 Imprimir acórdão
 Imprimir acórdão   
			
Processo n.º 417/2005
 
 2.ª Secção
 Relatora: Conselheira Maria Fernanda Palma
 
  
 
  
 
  
 
  
 Acordam em Conferência na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 
  
 
 1.  Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, foi 
 proferida a seguinte Decisão Sumária:
 
  
 
 1.  Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos 
 do Tribunal da Relação do Porto, em que figura como recorrente A. e como 
 recorrida B., a 4ª Vara Cível da Comarca do Porto, por decisão de 16 de Julho de 
 
 2003, considerou o seguinte:
 
  
 Para abrir caminho à decisão importa fazer, desde logo, uma caracterização 
 sumária da figura jurídica subjacente aos autos.
 Ora, 'arrendamento urbano é o contrato pelo qual uma das partes concede à outra 
 o gozo temporário de um prédio urbano, no todo ou em parte, mediante 
 retribuição.' (art. 1º do D.L. n° 321-B/90 de 15-10 que aprovou o regime do 
 arrendamento urbano - R.A.U.), sendo certo que, o arrendamento urbano pode ter 
 como fim a habitação, a actividade comercial ou industrial, o exercício de 
 profissão liberal ou outra aplicação lícita do prédio (art. 3° do citado diploma 
 legal).
 Assim, o primeiro elemento desta figura consiste na obrigação de proporcionar o 
 gozo de um prédio urbano, por uma das partes - o senhorio à outra - o 
 arrendatário ou inquilino. Essa obrigação do senhorio desdobra-se num conjunto 
 de prestações, de que as principais são as enumeradas no art. 1310 do C. Civil:
 
 - entregar ao arrendatário o prédio urbano arrendado,
 
 - assegurar-lhe o gozo deste para os fins a que se destina.
 O segundo elemento do contrato de arrendamento que resulta da definição legal é 
 o seu prazo de duração que pode ser determinado por lei, convencionado pelas 
 partes ou estabelecido pelos usos.
 O terceiro elemento que resulta da noção dada pelo art. 1° do R.A.U. é a 
 retribuição a que está obrigado o arrendatário.
 No caso presente, é ponto assente que por contrato de arrendamento celebrado em 
 
 15 de Janeiro de 1974 e com início em 1 de Fevereiro de 1974 foi dado de 
 arrendamento para habitação pelo então proprietário C. ao marido da R. D., o 
 apartamento no 4° andar esquerdo do prédio sito na Rua X., --- - Porto pela 
 renda mensal de Esc. 4.000$00, sendo que D. faleceu em 15 de Abril de 1997, 
 tendo a R. tomado a posição deste como inquilina.
 A partir daqui, é questão pacífica a existência de um contrato de arrendamento 
 que envolve as partes tendo como objecto o apartamento acima identificado, 
 destinando-se o local arrendado para ser utilizado como habitação do 
 arrendatário.
 Neste contexto, a A. fundamenta a sua pretensão no facto de ter procedido à 
 actualização da renda, sendo que a R. recusou o pagamento da renda de acordo com 
 a actualização efectuada e não pagou as rendas vencidas de Junho a Outubro de 
 
 1997.
 Neste domínio, e nos termos do disposto no art. 64° nº 1 al. a) do R.A.U., o 
 senhorio pode resolver o contrato se o arrendatário não pagar a renda no tempo e 
 lugar próprios, nem realizar depósito liberatório.
 Que dizer?
 Nos termos do art. 81°, introduzido no R.A.U. pelo D.L. n° 278/93, de 10-08, 
 ratificado pela Lei n° 13/94, de 11 de Maio (que apenas lhe introduziu o nº 2, 
 passando o originário nº 2 a nº 3), 'o senhorio pode suscitar para o termo do 
 prazo do contrato ou da sua renovação, uma actualização obrigatória da renda. 
 até ao que seria o seu valor em regime de renda condicionada, (...) quando o 
 arrendatário resida na área metropolitana de Lisboa ou do Porto e tenha outra 
 residência ou for proprietário de imóvel nas respectivas áreas metropolitanas, 
 ou quando o arrendatário resida no resto do país e tenha outra residência ou 
 seja proprietário de imóvel nessa mesma comarca, e desde que os mesmos possam 
 satisfazer as respectivas necessidades habitacionais imediatas'.
 E dispõe o nº 3 do mesmo artigo que a actualização rege-se pelo art. 33° sendo, 
 porém que a comunicação do senhorio deve ser feita com a antecedência mínima de 
 
 90 dias em relação ao termo do prazo do contrato ou da renovação e a denúncia do 
 arrendatário deve ser enviada por escrito no prazo de 15 dias após a recepção da 
 comunicação do senhorio devendo o prédio ser restituído devoluto até ao termo do 
 prazo do contrato ou da sua renovação.
 Por outro lado, de acordo com o art. 33° do R.A.U., comunicada pelo senhorio ao 
 arrendatário, com a antecedência referida, o novo montante da renda e o 
 coeficiente e os demais factores utilizados no seu cálculo, essa renda 
 considera-se aceite se o arrendatário não discordar nos termos do art. 35°, ou 
 seja com base em erro nos factos relevantes ou na aplicação da lei. A 
 discordância, devidamente fundamentada deve ser comunicada ao senhorio.
 Nesta sequência, cabe notar que suscitada uma actualização nos termos do art. 
 
 81°-A do R.A.U., o inquilino poderá opor-se com o fundamento de que não se 
 verificam os pressupostos referidos no seu nº 2°: a disponibilidade de duas 
 residências que satisfaçam as suas exigências habitacionais imediatas, sendo que 
 seria inadmissível, a todos os títulos, que uma comunicação do senhorio de que 
 se verificam os pressupostos do art. 81°-A se possa impor, sem mais, ao 
 arrendatário.
 E se tal oposição for feita pelo arrendatário, a única conclusão a retirar é que 
 a nova renda não poderá ser praticada enquanto não for resolvida em juízo a 
 questão de estar ou não preenchido esse pressuposto permissivo de actualização 
 da renda.
 A partir daqui, cabe referir que em 26-06-1996, os AA. expediram para a R. e seu 
 marido a carta que dos autos é fls. 14, por estes recepcionada, na qual, além do 
 mais, afirmam 'fazer nova comunicação de actualização de renda, que se tomará 
 eficaz a partir da próxima renovação do arrendamento, para o caso e logo e desde 
 que seja desfavorável aos senhorios a decisão judicial referida ...' mais lhes 
 comunicando estarem reunidos os pressupostos para actualização da renda 'por 
 terem conhecimento que são proprietários de uma habitação no 2° andar do prédio 
 urbano sito na Rua Y., 120, Porto, inscrito na matriz sob o art. ----°.
 Neste ponto, a R. questiona a identificação do imóvel em apreço e o facto de a 
 comunicação ser condicionada em termos de eficácia a um acontecimento futuro e 
 incerto.
 Quanto a esta matéria, e em relação ao primeiro elemento, ficou demostrado que 
 não obstante a carta referida fazer referência ao nº 120 do prédio sito na Rua 
 
 Y., do seu teor a R. percebeu que se tratava do nº 122, identificando o prédio, 
 o que afasta a crítica da R. ao teor da comunicação neste domínio.
 Por outro lado, e quanto à comunicação ser condicionada em termos de eficácia a 
 um acontecimento futuro e incerto, entende-se que os AA. apenas quiseram 
 acautelar a hipótese de êxito quanto ao recurso interposto da decisão 
 respeitante á acção anterior em momento anterior àquele em que operava a 
 actualização realizada através da carta de 26-06-96, ou seja, para o caso de ser 
 conhecida decisão diferente antes de Fevereiro de 1997, o procedendo, assim, o 
 reparo feito pela R. nesta matéria.
 Não se olvida que por carta datada de 08-05-1997 e que dos autos é fls. 31, os 
 AA. afirmaram à R. que deveria a partir desse momento oferecer 'a renda de Esc. 
 
 68.781$00 conforme notificação que lhes foi feita', sendo que tal resulta da 
 leitura dos AA. sobre uma determinada realidade, quando é certo que se entende 
 que a actualização operada seria eficaz a partir da renovação do contrato 
 
 (ocorrida em Fevereiro de 1997).
 Avançando um pouco mais, verifica-se que a R. questiona também o fundamento da 
 actualização quer quanto à existência de residência ou propriedade de imóvel nas 
 respectivas áreas metropolitanas, ou quando o arrendatário resida no resto do 
 país e tenha outra residência ou seja proprietário de imóvel nessa mesma 
 comarca, quer quanto ao facto de a mesma satisfazer as respectivas necessidades 
 habitacionais imediatas.
 Ora, ficou provado que a habitação sita no 2° andar do nº 122 da Rua Y. ficou 
 devoluta desde, pelo menos, 05-06-96 e durante alguns meses, de modo que, não 
 sofre qualquer dúvida o facto de existir uma alternativa nos termos do art. 
 
 81°-A do R.A.U..
 Mas será uma alternativa viável?
 O apartamento arrendado é habitado apenas pela R. e é constituído por hall de 
 entrada, três quartos de dormir, dois quartos de banho completos, arrumos, sala 
 comum, corredor, cozinha, dispensa, wc e varanda descoberta.
 Por seu lado, a habitação sita no 2° andar do prédio com o nº 122 na Rua Y., 
 freguesia de ---------, Porto e inscrito na matriz predial urbana sob o art. 
 
 -----° é pertença da R. e composta de seis divisões, tendo mais de dois quartos, 
 cozinha, sala e casa de banho completa, reunindo o n° de divisões necessárias às 
 necessidades da R. .
 Com relevância para aferir esta matéria, ficou provado que a R. tem acentuadas 
 limitações de mobilidade, especialmente da marcha, que faz sempre apoiada em 
 canadianas, com grandes dificuldades e quase sempre com ajuda de terceiros e que 
 tal habitação não dispõe de elevador, fazendo-se o acesso através de lanços de 
 escadas com curvas fechadas e apertadas.
 A partir daqui, entende-se que apesar de, em termos de espaço, a habitação da 
 Rua Y. poder constituir uma alternativa satisfatória, sendo que nada foi alegado 
 pela R. quanto ao estado da habitação em termos de espaço, a situação da R. com 
 referência ao acesso à referida habitação, permitem a afirmação que a habitação 
 da Rua Y. não satisfaz as necessidades habitacionais imediatas da R..
 Com efeito, não se trata de uma simples questão de comodidade, trata-se de algo 
 relacionado com a qualidade de vida da própria R., e seria colocada em crise no 
 
 âmbito desta habitação em função do respectivo acesso.
 E se assim é, falta um dos elementos a que alude o art. 81°-A quanto à 
 possibilidade de actualização da renda, o que retira qualquer virtualidade à 
 actualização realizada pelos AA., de modo que, e uma vez que os AA. têm recusado 
 receber a renda no valor de Esc. 14.048$00 oferecida pela R., pelo que esta vem 
 procedendo ao seu depósito, do que foi dado conhecimento aos AA., não existe 
 conduta subsumível ao disposto no art. 64° nº 1 al. a) do R.A.U., o que tem um 
 verdadeiro efeito de implosão sobre a presente acção.
 Em todo o caso, diga-se sempre que às cartas enviadas pelos AA., a R. respondeu, 
 enviando àqueles a carta de fls. 28 a 30 e na qual afirma não aceitar a 
 actualização, considerando correcta a renda então vigente de Esc. 13.678$00 e 
 enviando a carta de fls. 33, afirmando considerar correcta a renda de Esc. 
 
 14.048$00, verificando-se que, em rigor, os arrendatários não colocaram em causa 
 os cálculos para a actualização feitos pelos, colocando em crise, como se disse, 
 o fundamento invocado para a aludida actualização, pelo que, a essa tomada de 
 posição, há que se atribuir o efeito de suspender a prática, efectiva, da renda 
 actualizada, até se mostrar decidido, em sede judicial, que a arrendatária 
 efectivamente dispõe de uma habitação para satisfazer as suas necessidades 
 habitacionais, sendo que esta suspensão, autorizava, naturalmente, a 
 arrendatária a continuar a pagar a renda que até aí vinha pagando, sem que por 
 tal motivo lhe pudesse ser imputada a mora no pagamento das rendas devidas e sem 
 que, consequentemente, lhe pudesse ser movida, com êxito, uma acção de resolução 
 do contrato de arrendamento e despejo por tal motivo.
 Tal significa que, mesmo que se entendesse que se verificavam os requisitos do 
 art. 81°-A do R.A.U. e na medida em que no âmbito da presente acção se cumula o 
 pedido de resolução do contrato com o pedido de pagamento da renda resultante da 
 actualização operada, sempre a R. teria de ser absolvida do pedido de despejo, 
 sendo condenada a pagar as rendas actualizadas a partir do termo do prazo do 
 contrato ou da sua renovação.
 
  
 B. interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto. O Tribunal da Relação 
 do Porto, por acórdão de 28 de Setembro de 2004, considerou o seguinte:
 
  
 A questão essencial a decidir consiste em saber se ocorrem os requisitos 
 exigidos pelo art. 81-A do RAU para o senhorio poder suscitar a actua1ização da 
 renda, nomeadamente se os factos assentes permitem ou não concluir que a 
 habitação de que a Ré é proprietária satisfaz as suas necessidades habitacionais 
 imediatas.
 Vejamos:
 O artigo 81-A do RAU, aditado pe1o Dec. Lei nº 278/93, de 10 de Agosto (e que 
 teve nova redacção, dada pela Lei nº 13/94, de 11 de Maio), veio permitir a 
 actua1ização de renda 'até ao que seria o seu valor em regime de renda 
 condicionada', quando o prédio arrendado para habitação se situe na área 
 metropolitana de Lisboa ou do Porto e o arrendatário tenha outra residência ou 
 seja proprietário de imóvel situado nessa área que 'possa satisfazer as 
 respectivas necessidades habitacionais', ou quando se trate de casa arrendada 
 noutro ponto do país e o arrendatário tenha outra residência ou seja 
 proprietário de imóvel nas mesmas condições, na área da respectiva comarca. 
 Verificando-se os apontados requisitos, o senhorio para poder tornar efectiva a 
 actualização da renda, terá de comunicar ao arrendatário, por escrito, a 
 actualização pretendida, com 90 dias de antecedência em relação ao termo do 
 contrato ou da sua prorrogação (al. do nº 3, do art. 81-A, do RAU). E a 
 comunicação terá de identificar 'com rigor' as residências ou imóveis do 
 arrendatário que se encontram nas apontadas condições (nº 2). Se o arrendatário 
 não estiver disposto a suportar a actualização, poderá denunciar o contrato, no 
 prazo de 15 dias após a recepção da comunicação do senhorio, evitando a 
 prorrogação desde a qual passaria a renda a ser 'actualizada' (al. b) do nº 3, 
 do mesmo artigo).
 A ratio legis do preceito, expressa no preâmbulo do Dec. Lei 278/93, aponta 
 inequivocamente no sentido de que a protecção do arrendatário, que de certa 
 forma justifica a não actualização das rendas, não merece tutela quando este 
 dispõe de outra residência na mesma comarca ou na mesma área metropolitana em 
 que resida que possa satisfazer as suas necessidades de habitação imediatas.
 No caso dos autos está assente que a Ré/arrendatária é proprietária de um andar 
 situado na cidade do Porto e que à data em que o senhorio comunicou a 
 actualização da renda aquele andar se encontrava devoluto, ou seja, em condições 
 de poder ser ocupado pela Ré.
 A única questão em discussão consiste em saber aquele andar satisfaz as suas 
 necessidades habitacionais.
 A verificação do referido requisito depende: por um lado, da prova de que a 
 residência do arrendatário tem capacidade para nela habitar, isto é, que é 
 suficiente, do ponto de vista das divisões e seu estado de conservação, para 
 nela se instalar e aí passar a viver; por outro, é ainda necessário que essa 
 residência esteja livre e devoluta, ou seja, susceptível de ser ocupada pelo 
 arrendatário na altura em que o senhorio toma a iniciativa de actualizar a renda 
 
 (v. Ac. do STJ de 26-11-96, CJ-STJ, Tomo III, p. 117).
 O andar pertencente à Ré, devoluto na altura em que os senhorios comunicaram a 
 actualização da renda, é composto de seis divisões, tendo mais de dois quartos, 
 cozinha, sala e casa de banho.
 Não oferece, pois dúvidas, que do ponto de vista de divisões dispõe de condições 
 para a Ré aí se instalar e passar a viver. Nada foi alegado quanto ao seu estado 
 de conservação que possa afastar a possibilidade de satisfazer as necessidades 
 habitacionais da Ré. E encontrava-se devoluto na altura em que o senhorio 
 comunicou a actualização da renda, ou seja, estava em condições de ser de 
 imediato ocupado pela arrendatária.
 Na sentença recorrida entendeu-se que apesar de, em termos de espaço, a 
 habitação pertencente à Ré poder constituir uma alternativa satisfatória, pelo 
 facto do prédio não possuir elevador haveria prejuízo para a qualidade de vida 
 da Ré, dadas as dificuldades de acesso à habitação, concluindo que não satisfaz 
 as suas necessidades habitacionais imediatas.
 Posição de que discorda a apelante alegando que a falta de qualidade de vida da 
 Ré verificar-se-ia quer no arrendado, quer na habitação de que é proprietária, 
 pois é algo inerente ao seu estado físico e não aos requisitos da habitação.
 Entendemos que lhe assiste razão.
 A falta de elevador poderá tomar menos cómoda a utilização pela Ré do andar de 
 que é proprietária, mas satisfaz as suas necessidades de habitação. Como referem 
 os apelantes a falta de qualidade de vida da Ré verificar-se-ia quer no 
 arrendado, quer na habitação de que é proprietária, pois é algo inerente ao seu 
 estado físico e não aos requisitos da habitação.
 Porém, ao contrário do que defendem os apelantes não há fundamento para o pedido 
 despejo, com fundamento na falta de pagamento de rendas.
 Suscitada uma actualização nos termos do art. 81°-A, o inquilino pode opor-se 
 com o fundamento de que não se verificam os pressupostos referidos no seu nº 2: 
 a disponibilidade de residência que satisfaça as suas exigências habitacionais 
 imediatas.
 E verificando-se a dita oposição por parte do arrendatário, a nova renda não 
 poderá ser praticada enquanto não for resolvida em juízo a questão de estar ou 
 não preenchido esse pressuposto permissivo de actualização da renda (art. 36° nº 
 
 3, do RAU 'ex vi' do art. 85°-A).
 Está provado que, tendo a Autora comunicado à Ré, com a devida antecedência, o 
 montante da renda actualizada, respondeu-lhe a Ré que não aceitava tal 
 actualização, nomeadamente por não se verificar o respectivo pressuposto: 
 disponibilidade pela Ré de residência própria capaz de satisfazer as suas 
 necessidades habitacionais imediatas. Não pôs a arrendatária em causa os 
 cálculos para a actualização feitos pelos senhorios. Mas pôs em causa a 
 verificação do requisito legal em que estes fundavam a possibilidade da 
 actualização.
 A essa tomada de posição por parte da arrendatária, Ré nos autos, terá que se 
 atribuir o efeito de suspender a prática, efectiva, da renda actualizada, até se 
 mostrar decidido, em sede judicial, que a mesma arrendatária efectivamente 
 dispõe de residência com capacidade para satisfazer as suas necessidades 
 habitacionais imediatas.
 Assim, instaurada a acção a pedir a resolução do contrato e cumulando-se com 
 esse pedido o de pagamento da renda resultante da actualização operada, ainda 
 que os autores tenham feito prova da verificação do pressuposto legal de tal 
 actualização, não há mora quanto à obrigação de pagar a renda actualizada antes 
 do trânsito em julgado da decisão que julgue improcedente a oposição deduzida 
 pela arrendatária.
 Como assim, deve ser mantida a absolvição da Ré do pedido de despejo, com 
 fundamento na falta de pagamento da renda actualizada., por não haver mora 
 quanto à obrigação de pagar o montante actualizado.
 Deverá todavia ser condenada a pagar as rendas actualizadas, desde Junho de 1997 
 
 (embora se entenda que a actualização era devida a partir da renovação do 
 contrato ocorrida após a comunicação da actualização, ou seja, a partir de 
 Fevereiro de 1997, foi pedida apenas a partir da renda vencida em Junho de 
 
 1997), uma vez que para tanto fora oportunamente interpelada, tendo a 
 actualização ficado apenas suspensa até haver decisão judicial quanto à deduzida 
 oposição que, como se referiu, carece de fundamento.
 
  
 III - Decisão
 Pelo exposto, acordam em julgar a apelação parcialmente procedente, 
 condenando-se a Ré a pagar aos Autores a diferença entre os montantes por ela 
 pagos ou depositados (autorizando-se os autores a levantar os depósitos que 
 hajam sido efectuados), a título de rendas vencidas desde Junho de 1997, 
 inclusive, até ao presente, e os montantes da renda actualizada, no valor mensal 
 de Esc. 68.781$00, devida desde a vencida em Junho de 1997, inclusive.
 Confirma-se a sentença recorrida na parte em que julgou improcedente o pedido de 
 despejo.
 Custas pelos apelantes e pela apelada, na proporção de 2/3 para aqueles e 1/3 
 para esta.
 
  
 B. requereu esclarecimento do acórdão de 28 de Setembro de 2004. Por seu turno, 
 A. arguiu nulidade (fls. 253 e ss.).
 A. requereu ainda esclarecimento do acórdão de 28 de Setembro de 2004, 
 sustentando o seguinte:
 
  
 
 2. Resulta da fundamentação do douto Acórdão em referência, que a satisfação das 
 necessidades habitacionais da apelada depende, única e exclusivamente, do número 
 de divisões da habitação e do respectivo estado de conservação.
 O citado entendimento resulta bem claro da seguinte passagem do douto Acórdão: 
 
 “Não oferece, pois dúvidas, que do ponto de vista de divisões dispõe de 
 condições para a Ré ai se instalar e passar a viver. Nada foi alegado quanto ao 
 seu estado de conservação que possa afastar a possibilidade de satisfazer as 
 necessidades habitacionais da Ré”.
 Quanto ao resto, nomeadamente a inexistência de elevador, as condições físicas e 
 idade da apelada, os lanços de escadas com curvas fechadas e apertadas que 
 constituem a única forma de acesso à habitação, instalada num 2º andar, não 
 passam, afinal, de pequenas questões de comodidade!
 Entendimento que, perdoe-se-nos o comentário, é próprio dos tempos que correm, 
 de idolatria pela juventude, beleza e vigor, e de quase desprezo pela velhice e 
 doença.
 Sucede que, em nossa modesta opinião, o referido entendimento consubstancia uma 
 interpretação da disposição da parte final do n° 1 do artigo 81º-A do Regime do 
 Arrendamento Urbano, na parte em que impõe a satisfação das necessidades 
 habitacionais imediatas, que colide frontalmente com o preceito do n° 1 do 
 artigo 65° da Constituição da república Portuguesa.
 Estatui-se neste preceito que 'Todos têm direito, para si e para a sua família, 
 a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que 
 preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar”. Condições de conforto 
 que impõem, é nossa profunda convicção, um acesso minimamente adequado e 
 razoável a uma senhora idosa de oitenta e cinco anos, doente e com grandes e 
 crescentes dificuldades de marcha e mobilidade.
 A interpretação do conceito de 'necessidades habitacionais imediatas' vertido na 
 parte final ao artigo 81°-A do Regime Arrendamento Urbano, subjacente ao Acórdão 
 em apreciação parece-nos, pelo exposto, claramente inconstitucional. 
 Inconstitucionalidade que, de qualquer modo, só agora é suscitada, porque a 
 referida interpretação do normativo aplicável à situação ajuizada colheu de 
 surpresa a apelada, que nunca considerou, razoavelmente, contar com a mesma.
 A apelada requer, portanto, uma análise mais ponderada e aprofundada das 
 questões ora suscitadas, nomeadamente com vista ao rigoroso esclarecimento da 
 interpretação legal que resulta do Acórdão, e da sua eventual 
 inconstitucionalidade.
 
  
 O Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 14 de Dezembro de 2004, indeferiu 
 os requerimentos da recorrente e da recorrida.
 A. requereu a reforma do acórdão, pedido de reforma que foi indeferido por 
 acórdão de 22 de Fevereiro de 2005.
 
  
 
 2.  A. interpôs recurso de constitucionalidade nos seguintes termos:
 
  
 
  
 
  
 A.,
 Apelada nos autos à margem identificados,
 Notificada do douto Acórdão que indeferiu a requerida reforma,
 Interpõe Recurso,
 Para o Tribunal Constitucional,
 Do douto Acórdão que julgou parcialmente procedente a apelação,
 Ao abrigo do disposto na alínea b) do n° 1 do art. 70° da Lei do Tribunal 
 Constitucional,
 Para apreciação da constitucionalidade da disposição da parte final do n° 1 do 
 artigo 81°-A do Regime do Arrendamento Urbano, na interpretação perfilhada pelo 
 Acórdão recorrido,
 Por considerar que esta viola o direito a uma habitação condigna consagrado no 
 n° 1 do artigo 65° da Constituição da República Portuguesa,
 Tendo a questão da referida inconstitucionalidade sido suscitada, nomeadamente, 
 nas alegações orais produzidas na audiência final, no requerimento de 
 esclarecimento de fls.   , remetido a Juízo, sob registo postal no dia 14 do 
 passado mês de Outubro, e, bem assim, no requerimento de reforma do Acórdão de 
 fls.   , interposto em Juízo no dia 10 de Janeiro de 2005.
 A este respeito, acrescenta a recorrente que não suscitou a questão da dita 
 inconstitucionalidade em sede de resposta à alegação do recurso de apelação, e 
 não apresentou, sequer, tal resposta, na convicção de que a douta decisão de 
 facto proferida pelo Tribunal de 1ª instância, tendo nomeadamente por objecto os 
 quesitos 2°, 5°, 6° e 7º, e respectiva fundamentação, não permitiriam a mais 
 ligeira dúvida relativamente à impossibilidade do imóvel do 2° andar do n° 122 
 da Rua Y. satisfazer as suas necessidades habitacionais, pelo que não poderia, 
 razoavelmente, contar com a decisão do Tribunal da Relação.
 Deste modo,
 Requer
 A V. Ex.a se digne admitir o presente recurso, por legal e tempestivo, 
 seguindo-se os ulteriores termos.
 
  
 Cumpre apreciar.
 
  
 
 3.  Sendo o presente recurso interposto ao abrigo dos artigos 280º, nº 1, alínea 
 b), da Constituição e 70º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, é 
 necessário, para que se possa tomar conhecimento do seu objecto, que a questão 
 de constitucionalidade haja sido suscitada durante o processo.
 O Tribunal Constitucional tem entendido este requisito num sentido funcional. De 
 acordo com tal entendimento, uma questão de constitucionalidade normativa só se 
 pode considerar suscitada de modo processualmente adequado quando o recorrente 
 identifica a norma que considera inconstitucional, indica o princípio ou a norma 
 constitucional que considera violados e apresenta uma fundamentação, ainda que 
 sucinta, da inconstitucionalidade arguida. Não se considera assim suscitada uma 
 questão de constitucionalidade normativa quando o recorrente se limita a 
 afirmar, em abstracto, que uma dada interpretação é inconstitucional, sem 
 indicar a norma que enferma desse vício, ou quando imputa a 
 inconstitucionalidade a uma decisão ou a um acto administrativo.
 Por outro lado, o Tribunal Constitucional tem igualmente entendido que a questão 
 de constitucionalidade tem de ser suscitada antes da prolação da decisão 
 recorrida, de modo a permitir ao juiz a quo pronunciar-se sobre ela. Não se 
 considera assim suscitada durante o processo a questão de constitucionalidade 
 normativa invocada somente no requerimento de aclaração, na arguição de nulidade 
 ou no requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade (cf., entre 
 muitos outros, o Acórdão nº 155/95, D.R., II Série, de 20 de Junho de 1995).
 A recorrente, nos presentes autos, podendo fazê-lo, não apresentou 
 contra-alegações no recurso interposto para o Tribunal da Relação do Porto pela 
 ora recorrida, no qual foram apresentados argumentos acolhidos pelo tribunal a 
 quo e que fundamentam a decisão que agora vem impugnada, na parte em que aplica 
 uma dada interpretação do nº 1 do artigo 85º do Regime do Arrendamento Urbano, 
 interpretação que, de resto, em momento algum é explicitada pela recorrente.
 Nessa medida, não foi suscitada no momento próprio (contra-alegações do recurso 
 perante o Tribunal da Relação do Porto) uma qualquer questão de 
 constitucionalidade normativa, quando o podia ter sido, já que, como se referiu, 
 nas alegações da então recorrente foi apresentado o entendimento que o tribunal 
 a quo acolheu na decisão recorrida. De resto, repete-se, em momento algum dos 
 autos, mesmo no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, 
 foi explicitada a dimensão normativa que a recorrente considera 
 inconstitucional.
 Por outro lado, ao contrário do que a recorrente sustenta, não foi proferida 
 qualquer decisão objectivamente imprevisível ou inesperada. É aliás a própria 
 recorrente que afirma, no requerimento de interposição do recurso de 
 constitucionalidade, que suscitou a questão de constitucionalidade nas alegações 
 orais na audiência final (o que, não obstante a afirmação da recorrente, não tem 
 qualquer suporte documental nos autos). Independentemente, porém, do alegado 
 pela recorrente, a verdade é que a decisão recorrida, acolhendo os argumentos da 
 então recorrente, não tem um conteúdo objectivamente inesperado com o qual a 
 recorrente não pudesse contar.
 Assim, a alegada suscitação da questão de constitucionalidade no pedido de 
 esclarecimento e no pedido de reforma (que consubstancia uma suscitação 
 deficiente, insusceptível de permitir dar por verificado o pressuposto 
 processual do recurso de constitucionalidade interposto, já que, como se disse, 
 não é identificada, com o mínimo rigor, a interpretação que a recorrente 
 considera inconstitucional) é intempestiva.
 Por último, as deficiências apontadas não podiam ser utilmente supridas por 
 despacho a proferir ao abrigo do artigo 75º-A da Lei do Tribunal Constitucional, 
 como resulta do que foi referido.
 
  
 
 4.  Em face do exposto, decide-se não tomar conhecimento do objecto do presente 
 recurso de constitucionalidade.
 
  
 A recorrente vem agora reclamar para a Conferência, ao abrigo do artigo 76º-A, 
 nº 3, da Lei do Tribunal Constitucional, dizendo o seguinte:
 
  
 
  
 
  
 A douta decisão ora impugnada funda-se no entendimento que se transcreve: 
 
 “Assim, a alegada suscitação da questão de constitucionalidade no pedido de 
 esclarecimento e no pedido de reforma (que consubstancia uma suscitação 
 deficiente, insusceptível de permitir dar por verificado o pressuposto 
 processual do recurso de constitucionalidade interposto, já que, como se disse, 
 não é identificada, com o mínimo rigor, a interpretação que a recorrente 
 considera inconstitucional) é intempestiva.”
 Apresentam-se, portanto, dois impedimentos ao conhecimento do recurso, que devem 
 ser analisados com todo o rigor.
 
  
 A) Da invocada intempestividade do recurso:
 
  
 
 1. A recorrente alega, no requerimento de recurso de constitucionalidade, aceite 
 pelo Tribunal recorrido, que a questão da referida inconstitucionalidade havia 
 sido suscitada, nomeadamente, nas alegações orais produzidas na audiência final.
 O requerimento em causa foi, nos termos legais, notificado à parte contrária, 
 como se demonstra do talão junto aos presentes, nada tendo sido declarado por 
 esta em sentido contrário. O silêncio dos recorridos não pode ter outro sentido 
 que não o do reconhecimento da alegada suscitação.
 Ora,
 Constitui Jurisprudência pacífica deste mesmo Tribunal que “Tem de 
 considerar-se suscitada adequadamente uma questão de constitucionalidade, em 
 alegação oral, quando - nada constando embora da acta sobre tal matéria - a 
 parte contrária reconhece expressamente a respectiva suscitação.” (Acórdão 
 
 349/2000, Boletim do Ministério da Justiça, 499-15 ).
 Por outro lado,
 
 2. Alegou ainda a recorrente, no requerimento do presente recurso, que “não 
 suscitou a questão da dita inconstitucionalidade em sede de resposta à alegação 
 do recurso de apelação, e não apresentou, sequer, tal resposta, na convicção de 
 que a douta decisão de facto proferida pelo Tribunal da 1. instância, tendo 
 nomeadamente por objecto os quesitos 2º, 5°, 6° e 7° e respectiva fundamentação, 
 não permitiriam a mais ligeira dúvida relativamente à impossibilidade do imóvel 
 do 2° andar do n° 122 da rua Y. satisfazer as suas necessidades habitacionais, 
 pelo que não poderia, razoavelmente, contar com a decisão do Tribunal da 
 Relação.”
 A este respeito,
 Considera-se na decisão sumária em apreciação que “a verdade é que a decisão 
 recorrida, acolhendo os argumentos da então recorrente, não tem um conteúdo 
 objectivamente inesperado com o qual a recorrente não pudesse contar.”
 Em primeiro lugar,
 Afigura-se-nos indiscutível que não é por determinada interpretação de norma 
 legal ser perfilhada nos autos pela parte contrária que a mesma se deve passar a 
 ter como menos inesperada, insólita ou imprevisível. O que a este respeito tem 
 de prevalecer, naturalmente, é uma análise objectiva e fundamentada do carácter 
 objectivamente insólito e imprevisível da interpretação ou tese em causa.
 Vejamos, portanto, a matéria dos quesitos invocados pela recorrente e 
 respectivas respostas vertidas na douta decisão da matéria de facto.
 Quesito 2°: “E satisfaz (a habitação sita no 2º andar do n° 122 da rua Y. ) as 
 necessidades habitacionais da Ré?”
 Resposta: “Provado apenas o que consta da alínea H) da matéria assente.” 
 Quesito 5°: “A Ré tem acentuadas limitações de mobilidade, especialmente de 
 marcha, que faz sempre apoiada em canadianas, com grandes dificuldades e quase 
 sempre ajudada por terceiros?”
 Resposta: “Provado.”
 Quesito 6°: “Tal habitação não dispõe de elevador, fazendo-se o acesso através 
 de lanças de escadas com curvas fechadas e apertadas?”
 Resposta: “ Provado.”
 Quesito 7°: “Pelo que a Ré não conseguiria nunca aceder à mesma habitação?” 
 Resposta: “Provado apenas o que consta das respostas aos factos 5° e 6°.”
 Resulta, portanto, provado dos presentes autos que a recorrente, actualmente com 
 
 85 anos de idade, padece de profundas limitações de mobilidade, que só consegue 
 movimentar-se com o apoio de canadianas e a ajuda de terceiros.
 Demonstrado está também que a habitação de que a recorrente é proprietária, 
 instalada no 2° andar com entrada pelo n° 122 da rua Y., freguesia de ------- e 
 concelho do Porto, não tem elevador, sendo o acesso à mesma, sublinha-se, no 2° 
 andar, efectuado por lanços de escadas com curvas fechadas e apertadas.
 O pedido deduzido nos presentes, de actualização da renda, funda-se na 
 disposição do n° 1 do artigo 81º-A do Regime do Arrendamento Urbano, na redacção 
 do Decreto Lei n° 278/93, de 10 de Agosto, ratificado pela Lei n° 13/94, de 11 
 de Maio, nos termos do qual o senhorio pode suscitar uma determinada 
 actualização de renda, desde que o inquilino seja proprietário de um imóvel na 
 mesma comarca que “possa satisfazer as respectivas necessidades habitacionais 
 imediatas”.
 Como já se viu, a aptidão da casa da rua Y. para a satisfação das necessidades 
 habitacionais da recorrente foi incluída na base instrutória, inclusão da qual 
 ninguém reclamou, e que, portanto, se manteve intocável até final. Acontece que 
 a referida aptidão não foi considerada provada, sendo óbvio que o respectivo 
 
 ónus da prova caberia aos senhorios, ora recorridos.
 Em consequência da prova efectuada, que incluiu uma inspecção ao local, o 
 Meritíssimo Juiz da 1ª instância não teve dúvidas ou dificuldades em concluir 
 que “a habitação da rua Y. não satisfaz as necessidades habitacionais imediatas 
 da R.”
 Ora,
 Perante toda esta factualidade, claramente demonstrada, faz sentido 
 considerarmos, como considerou a Ex.ma Conselheira Relatora deste Tribunal, que 
 a decisão do Tribunal da Relação do Porto não configura “qualquer decisão 
 objectivamente imprevisível ou inesperada?”
 Não constitui novidade que passamos tempos algo estranhos, de diluição de 
 valores, em que princípios que considerávamos intocáveis são relativizados até à 
 total indiferença. Mas, não podemos deixar de colocar uma questão que nos parece 
 fundamental, qual seja a de procurar saber para onde vamos quando admitimos que 
 uma habitação localizada num 2° andar, cujo acesso só pode ser conseguido pela 
 subida de lanços de escadas com curvas fechadas e apertadas, satisfaz as 
 necessidades habitacionais imediatas duma senhora de mais oitenta anos de idade, 
 que se desloca com muita dificuldade, sempre apoiada em canadianas e com a ajuda 
 de terceiros!?! E qual o nosso destino como colectividade pretensamente 
 solidária quando entendemos que uma decisão deste tipo nada tem de imprevisível 
 ou inesperado?
 
  
 B) Da eventual suscitação deficiente da inconstitucionalidade:
 
  
 A douta decisão sumária objecto da presente reclamação entende que a “alegada 
 suscitação da questão de constitucionalidade no pedido de esclarecimento e no 
 pedido de reforma “do Acórdão da Relação” consubstancia uma suscitação 
 deficiente, insusceptível de permitir dar por verificado o pressuposto 
 processual do recurso de constitucionalidade interposto, já que, como se disse, 
 não é identificada, com o mínimo rigor, a interpretação que a recorrente 
 considera inconstitucional.”
 A este respeito,
 Deixamos à consideração do Tribunal a parte que se transcreve do requerimento de 
 esclarecimento do Acórdão da Relação, de fls. 266 a 270:
 
  
 
 “Quanto ao resto, nomeadamente a inexistência de elevador, as condições físicas 
 e idade da apelada, os lanças de escadas com curvas fechadas e apertadas que 
 constituem a única forma de acesso à habitação, instalada num 2º andar, não 
 passam, afinal, de pequenas questões de comodidade!
 Entendimento que, perdoe-se-nos o comentário, é próprio dos tempos que correm, 
 de idolatria pela juventude, beleza e vigor, e de quase desprezo pela velhice e 
 doença.
 Sucede que, em nossa modesta opinião, o referido entendimento consubstancia uma 
 interpretação da disposição da parte final do n° 1 do artigo 81°-A do Regime do 
 Arrendamento Urbano, na parte em que impõe a satisfação das necessidades 
 habitacionais imediatas, que colide frontalmente com o preceito do n° 1 do 
 artigo 65° da Constituição da República Portuguesa.
 Estatui-se neste preceito que “Todos têm direito, para si e para a sua família, 
 a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que 
 preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar.” Condições de conforto 
 que impõem, é nossa profunda convicção, um acesso minimamente adequado e 
 razoável a uma senhora idosa de oitenta e cinco anos, doente e com grandes e 
 crescentes dificuldades de marcha e mobilidade.
 A interpretação do conceito de “necessidades habitacionais imediatas” vertido na 
 parte final do artigo 81° - A do Regime do Arrendamento Urbano, subjacente ao 
 Acórdão em apreciação parece-nos, pelo exposto, claramente inconstitucional.”
 
  
 E,
 Mais adiante, no requerimento, interposto em Juízo no dia 10 do passado mês de 
 Janeiro, de reforma do mesmo Acórdão, a recorrente insistiu na suscitação da 
 inconstitucionalidade, nos termos seguintes:
 
  
 
 “Considerou o douto Acórdão dos presentes que: “A falta de elevador poderá tomar 
 menos cómoda a utilização pela Ré do andar de que é proprietária, mas satisfaz 
 as suas necessidades de habitação.”
 Sucede,
 Que o n° 1 do artigo 65° da Constituição da República consagra o direito a “uma 
 habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto ...”.
 Conforto que, obviamente, é sonegado, por completo, a uma senhora de oitenta e 
 cinco anos de idade, com “acentuadas limitações de mobilidade, especialmente da 
 marcha, que faz sempre apoiada em canadianas, com grandes dificuldades e quase 
 sempre com ajuda de terceiros” (cfr. 2.2 da base instrutória da causa), 
 impondo-se-lhe o acesso a uma habitação no 2º andar, que “não dispõe de 
 elevador, fazendo-se o acesso através de lanços de escadas com curvas fechadas e 
 apertadas” (cfr. 2.3 da base instrutória).
 Efectivamente,
 Embora os Excelentíssimos Desembargadores apenas atribuam importância à 
 inexistência de elevador, o certo é que também se encontra demonstrado nos 
 presentes que o acesso à habitação do 2º andar da rua Y. se faz através de 
 lanços de escadas com curvas fechadas e apertadas.
 Deste modo,
 Tem de se sublinhar, com a devida intensidade porque nos encontramos perante 
 valores e conceitos da Pessoa Humana que se julga(va)m sagrados na Civilização 
 Ocidental, que uma atenta ponderação da matéria de facto provada, à luz das 
 regras da experiência, não deixará a mais ligeira dúvida àcerca da falta do 
 mínimo de conforto constitucionalmente previsto e exigível, na situação 
 ajuizada, tomando em boa conta as específicas circunstâncias relacionadas com a 
 apelada e com a habitação do 2º andar da rua Y..
 Dúvidas poderão existir, isso sim, acerca da possibilidade da apelada alguma vez 
 conseguir, mesmo com a ajuda de terceiros, ultrapassar as curvas fechadas e 
 apertadas dos lanços de escadas que dão acesso à habitação do ~ andar da rua Y..
 Do exposto resulta que nos permitimos considerar, salvo o devido respeito, que é 
 muito, por melhor opinião, que uma adequada e profunda ponderação da decisão de 
 facto, em toda a sua plenitude, e bem assim, do sentido de mínimo conforto 
 subjacente à norma do n° 1 do artigo 65° da Constituição, conforto este que não 
 pode ser dissociado do conceito de dignidade pessoal, permitirão ao Tribunal 
 concluir pela reforma da douta decisão proferida.”
 
  
 Por tudo o exposto,
 Afigura-se-nos que, salvo o devido respeito por melhor opinião, a recorrente 
 identificou com rigor o preceito constitucional (artigo 65°, n° 1) colocado em 
 causa pela interpretação do 81º-A, n° 1, do Regime do Arrendamento Urbano, e, 
 bem assim, que se identificou com todo o rigor a interpretação considerada 
 inconstitucional.
 Uma análise mais aprofundada da invocada inconstitucionalidade apenas deve ser 
 produzida em sede de alegações, sob pena de estas não disporem de função útil.
 Aliás,
 Constitui entendimento, julgávamos que consensual, deste mesmo Tribunal, que 
 para iniciar um recurso de constitucionalidade o que importa é que a 
 inconstitucionalidade da norma haja sido previamente suscitada, podendo a 
 respectiva fundamentação ser junta apenas nas alegações (cfr. Acórdão 378/89, 
 BMJ, 387-128).
 E, bem assim, que desde que o Tribunal a quo “pôde saber qual a norma cuja 
 legitimidade constitucional se questionava, e, por isso mesmo, decidir tal 
 questão”, deve considerar-se suscitada a questão da inconstitucionalidade e, 
 consequentemente, deixar-se prosseguir o recurso (cfr. Acórdão 180/90, BMJ, 
 
 398-548).
 
  
 A reclamada respondeu o seguinte:
 
  
 l - A reclamação presente não passa de mais uma manobra dilatória, - conquanto, 
 processualmente, a mesma possa ter lugar - com vista a diferir os efeitos da 
 decisão do acórdão da Relação. 
 E, os argumentos esgrimidos são de tal forma falaciosos que não resistem a uma, 
 ainda que superficial abordagem. 
 Desde logo, requerimento de interposição o de recurso constitucionalidade não 
 admite resposta, pelo que os ora recorridos nada tinham que opinar sobre aquela 
 interposição, a não ser no momento próprio, aquando a apresentação das 
 respectivas contra-alegações. 
 Por outro lado, como se refere no citado Acórdão (Ac. 349/2000, BMJ, 499-15) 
 sempre seria necessário que a contraparte tivesse reconhecido expressamente a 
 aludida suscitação, o que não é, seguramente, o caso.
 Na verdade, aquando do pedido de esclarecimento do Acórdão da Relação do Porto, 
 os ora recorridos, na resposta, declararam expressamente sob o ponto nº 7 que a 
 questão da inconstitucionalidade jamais foi colocada, quer nos articulados quer 
 nas alegações. 
 Inexiste, assim, qualquer reconhecimento da alegada suscitação, tácito ou 
 expresso, por parte dos recorridos e nem poderia haver, dado não ter sido 
 alegado. 
 
 2 - Quanto à previsibilidade da decisão, sempre se dirá que a mesma só pode 
 resultar da suscitação pela parte contrária e, consequentemente, da 
 possibilidade do exercício do contraditório. 
 E, a recorrente parece esquecer que a sua omissão de exercer o contraditório, só 
 a ela é imputável!! 
 
 3 - Por último e quanto ao alegado sobre a suscitação deficiente da 
 inconstitucionalidade, refira-se, que mais uma vez, a recorrente suscita as 
 questões de fundo que pretende ver apreciadas e omite o cerne da decisão de que 
 reclama! E o que aqui está em causa é apenas o requerimento de recurso que 
 formalmente não está correcto, a questão de constitucionalidade normativa não 
 foi suscitada de modo processualmente adequado consubstanciando uma suscitação 
 deficiente.
 
  
 
  
 Cumpre apreciar.
 
  
 
  
 
 2.  A reclamante começa por se referir à “intempestividade do recurso”.
 No entanto, a Decisão Sumária fundou-se, não na intempestividade do recurso, mas 
 sim na intempestividade da suscitação da questão de constitucionalidade num 
 pedido de esclarecimento da decisão recorrida (tendo sido sublinhado que nos 
 autos a questão não tinha sido suscitada de modo adequado).
 A reclamante invoca, por outro lado, que o requerimento de interposição do 
 recurso foi admitido pelo tribunal a quo.
 Cabe, no entanto, sublinhar que tal decisão de admissão não vincula o Tribunal 
 Constitucional (artigo 76º, nº 3, da Lei do Tribunal Constitucional).
 A reclamante afirma ainda que a circunstância de os recorridos não terem 
 respondido à notificação da apresentação do requerimento de interposição do 
 recurso de constitucionalidade consubstancia um reconhecimento de que a questão 
 de constitucionalidade foi suscitada nas alegações orais. Invoca, para o efeito, 
 um acórdão do Tribunal Constitucional onde se atribui relevância ao 
 reconhecimento expresso pela parte contrária da suscitação da questão de 
 constitucionalidade no processo.
 Ora, o silêncio da reclamada nunca poderia ser entendido como reconhecimento 
 expresso de qualquer comportamento da reclamante, pelo que o aresto invocado não 
 tem qualquer pertinência na presente reclamação.
 De resto, a própria reclamada nega, agora sim expressamente, que alguma vez 
 tenha ocorrido tal suscitação (cfr. resposta à reclamação, transcrita supra).
 A reclamante afirma ainda que a circunstância de a parte contrária ter invocado 
 a interpretação normativa que agora aquela pretende impugnar não torna a sua 
 aplicação previsível. Tal afirmação demonstra o contrário do que a reclamante 
 pretende sustentar. Na verdade, e independentemente da bondade da solução, que 
 não cabe agora avaliar, é precisamente por a dimensão normativa ter sido 
 invocada nos autos perante o tribunal a quo pela parte contrária que a 
 reclamante podia contar com a sua aplicação, tendo, nessa medida, a 
 possibilidade de contraditório, invocando os argumentos que considerasse 
 pertinentes. É esse o modo de funcionamento do processo, é esse o sentido do 
 princípio do contraditório. Qualquer solução diversa implica que o tribunal 
 apenas possa aderir aos argumentos de uma das partes, o que é manifestamente 
 insustentável.
 De seguida, a reclamante elenca uma série de elementos relativos aos autos e ao 
 seu entendimento sobre a resolução do litígio.
 Como é evidente, não cabe ao Tribunal Constitucional dirimir tal questão. E 
 quanto ao carácter previsível da decisão tomada pelo tribunal a quo, nada mais 
 há a acrescentar ao que se deixa dito.
 Por último, a reclamante procura demonstrar que identificou com clareza uma 
 questão de constitucionalidade normativa, procedendo a transcrições de peças 
 processuais.
 No entanto, nessas transcrições apenas é referido o “entendimento” segundo o 
 qual a “inexistência de elevador, as condições físicas e idade da apelada, os 
 lanços de escadas com curvas fechadas e afastadas que constituem a única forma 
 de aceder à habitação, instalado num 2º andar, não passam (...) de pequenas 
 questões de comodidade”.
 A reclamante entende que esse “entendimento” consubstancia uma interpretação do 
 artigo 81º, nº 1, do RAU.
 Ora, esse “entendimento” não é, de modo manifesto, uma interpretação de uma 
 qualquer norma legal. Esse entendimento constitui uma apreciação, feita pela 
 reclamante, de várias circunstâncias factuais.
 A reclamante afirma ainda que “as interpretações do conceito de necessidades 
 habitacionais imediatas” é inconstitucional. Mas não diz qual é essa 
 interpretação.
 Não basta, com efeito, referir matéria de facto do caso concreto ou identificar 
 vicissitudes dos autos para identificar uma questão de constitucionalidade 
 normativa. Na verdade, é necessário que seja identificado um critério geral e 
 abstracto de decisão dos casos. Tal identificação não se verificou, e a presente 
 reclamação apenas confirma que a reclamante se insurge unicamente contra a 
 decisão judicial proferida.
 Como se referiu na Decisão Sumária, a decisão judicial não constitui objecto 
 idóneo do recurso interposto, pelo que a presente reclamação improcede.
 
  
 
  
 
 4.  Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a presente 
 reclamação, confirmando consequentemente a Decisão Sumária reclamada.
 
  
 
  
 Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UCs. 
 
  
 Lisboa, 13 de Julho de 2005
 
  
 Maria Fernanda Palma
 Benjamim Rodrigues
 Rui Manuel Moura Ramos