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Processo n.º 967/04
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
 
  
 
  
 
  
 Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
  
 
  
 
  
 A – Relatório
 
  
 
             1 – O Sindicato A. recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo 
 do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de 
 Novembro (LTC), requerendo a fiscalização concreta da constitucionalidade da 
 norma do artigo 43.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 215-B/75, de 30 de Abril, quando 
 interpretada no sentido de consentir a imposição, por via estatutária, de 
 
 “quoruns” constitutivos superiores ou mais qualificados do que o previsto nesse 
 preceito, por violação do disposto no artigo 55.º, n.º 2, alínea c) e n.º 3, da 
 Constituição.
 
  
 
             2 – Resulta dos autos que:
 
  
 
             2.1 – Os ora recorridos, B., C. e D., intentaram, nos termos do 
 disposto no artigo 164.º e ss. do Código de Processo do Trabalho (CPT), uma 
 acção de declaração de nulidade de deliberação da Assembleia Geral contra o 
 Sindicato A., pedindo que o tribunal declarasse a nulidade da deliberação que 
 aprovou a alteração dos estatutos desse sindicato, alegando, inter alia, que, na 
 referida Assembleia Geral, não participou o número necessário de associados para 
 que a mesma pudesse deliberar, que não houve discussão e que a proposta não foi 
 aprovada por três quartos dos votantes.
 
             O Réu – ora Recorrente – contestou a acção alegando, entre o mais, 
 que os estatutos não exigem a participação de um número mínimo de associados na 
 votação.
 
  
 
             2.2 – A acção foi julgada improcedente, tendo o Tribunal da Relação, 
 em recurso, confirmado a sentença recorrida.
 
  
 
             2.3 – Inconformados, os Autores interpuseram recurso para o Supremo 
 Tribunal de Justiça, tendo concluído as suas alegações dizendo que:
 
  
 
   “1.ª O art. 18.º dos Estatutos do R. impõe que participe ou esteja presente à 
 Assembleia Geral uma maioria simples de associados (ou seja, metade dos 
 associados mais um, pelo menos) para que possa validamente ser deliberada a 
 alteração dos mesmos Estatutos).
 
   2.ª A participação da maioria simples dos associados é exigida quer para a 
 discussão, quer para a deliberação sobre as matérias a que se refere o n.º 1 do 
 art.º 15.
 
   3.ª Tendo o Sindicato 8.555 associados em pleno gozo dos seus direitos 
 sindicais, teriam de ter participado e estado na Assembleia Geral pelo menos 
 
 4.278 (maioria simples dos associados do R.) e teria a deliberação de ter sido 
 tomada igualmente com os votos favoráveis da maioria simples dos votantes.
 
   4.ª A Assembleia Geral foi apenas uma, efectuada em sessões simultâneas, por 
 vários pontos do país: realizou-se em 6 de Junho de 2002, tendo sido convocada 
 em 24 de Abril do mesmo ano pelo Presidente da Mesa.
 
   5.ª Estas sessões de esclarecimento não podem ser havidas como Assembleia 
 Geral, delas não foram sequer lavradas actas nem foram registadas ou apuradas as 
 presenças dos sócios às mesmas, e respectivos números. E nem sequer nelas 
 participou, também, a maioria simples dos associados do R.
 
   6.ª O funcionamento da Assembleia Geral e o processo de alteração dos 
 Estatutos do R. encontra-se regulado nos próprios Estatutos, com base no 
 disposto nas als. D) e g) do artigo 14 do DL n.º 215-B/75.
 
   7.º Tendo apenas participado e estado presentes à Assembleia Geral 1.105 
 sócios, número este muito inferior à maioria simples dos sócios do Sindicato, a 
 deliberação é nula e anulável.
 
   8.º Ao decidir em sentido inverso, violou o acórdão recorrido o disposto no 
 art. 177.º do Código Civil, aplicável por força do disposto no art. 46.º do DL 
 n.º 215-B/75, bem como o disposto no art. 14.º deste último e o disposto no art. 
 
 18.º, dos Estatutos do R., designadamente no seu n.º 8”.
 
  
 
             2.3 – Por sua vez, o Sindicato A. contra-alegou sustentando que:
 
  
 
 “1º A deliberação impugnada foi tomada na sequência da participação da 
 universalidade dos associados do Sindicato recorrido na discussão e deliberação 
 das matérias sujeitas àquela deliberação.
 
 2º Os factos assentes na causa e que os recorrentes não questionam são 
 eloquentes quanto à participação de todos os associados na discussão e 
 deliberação das alterações estatutárias em causa.
 
 3º Os recorrentes perfilham um conceito naturalístico e não jurídico de 
 assembleia geral, desconforme de resto, com o que resulta do nº 8 do art. 18º 
 dos Estatutos do Sindicato recorrido.
 
 4º Para os recorrentes, a participação na discussão e deliberação a que o citado 
 dispositivo estatutário alude (e para o que exige a maioria relativa de 
 associados) só pode ter lugar, num mesmo momento e local, com a presença física 
 desse número mínimo de associados, todos eles à vista de todos.
 
 5º O que é completamente absurdo porquanto, nessa esteira de raciocínio, os 
 votos expressos por correspondência (que o nº 12 do art. 18º dos Estatutos 
 frontalmente permite) jamais poderiam ser contabilizados para preenchimento do 
 
 'quorum' participativo em virtude de esses associados votantes não se 
 encontrarem fisicamente presentes no local e momento da reunião para aí (e só 
 aí) debaterem e discutirem as matérias objecto de deliberação.
 
 6º E, assim, cair-se-ia no absurdo de se considerar inválidas deliberações 
 tomadas em reunião onde, para discussão e deliberação das matérias a decidir, 
 fisicamente comparecesse, apenas, metade (mas não a maioria relativa) dos 
 associados do Sindicato pela singela razão de se concluir, como fariam os 
 recorrentes, que os associados que votaram por correspondência não participaram, 
 afinal, na assembleia geral;
 
 7º E, no reverso da medalha, seriam também inválidas as deliberações tomadas em 
 reunião onde, para discussão e deliberação das matérias a decidir, fisicamente 
 comparecesse fisicamente a totalidade dos associados (que assim participariam 
 indiscutivelmente na discussão e na deliberação) se a maioria relativa deles 
 optasse pura e simplesmente por não votar.
 
 8º Participação na discussão e na deliberação, por um lado, e voto, por outro 
 lado, não se confundem, nem têm de ocorrer, uma e outro, na mesma reunião física 
 de associados.
 
 9º No caso vertente e como está factualmente assente, a participação dos 
 associados do Sindicato recorrido na discussão e deliberação das matérias 
 objecto de deliberação abrangeu-os a todos, sem excepção e em termos universais.
 
 10º Ficando incólume o dispositivo do proémio do nº 8 do art. 18º dos Estatutos.
 
 11º E, por outro lado, agora no âmbito de aplicação do segmento final do mesmo 
 dispositivo estatutário, os votos que conduziram à deliberação impugnada 
 representam a maioria simples dos votantes.
 
 12º Nessa conformidade e observados como ficaram os requisitos impostos pelo nº 
 
 8 do art. 18º dos Estatutos, quer quanto à expressão relativa da participação 
 dos associados na discussão e deliberação das matérias sujeitas a deliberação 
 
 (que, como os autos documentam, foi total e universal), quer quanto à expressão 
 relativa dos votos favoráveis à tomada da deliberação impugnada, esta é 
 plenamente válida e eficaz.
 
 13º O douto acórdão recorrido fez exemplar e irrepreensível aplicação da lei, 
 dos Estatutos em causa e de imperativos elementares de justiça”.
 
             
 
 2.4 – O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 27 de Maio de 2004, tirado 
 por maioria, concedeu provimento à revista e anulou a deliberação que havia 
 aprovado a alteração dos Estatutos do R.
 
             Consta dos fundamentos decisórios do acórdão que:
 
  
 
             «(...)
 
             Neste momento, os A.A. apenas fundamentam a invalidade da 
 deliberação da Assembleia Geral do R. na não participação na mesma do número 
 mínimo de associados exigido pelo nº 8 do art. 18º dos Estatutos do R..
 O nº 8 do citado art. 18º dos Estatutos dispõe: 'Para efeitos de discussão e 
 deliberação sobre as matérias a que se refere o nº 1 do art. 15º, basta a 
 participação da maioria simples dos associados, devendo as deliberações ser 
 tomadas igualmente por maioria simples dos votantes'.
 Pretendem os A.A. que o preceito em análise exige a participação duma maioria 
 simples dos associados na Assembleia Geral para a discussão e deliberação de 
 alterações ao Estatuto.
 Entendem os A.A. que os Estatutos exigem um quorum constitutivo para que a 
 Assembleia delibere em matéria de alteração dos próprios estatutos.
 Esta exigência decorre da letra da norma e do seu espírito. O nº 5 do referido 
 art. 18º diz: ' As deliberações são tomadas por maioria simples dos associados 
 presentes ou representados, salvo nos casos em que estatutariamente se exija 
 maioria qualificada'. Se no nº 10 se exige a maioria simples dos associados é 
 porque se trata de uma situação diferente, que foge à regra da maioria simples 
 dos associados presentes.
 Também o nº 10 do mesmo preceito, ao referir: 'As reuniões da Assembleia Geral 
 funcionarão à hora marcada com a presença da maioria dos associados ou passada 
 meia hora com qualquer número de sócios, ressalvado o disposto nos números 
 anteriores' (que são precisamente os nºs 8 e 9), permite concluir a fixação de 
 quorum constitutivo para o funcionamento da Assembleia com legitimidade para 
 deliberar sobre alterações aos estatutos ou fusão ou dissolução do Sindicato.
 Também o verbo usado na redacção daquele nº 8 'basta a participação' indicia a 
 exigência de uma maioria, de um quorum constitutivo, ainda que menos amplo que 
 os estabelecidos no nº 3 do art. 15º e no nº 9 do art. 18º, dos Estatutos.
 Igualmente a epígrafe do art. 18º, 'Funcionamento da Assembleia Geral', aponta 
 no sentido do quorum constitutivo exigido pelo seu nº 8.
 Definido que os estatutos exigem a participação duma maioria simples dos 
 associados para que a Assembleia Geral possa deliberar sobre alterações aos 
 Estatutos, vejamos se foi dado cumprimento a tal exigência.
 Uma vez que os Estatutos permitem que a Assembleia Geral funcione em sessões 
 simultâneas realizadas em locais geográficos diferentes, o que ocorreu neste 
 caso, é de todo razoável aceitar que a discussão das propostas se tenha feito 
 validamente através do seu envio atempado aos associados, com a possibilidade 
 destes sugerirem alterações, complementado com sessões de esclarecimento 
 realizadas em diversos pontos do país, em datas e locais previamente anunciados.
 Era efectivamente impraticável proceder-se à discussão útil das propostas numa 
 Assembleia Geral realizada em sessões simultâneas em seis cidades diferentes 
 deste país, Lisboa, Porto, Coimbra, Faro, Funchal e Ponta Delgada.
 A aceitação desta realidade por razões pragmáticas nada tem a ver com a garantia 
 da legitimidade da Assembleia para deliberar as alterações aos Estatutos.
 As sessões de esclarecimento foram preparatórias da Assembleia, não constando 
 que delas tenham sido elaboradas actas, nem que tenha sido registado o número e 
 a identidade dos participantes.
 A Assembleia Geral do R., realizada a 6 de Junho de 2002, não reuniu o número de 
 associados mínimo para poder funcionar com legitimidade para deliberar sobre 
 alterações aos Estatutos.
 Esta exigência dos Estatutos não vai contra a lei ordinária, nem contra a Lei 
 Fundamental, que tradicionalmente consagram um quorum constitutivo para as 
 Assembleias Gerais deliberarem sobre alterações aos Estatutos (art.s. 43º, nº 1, 
 do DL 215-B/75, de 30.04, 175º, nº 3, do Código Civil, 55º, nº 2, al. c), da 
 Constituição da República Portuguesa).
 As deliberações da Assembleia Geral contrárias aos Estatutos por irregularidades 
 havidas no seu funcionamento são anuláveis (art. 77º do C.C., aplicável por 
 força do art. 52º dos Estatutos e art. 46º do DL 215-B/75, de 30.04).
 Nos termos expostos, decide-se conceder a revista, revogando-se o acórdão 
 recorrido e anulando-se a deliberação que aprovou a alteração dos Estatutos do 
 R., com as consequências legais daí decorrentes».
 
             
 
 2.5 – Não se conformando com o teor da decisão, o Sindicato requereu a sua 
 aclaração e sucessiva reforma, dizendo que:
 
  
 
             2.5.1 – No pedido de aclaração:
 
             
 
             «1. No acórdão aclarando, afirma-se que 'a Assembleia Geral do R., 
 realizada a 6 de Junho de 2002, não reuniu o número de associados mínimo para 
 poder funcionar com legitimidade para deliberar sobre alterações aos Estatutos'.
 
 2. O douto acórdão aclarando não indica, porém, qual seja esse 'número de 
 associados mínimo', nem o dispositivo que o consagra, para que se possa concluir 
 pela ilegitimidade da deliberação tomada.
 
 3. Aliás, idêntico reparo vem consignado na douta declaração de voto anexa ao 
 douto acórdão aclarando, onde, a dado passo, expressamente se refere que aquele 
 aresto 'não chega a dizer qual é esse número mínimo de associados'.
 
 4. A omissão em apreço ocasiona uma obscuridade ou ambiguidade em que incorre o 
 douto acórdão aclarando e que importa esclarecer.
 
 5. A clarificação ora requerida assume particular relevância em dois domínios.
 a)         por um lado, para efeitos de compreensão e aplicação do princípio 
 constitucional da liberdade de organização e regulamentação interna das 
 associações sindicais (alínea c) do nº 2 do art. 55º da CRP);
 b)        por outro lado, para salvaguarda da autoridade e força de caso 
 julgado.
 
 6. Em relação ao primeiro dos dois domínios mencionados, entende o ora 
 requerente que a norma do nº 1 do art. 43º do Dec. Lei nº 215-8/75, de 30 de 
 Abril, consubstancia uma concretização do referido princípio constitucional de 
 liberdade de organização e regulamentação interna das associações sindicais, 
 impedindo a imposição, por qualquer via (legal, estatutária ou outra) de 
 
 'quoruns' constitutivos diversos do nele fixado, quer inferiores (assegurando um 
 mínimo de representatividade), quer superiores (obviando a que, desse modo e 
 porventura até pela imposição, no limite, de uma regra de unanimidade, se 
 inviabilize na prática a livre modificabilidade dos estatutos das associações 
 sindicais pelos respectivos associados).
 
 7. Nesse contexto, interpretada no sentido de permitir a criação, por fontes de 
 direito hierarquicamente inferiores ao princípio constitucional a que dá 
 concretização, de quoruns constitutivos superiores ao indicado no nº 1 do art. 
 
 43º do Dec. Lei nº 215-8/75, (interpretação essa assumida pelo douto acórdão 
 aclarando), esta norma será materialmente inconstitucional.
 
 8. Por outro lado e acaso o douto acórdão aclarando tenha fundado ou pretenda 
 fundar a conclusão de que, na hipótese vertente, o quorum constitutivo 
 necessário á válida alteração dos estatutos do R. recorrido se consubstancia na 
 maioria absoluta do número de associados que em cada momento o R. tenha, nesse 
 sentido se interpretando alguma das cláusulas estatutárias (v.g., o nº 8 do art. 
 
 18º dos Estatutos do R.), então essa decisão será susceptível de violar o caso 
 julgado emergente da eficácia e estatuição decisórias contidas no Ac. STJ, de 19 
 de Maio de 1999, publicado na CJ, STJ, 1999, tomo 2, págs. 283 e segs. e que 
 julgou questão exactamente idêntica relativa ao Sindicato R. em sentido 
 diametralmente oposto ao que veicula o douto acórdão aclarando.
 
 9. Importa assim, clarificar, na esteira de raciocínio do douto acórdão 
 aclarando, qual o 'número mínimo de associados' necessário a uma válida 
 deliberação sobre alterações estatutárias do R. e, em particular, de que 
 dispositivo resulta aquele 'número mínimo' (eventualmente diverso do estatuído 
 pelo citado nº 1 do art. nº 3 do Dec. Lei nº 215-B/75, para o qual, segundo a 
 douta declaração de voto de vencido, remete o nº 1 do art. 49º dos Estatutos do 
 R.)”.
 
  
 
             2.5.2 – No requerimento de reforma:
 
 «1. A questão nuclear decidida no douto acórdão reformando foi já objecto de 
 decisão em aresto proferido por este Venerando S.T.J. em 19 de Maio de 1999 no 
 
 âmbito de acção de anulação de deliberação tomada, também para efeitos de 
 alteração estatutária, em assembleia geral do Sindicato ora requerente.
 Esse aresto acha-se publicado na Colectânea de Jurisprudência, S.T.J., Ano VII, 
 tomo II, 1999, págs. 283 e segs.
 
 2. Aí se consigna, citando-se, em apoio, V. Lobo Xavier e B. Lobo Xavier in 
 R.D.ES., Ano XXX, nº 3, págs. 285 e segs., que 'o que acontece é que, no caso 
 português, uma norma que exigisse em geral para a alteração dos estatutos das 
 A.S. ou para a sua dissolução uma maioria qualificada seria profundamente 
 anti-democrática (...). Convém lembrar que as A.S. são grandes organizações de 
 massas, implantadas em todo o espaço nacional, sendo impossível ou quase, a 
 reunião de todos os associados em termos de responder a elevadas exigências de 
 
 'quoruns'.
 
 3. E, mais adiante, ainda a propósito do nº 8 do art. 18º dos Estatutos do 
 Sindicato ora requerente (de texto idêntico ao considerando no douto acórdão 
 reformando), acrescenta-se que tal dispositivo estatutário 'exige, para 
 aprovação de alterações dos estatutos da associação sindical em causa (do 
 Recorrente) uma maioria muito mais qualificada que a exigida pelo nº 3 do art. 
 
 175º do C. Civil (votos de três quartos dos associados presentes ... mas - e 
 aqui está a diferença – com a presença obrigatória da maioria absoluta dos 
 associados', sendo certo, todavia, que o Tribunal Constitucional já declarara 
 inconstitucional, com força obrigatória geral o art. 46º da Lei Sindical na 
 parte em que o mesmo tornava aplicável às associações sindicais a disciplina do 
 citado nº 3 do art. 175º do C.Civil.
 
 4. No mencionado aresto de 19/5/99 estatuiu-se, assim, a invalidade do nº 8 do 
 art. 18º dos Estatutos do Sindicato ora requerente por violação do disposto na 
 alínea c) do nº 2 e no nº 3 do art. 55º da CRP.
 
 5. O douto acórdão reformando, porém, aplicou o citado nº 8 do art. 18º dos 
 Estatutos dos Sindicato ora requerente, em termos decisivos para a concessão da 
 revista, considerando que a exigência contida nesse preceito estatutário 'não 
 vai contra a lei ordinária, nem contra a Lei Fundamental, que tradicionalmente 
 consagram um quorum constitutivo para as Assembleias Gerais deliberarem sobre 
 alterações dos Estatutos (arts. 43º nº 1 do DL 215-B/75, de 30-04, 175º nº 3 do 
 Código Civil, 55º nº 2 al. c), da Constituição da República Portuguesa)'.
 
 6. Ora, a norma do nº 1 do art. 43º do Dec. Lei nº 215-8/75, de 30 de Abril, na 
 medida em que consubstancia uma concretização dos princípios constitucionais 
 expressos, quer na alínea c) do nº 2, quer no nº 3, do art. 55º da C.R.P., 
 impede a imposição, por qualquer via (legal, estatutária ou outra) de 'quoruns' 
 constitutivos diversos do nele fixado, quer inferiores (assegurando um mínimo de 
 representatividade), quer superiores (obviando a que, desse modo e porventura 
 até pela imposição', no limite, de uma regra de unanimidade, se inviabilize na 
 prática os princípios constitucionais de livre organização interna e de gestão 
 democrática ínsitos à liberdade sindical.
 
 7. Interpretado (como claramente o foi no douto acórdão reformando) no sentido 
 de permitir a criação, válida e eficaz, por fontes de direito hierarquicamente 
 inferiores ao princípio constitucional a que da concretização, de 'quoruns 
 constitutivos superiores ou mais qualificados do que o indicado no nº 1 do art. 
 
 43º do Dec. Lei nº 215-B/75, esta norma, aplicada no caso vertente com essa 
 amplitude interpretativa, é materialmente inconstitucional por violação (já 
 reconhecida por este Alto Tribunal em concreto e com base na mesma cláusula 
 estatutária do Sindicato ora requerente) dos princípios expressos, não só na 
 alínea c) do nº 2, mas também no nº 3, do art. 55º do CRP.
 
 8. A qualificação jurídica que o douto acórdão aclarando atribuiu aos factos 
 assentes nos autos não tem em consideração os efeitos emergentes daqueles 
 princípios constitucionais (alínea c) do nº 2 e nº 3 do art. 55º da CRP), 
 conducentes, por antecedente e douto aresto deste Venerando Tribunal, à 
 invalidade do nº 8 do art. 18º dos Estatutos do Sindicato ora requerente.
 
 9. Em conclusão: reconhecida a inconstitucionalidade material, que de novo se 
 suscita, do preceito expresso no nº 1I do art. 43º do Dec. Lei nº 215-B/75, à 
 luz dos princípios emergentes da alínea c) do nº 3, mas também do nº 3, ambos do 
 art. 55º da CRP, com consequente invalidade do nº 8 do art. 18º dos Estatutos do 
 Sindicato ora requerente, já anteriormente estatuída por acórdão transitado em 
 julgado neste Venerando S.T.J., o acórdão reformando merece ser reformado, 
 negando-se provimento à revista interposta e confirmando-se as decisões 
 proferidas pelas instâncias, o que expressamente se requer”.
 
  
 
             2.6 – O Supremo Tribunal de Justiça indeferiu tais pedidos – 
 Acórdãos de 13 de Julho de 2004 e de 11 de Outubro de 2004 –, deixando 
 consignado, no aresto que decidiu da reforma, que o Tribunal “limitou-se apenas 
 a dizer que qualquer norma geral e abstracta que impusesse aos sindicatos 
 maiorias qualificadas para deliberar e votar alterações aos respectivos 
 estatutos seria materialmente inconstitucional por violar o princípio da 
 liberdade de organização e regulamentação interna das associações sindicais, 
 previsto no art. 55.º, n.º 2, al. c), da CRP”.
 
  
 
             2.7 – Novamente inconformado, o Sindicato A. interpôs, ao abrigo do 
 disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC, recurso para o Tribunal 
 Constitucional, e, após convite efectuado nos termos ao art. 75.º-A da LTC, veio 
 o Recorrente concretizar que:
 
  
 
   «O venerando STJ, no douto acórdão recorrido, conferiu ao mencionado 
 dispositivo do n.º 1 do art. 43.º do Dec. Lei n.º 215-B/75 uma diversa dimensão 
 normativa, considerando que o mesmo consente a interpretação segundo a qual é 
 lícita, sem infracção dos princípios constitucionais de livre organização 
 interna e de gestão democrática ínsitos à liberdade sindical, a imposição, por 
 via estatutária, de ‘quoruns’ constitutivos superiores ou mais qualificados do 
 que o indicado no n.º 1 do art. 43.º do Dec.-Lei n.º 215-B/75, enfermando essa 
 dimensão normativa do preceito (n.º 1 do art. 43.º do Dec-Lei n.º 215-B/75) do 
 vício de inconstitucionalidade material (por violação dos indicados princípios 
 expressos na alínea c) do n.º 2 e no n.º 3 do art. 55.º da CRP) que se pretende 
 ver apreciada e que foi imediatamente suscitada no único momento em que o podia 
 ter sido, isto é, em incidentes de aclaração e reforma deduzidos contra o douto 
 acórdão recorrido e tendo este por objecto (em virtude de nele, e só nele, pela 
 primeira vez ao longo de toda a tramitação dos autos), se ter feito aplicação da 
 norma do n.º 1 do art. 43.º do Dec.-Lei n.º 215-B/75 em termos desconformes com 
 os princípios expressos na alínea c) do n.º 2 e no n.º 3 do art. 55.º da CRP».
 
  
 
             2.8 – Notificadas as partes “para alegações”, veio o Recorrente 
 sustentar que:
 
  
 
 «1º - Para fundamentar decisivamente a sua estatuição quanto à invalidade da 
 deliberação de alteração estatutária da Assembleia-Geral do recorrente, o douto 
 acórdão recorrido considerou que o «quórum» deliberativo qualificado ('maioria 
 simples de associados', no seu dizer contido no art. 18º, nº 8, dos Estatutos do 
 recorrente) é conforme com os dispositivos legais e constitucionais aplicáveis, 
 não contendendo com a norma inserta no art. 43º, nº 1, da Lei Sindical. 
 
 2º - A liberdade sindical, em especial as faculdades de auto-organização e 
 auto-determinação não são absolutas e ilimitadas, estando condicionadas pelo 
 
 «princípio democrático» (art. 55º, nº 3, da Constituição), que actua enquanto 
 valor imperativo e condicionador da organização e gestão das associações 
 sindicais.
 
 3º - Constitui entendimento jurisprudencial, perfilhado pelo Tribunal 
 Constitucional, que é admissível, ainda que a título excepcional, a imposição 
 legal de regras de organização e funcionamento das associações sindicais, desde 
 que tais disposições tenham em vista a explicitação ou concretização do 
 princípio democrático a que deve obedecer tal organização e a correspondente 
 gestão.
 
 4º - São admissíveis restrições ao princípio da auto-organização desde que, 
 segundo princípios de proporcionalidade, necessidade e adequação, tais 
 restrições visem preservar o interesse dos membros e garantir o funcionamento 
 democrático das instituições. 
 
 5º - O art. 43º da Lei Sindical encerra, precisamente, uma norma destinada a 
 concretizar os aludidos preceitos constitucionais que garantem a «organização e 
 gestão democráticas» das associações sindicais, teleologia que se alcança 
 através da delimitação do «quórum» deliberativo necessário à implementação de 
 uma revisão estatutária.
 
 6º - No caso vertente, é absolutamente pacífico e cristalino que a 
 Assembleia-Geral do R., realizada a 6 de Junho de 2002, reuniu um número de 
 associados superior a 10% do total dos respectivos associados, tendo a 
 deliberação sido tomada por maioria simples do total de votos dos associados 
 presentes, de exacta harmonia com as prescrições contidas no nº 1 do art. 43º da 
 Lei Sindical.
 
 7º - O número de associados que se encontrava no pleno uso dos seus direitos 
 sindicais e, consequentemente, em condições de votar, ascendia a 8.555 
 associados; a assembleia em causa deveria funcionar, consequentemente, com um 
 mínimo de 855 associados; e é facto assente que votaram 1.105 associados e que a 
 proposta de alteração dos estatutos obteve 786 votos favoráveis, contra 313 
 votos desfavoráveis, 1 voto nulo e 5 votos em branco. 
 
 8º - A deliberação em causa não só foi proferida no âmbito de um «quórum» de 
 associados superior ao fixado legalmente, como foi tomada por uma maioria 
 absoluta, bem confortável, de votos dos associados. A deliberação em causa, como 
 resulta claro da douta declaração de voto anexa ao douto acórdão recorrido, 
 respeitou assim, integralmente, o regime legal fixado no citado artigo 43º da 
 Lei Sindical.
 
 9º - O douto acórdão recorrido decidiu no sentido da invalidade da deliberação 
 da Assembleia-Geral da recorrente porque a norma do art. 43º, nº 1, da Lei 
 Sindical não impedia, por imperativo constitucional, a imposição de um «quórum» 
 deliberativo superior ao fixado naquela mesma norma, pelo que, na esteira do 
 douto acórdão recorrido, ao invés de ser exigível apenas um «quórum» de «1 0% do 
 total ou 2000 dos respectivos associados» (art. 43º, nº 1, da Lei Sindical), a 
 Assembleia-Geral dos associados do recorrente deveria ter reunido a «maioria 
 simples dos associados», i.e., metade dos associados mais um, pelo menos, para 
 poder funcionar com legitimidade para deliberar sobre alterações aos Estatutos, 
 o que não teria sucedido no caso vertente.
 
 10º - A solução propugnada no douto acórdão recorrido assenta no pressuposto de 
 que o art. 43º, nº 1, da Lei Sindical, na parte em que estabelece um «quórum» 
 para efeitos de deliberação sobre alterações estatutárias, consubstancia uma 
 norma «supletiva» ou «dispositiva», no sentido em que, respectivamente, só actua 
 se não existir uma disposição estatutária diversa, e pode ser afastada por 
 quaisquer disposições estatutárias, seja em que sentido for.
 
 11º - O art. 43º, nº 1, da Lei Sindical, todavia, não consubstancia uma norma 
 
 «dispositiva», mas sim uma norma «absolutamente imperativa», que não admite ser 
 derrogada por qualquer modo. A não ser assim, a norma em causa consubstancia, 
 pelo menos, uma norma «parcialmente imperativa», que apenas admite ser derrogada 
 num único sentido, ou seja, no sentido mais favorável à concretização do aludido 
 valor da «gestão democrática». Por outras palavras: a norma em causa apenas 
 admite ser afastada no sentido da criação de «quoruns» deliberativos menos 
 exigentes do que aquele que resulta do preceito normativo em apreço.
 
 12º - Ao interpretar o art. 43º da Lei Sindical no sentido em que este consente 
 a imposição de «quoruns» deliberativos superiores aos que resultam da própria 
 lei, podendo exigir-se, no limite, que qualquer alteração estatutária careça de 
 ser objecto de deliberação até com a presença de todos os associados (o que na 
 prática pode afigurar-se absolutamente inviável, em organizações com forte e 
 desagregada implantação territorial), o douto acórdão recorrido retira da norma 
 em causa um sentido manifestamente contrário ao princípio constitucional da 
 liberdade sindical, na sua vertente de garantia de «gestão democrática» (art. 
 
 55º, nº 3, da Constituição).
 
 13º - O art. 43º, nº 1, da Lei Sindical, visa, nomeadamente, impedir a 
 imposição, por qualquer via (convencional, estatutária ou outra) de «quoruns» 
 deliberativos superiores aos nele fixado, obviando a que, desse modo (e 
 porventura até pela imposição, no limite, de uma regra de unanimidade) se 
 inviabilize na prática a livre modificação dos estatutos das associações 
 sindicais pelos respectivos associados.
 
 14º - Trata-se de uma evidência, imposta pela ideia de ordem jurídica enquanto 
 
 «sistema de princípios teleológicos e valorativos», pelos vectores metodológicos 
 decorrentes da «dogmática integrada» e, em suma, pela «sinépica», que manda 
 apelar à ponderação das consequências no processo jurídico decisório.
 
 15º- Interpretada no sentido de permitir a criação, por fontes de direito 
 hierarquicamente inferiores, de «quoruns» deliberativos superiores aos que a 
 mesma contém (interpretação essa assumida pelo douto acórdão recorrido), o art. 
 
 43º, nº 1, do Dec. Lei nº 215-B/75, é materialmente inconstitucional, por 
 violação do art. 55º, nº 2, alínea c), e nº 3, da Constituição.
 
 16º - O próprio Tribunal Constitucional, em nome do aludido princípio 
 constitucional da «democraticidade» das associações sindicais quanto à 
 respectiva organização interna, já teve o ensejo de se pronunciar no sentido da 
 inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, do art. 46º do Decreto-lei 
 nº 295-B/75, ao tomar aplicável às associações sindicais o nº 3 do art. 175º do 
 C. Civil (acórdão nº 159/88) - por violação do (actual) art. 55º, nºs 2, alínea 
 c), e 3 da Constituição.
 
 17º - Em suma: o art. 43º, nº 1, da Lei Sindical, interpretado nos termos em que 
 o fez o douto acórdão recorrido, enquanto norma «dispositiva», é materialmente 
 inconstitucional, por violação do art. 55º, nºs 2, alínea c), e 3 da 
 Constituição.
 
 18º - Ao invés do que se decidiu no douto acórdão recorrido, o citado art. 43º 
 da Lei Sindical consubstancia uma norma legal «imperativa», que não admite ser 
 afastada em contrário, maxime por «quoruns» deliberativos mais qualificados e 
 exigentes do que o que nele se contém, consequência essa que resulta dos 
 princípios constitucionais expressos nos citados arts. 55º, nº 2, alínea c) e nº 
 
 3, da Constituição.
 
 19º - E dúvidas não há de que, acaso atendesse à natureza imperativa da norma do 
 art. 43º, nº 1 da Lei Sindical, o douto acórdão recorrido teria necessariamente 
 de proferir de sentido diametralmente oposto ao do que ora se recorre.
 
 20º - O douto acórdão recorrido aplicou, assim, em termos decisivos, norma legal 
 cuja interpretação e alcance, por ele configurados, a tornam inconstitucional».
 
  
 
             2.9 – Por sua vez, o Recorrido pugnou pela inadmissibilidade do 
 recurso e, “sem conceder”, pela sua improcedência, dizendo que:
 
  
 
 «O presente recurso para o Tribunal Constitucional não é admissível, e isto por 
 várias ordens de razões: quer porque é ele manifestamente infundado, quer também 
 porque a decisão recorrida o não admite, quer ainda porque tal decisão não 
 aplicou qualquer norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o 
 processo.
 
 1. - Sendo o recurso interposto ao abrigo do disposto na al. b) do nº 1 do art. 
 
 70º da Lei nº 28/82 - como é o caso -, é necessário, antes do mais, que a 
 questão de inconstitucionalidade haja sido suscitada pelo recorrente de modo 
 processualmente adequado perante o Tribunal que proferiu a decisão recorrida, em 
 termos de este estar obrigado a dela conhecer (nº 2 do art. 72º da referida Lei 
 nº 28/82).
 
  
 A este propósito, tem o Tribunal Constitucional entendido – e bem - que:
 
 - '... a questão de constitucionalidade tem de ser suscitada antes da prolação 
 da decisão recorrida, de modo a permitir ao juiz a quo pronunciar-se sobre ela. 
 Não se considera assim suscitada durante o processo a questão de 
 constitucionalidade normativa invocada somente no requerimento de aclaração, na 
 arguição de nulidade ou no requerimento de interposição de recurso de 
 constitucionalidade.” - Ac. TC nº 594/00 de 20/12/2000, 2ª Secção, Proc. 
 
 697/2000; e, no mesmo sentido, Ac. TC nº 155/95, D.R., II Série, de 20/6/95;
 
 - 'Não é tempestivo suscitar pela primeira vez uma questão de 
 inconstitucionalidade em requerimento de aclaração ou de arguição de nulidades 
 das decisões recorridas.” - Ac. TC de 06/11/1991, BMJ, 411, pág. 606;
 
 - 'O requerimento em que se pede a aclaração de uma decisão judicial não é já 
 momento processual idóneo para suscitar a questão de inconstitucionalidade de 
 qualquer norma que por ela tenha sido aplicada, dado que, por um lado, o poder 
 jurisdicional do tribunal se esgota com a prolação da sentença - salvo 
 circunstâncias excepcionais, que no caso se não verificam -, pelo que lhe está 
 já vedado conhecer dessa questão e, por outro lado, a eventual aplicação de uma 
 norma inconstitucional não torna a sentença obscura ou ambígua”- Ac. TC de 
 
 20/06/91, BMJ, 408º, pág. 617;
 
 - 'I - Não é admissível recurso para o Tribunal Constitucional, interposto ao 
 abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº  28/1982, de 15 de Novembro, 
 se o recorrente, tendo tido oportunidade processual de o fazer antes da prolação 
 da decisão recorrida, só suscitou a questão de inconstitucionalidade da norma 
 nesta aplicada em requerimento de arguição de nulidade da mesma decisão. II. - 
 Impende sobre o recorrente o ónus de avaliar as diversas e possíveis linhas de 
 interpretação normativa susceptíveis de virem a ser utilizadas na resolução do 
 caso submetido a julgamento, actuando depois em conformidade com o esquema de 
 orientação processual mais adequado à defesa dos seus interesses. III - Não 
 podendo dizer-se que o recorrente tenha sido confrontado com a utilização, por 
 parte da decisão recorrida, de uma norma de todo insólita e imprevisível, sobre 
 a qual seria desrazoável exigir-se-lhe um prévio juízo de prognose relativo à 
 sua aplicação, deveria, em tempo funcionalmente adequado, suscitar a questão da 
 constitucionalidade daquela norma, por forma a ter-se por preenchido o 
 pressuposto de admissibilidade de que está dependente o recurso de 
 constitucionalidade.” - AC TC de 31/03/92, BMJ, 415º, pág. 680.
 Ora, no caso concreto, depois de proferida a decido recorrida, o ora recorrente 
 veio pedir a aclaração do Acórdão proferido no STJ, nos termos constantes de 
 fls., pretendendo que se esclarecesse '... qual o número de associados mínimo 
 imprescindível para que a Assembleia do R., realizada a 6 de Junho de 2002, 
 pudesse funcionar com legitimidade para deliberar sobre a alteração aos 
 Estatutos, bem como o dispositivo, legal ou estatutário, que o consagra”.
 
  
 Neste seu requerimento de aclaração, o ora recorrente aflorou, ao de leve e pela 
 primeira vez no processo, a questão da inconstitucionalidade da norma constante 
 do nº 1 do art. 43º do Dec.-Lei nº 215-B/75. 
 Porque, porém, só pode ser requerido ao Tribunal que proferiu a decisão 'o 
 esclarecimento de alguma obscuridade ou ambiguidade que ela contenha” (al. a) do 
 nº 1 do art. 669º do CPC), e o Acórdão era claro, não contendo nenhum passo cujo 
 sentido fosse ininteligível ou se prestasse a interpretações diferentes, foi o 
 requerido indeferido, por nada haver a aclarar, como se vê do Acórdão de 
 aclaração proferido a fls., em 13/07/2004.
 De seguida, veio o aqui recorrente requerer a reforma do Acórdão, ao abrigo do 
 disposto no art. 669º, nº 2, al. a), do CPC - abordando de novo a questão da 
 inconstitucionalidade da atrás referida norma.
 Dado que não se verificava a previsão do invocado art. 669º, nº 2, do CPC (não 
 ocorrera manifesto lapso na determinação da norma aplicável ou na qualificação 
 jurídica dos factos), foi indeferida a requerida reforma do Acórdão, nos termos 
 constantes do Acórdão de fls..
 Foi, por último, interposto o presente recurso para o Tribunal Constitucional, 
 ao abrigo do disposto na al. b) do nº 1 do art. 70º da Lei nº 28/82, de 15 de 
 Novembro, com o seguinte fundamento, no dizer do recorrente: 'A norma cuja 
 constitucionalidade se pretende ver apreciada no âmbito do recurso ora 
 interposto acha-se inserta no nº 1 do art. 43º do Dec.-Lei nº 215-B/75, de 30 de 
 Abril, interpretada no sentido que resulta do douto acórdão recorrido, vício 
 esse expressamente suscitado em incidentes, de aclaração e reforma, deduzidos na 
 sequência do acórdão recorrido e tendo este por objecto, já que só nele se fez 
 
 (e pela primeira vez) aplicação daquele dispositivo legal em termos desconformes 
 com os princípios constitucionais expressos na línea c) do nº 2 e no nº 3 do 
 art. 55º da CRP”.
 Mesmo concedendo - que não se concede, pelo que adiante se dirá - que na decisão 
 constante do Acórdão recorrido se fez aplicação da norma constante do art. 43º, 
 nº 1, do Dec.-Lei nº 215-B/75, e que, ademais e além disso, tal aplicação foi 
 feita em termos inconstitucionais porque violadores do art. 55º da CRP (o que 
 igualmente se não concede, pelo que também adiante se dirá), o que importa aqui 
 e agora sublinhar é que o recorrente só levantou a questão da 
 inconstitucionalidade depois de proferida a decisão recorrida e de esgotado o 
 poder jurisdicional do Tribunal que a proferiu, tendo-o feito de modo 
 processualmente inadequado em termos de obrigar o Tribunal que proferiu a 
 decisão a conhecer de tal questão de inconstitucionalidade. 
 Esta é que é a questão.
 Os incidentes de aclaração ou reforma de sentença apenas são admissíveis, 
 respectivamente, caso a sentença seja obscura ou ambígua (por ser ininteligível 
 ou conter alguma passagem que se preste a interpretações diferentes), ou caso 
 tenha havido manifesto lapso na determinação da norma aplicável ou na 
 qualificação jurídica dos factos.
 E, no caso de serem tais incidentes levantados, apenas fica o Tribunal que 
 proferiu a sentença obrigado a decidir sobre os mesmos, ou seja, sobre se a 
 sentença era ou não ambígua e sobre se houve ou não lapsos na determinação da 
 norma aplicável ou na qualificação dos factos.
 Não fica, pois, em tais hipóteses, o Tribunal obrigado a decidir se uma 
 determinada norma é ou não inconstitucional, se tal questão foi aflorada ou 
 mesmo invocada pela primeira vez no processo nos referidos incidentes - não 
 sendo tais incidentes o meio processualmente adequado para levantar, por isso 
 mesmo, a questão da inconstitucionalidade.
 Por outro lado, como se lê no sumário do Ac. do TC de 31/3/92, atrás transcrito 
 e que aqui se repete, impendia sobre o recorrente o ónus de avaliar, ao longo do 
 processo e em devido tempo, as diversas e possíveis linhas de interpretação 
 normativa susceptíveis de virem a ser utilizadas na resolução do caso submetido 
 a julgamento, actuando depois em conformidade com o esquema de orientação 
 processual mais adequado à defesa dos seus interesses - pelo que deveria, em 
 tempo funcionalmente adequado (que é o mesmo que dizer: sempre antes de 
 proferido o Acórdão recorrido), ter suscitado a questão da 
 inconstitucionalidade, por forma a ter -se por preenchido o pressuposto de 
 admissibilidade de que está dependente o recurso de constitucionalidade. 
 Não o fez, porém, o recorrente, sendo certo ser este um pressuposto de 
 admissibilidade de interposição dos recursos para o Tribunal Constitucional, ao 
 abrigo do disposto na al. b) do nº 1 do art. 70º da Lei nº 28/82 (vidé o 
 disposto no nº 2 do art. 72º da mesma lei).
 
 2. - Acrescem, porém, outros motivos ou fundamentos para que o presente recurso 
 não devesse ter sido admitido, e deva agora vir a ser julgado não admissível.
 
 É que, por um lado, a decisão recorrida não aplicou sequer, e menos ainda 
 directamente, a norma cuja inconstitucionalidade veio agora o recorrente arguir 
 no recurso. 
 E, por outro lado, tal norma não foi um elemento essencial da decisão recorrida, 
 isto é, um dos fundamentos decisórios que serviram de suporte à decisão 
 recorrida e originaram normativamente o sentido em que a mesma foi proferida.
 Para se constatar que assim é basta ler - mesmo que superficialmente - o Acórdão 
 recorrido.
 Ao longo da suas 10 (dez) páginas, nele se faz uma única referência à norma cuja 
 inconstitucionalidade vem arguida - o que acontece no fim da última linha da 
 nona página do Acórdão, in fine, e no inicio da primeira linha da décima página, 
 entre parênteses, referência essa inserida no seguinte passo do Acórdão que a 
 seguir se transcreve: 
 
 'A Assembleia Geral do R., realizada a 6 de Junho de 2002, não reuniu o número 
 de associados mínimo para poder funcionar com legitimidade para deliberar sobre 
 alterações aos Estatutos.
 Esta exigência dos Estatutos não vai contra a lei ordinária, nem contra a Lei 
 Fundamental, que tradicionalmente consagram um quórum constitutivo para as 
 Assembleias gerais deliberarem sobre alterações aos Estatutos (arts. 43º, nº 1 
 do Dec.-Lei 215-B/75, de 30.04, 175º, nº 3 do Código Civil, 55º nº 2, al. c) da 
 Constituição da República Portuguesa).
 As deliberações da Assembleia Geral contrárias aos Estatutos por irregularidades 
 havidas no seu funcionamento são anuláveis (art. 77º - quis dizer-se: 177º - do 
 C.C., aplicável por força do art. 52º dos Estatutos e art. 46º do DL 215-B/75, 
 de 30.04).
 Nos termos expostos, decide-se conceder a revista, revogando-se o acórdão 
 recorrido e anulando-se a deliberação que aprovou a alteração dos Estatutos do 
 R., com as consequências legais daí decorrentes.”
 Como se vê e constata facilmente, a referência ao art.43º, nº 1, do Dec.-Lei nº 
 
 215-B/75 traduz-se na simples e mera citação nominal ou numérica desta norma, 
 efectuada conjuntamente com outras entre parênteses, como exemplo de uma norma 
 da lei ordinária que consagra um quorum constitutivo - sendo citado de seguida, 
 aliás, também outro exemplo de outra norma da lei ordinária que igualmente 
 consagra outro quorum constitutivo, o art. 175º, nº 3 do Código Civil.
 O que é dito no Acórdão é que 'Esta exigência dos Estatutos - a exigência 
 constante do art. 18º dos Estatutos do R., designadamente do seu nº 8, que exige 
 a participação duma maioria simples dos associados para que a Assembleia Geral 
 possa deliberar sobre alterações ao Estatutos - não vai contra a lei ordinária 
 nem contra a Lei Fundamental, que tradicionalmente consagram um quorum 
 constitutivo para as Assembleias Gerais deliberarem sobre alterações aos 
 Estatutos” - surgindo depois, entre parênteses, em mero apoio de tais 
 afirmações, a citação de normas exemplificativas de tal tradição da lei 
 ordinária, consagradoras de quoruns constitutivos, bem como da norma 
 constitucional que garante a liberdade de organização e regulamentação interna 
 das associações sindicais.
 Só neste sentido exemplificativo - como invocação de casos, situações ou 
 exemplos de normas da lei ordinária que consagram quoruns constitutivos, em 
 apoio da afirmada tradição da mesma lei ordinária - se compreende, aliás, a 
 referência que no Acórdão se faz a tais normas: é que, por um lado, a norma do 
 art.43º, nº 1, do referido Dec.-Lei 215-B/75, é uma mera norma especial e 
 transitória (constante do Capitulo IV- Disposições Gerais e Transitórias), que 
 apenas foi aplicável transitoriamente, após o inicio de vigência do diploma 
 legal em causa, às associações sindicais constituídas antes da entrada em vigor 
 de tal diploma (Maio de 1975), as quais foram obrigadas pelo art. 42º desse 
 mesmo diploma a proceder obrigatoriamente à revisão dos seus estatutos dentro do 
 prazo de 60 dias, sob pena de extinção, ficando tal revisão dos estatutos, nos 
 termos do nº 4 do referido art. 42º, sujeita à regras dos arts. 43º e seguintes 
 desse diploma; e, por outro lado, a norma constante do art. 175º, nº 3, do 
 Código Civil é inaplicável às associações sindicais, por força da declaração de 
 inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, do art. 46º do mencionado 
 Dec. Lei nº 215-B/75, quando remete para o art. 16º da Lei das Associações (que 
 tomava aplicável assim aos sindicatos os nº 2 e 3 do referido art. 175º), 
 efectuada pelo Acórdão nº 159/88, de 12/7/88, do Tribunal Constitucional.
 
 É, pois, de todo incompreensível e inaceitável, além de absurdo e completamente 
 falso e inexistente, o pressuposto de que partiu o recorrente - de que o Acórdão 
 recorrido aplicou directamente a citada norma do art. 43º, nº 1, interpretando-a 
 nos termos em que diz o recorrente ter ela sido interpretada, e que tal norma ou 
 tal interpretação foram um elemento essencial da decisão e originaram 
 normativamente o sentido em que a decisão foi proferida.
 Tem também o Tribunal Constitucional vindo a entender que:
 
 - 'Para que os requisitos de admissibilidade do recurso previsto na alínea b) do 
 nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/1982, de 15 de Novembro, se possam ter por 
 verificados, importa ... ... que fique demonstrado que essa norma, ou uma sua 
 determinada interpretação, foram aplicadas na decisão impugnada como seu suporte 
 normativo.” - Ac. TC de 18/6/91, BMJ, 408º, pág. 618.
 
 - 'É inadmissível recurso de constitucionalidade, interposto ao abrigo da alínea 
 b) do nº 1 do art. 70º da Lei nº 28/1982, de 15 de Novembro, se a decisão 
 recorrida não chegou a aplicar directamente a norma cuja constitucionalidade se 
 pretende ver apreciada.”- Ac. TC nº 38/92 de 28/01/92, BMJ, 413º, pág. 575.
 
 - 'Para que uma norma se considere aplicada em certa decisão é indispensável que 
 tal norma seja um elemento essencial da decisão, um dos seus fundamentos 
 decisórios” - Ac. TC nº 13/92, de 14/01/92, BMJ, 413º, pág. 574.
 Ora, não tendo a decido recorrida aplicado directamente a norma cuja 
 inconstitucionalidade vem agora arguida, nem tendo tal norma sido um elemento 
 essencial da decisão recorrida, falecem e inexistem também os pressupostos de 
 admissibilidade do presente recurso, interposto ao abrigo da al. b) do nº 1 do 
 art. 70º da Lei nº 28/82.
 O presente recurso, pelo que se disse até aqui e designadamente em 1. e 2. é, 
 pois, inadmissível.
 A decisão que admitiu o recurso não vincula o Tribunal Constitucional – nº 3 do 
 art. 76º da Lei nº 28/82 -, pelo que deve a presente impugnação da 
 admissibilidade do recurso ser julgada procedente, sendo declarada a não 
 admissibilidade do mesmo.
 
  
 II
 No que respeita ao fundo da questão, fundamenta o recorrente o seu recurso única 
 e exclusivamente em pressupostos inexistentes ou falsos e errados, sendo as suas 
 conclusões, pelo menos as principais e fundamentadoras do seu raciocínio e 
 argumentos, autênticas falácias - e não mais que isso.
 Senão, vejamos:
 Todo o raciocínio e todos os argumentos expostos pelo recorrente nas suas 
 alegações e respectivas conclusões assentam no seguinte:
 
 - O art. 43º, nº 1, da Lei Sindical é uma norma de aplicação genérica que visa 
 impedir a imposição, por qualquer via, de quoruns deliberativos superiores ao 
 nele fixados, norma essa absolutamente imperativa e destinada a concretizar os 
 preceitos constitucionais que garantem a organização e gestão democráticas das 
 associações sindicais, constituindo ela uma restrição ao principio da 
 auto-organização das mesmas associações (vidé conclusões 13ª, 11ª, 4ª e 5ª das 
 alegações do Recorrente);
 
 - Para fundamentar decisivamente a sua estatuição quanto à invalidade da 
 deliberação estatutária, o douto Acórdão recorrido considerou que o quorum 
 deliberativo contido no art. 18º, nº 8, dos Estatutos do Recorrente não contende 
 com a norma inserta no art. 43º, nº 1, da Lei Sindical, e decidiu o mesmo 
 Acórdão no sentido da invalidade da deliberação porque a norma do art. 43º, nº 
 
 1, não impede, por imperativo constitucional, a imposição de um quorum 
 deliberativo superior ao fixado na mesma norma - assentando, assim, a solução 
 propugnada no Acórdão recorrido no pressuposto de que o art. 43º, nº 1, da Lei 
 Sindical, na parte em que estabelece um quorum para efeitos de deliberação sobre 
 alterações estatutárias, consubstancia uma norma supletiva ou dispositiva, no 
 sentido em que só actua se não existir um disposição estatutária diversa e pode 
 ser afastada por quaisquer disposições estatutárias, seja em que sentido for 
 
 (vidé conclusões 1ª, 9ª e 10ª das alegações do Recorrente);
 
 - A deliberação anulada é conforme ao regime legal fixado no art. 43º, nº 1, da 
 Lei Sindical, e respeitou o mesmo, e interpretada no sentido de permitir a 
 criação, por fontes de direito hierarquicamente inferiores, de quoruns 
 deliberativos superiores ao que tal norma contem, interpretação esta assumida 
 pelo Acórdão recorrido, que interpreta tal norma como dispositiva, o art. 43º, 
 nº 1 é materialmente inconstitucional por violação do art. 55º, nº 2 al. c) e nº 
 
 3 da Constituição (vidé conclusões 8ª, 15ª e 17ª das alegações do Recorrente);
 
 - E duvidas não há de que, caso atendesse à natureza imperativa da norma do art. 
 
 43º, nº 1, da Lei Sindical, o douto Acórdão recorrido teria de decidir em 
 sentido diametralmente oposto aquele em que decidiu - pelo que aplicou em termos 
 decisivos uma norma legal cuja interpretação e alcance por ele configurados a 
 tomam inconstitucional (vidé conclusões 19ª e 20ª das alegações do Recorrente).
 Esta argumentação do Recorrente, e os pressupostos em que assenta, não resiste à 
 mais ligeira análise:
 O Acórdão recorrido, como se disse já atrás, em I não faz qualquer interpretação 
 do art. 43º, nº 1, da Lei Sindical - e não interpreta tal norma, por qualquer 
 forma, com o sentido que resulta das alegações e das conclusões do Recorrente.
 Basta ler o Acórdão, e facilmente se constata e verifica que assim é.
 Para dizer o que disse nestas suas alegações e conclusões, a propósito do 
 disposto no nº 1 do referido art. 43º da Lei Sindical, o Recorrente só demonstra 
 que não foi sequer capaz de alcançar o sentido e o objectivo da referida norma, 
 norma esta apenas aplicável às assembleias gerais para revisão dos estatutos dos 
 sindicatos já constituídos à data da entrada em vigor do diploma que a contém 
 
 (Maio de 1975), associações essas que foram obrigadas, sob pena de extinção, e 
 entre outras coisas, a rever os seus estatutos no prazo de sessenta dias, de 
 acordo com o art. 42º, nº 1 da referida Lei Sindical - dispondo o nº 4 deste 
 mesmo artigo 42º que a revisão dos estatutos imposta pelo nº 1 do art. 42º 
 ficava sujeita ao constante nos artigos seguintes (um dos quais é precisamente o 
 art. 43º).
 Aliás, o referido art. 43º surge no Capitulo IV da Lei Sindical, respeitante às 
 disposições gerais e transitórias da lei - sendo esta inequivocamente uma 
 disposição transitória, aplicável apenas a tal revisão obrigatória dos estatutos 
 dos sindicatos já constituídos, com prazo marcado de sessenta dias.
 Tivesse, pois, o Recorrente lido a Lei Sindical com o mínimo de atenção - e 
 tivesse ele conseguido vislumbrar o alcance e sentido da referida norma - e não 
 diria nem escreveria os dislates que repetidamente profere a propósito da norma 
 em causa nas alegações de recurso.
 Deveria ter tido, ao menos, o Recorrente o mínimo de cautela antes de escrever o 
 que escreveu, ou em alternativa a bondade suficiente para reconhecer que os 
 Ilustres Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça não fizeram qualquer 
 interpretação da referida norma legal e muito menos a interpretação que o 
 Recorrente lhes imputa.
 Como se disse atrás, no Acórdão recorrido o art. 43º, nº 1, apenas foi invocado 
 como exemplo de uma norma da lei ordinária, a par de um outro exemplo no mesmo 
 sentido - o do art. 175º nº 3 do C.C. -, lei ordinária essa que, no dizer do 
 Acórdão recorrido, tradicionalmente consagra quoruns constitutivos para as 
 assembleias gerais.
 Tudo o que possa dizer-se para além disto é abusivo e especulativo - sendo assim 
 abusivo e especulativo tudo o que o Recorrente diz no seu recurso quanto à 
 interpretação da norma constante do nº 1 do art. 43º da Lei Sindical, que imputa 
 ao Acórdão recorrido, mas que dele não consta - nem na sua letra, nem no seu 
 espírito.
 A questão que subjaz ao presente recurso e esteve em causa na acção é a da 
 autonomia sindical, da qual é sua expressão a liberdade de organização e 
 regulamentação interna.
 A autonomia estatutária e regulamentar interna das associações sindicais está 
 consagrada no art. 3º da Convenção nº 87 da OIT, nos seguintes termos:
 
 1. - As organizações de trabalhadores e de entidades patronais tem o dever de 
 elaborar os seus estatutos e regulamentos administrativos, de eleger livremente 
 os seus representantes, de organizar a sua gestão e a sua actividade e formular 
 o seu programa de acção.
 
 2 - As autoridades públicas devem abster-se de qualquer intervenção susceptível 
 de limitar esse direito ou de entravar o seu exercício legal.
 Mais refere a mesma Convenção nº 87, no nº 2 do seu art. 8º, que 'a legislação 
 nacional não deverá prejudicar - nem ser aplicada de modo a prejudicar - as 
 garantias previstas na presente convenção”.
 A Convenção em causa foi ratificada pela Lei nº 45/77, de 07.07, e, nos termos 
 do nº 2 do art. 16º da Constituição constitui ela, por isso, elemento de 
 interpretação e integração dos preceitos constitucionais e legais relativos aos 
 direitos fundamentais. 
 Na vigência da Lei Sindical, entretanto revogada pelo actual Código do Trabalho, 
 remetia ela para os estatutos das associações sindicais o funcionamento da 
 assembleia geral e o processo de alteração os estatutos - arts. 13º e 14º, als. 
 d) e g), e nº 6 do art. 10º do Dec.-Lei nº 215-B/75.
 Ou seja: tal como impõe a Convenção nº 87 da OIT, consagrava a Lei Sindical o 
 principio da autonomia estatutária e regulamentar interna das associações 
 sindicais e a liberdade de organização e gestão interna das mesmas, a qual se 
 acha apenas limitada pelos princípios de gestão democrática, aos quais se 
 referia o nº 1 do art. 17º da Lei Sindical, e se referem o art. 55º da 
 Constituição e os arts. 478º e 486º do actual Código do Trabalho.
 A este propósito e neste sentido se pronunciam Monteiro Fernandes, Direito do 
 Trabalho, 12ª Edição, pág. 677 e segs. e Pedro Romano Martinez, Direito do 
 Trabalho, Almedina, pág. 912 e segs., referindo este último Autor que 'Depois de 
 estar constituída a associação sindical, se os trabalhadores filiados assim o 
 quiserem, podem alterar os estatutos e regulamentos que foram inicialmente 
 aprovados. O art. 14º, al. j) LS, estabelece que essas alterações devem ser 
 feitas nos termos previstos nos estatutos, ou seja, por princípio, destes 
 constarão as próprias regras de alteração”.
 O princípio da autonomia estatutária e regulamentar é também uma concretização 
 do princípio constitucional da autonomia das associações sindicais, expresso no 
 art. 55º da Constituição, designadamente nas als. a) e c) do seu nº 2.
 Também o Prof. Jorge Miranda, no seu estudo 'Liberdade de Associação e Alteração 
 aos Estatutos Sindicais', publicado na Revista de Direito e de Estudos Sociais, 
 Ano XVIII (I da 2ª Série), Abril-Junho, nº 2, refere deverem ser os estatutos 
 das próprias associações sindicais a quantificar a maioria qualificada ou a 
 obter para efeito de modificações estatutárias, defendendo ele a este propósito 
 o seguinte (pág. 184): 'A maioria qualificada que, em concreto, cada estatuto, 
 destarte, deverá estabelecer terá, por definição, uma baliza mínima: não poderá 
 ser menor que a maioria absoluta dos associados. E terá, por imperativo 
 constitucional, um limite máximo: não poderá exceder dois terços dos sócios na 
 plenitude dos seus direitos. Isto por maioria de razão: se a lei, como acabámos 
 de evidenciar, não poderia exigir mais que a Constituição para a revisão 
 constitucional, tão pouco os estatutos poderão estabelecer uma maioria superior 
 
 àquela que à lei é vedado ultrapassar.”
 
 É que encontramo-nos aqui num domínio de forte incidência do principio de 
 autonomia, cuja regra é a auto-organização, a auto-regulamentação e o 
 auto-govemo, não podendo a lei ordinária estabelecer limites à liberdade de 
 organização e regulamentação dos sindicatos para além dos que do impostos pela 
 própria lei fundamental, ou seja, as regras de organização e gestão democráticas 
 
 - art. 55º, nº 3, da Constituição, 13º e 17º, nº 1, da anterior Lei Sindical e 
 
 480º , 478º, 485º e 486º do Código do Trabalho.
 Por isso, a norma constante do nº 8 do art. 18º dos Estatutos do Recorrente não 
 viola, como é evidente e óbvio, o art. 43º, nº 1, da Lei Sindical, que nada tem 
 a ver com caso. E tal norma estatutária, que no fundo exige para alteração os 
 estatutos uma maioria não inferior a um quarto dos associados (25% dos 
 associados) nada contem de anormal ou de anti-democrático, quando a própria 
 Constituição, para a sua revisão ou alteração, exige uma maioria de dois terços 
 dos deputados em efectividade de funções (mais de 66% dos deputados), nos termos 
 do disposto art. 286º nº 1 da Constituição - e daí o Prof. Jorge Miranda 
 entender, a propósito da maioria qualificada que em concreto cada estatuto de 
 uma associação sindical pode estabelecer, o que acima transcrito ficou.
 Em suma: não só o Acórdão recorrido não fez qualquer interpretação 
 inconstitucional do art. 43º, nº 1, da Lei Sindical, como até os estatutos do 
 Recorrente, no que esteve em causa neste processo, são inteiramente conformes à 
 Lei e à própria Constituição».
 
  
 
  
 
             2.10 – O Recorrente, notificado da questão da inadmissibilidade do 
 recurso, veio reiterar nos autos que:
 
  
 
             «1. A questão de inconstitucionalidade que serve de objecto aos 
 presentes autos foi suscitada (e só podia ter sido suscitada) no âmbito da 
 revista.
 
 2. Até à prolação do douto acórdão recorrido, nenhuma das instâncias 
 interpretara a cláusula estatutária do Banco recorrente com a amplitude que o 
 Venerando STJ lhe conferiu à luz do recurso interpretativo que fez de uma norma 
 legal, cujo sentido foi configurado em termos frontalmente inconstitucionais,
 
 3. Até então, a questão de inconstitucionalidade jamais fora sequer 
 perspectivada por qualquer das instâncias de recurso.
 
 4. Logo que a questão se colocou (e só se colocou perante a decisão inicialmente 
 proferida pelo Venerando Tribunal 'a quo'), o Banco recorrente, após a dedução 
 de incidente de aclaração, veio suscitar e requerer a, reforma do douto aresto 
 proferido pelo STJ, fundando expressamente essa reforma na questão de 
 inconstitucionalidade versada no presente recurso de modo a propiciar expressa 
 pronúncia do Tribunal 'a quo' sobre a mesma questão.
 
 5. O Banco recorrente, ao invés do que os recorridos inexactamente sustentam com 
 apoio em decisões jurisprudenciais inaplicáveis ao caso, não se limitou a 
 suscitar a questão de inconstitucionalidade em simples incidente de aclaração 
 ou, transversalmente, no âmbito, de uma mera arguição de nulidades, antes tendo 
 
 (de imediato e no exacto momento em que lhe foi possível, por ter sido a 
 primeira vez que, ao longo da tramitação dos autos e de modo insólito e 
 inesperado, decisivamente se fez apelo a uma norma legal interpretada ao arrepio 
 de princípios constitucionais.
 
 6. Como é sabido, o incidente de reforma obriga à pronúncia jurisdicional sobre 
 as questões suscitadas como seu fundamento, não podendo dizer-se que, nesse caso 
 
 (como sucede em simples incidente de aclaração ou de arguição de nulidades, por 
 exemplo), o poder jurisdicional de cognição se acha esgotado, em termos de não 
 proporcionar uma decisão ou pronúncia de sentido contrário.
 
 7. No caso vertente, não só se permitiu ao juiz 'a quo' pronunciar-se sobre a 
 questão de inconstitucionalidade, como essa pronúncia, envolvendo pleno poder 
 jurisdicional decisório (em termos tais que seria viável a prolação de decisão 
 de mérito contrária à inicialmente proferida, como mera consequência da reforma 
 do aresto proferido), era obrigatória.
 
 8. A jurisprudência do Tribunal Constitucional em que os recorridos se abonam 
 para fundar a inadmissibilidade do presente recurso (toda ela centrada em 
 incidentes de aclaração ou de arguição de nulidades que não proporcionam o 
 exercício cognitivo pleno do poder jurisdicional e toda ela centrada na 
 previsibilidade da aplicação ou interpretação de norma legal inconstitucional) 
 não tem, assim, a menor aplicação ao caso.
 
 9. Com efeito, não só a questão de inconstitucionalidade versada nos autos o foi 
 no âmbito de mecanismo processual que possibilitou ao Tribunal 'a quo', no 
 exercício de plenos poderes de cognição jurisdicional sobre a matéria, a 
 pronúncia sobre a mesma questão, como a oportunidade de o Banco recorrente 
 suscitar a questão que é objecto dos presentes autos só se verificou, pela 
 primeira vez e sem que até então alguma vez se indiciasse a mera possibilidade 
 de a decisão de mérito a proferir se baseasse em interpretação inconstitucional 
 da norma legal em causa.
 
  
 
 10. Neste contexto e mesmo com base na jurisprudência deste Venerando Tribunal, 
 transcrita pelos recorrentes, não pode deixar de concluir-se pela circunstância 
 de o Banco recorrente ter suscitado de modo processualmente adequado (e, 
 diga-se, pelo único meio possível) a questão de inconstitucionalidade que serve 
 de objecto ao presente recurso, com consequente admissibilidade formal deste».
 
  
 
             Cumpre agora decidir.
 
  
 B – Fundamentação
 
  
 
             3 – Tal como o Recorrente definiu o objecto do recurso, este tem por 
 objecto a norma do artigo 43.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 215-B/75, de 30 de 
 Abril, quando interpretada no sentido de consentir a imposição, por via 
 estatutária, de “quoruns” constitutivos superiores ou mais qualificados do que o 
 previsto nesse preceito, por violação do disposto no artigo 55.º, n.º 2, alínea 
 c) e n.º 3, da Constituição.
 
  
 
             3.1 – Tendo sido suscitada questão prévia de inadmissibilidade do 
 recurso, cumpre começar por sindicar se, in casu, podem ter-se por cumpridos 
 todos os requisitos de que depende a possibilidade de conhecer do objecto do 
 recurso.
 
             Vejamos, pois.
 
  
 
             3.1.1 – Constitui requisito do recurso interposto pelo Recorrente 
 que a questão de inconstitucionalidade da norma, efectivamente aplicada como 
 ratio decidendi da decisão recorrida, tenha sido suscitada durante o processo.  
 O sentido deste conceito tem sido esclarecido, por várias vezes, por este 
 Tribunal Constitucional. 
 Assim, por exemplo, no Acórdão n.º 352/94 (publicado no Diário da República II 
 Série, de 6 de Setembro de 1994), disse-se que esse requisito deve ser entendido 
 
 “não num sentido meramente formal (tal que a inconstitucionalidade pudesse ser 
 suscitada até à extinção da instância)”, mas “num sentido funcional”, de tal 
 modo que essa invocação haverá de ter sido feita em momento em que o tribunal a 
 quo ainda pudesse conhecer da questão, “antes de esgotado o poder jurisdicional 
 do juiz sobre a matéria a que (a mesma questão de constitucionalidade) 
 respeita”. 
 Por seu lado, afirma-se, igualmente, no Acórdão n.º 560/94, publicado no Diário 
 da República II Série, de 10 de Janeiro de 1995, que «a exigência de um cabal 
 cumprimento do ónus de suscitação atempada - e processualmente adequada - da 
 questão de constitucionalidade não é [...] “uma mera questão de forma 
 secundária”. É uma exigência formal, sim, mas essencial para que o tribunal 
 recorrido deva pronunciar-se sobre a questão de constitucionalidade para que o 
 Tribunal Constitucional, ao julgá-la em via de recurso, proceda ao reexame da 
 questão (e não a um primeiro julgamento de tal questão». 
 Neste domínio, há a acentuar que, nos processos de fiscalização concreta, a 
 intervenção do Tribunal Constitucional se limita ao reexame ou reapreciação da 
 questão de (in)constitucionalidade que o tribunal a quo apreciou ou devesse ter 
 apreciado. Ainda na mesma linha de pensamento podem ver-se, entre outros, o 
 Acórdão n.º 155/95, publicado no Diário da República II  Série, de 20 de Junho 
 de 1995, e, aceitando os termos dos arestos acabados de citar, o Acórdão n.º 
 
 192/2000, publicado no mesmo jornal oficial, de 30 de Outubro de 2000 - sobre o 
 sentido de um tal requisito, cf. José Manuel Cardoso da Costa, «A jurisdição 
 constitucional em Portugal», separata dos Estudos em Homenagem ao Prof. Afonso 
 Queiró, 2ª edição, Coimbra, 1992, p. 51).
 
 É certo que tal doutrina sofre restrições, como se salientou no Acórdão n.º 
 
 354/94, inédito, mas isso apenas acontece em situações excepcionais ou anómalas, 
 nas quais o interessado não dispôs de oportunidade processual para suscitar a 
 questão de constitucionalidade antes proferida ou não era exigível que o 
 fizesse, designadamente por o tribunal a quo ter efectuado uma aplicação de todo 
 insólita e imprevisível. 
 Usando os termos do recente Acórdão n.º 192/2000, dir-se-á, ainda, que “quem 
 pretenda recorrer para o Tribunal Constitucional com fundamento na aplicação de 
 uma norma que reputa inconstitucional tem, porém, a oportunidade de suscitar a 
 questão de constitucionalidade perante o tribunal recorrido, antes de proferido 
 o acórdão da conferência de que recorre...”. 
 E é claro que não poderá deixar de entender-se que o recorrente tem essa 
 oportunidade quando a apreensão do sentido com que a norma é aplicada numa 
 decisão posteriormente proferida poderá/deverá ser perscrutado no(s) 
 articulado(s) processual(ais) funcionalmente previsto(s) para discretear 
 juridicamente sobre as questões cuja resolução essa decisão tem de ditar, por 
 antecedentemente colocadas, e em que aquele sentido, cuja constitucionalidade se 
 poderá questionar, se apresenta como sendo um dos plausíveis a ser aplicado pelo 
 juiz. 
 Nessa linha, ao encararem ou equacionarem na defesa das suas posições a 
 aplicação das normas, as partes não estão dispensadas de entrar em linha de 
 conta com o facto de estas poderem ser entendidas segundo sentidos divergentes e 
 de os considerar na defesa das suas posições, aí prevenindo a possibilidade da 
 
 (in)validade da norma em face da lei fundamental. 
 Digamos que as partes têm um dever de prudência técnica na antevisão do direito 
 plausível de ser aplicado e, nessa perspectiva, quanto à sua conformidade 
 constitucional. O dever de suscitação da inconstitucionalidade durante o 
 processo e pela forma adequada enquadra-se dentro destes parâmetros  acabados de 
 definir.
 
  
 
 3.1.2 – Ora, a questão que se põe no caso concreto é a de saber se estamos 
 perante uma dessas situações ditas de anómalas em que o recorrente se deve ter 
 por dispensado do cumprimento do ónus de suscitação.
 A esse propósito importa começar por notar que, de facto, como sustenta o 
 Recorrente, a invocação, expressis verbis, do artigo 43.º do Decreto-Lei n.º 
 
 215-B/75, de 30 de Abril, apenas ocorreu no Acórdão do Supremo Tribunal de 
 Justiça que concedeu provimento ao recurso interposto pelos ora Recorridos.
 Contudo, apesar disso, cremos que a dimensão normativa equacionada pelo 
 Recorrente acaba por corresponder a um sentido possível da decisão recorrida na 
 medida em que o problema jurídico que presidiu à mobilização do critério agora 
 em crise foi colocado pelos ora Recorridos, de forma clara, em sede de alegações 
 para o Supremo.
 De facto, nessas alegações – designadamente na parte em que aí se afirma que “a 
 participação da maioria simples dos associados é exigida quer para a discussão, 
 quer para a deliberação sobre as matérias a que se refere o n.º 1 do art. 15.º 
 
 [dos Estatutos]” e que “tendo o sindicato 8.555 associados em pleno gozo dos 
 seus direitos sindicais, teriam de ter participado e estado na Assembleia Geral 
 pelo menos 4.278 (maioria simples dos associados do R.) e a deliberação teria de 
 ter sido tomada com os votos favoráveis da maioria simples dos votantes” – 
 equaciona-se e controverte-se a existência de um quorum constitutivo para as 
 deliberações em matéria de alteração dos estatutos, bem como se argumenta no 
 sentido desse quórum requerer uma determinada expressão quantitativa.
 E o sentido ínsito em tal afirmação não deixou de ser perscrutado pela 
 argumentação do Recorrente, toda ela esgrimida no sentido de concluir que «da 
 letra e do espírito do art. 18.º, n.º 8, dos Estatutos não se retira que, na 
 Assembleia Geral em causa “teriam de ter participado e estado presentes”, pelo 
 menos 4.278 associados (...) e que a deliberação de alteração estatutária teria 
 de ter sido tomada igualmente com os votos favoráveis da maioria simples dos 
 associados presentes (porque só estes, segundo os recorrentes, participariam na 
 deliberação)».
 Tendo sido colocado ao Supremo Tribunal de Justiça este problema jurídico, não 
 seria de todo surpreendente que o Tribunal pudesse acolher a posição dos ora 
 Recorridos e, assim, a decidir no sentido de exigir, para a deliberação sobre a 
 alteração dos Estatutos, a participação da maioria simples dos associados do 
 sindicato.
 Não se duvida que, prima facie, estava em causa a mobilização – e interpretação 
 
 – das exigências estatutárias quanto a essa matéria – principaliter do artigo 
 
 18.º dos Estatutos, onde se dispõe, no n.º 8, que “para efeitos de discussão e 
 deliberação sobre as matérias a que se refere o n.º 1 do artigo 15.º, basta a 
 participação da maioria simples dos associados, devendo as deliberações ser 
 tomadas igualmente por maioria simples dos votantes” –, todavia, mesmo nessas 
 circunstâncias, não seria descabido hipotizar, preventivamente, a incorrecção do 
 critério normativo previamente gizado pelos então recorrentes e, a posteriori, 
 acolhido pela decisão, aqui, recorrida.
 Em particular, condensando-se a interpretação do artigo 18.º na fixação do 
 quorum reclamado pelos ora Recorridos, podia o Recorrente antecipar a questão de 
 saber se «a exigência contida nesse preceito estatutário “não vai contra a lei 
 ordinária, nem contra a Lei Fundamental, que tradicionalmente consagram um 
 quorum constitutivo para as Assembleias Gerais deliberarem sobre alterações dos 
 Estatutos (arts. 43.º do DL 215-B/75, de 30-4, 175.º, n.º 3, do Código Civil, 
 
 55.º, n.º 2, al. C), da Constituição da república Portuguesa)”».
 Na verdade, bem vistas as coisas, estaria sempre em causa a legitimidade de uma 
 interpretação das normas estatutárias no sentido de impor um determinado quorum 
 para que a Assembleia Geral pudesse deliberar sobre a alteração dos estatutos 
 
 (in casu, como se disse, esse quorum prefigurar-se-ia, na lógica que motivou o 
 recurso para o Supremo, como sendo em número superior a metade dos associados do 
 Sindicato), pelo que  não seria de todo inexigível que o ora Recorrente 
 questionasse a compatibilidade dessa leitura normativa com o disposto no 
 Decreto-Lei n.º 275-B/75 e com a impossibilidade, sub species Constitutionis, de 
 se autorizar ou admitir a constituição de um  “quorum” superior ao que se dispõe 
 nesse diploma, maxime, no seu artigo 43.º, n.º 1.
 Tal asserção decorre, desde logo, do facto de o Recorrente não estar dispensado 
 de considerar a possibilidade do Tribunal, independentemente da bondade jurídica 
 do sustentado pela parte contrária, vir a acolher essa argumentação e a decidir 
 de acordo com ela. Consequentemente, a partir do momento em que se equacionou o 
 estabelecimento de um determinado quorum, e entendendo o Recorrente – como é 
 manifesto que entende – que estaria constitucionalmente vedada a possibilidade 
 de imposição do quorum que o Tribunal veio a fixar, ser-lhe-ia exigível que 
 antecipasse, nas suas contra-alegações, o juízo de inconstitucionalidade que, 
 após a prolação do Acórdão, fez constar do seu pedido de aclaração e reforma.
 No fundo, a questão a controverter não poderia ter-se totalmente por 
 imprevisível ou insólita face à pretensão da contra-parte: será 
 constitucionalmente admissível, face aos princípios da livre organização e de 
 gestão democrática das associações sindicais, a adopção de um critério normativo 
 que imponha um quorum deliberativo superior a 50% dos associados?
 Ora, entendendo o Recorrente que o artigo 43.º, n.º 1, “impedia, por imperativo 
 constitucional, a imposição de um «quorum» deliberativo superior ao fixado 
 naquela mesma norma”, e concretizando-se a adopção da tese da parte contrária na 
 fixação de um quorum bem superior ao que aí vai definido, temos de concluir que 
 o ora Recorrente, nas suas alegações, podia – recte, devia –, na perspectiva do 
 recurso interposto para este Tribunal, ter suscitado a sobredita questão de 
 constitucionalidade. 
 
 É que, como se disse, independentemente da correcção do decidido, foi o 
 Recorrente previamente confrontado com esse sentido possível da decisão e, 
 assim, com a possibilidade do Supremo Tribunal de Justiça adoptar um critério 
 normativo, inquinado – na perspectiva do Recorrente – de inconstitucionalidade.
 Pelo que não podia haver-se dispensado do ónus de prévia suscitação da questão 
 de constitucionalidade.
 
  
 Termos em que a questão prévia suscitada pelos Recorridos deve merecer 
 provimento.
 C – Decisão
 
  
 
 4 – Destarte, em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide não conhecer 
 do objecto do presente recurso.
 Custas pelo recorrente com taxa de justiça que se fixa em 15 UCs.
 
  
 Lisboa, 15 de Novembro de 2005
 
  
 Benjamim Rodrigues
 Paulo Mota Pinto
 Maria Fernanda Palma
 Mário José de Araújo Torres
 Rui Manuel Moura Ramos