não verificação dos elementos objectivos e subjectivos dos crimes de abuso de confiança fiscal e fraude fiscal;- a desproporção da pena aplicada à situação económica dos arguidos;- a aplicação automática da prisão alternativa;- a inconstitucionalidade do nº 4 do art. 11º do RJIFNA na redacção primitiva - Dec.-Lei nº 20-A/90 de 15 de Janeiro.Vejamos antes de mais a questão suscitada pela Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta da intempestividade do recurso:O acórdão foi depositada a 19 de Janeiro de 2004 e não a 9 como por lapso refere a Exm.ª Magistrada.O recurso foi interposto a 2 de Fevereiro de 2004 logo em tempo e, quando admitido, o Tribunal ordenou logo que se mandasse proceder à transcrição da matéria de facto – conforme havia sido requerido pelos recorrentes no próprio recurso. Essa transcrição, que foi morosa, foi realizada por empresa a pedido do Tribunal e os recorrentes nenhuma responsabilidade têm na elaboração da transcrição.Daí que o recurso seja tempestivo.- Relativamente à matéria de facto que é impugnada:O Tribunal da Relação conhece aqui e em princípio, de facto e de direito, nos termos do art. 428º, nº 1 do CPP, pois ocorreu a documentação das declarações prestadas em audiência.No entanto, não deve esquecer-se que este, como os demais tribunais de recurso, deve obediência ao princípio da livre apreciação da prova, consagrado no art. 127º do CPP - 'Salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente' - sendo que não deverá proceder a um novo julgamento, mas apenas corrigir os eventuais erros do já realizado em 1ª instância.Nos termos do art. 412º, nos 3 e 4 do CPP. Dispõe-se, no que agora interessa '...3 - Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar: a) Os pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) As provas que impõem decisão diversa da recorrida; c) As provas que devem ser renovadas. 4 - Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência aos suportes técnicos, havendo lugar a transcrição.'.Ora a questão é que, como resulta da fundamentação da matéria de facto o Tribunal 'a quo' assentou a sua convicção quer na prova documental quer testemunhal que menciona e resulta claramente que essa convicção resulta de um processo lógico e racional; o Tribunal fez a apreciação da prova segundo as regras do entendimento correcto e normal; não avaliou as provas arbitrariamente ou caprichosamente mas de harmonia com as regras comuns da lógica da razão e da experiência, respeitando o disposto no art. 127º C.P.P. Assim, quando os recorrente pretendem chamar á colação certos depoimentos, sobre determinadas questões que não foram acolhidos pelo Tribunal está a pretender fazer valer os pontos de vista e as versões dos factos que os servem esquecendo o princípio da livre apreciação da prova feita pelo Tribunal 'a quo' e que, como já dissemos, não revela abuso, arbítrio ou ofensa de regras da experiência comum.A motivação da convicção do Tribunal está bem elaborada, é clara e lógica, sendo que nela se cumpriu correctamente a obrigação legal do art. 374° n° 2 do CPP (pois não houve a simples enumeração dos meios de prova, antes se explicitou o processo de formação da convicção do tribunal, através da discussão do valor desses meios perante o caso concreto.Do que vem de expor-se não resulta que o acórdão não possa vir a padecer de qualquer um dos vícios a que alude o art. 410º nº 2 do C.P.P. – aliás de conhecimento oficioso – o que se fará, a seguir:É a seguinte a matéria de facto provada e não provada e respectiva fundamentação constante do acórdão recorrido:1 – SOC. Z, constituída em 19 de Janeiro de 1990 (com capital social de 1.000 contos, composto por duas quotas de 80% e 20%, respectivamente da titularidade de A... e G..., então seu cônjuge, alterado em Dezembro de 1991 para 10.000 contos, representado por uma quota de 8.000 contos de A... e outra de 2.000 contos de sua mulher), tem como único gerente o arguido A..., e por objecto social o exercício de construção civil, prestação de serviços e cedência de pessoal.2 – Desde a sua constituição e até finais de 1992, pelo menos, vocacionou a sua actividade, essencialmente, à cedência de trabalhadores de ocasião a empresas de grande dimensão na área da construção civil para realização de trabalhos de diversa natureza em empreendimentos de vulto então em curso, maxime na área da Grande Lisboa, na maior parte das vezes contratados a terceiros, “cedentes de mão-de-obra”, vulgarmente e impropriamente qualificados de subempreiteiros.3 – Tal operariado era constituído fundamentalmente por cidadãos estrangeiros, com permanência ilegal no país, principalmente africanos (dos PALOP), que apenas aceitavam pagamento em dinheiro - remuneratório das horas de trabalho prestado -, que lhes era entregue pessoalmente nas próprias obras pelo ora arguido A..., sem que emitissem ou lhes fosse pedido qualquer documento de quitação, prevenindo-se assim outros incómodos pessoais e gravames económicos, como a necessidade de deslocação a instituições bancárias e perdas de tempo (caso fossem pagos em cheque), bem como o cumprimento das obrigações legais de contribuição para a Segurança Social Portuguesa.4 – SOC. Z encontrava-se tributada em Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), na 1.ª Repartição de Finanças de Setúbal, sendo também sujeito passivo de Imposto Sobre o Valor Acrescentado (IVA), enquadrado no regime normal de periodicidade trimestral e apresentando contabilidade regularmente organizada, segundo plano oficial de contabilidade.5 – Por meados de 1992/princípio de 1993, o identificado arguido A..., enquanto representante da referida sociedade SOC. Z, idealizou e pôs em prática procedimento com virtualidade deturpante das descritas práticas empresariais, pretensamente demonstrativo do suporte de despesas não documentadas, maxime as inerentes às remunerações dos ditos trabalhadores clandestinos (pagos à hora), a fim de comprovar diminuição de rendimentos societários e fundamentar menores encargos tributários (a título de IRC) e dedução de IVA, visando a obtenção de indevido proveito económico/financeiro, em detrimento do erário público.6 – Materializou tal plano pelo preenchimento de variados impressos de supostas facturas e (nalguns casos) de correspondentes recibos, alegadamente de subempreiteiros, que obtinha por meios incertos, inscrevendo-lhes ou fazendo-lhes inscrever em geral vagas referências a diversificadas obras, sem qualquer correspondência com a realidade, não realizadas pelas pretensas entidades nelas identificadas, e respectivos valores de custo e legal acréscimo a título de IVA.7 – Assim:7.1 – De um conjunto de dois livros de impressos de factura (encomendados/personalizados em nome de H...), produzidos na SOC. Y, sita em Rua ..., em Almada, e daí levantados por pessoa incerta em 04/03/1991, o identificado arguido preencheu ou fez preencher, com os dizeres que deles constam, os que, por cópia, fazem fls. 75 a 77, cujos teores aqui se têm por reproduzidos, representativos do valor global líquido de Esc. 76.639.050$00, a que corresponde Esc. 13.028.637$00 de IVA, concreta/essencialmente:a) Factura n.º 101, datada de 30/07/1990, pelo valor líquido de Esc. 11.889.600$00, com IVA liquidado de Esc. 2.021.232$00;b) Factura n.º 103, datada de 30/08/1990, pelo valor líquido de Esc. 10.899.600$00, com IVA liquidado de Esc. 1.852.932$00;c) Factura n.º 104, datada de 30/09/1990, pelo valor líquido de Esc. 10.849.800$00, com IVA liquidado de Esc. 1.844.466$00;d) Factura n.º 126, datada de 30/10/1990, pelo valor líquido de Esc. 14.239.290$00, com IVA liquidado de Esc. 2.420.679$00;e) Factura n.º 127, datada de 30/11/1990, pelo valor líquido de Esc. 14.587.050$00, com IVA liquidado de Esc. 2.479.798$00;f) Factura n.º 128, datada de 30/12/1990, pelo valor líquido de Esc. 14.173.710$00, com IVA liquidado de Esc. 2.409.530$00.7.2 - Preencheu ou fez preencher, com os dizeres que deles constam, os impressos de factura e de recibos (em nome de I...) que, por cópia, fazem fls. 174 a 189, cujos teores aqui se têm por reproduzidos, representativos do valor global líquido de Esc. 94.312.801$00, a que corresponde Esc. 15.954.261$00 de IVA, concreta/essencialmente:a) Factura n.º 24, datada de 25/01/1991, pelo valor líquido de Esc. 5.480.506$00, com IVA liquidado de Esc. 931.686$00;b) Factura n.º 25, datada de 28/02/1991, pelo valor líquido de Esc. 6.042.000$00, com IVA liquidado de Esc. 1.027.140$00;c) Factura n.º 26, datada de 25/03/1991, pelo valor líquido de Esc. 7.410.100$00, com IVA liquidado de Esc. 1.259.717$00;d) Factura n.º 27, datada de 30/04/1991, pelo valor líquido de Esc. 6.791.090$00, com IVA liquidado de Esc. 1.154.486$00;e) Factura n.º 28, datada de 31/05/1991, pelo valor líquido de Esc. 4.378.000$00, com IVA liquidado de Esc. 744.260$00;f) Factura n.º 29, datada de 28/06/1991, pelo valor líquido de Esc. 9.766.230$00, com IVA liquidado de Esc. 1.660.259$00;g) Factura n.º 30, datada de 30/07/1991, pelo valor líquido de Esc. 7.890.550$00, com IVA liquidado de Esc. 1.341.394$00;h) Factura n.º 31, datada de 31/08/1991, pelo valor líquido de Esc. 6.185.000$00, com IVA liquidado de Esc. 1.051.450$00;i) Factura n.º 32, datada de 20/08/1991 , pelo valor líquido de Esc. 3.733.250$00, com IVA liquidado de Esc. 634.654$00;j) Factura n.º 33, datada de 30/09/1991, pelo valor líquido de Esc. 4.670.500$00, com IVA liquidado de Esc. 739.985$00;k) Factura n.º 34, datada de 31/10/1991, pelo valor líquido de Esc. 5.497.800$00, com IVA liquidado de Esc. 934.626$00;l) Factura n.º 35, datada de 31/12/1991, pelo valor líquido de Esc. 7.712.000$00, com IVA liquidado de Esc. 1.311.040$00;m) Factura n.º 44, datada de 31/01/1992, pelo valor líquido de Esc. 7.406.841$00, com IVA liquidado de Esc. 1.259.163$00;n) Factura n.º 45, datada de 26/02/1992, pelo valor líquido de Esc. 3.456.835$00, com IVA liquidado de Esc. 587.662$00;o) Factura n.º 46, datada de 31/03/1992, pelo valor líquido de Esc. 3.492.773$00, com IVA liquidado de Esc. 558.847$00;p) Factura n.º 47, datada de 30/04/1992, pelo valor líquido de Esc. 4.399.326$00, com IVA liquidado de Esc. 703.892$00.7.3 - Preencheu ou fez preencher, com os dizeres que deles constam, os impressos de factura e de recibos (em nome de J...) que, por cópia, fazem fls. 82 a 94, cujos teores aqui se têm por reproduzidos, representativos do valor global líquido de Esc. 61.180.338$00, a que corresponde Esc. 10.400.672$00 de IVA, concreta/essencialmente:a) Factura n.º 9, datada de 30/01/1991, pelo valor líquido de Esc. 2.300.000$00, com IVA liquidado de Esc. 391.000$00;b) Factura n.º 10, datada de 28/02/1991, pelo valor líquido de Esc. 1.529.428$00, com IVA liquidado de Esc. 260.005$00;c) Factura n.º 11, datada de 30/05/1991, pelo valor líquido de Esc. 5.541.025$00, com IVA liquidado de Esc. 941.976$00;d) Factura n.º 12, datada de 30/06/1991, pelo valor líquido de Esc. 3.702.155$00, com IVA liquidado de Esc. 629.370$00;e) Factura n.º 13, datada de 27/07/1991, pelo valor líquido de Esc. 4.375.500$00, com IVA liquidado de Esc. 743.835$00;f) Factura n.º 14, datada de 30/08/1991, pelo valor líquido de Esc. 8.422.400$00, com IVA liquidado de Esc. 1.431.808$00;g) Factura n.º 15, datada de 31/07/1991, pelo valor líquido de Esc. 4.962.100$00, com IVA liquidado de Esc. 843.560$00;h) Factura n.º 16, datada de 25/09/1991, pelo valor líquido de Esc. 7.843.920$00, com IVA liquidado de Esc. 1.333.468$00;i) Factura n.º 17, datada de 31/01/1992, pelo valor líquido de Esc. 7.016.620$00, com IVA liquidado de Esc. 1.192.826$00;j) Factura n.º 18, datada de 30/11/1991, pelo valor líquido de Esc. 5.413.815$00, com IVA liquidado de Esc. 920.350$00;k) Factura n.º 19, datada de 30/12/1991, pelo valor líquido de Esc. 750.975$00, com IVA liquidado de Esc. 127.667$00;l) Factura n.º 20, datada de 31/10/1991, pelo valor líquido de Esc. 2.156.250$00, com IVA liquidado de Esc. 366.562$00;m) Factura n.º 21, datada de 28/02/1992, pelo valor líquido de Esc. 7.166.150$00, com IVA liquidado de Esc. 1.218.245$00.7.4 - De um conjunto de cinco blocos de impressos de factura/recibo (encomendados/personalizados em nome de L..., com respectivo n.º de contribuinte impresso inexistente), produzidos na SOC. X, sita em Av.ª ..., Amadora, e daí levantados por pessoa incerta em 27/09/1991, o identificado arguido preencheu ou fez preencher, com os dizeres que deles constam, os que, por cópia, fazem fls. 104 a 111, cujos teores aqui se têm por reproduzidos, representativos do valor global líquido de Esc. 45.543.722$00, a que corresponde Esc. 7.619.390$00 de IVA, concreta/essencialmente:a) Factura n.º 144, datada de 30/01/1991, pelo valor líquido de Esc. 4.390.250$00, com IVA liquidado de Esc. 746.342$00;b) Factura n.º 145, datada de 28/02/1991, pelo valor líquido de Esc. 5.458.032$00, com IVA liquidado de Esc. 927.865$00;c) Factura n.º 146, datada de 30/03/1991, pelo valor líquido de Esc. 6.654.000$00, com IVA liquidado de Esc. 1.131.180$00;d) Factura n.º 147, datada de 30/04/1991, pelo valor líquido de Esc. 5.789.040$00, com IVA liquidado de Esc. 984.137$00;e) Factura n.º 48, datada de 30/05/1991, pelo valor líquido de Esc. 5.207.000$00, com IVA liquidado de Esc. 885.190$00;f) Factura n.º 150, datada de 30/06/1991, pelo valor líquido de Esc. 5.741.200$00, com IVA liquidado de Esc. 976.004$00;g) Factura n.º 157, datada de 30/04/1992, pelo valor líquido de Esc. 6.396.200$00, com IVA liquidado de Esc. 1.023.392$00;h) Factura n.º 129, datada de 30/03/1992, pelo valor líquido de Esc. 5.908.000$00, com IVA liquidado de Esc. 945.280$00.7.5 - De um conjunto de um livro de impressos de factura/recibo (encomendados/personalizados em nome de M...), produzidos na empresa de artes gráficas SOC. W, sita em Rua ..., em Setúbal, e daí levantado por pessoa incerta em 21/04/1993, o identificado arguido preencheu ou fez preencher, com os dizeres que deles constam, os que, por cópia, fazem fls. 128 a 147, cujos teores aqui se têm por reproduzidos, representativos do valor global líquido de Esc. 88.292.975$00, a que correspondem Esc. 14.126.875$00 de IVA, concreta/essencialmente:a) Factura n.º 1, datada de 30/04/1992, pelo valor líquido de Esc. 7.372.750$00, com IVA liquidado de Esc. 1.179.640$00;b) Factura n.º 2, datada de 30/05/1992, pelo valor líquido de Esc. 8.626.960$00, com IVA liquidado de Esc. 1.380.312$00;c) Factura n.º 3, datada de 30/06/1992, pelo valor líquido de Esc. 9.522.000$00, com IVA liquidado de Esc. 1.523.520$00;d) Factura n.º 4, datada de 30/07/1992, pelo valor líquido de Esc. 10.495.950$00, com IVA liquidado de Esc. 1.679.352$00;e) Factura n.º 5, datada de 30/09/1992, pelo valor líquido de Esc. 9.535.090$00, com IVA liquidado de Esc. 1.525.615$00;f) Factura n.º 6, datada de 30/10/1992, pelo valor líquido de Esc. 9.873.550$00, com IVA liquidado de Esc. 1.579.768$00;g) Factura n.º 7, datada de 30/10/1992, pelo valor líquido de Esc. 8.241.000$00, com IVA liquidado de Esc. 1.318.560$00;h) Factura n.º 8, datada de 30/11/1992, pelo valor líquido de Esc. 9.187.695$00, com IVA liquidado de Esc. 1.470.031$00;i) Factura n.º 9, datada de 30/11/1992, pelo valor líquido de Esc. 8.352.600$00, com IVA liquidado de Esc. 1.336.416$00;j) Factura n.º 10, datada de 30/12/1992, pelo valor líquido de Esc. 7.085.380$00, com IVA liquidado de Esc. 1.133.661$00.7.6 - De um conjunto de cinco blocos de impressos de factura/recibo (encomendados/personalizados em nome de N..., com respectivo n.º de contribuinte impresso inexistente), produzidos na SOC. X., sita em Av.ª..., Amadora, e daí levantados por pessoa incerta em 28/05/1993, o identificado arguido preencheu ou fez preencher, com os dizeres que deles constam, os que, por cópia, fazem fls. 121 a 124, cujos teores aqui se têm por reproduzidos, representativos do valor global líquido de Esc. 23.856.152$00, a que corresponde Esc. 3.816.983$00 de IVA, concreta/essencialmente:a) Factura n.º 7, datada de 31/05/1992, pelo valor líquido de Esc. 7.042.317$00, com IVA liquidado de Esc. 1.126.771$00;b) Factura n.º 8, datada de 31/12/1992, pelo valor líquido de Esc. 7.234.165$00, com IVA liquidado de Esc. 1.157.464$00;c) Factura n.º 9, datada de 30/11/1992, pelo valor líquido de Esc. 1.339.670$00, com IVA liquidado de Esc. 214.348$00;d) Factura n.º 11, datada de 31/10/1992, pelo valor líquido de Esc. 8.240.000$00, com IVA liquidado de Esc. 1.318.400$00.7.7 - Preencheu ou fez preencher, com os dizeres que deles constam, os impressos de factura que, por cópia, fazem fls. 159 a 163 (personalizados em nome de SOC. V, sem existência jurídica, como o pretenso número de contribuinte neles inscrito), cujos teores aqui se têm por reproduzidos, representativos do valor global líquido de Esc. 44.133.242$00, a que corresponde Esc. 7.061.320$00 de IVA, concreta/essencialmente:a) Factura n.º 60, datada de 30/06/1992, pelo valor líquido de Esc. 7.763.767$00, com IVA liquidado de Esc. 1.242.203$00;b) Factura n.º 61, datada de 31/08/1992, pelo valor líquido de Esc. 10.238.233$00, com IVA liquidado de Esc. 1.638.117$00;c) Factura n.º 63, datada de 31/10/1992, pelo valor líquido de Esc. 8.743.682$00, com IVA liquidado de Esc. 1.398.990$00;d) Factura n.º 64, datada de 30/11/1992, pelo valor líquido de Esc. 9.359.250$00, com IVA liquidado de Esc. 1.497.480$00; e) Factura n.º 65, datada de 31/12/1992, pelo valor líquido de Esc. 8.028.310$00, com IVA liquidado de Esc. 1.284.530$00.8 – Como se consignou supra (item 6), nenhum dos serviços indicados nas referidas facturas se realizou efectivamente, nem foi pago às entidades nelas identificadas, supostas credoras, qualquer dos montantes pecuniários aí inscritos, quer por SOC. Z quer por outrem.9 - O arguido A... utilizou as facturas referidas para fins fiscais, indicando os montantes nelas inscritos, líquidos de IVA, como correspondendo a efectivos custos de actividade da sociedade SOC. Z, para simular consequente redução dos próprios resultados.10 – Os montantes indicados nas ditas facturas como representando pagamentos efectuados por SOC. Z, totalizam o valor líquido de Esc. 433.958.280$00. 11 – A artificiosa alteração documental/contabilística dos resultados societários em tal valor motivou o visado efeito de eximição ao pagamento de IRC no montante total de Esc. 156.224.980$00.12 - Do total de IVA cobrado por SOC. Z aos seus clientes, e que deveria entregar ao Estado Português, o arguido A... efectuou a dedução de todos os montantes inscritos nas referidas facturas como correspondendo ao IVA alegadamente cobrado à sua identificada empresa, pelo valor global de Esc. 72.008.138$00, que afectou a interesses pessoais e da referida sociedade, sabendo que não lhe pertencia, mas sim ao Estado, por conta de quem liquidara e recebera o IVA efectivamente cobrado, e a quem, por tal razão, haveria que o entregar.13 – A tudo o identificado arguido A... se determinou livre e conscientemente, com conhecimento da proibição legal de todos os seus descritos procedimentos.14 - Não lhe são conhecidas, registralmente, quaisquer condenações criminais.15 – O próprio declarou em audiência de julgamento :15.1 – Desempenhar actividade profissional de gerente comercial, remunerada à razão de cerca de € 750,00 (150 contos) por mês;15.2 – Ter uma filha, adolescente, a cargo da progenitora, para a qual comparticipa, a título de prestação alimentícia, com valor pecuniário mensal de cerca de € 75,00 (15 contos)(!).• B - Além dos descritos, com interesse para a decisão da causa, e com a necessária segurança, nenhuns outros elementos factuais se apuraram, designadamente:1 – Que o arguido A... haja tido a colaboração (remunerada ou não) de O... quer na obtenção dos impressos de factura (e recibos) supra identificados quer no respectivo preenchimento;2 – Que houvesse obtido - por si ou por terceiro - os referidos impressos de quaisquer das pessoas físicas titulares dos nomes neles inscritos (H..., I..., J..., L..., M... e N...). • C - Tanto quanto a natureza secreta da deliberação decisória da matéria de facto o permite, (cfr. arts. 365.º, maxime nos 3, 4, e 5, e 367º, do C. P. Penal), consigna-se, em interpretação do art. 374º, nº 2, do mesmo diploma - adequada às respectivas particularidades do acto deliberativo –, haver assente o processo motivacional de convicção dos titulares (votantes) do órgão colegial Tribunal Colectivo – necessariamente individual/pessoal e sigiloso -, tocantemente à factualidade considerada provada, na conjugada apreciação e ponderada valoração do cruzamento de todos os elementos probatórios reunidos nos autos e produzidos em audiência de julgamento, fundamentalmente:1 – Da prestação declarativa do arguido em audiência, no essencial refutória da pessoal autoria comportamental assacada; informativa da real actividade empresarial de cedência de mão-de-obra, própria (em número reduzido) e/ou contratada a terceiros (subempreiteiros), fundamentalmente cidadãos/trabalhadores de origem africana, clandestinos no país, pagos à hora, em dinheiro e nas próprias obras onde laboravam; incoerente e absurdamente explicativa das diversas referidas facturas, cuja emissão atribuiu às entidades nelas identificadas, pretensos “cedentes de mão-de-obra” (subempreiteiros), ao fim do mês a que respeitava o trabalho desenvolvido pelos respectivos operários, em acerto de contas entre o valor pecuniário já por si despendido/adiantado (em representação de SOC. Z) para pagamento das remunerações aos ditos trabalhadores e as respectivas comissões, atitude discursiva claramente ilógica , em razão da mera análise e cruzamento de todos os referidos elementos documentais e da respectiva aferição pelas regras da experiência vivencial comum, desde logo por evidente impossibilidade de realização do afirmado, pelo menos no que tange às facturas descritas sob os itens 7.1, 7.4 [até à al. f)], 7.5 e 7.6 da anterior secção A, em função da óbvia incompatibilidade entre as datas de entrega pelas tipografias dos correspondentes impressos e as neles inscritas como de respectiva/anterior emissão (no primeiro caso, entrega dos impressos pela tipografia em 04/03/1991 e pretensa emissão entre 03/07/1990 e 30/12/1990; no segundo, entrega dos impressos pela tipografia em 27/09/1991 e pretensa emissão entre 30/01/1991 e 30/06/1991; no terceiro, entrega dos impressos pela tipografia em 21/04/1993 e pretensa emissão entre 30/04/1992 e 30/12/1992; no último caso, entrega dos impressos pela tipografia em 28/05/1993 e pretensa emissão entre 31/05/1992 e 31/12/1992)! 2 - Prestações informativas (testemunhais), de:2.1 – F... e E..., Técnicos de Administração Tributária que, com segurança, rigor e isenção informaram/significaram:2.1.1 – O primeiro, na qualidade de intérprete da inspecção da sociedade ora arguida, o processo lógico, documental e legal/tributário conducente às ora consignadas asserções factuais/comportamentais;2.1.2 – O segundo, titular do inquérito (movido pela Direcção Distrital de Finanças de Setúbal à sociedade ora arguida), das diligências processuais/formais a que presidiu (constituições e interrogatórios de arguidos e inquirição de testemunhas) e, de processualmente útil nesta fase , das pessoais investigações junto de diversas tipografias do circunstancialismo de encomenda, produção e entrega dos impressos de factura/recibos suspeitos. 2.2 – B..., irmão do arguido A... que, fundamentalmente, informou haver trabalhado para a sociedade SOC. Z entre 1990 e 1994, em serviço administrativo/burocrático (de escritório) e transmitiu o seu pessoal conhecimento, por tal efeito: da actividade empresarial de cedência de pessoal para construção civil, essencialmente africanos, contratado a terceiros (subempreiteiros), e respectivo acompanhamento em obra; do pagamento das respectivas remunerações em dinheiro; da exclusividade da gestão de toda a actividade da empresa pelo identificado irmão.2.3 – C... e D..., empreiteiros/subempreiteiros de construção civil, que transmitiram o seu pessoal conhecimento da actividade de cedência de mão-de-obra por SOC. Z para obras várias onde os próprios também laboraram e confirmaram as práticas comuns (à época) de pagamento dos salários aos trabalhadores em dinheiro e no local.2.4 – P... e Q..., [inquiridos por carta precatória, respectivamente na 2.ª Vara Criminal de Lisboa e no 2.º Juízo criminal de Almada (cfr. actas de fls. 285 – complementada pelos actos de fls. 287/289 - e 421/422)], que, na qualidade de representantes das tipografias SOC. X e SOC. Y, de útil apenas confirmaram a produção dos impressos de factura/recibo supra referidos. 3 - Dos elementos documentais juntos aos autos, designadamente os que casuisticamente se indicaram nos locais próprios e os que fazem fls. 8/11, 12/19, 49, 50, 51, 52, 53, 54, 57, 59, 62, 65/66, 67/68, 71/72, 112/117, 190/193, 234/235, 245, 387/389455/456 e 599/606.• NOTA:Não foram considerados os depoimentos das testemunhas R... e S..., elementos policiais (da PJ, o primeiro já aposentado), por nada de relevante haverem pessoalmente percepcionado em investigações próprias [R... limitou-se à recolha formal de declarações/depoimentos, cujo teor lhe é vedado transmitir (cfr. normativo 356.º, n.º 7, do C. P. Penal)].• Todos os elementos probatórios, produzidos ou examinados - directa ou indirectamente - em audiência de julgamento, foram apreciados e valorados pelo Tribunal Colectivo com natural e legal observância da regra prevista no art.º 127.º do C.P.Penal (experiência comum e profissional dos julgadores, e sua livre convicção), tendo-se ainda presentes os normativos disciplinadores de valoração pericial e documental previstos nos arts. 163.º; 164.º; 169.º; e 355º, nº 1, do C. P. Penal, o segundo referenciado ao normativo 255.º, al. a), do C. Penal.”Da análise da matéria de facto provada resulta, porém, a existência de um erro notório na apreciação da prova:Efectivamente, ficando provado que o arguido pôs em prática plano visando comprovar diminuição de rendimentos societários e fundamentar menores encargos tributários a título de IRC e dedução de IVA, e que se traduziu em preenchimento de impressos de supostas facturas que não tinham qualquer suporte na realidade no respeitante a quem as emitia ou no que nela constava (ponto 6 da matéria de facto); provando-se que nenhum dos serviços indicados nas referidas facturas se realizou efectivamente nem foi pago ás entidades nelas inscritos, líquidos de IVA, como correspondendo a efectivos custos de actividade da Sociedade SOC. Z, para simular consequente redução dos próprios resultados ( pontos 8 e 9 da matéria de facto) apenas poderia dar-se por provado no ponto 12 que “ o arguido A... efectuou a dedução de todos os montantes inscritos nas referidas facturas como correspondendo ao IVA alegadamente cobrado no montante de 72.008.138$00 à sua identificada empresa”; e isto porque sendo as facturas forjadas e não correspondendo a nenhuma realidade será óbvio concluir que o montante de IVA de 72.008.138$00 não foi recebido por ele nem afectado a seus interesses pessoais e da sociedade nem poderia deixar de entregar ao Estado o que não havia nunca recebido.Não houve nunca entrega de quantias a título de IVA. Todas as facturas são operações simuladas.Da prova produzida não resulta mais de que : “ o arguido A... efectuou a dedução de todos os montantes inscritos nas referidas facturas como correspondendo ao IVA alegadamente cobrado, no montante de 72.008.138$00, à sua identificada empresa”.Tal erro, susceptível de correcção nesta Relação, não implicará a necessidade de efectuar o reenvio do processo para novo julgamento sobre esta questão.Daí que o ponto 12 do acórdão passe a ter a seguinte redacção:“o arguido A... efectuou a dedução de todos os montantes inscritos nas referidas facturas como correspondendo ao IVA alegadamente cobrado, no montante de 72.008.138$00, à sua identificada empresa”.”A consequência imediata desta alteração, a nível do direito a aplicar é a de que inexiste o crime de abuso de confiança fiscal uma vez que a lei – art. 24º nº 1 do Dec.-Lei nº 20-A/90 – expressamente diz que …” quem, com intenção de obter para si ou para outrem vantagem patrimonial indevida, e estando legalmente obrigado a entregar ao credor tributário a prestação tributária que nos termos da lei deduziu, não efectuar tal entrega total ou parcialmente será punido….”“O alcance normativo deste preceito não implica a punição dos agentes por deverem uma certa importância ao Estado mas sim estarem na posse de uma importância que lhes não pertencia e que estavam obrigados a entregar ao Estado e de não o terem feito, dissipando-a em seu benefício ou em benefício de outrem”- cf. Ac. desta Secção de 3/10/2001 proferido no processo 9853/01.Nestes termos, o arguido terá de ser absolvido do crime de abuso de confiança fiscal.Já quanto ao crime de fraude fiscal, a matéria de facto provada integra todos os elementos objectivos e subjectivo da prática do crime.Dispõe o art. 23º nº 1 do referido Dec.-Lei que quem, com intenção de obter para si ou para outrem vantagem patrimonial indevida:a) ocultar ou alterar factos ou valores que devam constar das declarações que, para efeitos fiscais, apresente ou preste a fim de que a administração fiscal, especificamente, determine, avalie ou controle a matéria colectável; oub) celebrar negócio jurídico simulado, quer quanto ao valor quer quanto á natureza quer por interposição , omissão ou substituição de pessoas, dirigidos a uma diminuição das receitas fiscais ou à obtenção de um beneficio fiscal injustificado, será punido…..Ora a materialização do plano do arguido e da sociedade que representa consistindo na elaboração de documentos sem correspondência com a realidade mas perfeitamente aptos a, na contabilidade da Empresa, vir a representar um conjunto de despesas que não existiam, viciando o controle da matéria colectável que levaram a uma artificial diminuição do lucro tributável, com vista a, assim, obter para si e para a empresa vantagem patrimonial indevida resulta claramente demonstrado pela matéria de facto apurada.Inexistem quaisquer outros vícios a que se reporta o art. 410º nº 2 C.P.P. Quanto à medida da pena de multa:Face ao disposto no art. 71º do C. Penal, a determinação da medida das pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção no caso concreto,, atendendo-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra ele, designadamente: o grau de ilicitude do facto, o modo de execução e a gravidade das suas consequências; a intensidade do dolo; os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; a conduta anterior e posterior ao facto; a falta de preparação para manter conduta licita, manifestada no facto; as condições pessoais do agente e a sua situação económica.A aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos, entendida como tutela da crença e confiança da comunidade na ordem jurídico-penal (prevenção geral positiva) e a reintegração do agente na sociedade (prevenção especial positiva).No caso em apreço é inquestionável que o dolo é directo e atingiu intensidade mediana. A ilicitude atingiu elevado grau. Merece devida ponderação a ausência de antecedentes criminais, condição social, situação económica.Relativamente ao montante diário desta pena, haverá que ter em conta que a lei manda que se estabeleça em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais dentro dos limites estabelecidos no nº 2 do citado artigo 47º do C.P.Haverá de considerar tão só a pena a aplicar pelo crime de fraude fiscal que a lei aplicável (mais favorável aos arguidos) fixa – no caso – entre 700 e 1000 dias de multa à taxa diária entre 1.000$00 e 100.000$00 para pessoas singulares e 5.000$00 e 500.000$00 para pessoas colectivas.Entendemos, que a pena aplicada, ao arguido se mostra desproporcionada, tendo em conta o grau de ilicitude dos factos, o dolo, as exigências de prevenção geral e especial, a situação económica do arguido A..., pelo que se entende por mais adequada a pena de 900 dias de multa à taxa diária de 5.000$00.Relativamente á pena de prisão alternativa à pena de multa:Dispõe o art. 11º nº 4 do referido Dec.-Lei que não é aplicável o disposto nos artigos 47º do co , 26º e 27º do Dec.-Lei nº 402/82 de 23 de Setembro e 488º C.P.P., devendo na sentença condenatória fixar-se logo a prisão alternativa, pelo tempo correspondente reduzido a dois terços, a qual, sem prejuízo no disposto no nº 6, será imediatamente cumprida, quando o condenado, com trânsito em julgado, não pagar voluntariamente a multa no prazo legal.Este regime veio a ser alterado pelo Dec.-Lei nº 394/93 de 24 de Novembro dispondo-se então o seguinte: no nº 5 do art. 11º:Na sentença condenatória de pessoas singulares deve fixar-se desde logo a prisão em alternativa pelo tempo correspondente reduzido a dois terços, sendo aplicável, em caso de falta de pagamento no prazo legal, o disposto nos artigos 47.º do Código Penal, 26.º e 27.º do Decreto-Lei n.º 402/82, de 23 de Setembro, e 488.º e 489.º do Código de Processo Penal.Ou seja inverteu-se por completo a posição da lei e é o preâmbulo do próprio Dec.-Lei que refere expressamente, quanto a este ponto: “característica do novo sistema é a abolição da conversão imediata da multa em prisão em caso de falta de pagamento”.Não é caso, evidentemente, para aplicar aqui o regime mais favorável, atenta a unidade do sistema que deve ser preservado.No entanto, parece-nos, dever ser tido por inconstitucional a disposição legal da lei original ao não permitir a aplicação daqueles citados artigos 47º C.P., 26º e 27º do Dec.-Lei nº 402/82 de 23/09 e 488º C.P.P. por violação do princípio da igualdade nos termos do nº 1 do art. 13º da CRP já que inexistem razões que levem a que seja dado um tratamento penalmente menos favorável a cidadãos em igualdade de situações: se a lei permite (e permitia à data dos factos) que um cidadão condenado em pena de multa que fosse substituível por prisão alternativa por facto considerado crime pela lei penal (hoje mais propriamente dita subsidiária) pudesse beneficiar do regime referidos nos citados artigos não se vislumbram fundamentos bastantes para uma excepção mais gravosa; e tanto assim parece ser que, como se viu, 3 anos depois, a lei original veio a sofrer uma alteração precisamente no sentido contrário.Não vemos, também, razão para que a sentença expresse essa pena de prisão alternativa que, a final, é meramente subsidiária- embora deva referir a possibilidade da multa ser subsidiariamente substituída por prisão - pois, como salienta Maia Gonçalves nas suas notas ao C.P. “ trata-se de uma alteração feliz pois que a prisão resultante da conversão não está para com a multa numa relação de alternatividade mas de subsidiariedade.Por todo o exposto, acorda-se em conceder parcial provimento ao recurso e, em consequência:a)alterar o acórdão recorrido, nos termos atrás descritos e absolver os arguidos recorrentes da autoria do crime de abuso de confiança fiscal;b) Não aplicar o nº 4 do art. 11º do Dec.-Lei nº 20-A/90( versão original) por violação do art. 13º nº 1 da CRP.b) Condenar o arguido A... pela co-autoria do crime de fraude fiscal p.p. pelo artigo 23º do citado Dec.-Lei na pena de 900 dias de multa à taxa de 5.000$00 diários, que poderá vir a ser substituída por prisão subsidiária, nos termos legais.c) Manter a pena aplicada à Sociedade SOC. Z pela 1ª instância pelo crime de fraude fiscal;d) Manter tudo o mais constante da decisão da 1ª instância.Custas pelos arguidos, fixando-se a cada um 1/3 de 5 UCs.
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