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Processo n.º 540/03
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
 
  
 
  
 
  
 
  
 Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 A – Relatório
 
  
 
  
 
             1 – A., melhor identificada nos autos, recorre para o Tribunal 
 Constitucional, ao abrigo do artigo 280º, nº 1, alínea b), da Constituição da 
 República Portuguesa e dos artigos 70º, nº 1, alínea b), e 72.º, nº 1, alínea 
 b), ambos da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, pretendendo ver apreciada a 
 constitucionalidade do artigo 405º do Código Civil, quando interpretado “no 
 sentido de que o princípio da liberdade contratual abrange a liberdade de as 
 partes optarem livremente, em alternativa, pelo modelo contratual típico de 
 arrendamento comercial ou pelo modelo contratual atípico comummente designado de 
 contrato de instalação de lojista em centro comercial”, por violação do 
 
 “princípio da confiança do cidadão, emanado do princípio do Estado de Direito 
 Democrático na sua vertente de Estado de Direito, consagrado no artigo 2º da 
 Constituição da República Portuguesa”.
 
  
 
  
 
 2 – Perscrutando os autos, deles resulta que:
 
  
 
 2.1 – Em 14 de Março de 2000, B., melhor identificada nos autos, propôs contra 
 A., e C., acção com processo ordinário, pedindo que seja declarado extinto por 
 caducidade um contrato, que denomina de utilização de loja em centro comercial, 
 que vigorava entre a autora, como empresa gestora do centro comercial em que tal 
 loja se integrava, e a primeira ré, a quem a autora cedera a respectiva 
 utilização mediante retribuição, pedindo a condenação da dita primeira ré a 
 entregar-lhe a aludida loja, livre e desimpedida de pessoas e bens, e a 
 condenação de ambas as rés (sendo a segunda como fiadora da primeira), a 
 pagarem-lhe a importância de 1.440.000$00, acrescida de juros legais, a título 
 de indemnização pelos danos que lhe têm causado com a ocupação não titulada da 
 loja ou a título de enriquecimento sem causa, bem como a quantia mensal de 
 
 288.000$00 relativa à mesma ocupação desde Março de 2000 até à efectiva 
 desocupação e entrega da loja (acrescida de juros moratórios e eventual 
 actualização de valores), e a quantia mínima de 8.000$00 por cada dia de atraso 
 na devolução, a título de sanção pecuniária compulsória e todos os montantes 
 indemnizatórios, acrescidos de juros, que venham a ser liquidados em execução de 
 sentença.
 
  
 
             2.2 – O Juiz do Tribunal Cível do Porto – 1ª Vara – conheceu, logo 
 no despacho saneador, do mérito da causa, tendo julgado a acção parcialmente 
 procedente, condenando as rés no pedido (salvo quanto à quantia de 1.440.000$00 
 que considerou já paga à autora e aos meses de Março a Maio de 2000 por já se 
 encontrarem depositados, e reduzindo a quantia de 288.000$00 a 287.471$00, não 
 condenando a segunda ré na sanção pecuniária compulsória, e, por fim, condenando 
 ambas no pagamento de despesas comuns e remuneração percentual desde Outubro de 
 
 1999 até efectiva desocupação, ao invés da condenação em montante a liquidar em 
 execução de sentença.
 
             
 
             2.3 – Não se conformando com tal decisão, as rés interpuseram 
 recurso para o Tribunal da Relação do Porto, que, por acórdão de 28 de Outubro 
 de 2002, confirmou a sentença recorrida.
 
  
 
             2.4 – Novamente inconformadas, as rés interpuseram, para o Supremo 
 Tribunal de Justiça, recurso de revista, considerando nas suas alegações, quanto 
 
 “a [uma] violação da Constituição”, que:
 
  
 
        «A qualificação jurídica dada aos contratos celebrados entre [a]os 
 lojistas e os promotores dos centros comerciais, como sendo estes contratos 
 atípicos, leva a uma solução injusta e abusiva.
 
        O lojista recebe do promotor a loja “paredes vazias”, como é o caso em 
 apreço, instala nela o seu estabelecimento comercial, concluindo, à sua custa, 
 as obras necessárias para tal, fazendo a sua decoração, adquirindo o 
 equipamento, nomeadamente mobiliário, prateleiras, máquinas, mercadorias, 
 contratando pessoal e com fornecedores, obtendo as necessárias licenças 
 administrativas.
 
        O referido lojista, se celebra com o promotor do centro comercial um 
 contrato do tipo do contrato que a 1ª ré celebrou, pelo prazo de seis anos e com 
 um[a] retribuição mensal fixa acordada e, findo o prazo inicial do contrato tem 
 que desfazer o estabelecimento comercial que naquele espaço instalara, sem 
 qualquer compensação e sem que tenha a possibilidade de se manter na loja por um 
 novo período contratual, com ou sem negociação prévia, porque o contrato 
 celebrado, apesar de ter os elementos tipo do contrato de arrendamento, não o é, 
 deixando o lojista, dono do estabelecimento comercial, sem espaço físico para o 
 exercício do seu comércio,  certo é que, prevalecendo esta interpretação – 
 plasmada na sentença – violado é o princípio da confiança do cidadão, emanado do 
 Estado de Direito democrático, na sua vertente de estado de direito consagrado 
 no art. 2.º da Constituição da República Portuguesa.
 
        Mas, o acórdão em revista viola ainda a Constituição porque interpreta e 
 aplica a norma do art. 405.º do C. Civil (única disposição legal em que se 
 baseou) no sentido de que não existem quaisquer limitações à liberdade 
 contratual, sendo as partes livres de “fixar o conteúdo dos seus contratos, 
 incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver, reunir no mesmo contrato regras 
 de dois ou mais negócios, total ou parcialmente tipificados, ou até de celebrar 
 contratos diferentes dos previstos no catálogo legal, conforme decorre do 
 disposto no artigo 405.º do Código Civil”.
 
 (…)» 
 
             
 E concluíram a sua argumentação sustentando que:
 
             
 
          “1.ª - As rés continuam a atender que no caso em apreço existem 
 verdadeiros e justificados fundamentos para se atribuir ao presente recurso 
 efeito meramente devolutivo, como se deixou expresso no requerimento de 
 interposição de recurso.
 
          2.ª - Com efeito, “… discute-se nos presentes autos se o contrato 
 celebrado entre as partes é um contrato de arrendamento ou um contrato atípico, 
 que tem por objecto um estabelecimento comercial, este instalado num imóvel 
 propriedade da recorrida; atribuindo-se ao presente recurso efeito devolutivo, 
 as recorrentes terão que entregar de imediato à recorrida o imóvel onde está 
 instalado o seu estabelecimento comercial, livre e devoluto;
 
          3.ª - e, como é notório, com a saída do estabelecimento comercial do 
 local onde actualmente está instalado as recorrentes perderão, natural e 
 inevitavelmente, clientela, insusceptível de avaliação pecuniária; por outro 
 lado, a suspensão dos efeitos do acórdão recorrido não trará à recorrida 
 qualquer prejuízo patrimonial uma vez que as recorrentes continuarão a 
 pagar-lhe, como sempre o têm feito, atempadamente, as rendas do imóvel e pelo 
 mesmo montante que a recorrida auferiria se o entregasse a outra entidade, 
 conforme a própria recorrida o confessou nos seus articulados.
 
          4.ª - Os centros comerciais são edifícios que integram vários 
 estabelecimentos comerciais harmoniosamente distribuídos, autónomos entre si, 
 com donos próprios e com ramos de comércio diversificados.
 
          5.ª - O aglomerado, harmonioso, formado pelo conjunto das lojas de um 
 centro comercial, apesar de potenciador de clientela, não é necessariamente um 
 espaço privilegiado; há neles lojas bem situadas e lojas mal situadas.
 
          6.ª - O contrato celebrado entre o proprietário (o promotor ou 
 explorador das lojas) e um comerciante, através do qual aquele cede a este o 
 gozo temporário de uma loja (espaço físico) de um centro comercial, com paredes 
 vazias, em tosco, mediante o pagamento de uma retribuição convencionada, e na 
 qual o comerciante instala uma actividade comercial, qualifica-se juridicamente, 
 no actual ordenamento jurídico português, como um contrato típico de 
 arrendamento, de acordo com os critérios de qualificação dos contratos em 
 típicos e atípicos;
 
          7.ª – critério esse a que a nossa jurisprudência adere com mais 
 frequência, o chamado critério da essentialia: a procura no contrato da 
 identificação dos elementos essenciais de cada espécie contratual.
 
          8.ª - Também o critério (mais seguido pela doutrina) da causa – todo o 
 contrato nominado possui uma função económico-social própria que se reflecte 
 numa estrutura jurídica – nos levará à mesma qualificação do contrato em apreço; 
 a causa da locação está na concessão do gozo temporário de uma coisa mediante 
 retribuição (…).
 
          9.ª - É de arrendamento para comércio o contrato celebrado entre a 
 autora e a 1ª ré, em Julho de 1993, através do qual aquela cedeu a esta o gozo 
 temporário (pelo prazo de seis anos) da loja (vazia) n.º ----- (situada) no piso 
 
 -- do centro comercial denominado D., na cidade de -------, mediante uma 
 retribuição acordada, para que a 1ª ré, por sua conta e risco, nela implantasse, 
 como implantou, um estabelecimento de venda de artigos de ---.
 
          10.ª - O facto de a loja cedida se integrar num centro comercial, 
 composto por um conjunto de 60 lojas e outros espaços destinados a actividades 
 complementares, não confere ao contrato qualquer característica que lhe retire o 
 quid do contrato típico; se o centro comercial potencia a clientela da loja, não 
 afasta do contrato os elementos essenciais, específicos ou típicos do 
 arrendamento.
 
          11.ª - A loja n.º ---- foi cedida pela autora à ré, em tosco, por um 
 determinado lapso de tempo, tendo como fim a actividade comercial, mediante uma 
 remuneração; a lei chama a estes contratos de arrendamento para comércio.
 
          12.ª - O acórdão em revista, sufragando na íntegra os fundamentos da 
 sentença recorrida, classifica o contrato celebrado entre a autora e a ré, 
 consubstanciado no doc. de fls. 22 a 33 dos autos, como um contrato inominado ou 
 atípico, fundamentando-se no art. 405.º do C. Civil, fez uma errada 
 interpretação e aplicação da citada norma, porquanto,
 
          13.ª - a liberdade negocial prevista no art. 405.º do C. Civil, permite 
 a livre opção de escolha de qualquer tipo negocial, com as limitações impostas 
 pela lei, ou seja com submissão às regras imperativas dos contratos tipos, sem 
 pôr em causa a função sócio-económica assumida pelo respectivo tipo contratual.
 
          14.ª - A prevalecer a interpretação plasmada na sentença recorrida, 
 então a norma contida no art. 405.º do CC está ferida de inconstitucionalidade, 
 por violação dos princípios da segurança jurídica e da confiança do cidadão, 
 emanados do estado de Direito democrático na sua vertente de Estado de Direito, 
 consagrado no art. 2.º da CRP.
 
          15.ª A sentença recorrida violou as normas dos arts. 405.º do Código 
 Civil, 64.º, 66.º e n.º 2 do art. 68.º do RAU.
 
          16.ª - O acórdão em revista deve ser revogado, por errada interpretação 
 e aplicação da norma do art. 405.º e, em sua substituição, deve ser proferido 
 outro que julgue improcedente a acção, e na íntegra, por ser o contrato em 
 apreço (…) um típico contrato de arrendamento para comércio, sujeito ao regime 
 vinculístico e imperativo da renovação automática, só podendo caducar, se 
 denunciado ou resolvido nos casos e situações especialmente previstas na lei.”
 
  
 
 2.5 – O Supremo Tribunal de Justiça julgou improcedente o recurso, confirmando a 
 decisão recorrida com base nos fundamentos que infra se transcrevem:
 
  
 
          “(…) As questões restantes consistem, por um lado, em determinar se o 
 contrato em causa constitui um típico contrato de arrendamento para comércio, 
 sujeito às disposições de carácter vinculístico próprias desse contrato, ou 
 integra um contrato atípico de instalação de lojista em centro comercial, não 
 sujeito a tais disposições, e, por outro lado, em saber se se verifica 
 inconstitucionalidade do art. 405.º do Cód. Civil na interpretação feita pelo 
 acórdão recorrido.
 
          Ora, essas questões mostram-se bem decididas no acórdão recorrido, - 
 como, aliás, já a primeira o estava na sentença da 1ª instância, pelo mesmo 
 acórdão confirmada -, o qual fez adequada qualificação jurídica do contrato em 
 causa e correcta interpretação e aplicação das disposições legais respeitantes 
 aos factos em apreço, com ele, por isso, se concordando inteiramente, quer 
 quanto à decisão nele tomada, quer quanto aos seus fundamentos, a que se adere e 
 para que se remete ao abrigo do disposto nos artigos 726.º e 713.º, referidos, 
 este no seu n.º 5.
 
          Entende-se, com efeito, que a nova realidade traduzida nos centros 
 comerciais reveste tal complexidade que, pelas razões de forma exaustiva 
 expostas no acórdão recorrido e na sentença da 1ª instância, se torna 
 incompatível com o regime próprio dos contratos de arrendamento de prédios 
 urbanos para fins comerciais apesar da existência de elementos comuns, o que 
 determina a qualificação dos contratos de instalação de lojistas nos respectivos 
 espaços de tais centros, não por virtude da sua localização geográfica mas por 
 força da organização em que ficam integrados, e precisamente face à sua 
 característica de integração empresarial, inexistente nos contratos de 
 arrendamento, como contratos atípicos, por se tratar de relações jurídicas ainda 
 não legalmente regulamentadas de forma específica. É isto o que vem sido 
 entendido maioritariamente na doutrina e na jurisprudência, com destaque para os 
 acórdãos deste Supremo Tribunal de 12/7/94 (comentado por Antunes Varela, em 
 
 “Centros Comerciais”, 1995), 24/10/96 (CJ – Acs. do STJ, ano IV, tomo III, pg. 
 
 72), e 18/3/97 (CJ – Acs. do STJ, ano V, tomo II, pg. 26), do que resulta ter de 
 se concluir não serem aplicáveis a tais contratos as normas legais respeitantes 
 aos contratos de arrendamento, inclusive as que consagram a renovação automática 
 após  o termo do período acordado para a sua vigência, mesmo contra a vontade do 
 senhorio (arts. 1054.º do Cód. Civil e 68.º, n.º 2, do R.A.U.), tanto mais que, 
 se torna necessário que a entidade que administra ou explora o centro e celebra 
 os contratos com os lojistas tenha liberdade de pôr rapidamente termo, no fim do 
 respectivo prazo de duração, a algum contrato cuja subsistência, nomeadamente 
 pela conduta do respectivo lojista ou pelo género de comércio a que se dedique, 
 possa afectar o interesse geral do todo orgânico que é o centro comercial, e 
 portanto o interesse da sobrevivência dos demais que se integram na vasta 
 organização que tal centro constitui.
 
          Igualmente quanto à questão de inconstitucionalidade se concorda 
 inteiramente com o decidido no acórdão recorrido e na sua fundamentação, pois a 
 interpretação feita do art. 405.º do Cód. Civil em nada colide com os princípios 
 constitucionais da segurança jurídica e da confiança dos cidadãos, na medida em 
 que estes, no exercício da faculdade de liberdade contratual naquele dispositivo 
 consagrada, podem livremente optar pelos modelos contratuais que entendam desde 
 que se mantenham dentro dos limites da lei, ficando por via disso titulares dos 
 direitos e sujeitos às obrigações do modelo, típico ou atípico, adoptado; e, na 
 hipótese dos autos, as rés limitaram-se a usar dessa faculdade, optando 
 expressamente pela celebração do contrato atípico conhecido por instalação de 
 lojista em centro comercial (…) e não pela celebração do contrato típico de 
 arrendamento comercial. Foi apenas esse o resultado da interpretação que o 
 acórdão fez daquele dispositivo, atendendo à vontade das partes declarada no 
 contrato, e aplicando-o aos factos assentes, sem que se detecte na interpretação 
 adoptada, que nitidamente obedece ao princípio da liberdade contratual, a mínima 
 inconstitucionalidade”.
 
  
 
             2.6 – Notificadas da decisão, as rés/recorrentes, interpuserem 
 recurso para o Tribunal Constitucional, afirmando, no requerimento de 
 interposição, que:
 
  
 
   «- o recurso é interposto ao abrigo do artigo 280.º, n.º 1, al. b) da 
 Constituição da República Portuguesa e dos artigos 70.º, n.º 1, al. b), e 72.º, 
 n.º 1, alínea b), ambos da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro (…);
 
   - pretende-se ver apreciada a inconstitucionalidade da norma do artigo 405.º 
 do Código Civil com a interpretação com que foi aplicada nas decisões de 1ª 
 instância, ainda assumida pelo Tribunal da Relação e seguida por este Supremo 
 Tribunal, interpretação esta, segundo a qual, não existem quaisquer limitações à 
 liberdade contratual, sendo as partes livres “de fixar o conteúdo dos seus 
 contratos, incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver, reunir no mesmo 
 contrato regras de dois ou mais negócios, total ou parcialmente tipificados, ou 
 até de celebrar contratos diferentes dos previstos no catálogo legal, conforme 
 decorre do disposto no artigo 405.º do Código Civil”;
 
   - Apelando aos ensinamentos do Professor Antunes Varela (Das Obrigações em 
 Geral – 2ª Edição – pág. 215), “Tal, porém, como a liberdade de contratar, 
 também a regra de livre fixação do conteúdo do contrato está sujeita a 
 limitações. Pode mesmo dizer-se que, uma vez destruídos os pressupostos 
 fundamentais em que assentava o liberalismo económico e afastada pelo 
 intervencionismo político-económico a relutância do Estado em se intrometer nas 
 relações do comércio privado, essas limitações se têm multiplicado de forma 
 acentuada nas modernas legislações, principalmente naqueles contratos (como o de 
 trabalho, o arrendamento, o seguro, os negócios bancários, os transportes, etc.) 
 em que afloram, com mais frequência ou maior intensidade, ponderosos interesses 
 colectivos ao lado de meros interesses particulares (…).
 
   Entre os fins visados por semelhantes restrições destacam-se o de garantir 
 quanto possível a justiça real (não a simples justiça formal expressa pela 
 igualdade jurídica dos contraentes) nas relações entre as partes, acima da 
 desigualdade económica e da diversa condição social que muitas vezes as separa, 
 e o de preservar a integridade de certos valores essenciais à vida de relação, 
 como sejam a moral pública, os bons costumes, a confiança recíproca dos 
 contraentes, a segurança do comércio jurídico e a certeza do direito.
 
   Todas estas restrições se podem considerar englobadas genericamente nas 
 palavras introdutórias do artigo 405º, dentro dos limites da lei”.
 
   - tal interpretação viola o princípio da confiança do cidadão, emanado do 
 princípio do Estado de Direito democrático na sua vertente de Estado de direito, 
 consagrado no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa;
 
   - a questão de inconstitucionalidade foi suscitada quer pelas alegações de 
 apelação dirigidas ao Tribunal da Relação do Porto quer nas alegações de revista 
 dirigidas a este Supremo Tribunal;
 Nestes termos (…) requer (…) que se digne admitir o presente recurso (…) e o 
 julgamento da interpretação da norma do artigo 405.º do Código Civil 
 inconstitucional por violação do artigo 2.º da CRP».
 
  
 
  
 
             2.7 – Após deferimento de reclamação de decisão de não conhecimento 
 do objecto do recurso (v. Acórdão nº 595/04), a Recorrente apresentou as suas 
 alegações, sintetizando-as nas seguintes conclusões:
 
  
 
 “1ª - Vem o presente recurso interposto para este Venerando Tribunal ao abrigo 
 do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 280º da Constituição da República 
 Portuguesa e dos artigos 70º, nº 1, alínea b), e 72º, nº 1, alínea b), da LTC, 
 pretendendo as recorrentes ver apreciada a inconstitucionalidade da norma do 
 artigo 405º do Código Civil com a interpretação com que foi aplicada pelo 
 acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06.05.2003.
 
 2ª - A questão de fundo cinge-se à querela da qualificação jurídica dos 
 contratos celebrados entre a entidade exploradora de um centro comercial e o 
 comerciante que nele se instala com vista à exploração de um estabelecimento 
 comercial num dos seus espaços físicos.
 
 3ª - O acórdão recorrido (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6.05.2003) 
 classificou o contrato celebrado entre a recorrente A. e a recorrida B. como 
 sendo um contrato atípico ou inominado.
 
 4ª - Pelo contrário, entendem as recorrentes que o contrato celebrado entre o 
 proprietário (o promotor ou explorador das lojas) e um comerciante, através do 
 qual aquele cede a este o gozo temporário de uma loja (espaço físico) de um 
 centro comercial, com paredes vazias, em tosco, mediante o pagamento de uma 
 retribuição convencionada, e na qual o comerciante instala uma actividade 
 comercial, qualifica-se juridicamente, no actual ordenamento jurídico português, 
 como um contrato típico de arrendamento, de acordo com o critério de 
 qualificação dos contratos em típicos e atípicos.
 
 5ª - Critério esse a que a nossa jurisprudência adere com mais frequência, o 
 chamado critério dos essentialia: a procura no contrato da identificação dos 
 elementos essenciais de cada espécie contratual.
 
 6ª - Também o critério (mais seguido pela doutrina) da causa - todo o contrato 
 nominado possui uma função económico-social própria que se reflecte numa 
 estrutura jurídica - nos levará à mesma qualificação do contrato em apreço; a 
 causa da locação está na concessão do gozo temporário de uma coisa mediante 
 retribuição (cfr. Antunes Varela, in 'Das Obrigações em Geral').
 
 7ª - Entendem as recorrentes que o Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão 
 recorrido, interpretou o artigo 405º do Código Civil no sentido de que o 
 princípio da liberdade contratual abrange a liberdade de as partes optarem 
 livremente, em alternativa, pelo modelo contratual típico de arrendamento 
 comercial ou pelo modelo contratual atípico comummente designado de contrato de 
 instalação de lojista em centro comercial.
 
 8ª - Desta forma o acórdão recorrido viola a Constituição, uma vez que 
 interpreta e aplica a norma do artigo 405º do Código Civil no sentido de que não 
 existem quaisquer limitações à liberdade contratual.
 
 9ª - A liberdade negocial prevista no artigo 405º do Código Civil, permite a 
 livre opção de escolha de qualquer tipo contratual, com as limitações impostas 
 pela lei, nomeadamente com submissão às regras imperativas dos contratos tipos, 
 sem pôr em causa a função sócio-económica assumida pelo respectivo tipo 
 contratual.
 
 10ª - O R.A.U. (Dec.-Lei 321-B/90, de 15 de Outubro), regula o arrendamento para 
 a habitação, comércio, indústria e profissões liberais, sendo a ideia subjacente 
 a da protecção dos interesses dos arrendatários, parte entendida como mais fraca 
 nas relações locatícias.
 
 11ª - Tendo em vista a protecção daqueles interesses, o legislador retirou à 
 livre estipulação das partes determinados aspectos do regime da relação 
 locatícia, criando muitas normas de carácter imperativo e assim limitando nessa 
 medida a liberdade contratual das partes. 
 
 12ª - Com efeito, confrontado com dois princípios fundamentais do Direito Civil 
 
 - o princípio da liberdade contratual e o principio da protecção da parte 
 contratualmente mais fraca - o legislador optou, claramente, pela limitação da 
 autonomia da vontade.
 
 13ª - Ora, a celebração de um contrato denominado de 'atípico', com o conteúdo 
 do contrato celebrado entre a recorrida B. e a recorrente A., mais não significa 
 que defraudar o RAU e os interesses que lhe estão implícitos, relegando para o 
 plano secundário a protecção dos interesses dos arrendatários.
 
 14ª - O acórdão recorrido, ao entender que as partes são livres de optar, em 
 alternativa, entre o esquema típico do contrato de arrendamento e o contrato 
 
 'atípico' designado de instalação de lojista em centro comercial, violou o 
 princípio da confiança do cidadão, emanado do princípio do Estado de Direito 
 democrático na sua vertente de Estado de direito consagrado no art. 2º da 
 Constituição da República Portuguesa.
 
 15ª - Não se pode falar em contrato atípico quando se verificam todos os 
 elementos essenciais de um contrato típico só com a finalidade de subtrair o 
 contrato ao regime vinculístico do arrendamento!
 
 16ª - Entendem as recorrentes que a doutrina que defende que o contrato em causa 
 
 é um contrato atípico tem valor apenas como chamada de atenção para o 
 legislador, no sentido de dever este regulamentar de forma particular este tipo 
 de contratos, adaptando a regulamentação do contrato de arrendamento comercial 
 
 às novas realidades do comércio jurídico, 
 
 17ª - cabendo ao intérprete apenas a função de interpretar e aplicar a lei 
 actual e não revogá-la ou alterá-la!
 
 18ª - Em suma, a interpretação da norma contida no artigo 405º do Código Civil 
 plasmada no acórdão recorrido encontra-se ferida de inconstitucionalidade, por 
 violação dos princípios da segurança jurídica e da confiança do cidadão, 
 emanados do Estado de Direito democrático na sua vertente de Estado de Direito, 
 consagrado no artigo 2º da Constituição da República Portuguesa”.
 
    
 
  
 
             2.8 – A Recorrida pugnou, nas suas contra-alegações, pela 
 improcedência do recurso.
 
  
 
             Corridos os vistos, cumpre decidir.
 
  
 
  
 B – Fundamentação
 
  
 
  
 
             3 – O objecto do recurso consiste em sindicar se o artigo 405º do 
 Código Civil quando interpretado “no sentido de que o princípio da liberdade 
 contratual abrange a liberdade de as partes optarem livremente, em alternativa, 
 pelo modelo contratual típico de arrendamento comercial ou pelo modelo 
 contratual atípico comummente designado de contrato de instalação de lojista em 
 centro comercial”, é inconstitucional por violação do “princípio da confiança do 
 cidadão, emanado do princípio do Estado de Direito Democrático, na sua vertente 
 de Estado de Direito, consagrado no artigo 2º da Constituição da República 
 Portuguesa”.
 
  
 
             3.1 – No artigo 405º do Código Civil, dispõe-se, sob a epígrafe 
 
 “Liberdade Contratual”, que:
 
  
 
             “1. Dentro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar 
 livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos 
 neste código ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver.
 
             2. As partes podem ainda reunir no mesmo contrato regras de dois ou 
 mais negócios, total ou parcialmente regulados na lei.”
 
  
 
             3.2 – Por sua vez, o artigo 2º (Estado de direito democrático) da 
 Constituição da República Portuguesa, de onde a Recorrente extrai o “princípio 
 da confiança do cidadão”, tem a seguinte formulação:
 
  
 
             “A República Portuguesa é um Estado de direito democrático, baseado 
 na soberania popular, no pluralismo de expressão e organização política 
 democráticas, no respeito e na garantia de efectivação dos direitos e liberdades 
 fundamentais e na separação e interdependência de poderes, visando a realização 
 da democracia económica, social e cultural e o aprofundamento da democracia 
 representativa.”
 
  
 
  
 
 4 – O presente recurso de constitucionalidade tem subjacente, ao nível da 
 questão jurídica decidida pelas instâncias, um nódulo problemático que não tem 
 reunido um tratamento consensual, seja ao nível da dogmática juscivilística, 
 seja ao nível da jurisprudência que sobre ele já se pronunciou.
 
             O problema da qualificação dos “contratos de instalação de lojistas 
 em centros comerciais” não é, ainda hoje, ultrapassado o “impacto” ou o “choque” 
 do confronto com o pedaço da realidade recente que o postulou, uma matéria 
 pacífica.
 
             Uns defendem que a relação contratual estabelecida entre a entidade 
 gestora de um centro comercial e o(s) lojista(s) se enquadra no âmbito do tipo 
 legal do arrendamento para comércio (cf., na doutrina, inter alia, Galvão 
 Telles, «Contrato de utilização de espaços nos centros comerciais», in O 
 Direito, ano 123º, IV, 1991, pp. 521 e ss, e «Utilização de espaços nos 
 
 “shopping centers” - Parecer com a colaboração de Januário Gomes, in Colectânea 
 de Jurisprudência, ano XV, t. II, 1990, pp. 25 e ss.; Coutinho de Abreu, Da 
 empresarialidade – As empresas no direito, Coimbra, 1999, pp. 320 e ss., e Pinto 
 Furtado, Manual do arrendamento urbano, 3ª edição, Coimbra, 2001, pp. 259 e ss., 
 e Os centros comerciais e o seu regime jurídico, 2ª edição, Coimbra, 1998, pp. 
 
 51 e ss.; v., também, ao nível da jurisprudência, os Acórdãos do Supremo 
 Tribunal de Justiça de 26 de Abril de 1984, de 26 de Novembro de 1992 e de 14 de 
 Outubro de 1997, publicados, respectivamente, na Revista de Legislação e de 
 Jurisprudência, ano 122º, pp. 59 e ss., no Boletim do Ministério da Justiça, nº 
 
 421, 1992, pp. 435 e ss., e na Colectânea de Jurisprudência – Acórdãos do 
 Supremo Tribunal de Justiça, ano V., t. III, pp. 77 e ss.).
 
             Outros sustentam que os contratos de instalação de lojistas em 
 centro comercial se configuram como sendo legalmente atípicos, não estando, por 
 isso, sujeitos ao regime vinculístico da relação arrendatícia [cf., neste 
 sentido, Antunes Varela, “Anotação ao Acórdão do STJ de 26 de Abril de 1984”, in 
 Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 122º, pp. 62 e ss.; “Os centros 
 comerciais (Shopping centers)”, in Estudos de Homenagem ao Professor Doutor A. 
 Ferrer Correia, vol. II, Coimbra, 1989, pp. 43 e ss.; Centros comerciais 
 
 (Shopping centers) – Natureza jurídica dos contratos de instalação dos lojistas, 
 Coimbra, 1995; Oliveira Ascenção, “Lojas em centros comerciais; integração 
 empresarial; forma – Anotação ao Acórdão do STJ de 24 de Março de 1992, in 
 Revista da Ordem dos Advogados, ano 54º, 1994, pp. 819 e ss.; Pedro Pais de 
 Vasconcelos, “Contratos de utilização de lojas em centros comerciais – 
 Qualificação e forma”, in Revista da Ordem dos Advogados, ano 56º, 1996, pp. 535 
 e ss.;, Pedro Malta da Silveira, A empresa nos centros comerciais e a 
 pluralidade de estabelecimentos – Os centros comerciais como realidade 
 juridicamente relevante, Coimbra, 1999, pp. 186 e ss.; e Rui Pinto Duarte, 
 Tipicidade e atipicidade dos contratos, Coimbra, 2000, pp. 165 e ss.; na 
 jurisprudência, vê-se reflectida esta posição, inter alia, nos acórdãos do 
 Supremo Tribunal de Justiça, de 26 de Abril de 1994, e de 1 de Fevereiro de 
 
 1995, publicados, respectivamente, na Colectânea de Jurisprudência, ano XIX, t. 
 II, pp. 59 e ss., e na Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 128º, nºs 
 
 3858 e 3859, pp. 307 e ss.]. 
 
             Numa linha matizante destas posições, há também quem defenda, 
 
 «constatando (...) uma deformação “por excesso” do tipo legal arrendamento para 
 o exercício de comércio», uma qualificação do «contrato de instalação de lojista 
 em centro comercial como “inominado impróprio” ou “atípico misto”» uma vez que 
 
 “os contraentes partem, é certo, da celebração de um contrato de cedência do 
 gozo de um espaço para o exercício de uma actividade comercial, mas este é 
 adaptado aos interesses e características específicas do centro comercial” – 
 neste sentido, cf. Ana Isabel da Costa Afonso, Os contratos de instalação de 
 lojistas em centros comerciais – Qualificação e regime jurídico, Porto, 2003, 
 pp. 231 e ss..
 
             Na decisão recorrida prevaleceu a tese da inaplicabilidade das 
 normas do contrato de arrendamento para comércio aos contratos de instalação de 
 lojistas em centro comercial, tendo o tribunal justificado esse entendimento com 
 a consideração de que:
 
              «a nova realidade traduzida nos centros comerciais reveste tal 
 complexidade que, pelas razões de forma exaustiva expostas no acórdão recorrido 
 e na sentença da 1ª instância, se torna incompatível com o regime próprio dos 
 contratos de arrendamento de prédios urbanos para fins comerciais apesar da 
 existência de elementos comuns, o que determina a qualificação dos contratos de 
 instalação de lojistas nos respectivos espaços de tais centros, não por virtude 
 da sua localização geográfica mas por força da organização em que ficam 
 integrados, e precisamente face à sua característica de integração empresarial, 
 inexistente nos contratos de arrendamento, como contratos atípicos, por se 
 tratar de relações jurídicas ainda não legalmente regulamentadas de forma 
 específica. É isto o que vem sido entendido maioritariamente na doutrina e na 
 jurisprudência, com destaque para os acórdãos deste Supremo Tribunal de 12/7/94 
 
 (comentado por Antunes Varela, em “Centros Comerciais”, 1995), 24/10/96 (CJ – 
 Acs. do STJ, ano IV, tomo III, pg. 72), e 18/3/97 (CJ – Acs. do STJ, ano V, tomo 
 II, pg. 26), do que resulta ter de se concluir não serem aplicáveis a tais 
 contratos as normas legais respeitantes aos contratos de arrendamento, inclusive 
 as que consagram a renovação automática após o termo do período acordado para a 
 sua vigência, mesmo contra a vontade do senhorio (arts. 1054º do Cód. Civil e 
 
 68º, nº 2, do R.A.U.), tanto mais que, se torna necessário que a entidade que 
 administra ou explora o centro e celebra os contratos com os lojistas tenha 
 liberdade de pôr rapidamente termo, no fim do respectivo prazo de duração, a 
 algum contrato cuja subsistência, nomeadamente pela conduta do respectivo 
 lojista ou pelo género de comércio a que se dedique, possa afectar o interesse 
 geral do todo orgânico que é o centro comercial, e portanto o interesse da 
 sobrevivência dos demais que se integram na vasta organização que tal centro 
 constitui».
 E, com relevância para o presente recurso de constitucionalidade, o Supremo 
 Tribunal de Justiça acrescentou que “(...) a interpretação feita do art. 405º do 
 Cód. Civil em nada colide com os princípios constitucionais da segurança 
 jurídica e da confiança dos cidadãos, na medida em que estes, no exercício da 
 faculdade de liberdade contratual naquele dispositivo consagrada, podem 
 livremente optar pelos modelos contratuais que entendam desde que se mantenham 
 dentro dos limites da lei, ficando por via disso titulares dos direitos e 
 sujeitos às obrigações do modelo, típico ou atípico, adoptado; e, na hipótese 
 dos autos, as rés limitaram-se a usar dessa faculdade, optando expressamente 
 pela celebração do contrato atípico conhecido por instalação de lojista em 
 centro comercial (…) e não pela celebração do contrato típico de arrendamento 
 comercial. Foi apenas esse o resultado da interpretação que o acórdão fez 
 daquele dispositivo, atendendo à vontade das partes declarada no contrato, e 
 aplicando-o aos factos assentes, sem que se detecte na interpretação adoptada, 
 que nitidamente obedece ao princípio da liberdade contratual, a mínima 
 inconstitucionalidade”.
 
             Vejamos, pois, se o critério normativo supra identificado padece da 
 invocada inconstitucionalidade.
 
  
 
 4.1 – Começando por enquadrar e densificar o sentido jurídico-normativo 
 subjacente ao reconhecimento, corporizado na norma em crise, da “liberdade 
 contratual”, pode dizer-se que, qua tale, estamos perante a afirmação de um 
 princípio transpositivo – conformador, portanto, do universo juscivilista – que 
 constitui, em si, expressão de uma ineliminável e suprapositiva autonomia 
 privada.
 
             De facto, perspectivado esse auto-nomos – que radica na 
 pressuposição axiológica da pessoa humana, enquanto centro de imputação de uma 
 inviolável dignidade ética –, como a essência de uma livre autodeterminação 
 pessoal (v. Konrad Hesse, Derecho constitucional y derecho privado, trad. de 
 Ignacio Gutiérrez Gutiérrez, Madrid, 1995, p. 77), desenvolvida comunitariamente 
 num “processo de ordenação que faculta a livre constituição e modelação de 
 relações jurídicas pelos sujeitos que nelas participam, que ficam obrigados à 
 observância dos efeitos vinculativos da regra por si criada” (cf. Sousa Ribeiro, 
 O problema do contrato. As cláusulas contratuais gerais e o princípio da 
 liberdade contratual, Coimbra, 1999, pp. 21 e ss.), não pode deixar de 
 sublinhar-se a dignidade constitucional da autonomia privada, que, 
 compreensivelmente, irradia a concreta manifestação desta como liberdade 
 contratual (sobre o princípio da liberdade contratual e a autonomia privada, 
 cf., entre outros, Pugliatti, «Autonomia privata», nº 5, Enciclopedia del 
 diritto; Carlos Alberto Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4ª edição por 
 António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, Coimbra, 2005, pp. 102 e ss.; Antunes 
 Varela, Das obrigações em geral, 8ª edição, pp. 240 e ss.; Capelo de Sousa, 
 Teoria Geral do Direito Civil, vol. I, Coimbra, 2003, pp. 57 e ss.; v., também, 
 sobre a “relação” desse princípio com a ordem constitucional, Konrad Hesse, 
 Derecho constitucional y derecho privado, cit., pp. 75 e ss., esp.te 86-87; 
 Francisco Neto, «A autonomia privada como princípio fundamental da ordem 
 jurídica. Perspectivas estrutural e funcional», in Estudos em homenagem ao 
 Professor Doutor Ferrer Correia, cit., pp. 29 e ss.; e Ana Isabel da Costa 
 Afonso, Os contratos de instalação de lojistas em centros comerciais, cit., pp. 
 
 124 e ss.).
 
             
 
             4.2 – Todavia, mesmo reconhecendo, na liberdade contratual, esse 
 fundamento nuclear constitucionalmente comprometido, não pode ignorar-se que não 
 nos encontramos perante um princípio absoluto e ilimitado. É, aliás, a própria 
 norma do Código Civil que começa por afirmar que “Dentro dos limites da lei, as 
 partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar 
 contratos diferentes dos previstos neste código ou incluir nestes as cláusulas 
 que lhes aprouver (itálico aditado)”.
 
             São conhecidos os motivos subjacentes à imposição, ex lege, de um 
 conjunto de normas de carácter imperativo ou injuntivo que cerceiam, com uma 
 geometria variável, o princípio da liberdade de contratar e de livremente fixar 
 o conteúdo dos contratos. Desde razões de ordem pública, justificadas pela 
 segurança do tráfego jurídico, até ao reconhecimento de uma diferenciada posição 
 fáctica das partes, a justificar uma regulamentação de tutela dos interesses da 
 
 “parte mais fraca” – não raras vezes, com a finalidade de realizar 
 prático-normativamente a intenção material da liberdade contratual –, não é 
 difícil encontrar no direito dos contratos exemplos típicos da imposição de um 
 regime vinculístico, insusceptível de modelação ex voluntate dos particulares, 
 sendo essas derrogações – recte, limitações – da liberdade contratual acopladas 
 de um potencial sancionatório, determinante da invalidade de qualquer disposição 
 contratual que se lhes oponha, assim se inviabilizando uma “fraude à lei” 
 orientada a contornar as imposições legais.
 
             
 
             4.3 – Considerou o Supremo Tribunal de Justiça que a qualificação do 
 contrato celebrado pelas partes aqui em juízo se conformava e compatibilizava 
 com os “limites da lei”, estando, assim, abrangido por legítimo exercício da 
 liberdade contratual.
 Tal qualificação jurídica teve como base pressuponente a interpretação da 
 vontade das partes, tal como esta se encontra espelhada no texto contratual, daí 
 resultando, em consideração do conteúdo clausulado e atendendo à realidade 
 disciplinada, a qualificação do contrato como de “instalação de lojista em 
 centro comercial”.
 Note-se, a esse propósito, que, na economia da decisão recorrida, a “liberdade 
 de opção” não vai configurada em termos puramente nominalísticos, de forma a que 
 o mesmo contrato pudesse ficar sujeito a dois regimes diferenciados, deixando de 
 existir qualquer marca de contraste ou critério distintivo susceptível de 
 recortar juridicamente as diferenças de um regime concretamente estabelecido. 
 O que aí se deixa em aberto é a possibilidade das partes concluírem um contrato 
 susceptível de ser qualificado como de arrendamento para comércio, ou um outro, 
 em função da realidade que nele fosse vertida e da vontade contratual que se 
 manifestasse – e, in casu, não pode ignorar-se que a qualificação operada 
 arranca precisamente desse pressuposto.
 Pelo que, segundo o critério do Tribunal, se a relação jurídico-contratual 
 estabelecida entre as partes não pode caracterizar-se como uma relação 
 arrendatícia, e se, nessa medida, elas não se encontram vinculadas pelo regime 
 imperativo que rege os contratos de arrendamento, fica legitimada a 
 possibilidade de livre fixação do conteúdo do contrato. Por outras palavras, 
 dir-se-á que, segundo esse critério, o regime do arrendamento para comércio não 
 pode ter-se como o regime próprio – e, por isso, vinculativo, imperativo – da 
 instalação de lojistas em centros comerciais.
 
  
 
             4.4 – Ora, este entendimento, onde se renova a qualificação jurídica 
 operada pelas instâncias, é, na perspectiva do recurso de constitucionalidade, 
 insindicável, não cabendo a este Tribunal qualquer pronúncia sobre o mérito 
 jurídico da decisão recorrida, na aplicação que aí vai feita ao caso concreto.
 
             Não cabe, assim, neste recurso – que é de fiscalização normativa – a 
 produção de um qualquer juízo sobre a controvérsia de que se deu conta, 
 designadamente quanto à questão de saber se existe – ou deve existir – tal 
 liberdade de opção entre os referidos modelos contratuais, mas apenas – e só – a 
 sindicância do critério normativo mobilizado pelo Supremo Tribunal de Justiça 
 para decidir, aceitando-se como “um dado” o juízo aplicativo determinado pela 
 decisão recorrida, relativamente à qualificação do contrato celebrado entre as 
 partes, cumprindo apenas apurar se, em tais circunstâncias, a liberdade de as 
 partes poderem optar pela celebração de um contrato legalmente típico de 
 arrendamento para comércio ou pela conclusão de um contrato – apenas socialmente 
 típico, mas legalmente atípico ou inominado – de instalação de lojista em centro 
 comercial, estando essa opção legitimada, na perspectiva do Supremo, pela 
 liberdade contratual e ainda integrada “dentro dos limites da lei”, há-de ter-se 
 por violadora do princípio da protecção da confiança, materialmente ínsito na 
 concepção de um Estado de direito democrático.
 
  
 
             4.5 – Perante este quadro, pode afirmar-se que o critério normativo 
 em crise não contraria o referido princípio da protecção da confiança do 
 cidadão.
 
             Na verdade, desde logo, esse princípio não tem a virtualidade de 
 impor que seja recusada às partes a possibilidade de contratar em termos 
 distintos dos que a lei prevê num contrato típico, como o do arrendamento, e nos 
 casos em que se verificam as especificidades aludidas, e que, aliás, 
 justificaram o debate doutrinal e jurisprudencial referido.
 Assim, bem vistas as coisas, o que a “liberdade de opção” assumida pelo Tribunal 
 a quo acaba por determinar não é mais do que o cumprimento do clausulado 
 pré-estabelecido e a vinculação a uma vontade manifestada por acordo, fazendo-se 
 prevalecer o que foi, em concreto, contratado.      
 De facto, reconhecendo-se às partes liberdade de opção e escolha contratuais, as 
 partes podiam – e deviam – contar, antes de mais, com o cumprimento das regras 
 por elas estabelecidas na modelação do conteúdo do contrato, podendo mesmo 
 sustentar-se, com ressalva das situações características de um autêntico venire 
 contra factum proprium, que uma alteração do sentido contratual, por 
 interposição de um regime legal imperativo, não deixa também de ir contra a 
 vontade expressa pelo contraente que dela poderá aproveitar, porquanto determina 
 o afastamento de uma norma à qual se deu prévio acordo.
 
             Assim, admitindo-se, no âmbito de uma determinada relação jurídica, 
 a existência de uma esfera de liberdade contratual, não se compreende como o 
 resultado do seu exercício, em conformidade com uma vontade declarada, possa ser 
 tido como surpreendente e inesperado, para um determinado contraente. 
 
             Tal só sucederia, justamente, na hipótese inversa em que não se 
 reconhecesse a existência dessa margem de liberdade e se vinculassem as partes, 
 ex lege, a um específico tipo contratual. Aí sim, poderia discutir-se a sorte 
 das disposições do contrato que contendessem com o regime legal injuntivo.
 
             Contudo, in casu, o entendimento do Supremo Tribunal de Justiça foi, 
 ao invés, o de reconhecer às partes, atendendo à realidade disciplinada, a 
 liberdade de fixação do conteúdo do contrato. Pressuposta essa liberdade, hão-de 
 as partes conformar-se com o regime convencionado.
 
             Nem se diga, por isso, na lógica do discurso formulado pela 
 Recorrente, que sempre haveria de tutelar-se a confiança do contraente que, 
 partindo da qualificação do contrato como de arrendamento, contaria com a 
 aplicação do regime nele estabelecido, e com as correspondentes limitações à 
 liberdade contratual para fixar um regime diverso.
 
             Na verdade, como se afirmou, uma tal hipótese acabaria por radicar 
 no pressuposto de não se admitir a referida “liberdade de opção”. Mas não foi 
 esse o critério seguido pelo Tribunal.
 
             Pelo que, impõe-se concluir que o artigo 405º do Código Civil, 
 quando interpretado no sentido de que o princípio da liberdade contratual 
 abrange a liberdade de as partes optarem livremente pelo modelo contratual 
 típico de arrendamento comercial ou pelo modelo contratual atípico comummente 
 designado de contrato de instalação de lojista em centro comercial” não é 
 inconstitucional por violação do “princípio da confiança do cidadão, emanado do 
 princípio do Estado de Direito Democrático na sua vertente de Estado de Direito, 
 consagrado no artigo 2º da Constituição da República Portuguesa”.
 
             
 
  
 C – Decisão
 
  
 
             5 – Destarte, atento o exposto, o Tribunal Constitucional decide 
 negar provimento ao recurso.
 
  
 
             Custas pela Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 UCs.
 
  
 Lisboa, 15 de Novembro de 2005
 
  
 Benjamim Rodrigues
 Paulo Mota Pinto
 Maria Fernanda Palma
 Mário José de Araújo Torres
 Rui Manuel Moura Ramos