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Processo n.º 547/05
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
 
  
 
  
 
  
 
  
 
  
 Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
  
 
  
 
  
 A – Relatório
 
  
 
  
 
  
 
             1 – A., melhor identificado nos autos, recorre para este Tribunal, 
 ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82 de 15 de Novembro 
 
 (“LTC”), pretendendo ver sindicada, por violação dos artigos 28.º, n.º 1, e 
 
 32.º, nos 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa, a 
 
 “inconstitucionalidade das normas ínsitas nos artigos 202º, 254º, 257º, e 141º, 
 nº 4, todos do CPP, com a interpretação (...) [de] que, não tendo o arguido sido 
 detido em flagrante delito, lhe pode ser imposta a prisão preventiva, quando o 
 processo se encontra com julgamento realizado, mas a decisão ainda sem trânsito 
 em julgado, sem que previamente o arguido seja sujeito a interrogatório judicial 
 pelo tribunal competente, interrogatório onde se respeitem as regras previstas 
 no artigo 141º, n.º 4 do CPP e, após tal interrogatório, a detenção, desde o 
 inicio, classificada de prisão preventiva, seja fundadamente validada”.
 
  
 
  
 
             2 – Perscrutando os autos, colhe-se, com relevância para o presente 
 recurso, que:
 
  
 
 2.1 – O Recorrente foi condenado como autor de um crime de tráfico de 
 estupefacientes agravado, previsto e punido pelos artigos 21º, nº 1, e 24º, 
 alínea h), do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, no processo nº 
 
 4273/00.0TDPRT, da 1ª Vara de Competência Mista de Coimbra, na pena de 10 anos 
 de prisão;
 
 - Dessa decisão foi interposto recurso para a Relação de Coimbra, que por 
 acórdão de 29-9-2004, confirmou a pena imposta;
 
 - O Recorrente interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, que se 
 encontra pendente;
 
 - O Recorrente fora condenado na pena de 10 anos e 6 meses de prisão, e 45 dias 
 de multa à taxa diária de 250$00, na Vara de Competência Mista de Braga, pena 
 que englobou outras penas, aplicadas noutros processos;
 
 - Porque em 26-3-2005 atingiu os 5/6 dessa pena, o Relator do processo em 
 recurso no Supremo Tribunal proferiu despacho, datado de 16-3-2005, a ordenar 
 que o arguido, preso no Estabelecimento Prisional de Paços de Ferreira, fosse 
 desligado do processo da Vara Mista de Braga e colocado à ordem daquele 
 processo, em situação de prisão preventiva, com o fundamento de receio de 
 continuação da actividade criminosa;
 
 - Em 24-3-2005, o Recorrente reagiu a esse despacho, com o fundamento de que não 
 foi preso em flagrante delito nem sujeito previamente a interrogatório judicial, 
 peticionando a sua imediata libertação a partir das 6h30 do dia 26 de Março, por 
 ficar numa situação de detenção, impossível de mudar para prisão preventiva nas 
 
 48 horas seguintes (fls. 22);
 
 - Durante as férias judiciais da Páscoa, o Exmo. Conselheiro de turno solicitou 
 ao Tribunal Judicial de Marco de Canavezes (juiz de turno com competência sobre 
 a comarca de Paços de Ferreira, onde se situa o Estabelecimento Prisional no 
 qual o Recorrente se encontrava preso) a audição do mesmo «sobre as 
 circunstâncias que entenda opor à necessidade da decretada medida de coacção de 
 prisão preventiva», tendo o Recorrente sido ouvido pelo Magistrado Judicial;
 
 - O Exmo. Conselheiro de turno, por despacho de 28-3-2005, indeferiu o 
 requerimento apresentado em 24-3-2005, tendo aí consignado a legalidade da 
 aplicação da prisão preventiva;
 
 - O Recorrente encontra-se preso preventivamente à ordem deste processo desde 
 
 26-3-2005;
 
 - Em 7-4-2005, o Recorrente deduziu providência de habeas corpus, tendo arguido, 
 em requerimento superveniente, a inconstitucionalidade da “interpretação (...) 
 dos artigos 202.º, 254.º e 257.º do CPP, no sentido de que a prisão preventiva 
 pode ser aplicada desde que por despacho judicial sem que tenha ocorrido 
 interrogatório judicial prévio respeitando a previsão do artigo 141.º, n.º 4, do 
 CPP, por violação dos artigos 28.º, n.º 1 e 32.º, n.ºs 1 e 2, ambos da CRP”;
 
 - Por Acórdão de 13 de Abril de 2005, o Supremo Tribunal de Justiça decidiu 
 indeferir o pedido de habeas corpus.
 
  
 
  
 
 2.2 – Inconformado, o Recorrente argui a nulidade de tal decisão invocando, 
 inter alia, a omissão de pronúncia quanto à inconstitucionalidade arguida.
 O Supremo Tribunal de Justiça, por Acórdão de 1 de Junho de 2005, decidiu, 
 quanto a essa matéria, que:
 
  
 
 “(...) omissão de pronúncia sobre a arguida inconstitucionalidade
 No que tange a esta questão alguma razão assiste ao Recorrente, não por 
 desatenção dos juízes que subscreveram o acórdão, mas porque o Recorrente não 
 levantou a questão da inconstitucionalidade no requerimento de habeas corpus e 
 sim em requerimento superveniente, apresentado em 5-4-2005, que, por lapso da 
 secretaria, só foi junto a estes autos já depois de proferido o acórdão.
 Independentemente de se poder questionar a bondade, e quiçá a legalidade, da 
 prática de os interessados virem suscitar questões de inconstitucionalidade em 
 requerimentos supervenientes, para esse fim exclusivo apresentados, depois de 
 dirigirem as suas petições ao tribunal, sem justificação para tal, iremos 
 apreciar se ocorre a arguida inconstitucionalidade de alguns preceitos do Código 
 de Processo Penal, extraindo daí as necessárias consequências processuais.
 O requerimento de arguição de inconstitucionalidade tem a seguinte redacção:
 
  
 
 «Desde já, e por mera cautela, arguir a inconstitucionalidade da interpretação 
 que vem sendo feita nos autos-mãe dos artigos 202º, 254º e 257º do Código de 
 Processo Penal, no sentido de que a prisão preventiva pode ser aplicada, desde 
 que, por despacho judicial, sem que tenha ocorrido interrogatório judicial 
 prévio respeitando a previsão do artigo 141º, nº 4 do CPP, por violação dos 
 artigos 28º, nº 1, e 32º, nºs 1 e 2, ambos da CRP.»
 
  
 O artigo 202º do Código de Processo Penal estabelece o quadro legal de casos de 
 admissibilidade da prisão preventiva e da sua substituição por internamento 
 preventivo.
 O artigo 254º estabelece as finalidades da detenção (apresentação ao juiz no 
 prazo de 48 horas para julgamento sob a forma sumária, para primeiro 
 interrogatório judicial ou aplicação ou execução de uma medida de coacção, ou 
 para assegurar a presença imediata ou no mais curto prazo sem nunca exceder 24 
 horas, do detido perante a autoridade judiciária em acto processual).
 O artigo 257º regula a detenção fora de flagrante delito, por mandado do juiz, 
 do Ministério Público ou das autoridades de polícia criminal.
 O artigo 141º, nº 4, refere-se ao primeiro interrogatório judicial de arguido 
 detido, destinando-se a verificar se existem os requisitos legais justificativos 
 da detenção, da prisão preventiva ou da substituição dessa por outra medida e 
 ainda a informar o arguido dos direitos que lhe assistem e dos motivos da 
 detenção.
 O artigo 28º, nº 1, da Constituição preceitua que a detenção será submetida no 
 prazo máximo de quarenta e oito horas a apreciação judicial, para restituição à 
 liberdade ou imposição de medida de coacção adequada, devendo o juiz conhecer 
 das causas que a determinaram e comunicá-las ao detido, interrogá-lo e dar-lhe 
 oportunidade de defesa.
 O nº 1 do artigo 32º preceitua que o processo criminal assegura todas as 
 garantias de defesa, incluindo o recurso. O nº 2 dispõe que todo o arguido se 
 presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo 
 ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa.
 
  
 Do acórdão que decidiu a providência de habeas corpus considerou-se que se o 
 arguido for preso preventivamente quando já estiver com culpa formada, 
 encontrando-se o processo na fase de marcação do julgamento ou com este; 
 realizado sem trânsito em julgado da condenação, tendo-lhe sido dadas 
 possibilidades de se defender da imputação fáctica e jurídica que constitui o 
 pressuposto da ordem de prisão, já não faz sentido a validação da prisão 
 preventiva após interrogatório judicial.
 Dele não consta a desnecessidade de audição do arguido para poder ficar preso 
 preventivamente (o arguido foi ouvido «sobre as circunstâncias que entenda opor 
 
 à necessidade da decretada medida de coacção de prisão preventiva») e tão-só a 
 desnecessidade de um despacho de validação da prisão, nos casos como o dos 
 autos, em que o arguido estava e continuou preso. Todavia, sempre se consignará 
 que, como consta do despacho de fls. 50, referido no acórdão, houve uma tomada 
 de posição sobre a prisão preventiva, após aquela audição, considerando-se que a 
 mesma não era ilegal.
 Em suma, entende-se que nesses casos, que não correspondem ao comum das 
 situações em que os arguidos estando em liberdade são detidos fora de flagrante 
 delito, sendo ordenada, após a condenação não transitada, a prisão preventiva, 
 em despacho devidamente fundamentado e passível de recurso, não se torna 
 necessário um despacho posterior de validação da prisão.
 De qualquer forma, ainda que assim se não entenda, sempre seria de considerar 
 que, no caso, após uma audição do arguido, foi proferida decisão no sentido de 
 não declarar ilegal a prisão, o que, numa apreciação perfunctória e sem prejuízo 
 do que vier a ser decidido em sede impugnação desse despacho, parece satisfazer 
 minimamente as exigências legais sobre a imposição da medida de coacção de 
 prisão preventiva.
 O entendimento descrito não conflitua assim com o disposto nos artigos 28º, nº 
 
 1, e 32º, nºs 1 e 2, da Constituição. 
 Daí que a interpretação que da lei foi feita não viole a Constituição, 
 considerando-se suprida a referida omissão”.
 
  
 
  
 
 3 – Novamente inconformado, o arguido interpôs, nos termos supra referidos, 
 recurso para este Tribunal, alegando que:
 
  
 
 “(...)
 
 1 - Vem o presente recurso interposto do acórdão do STJ, por se reputarem 
 inconstitucionais as normas dos artigos 202º, 254º, 257º e 141º, nº 4, todos do 
 CPP, quando aplicados com a interpretação e o alcance dados àqueles normativos 
 por aquele Venerando Tribunal.
 
  
 
 2 - A situação ocorrida foi a seguinte:
 Ao Recorrente foi imposta a prisão preventiva, sem interrogatório judicial 
 prévio, e tendo reclamado de tal comportamento, foi determinada deprecada a 
 tribunal sem competência para interrogatório judicial tendente à validação de 
 detenção, vicio arguido oportunamente, interrogatório, não nos termos do artigo 
 
 141º, nº 4 do CPP, mas com a finalidade especifica de ser interrogado sobre as 
 circunstâncias que entenda opor à necessidade da decretada medida de coacção de 
 prisão preventiva, sendo que, posteriormente, a detenção não veio a ser 
 validada.
 
 3 - Segundo a decisão recorrida, tal poderia acontecer, porquanto em casos 
 similares ao do Recorrente, em que já houve culpa formada e mesmo julgamento em 
 
 1ª e 2ª Instância, não se toma necessário um despacho posterior de validação da 
 prisão.
 
 4 - A lei ordinária é clara no sentido de que a prisão preventiva, na sequência 
 de detenção fora de flagrante delito, só pode ser imposta após interrogatório 
 judicial onde sejam dadas todas as garantias de defesa ao arguido e após a 
 constatação da verificação dos requisitos previstos no artigo 202º do CPP.
 
 5 - E isto, em emanação do artigo 28º, nº 1 da CRP sob a epígrafe 'Prisão 
 preventiva': A detenção será submetida, no prazo máximo de quarenta e oito 
 horas, a apreciação judicial, para restituição à liberdade, ou imposição de 
 medida de coacção adequada, devendo o juiz conhecer das causas que a 
 determinaram e comunicá-las ao detido, interrogá-lo e dar-lhe oportunidade de 
 defesa.
 
 6 - Comentando tal normativo, aduz-se em publicação dada à estampa em Março 
 
 último, (Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, Jorge Miranda - Rui Medeiros, 
 págs.317-319):
 I - Apesar da sua epígrafe, este artigo contém a regulamentação especial da 
 privação da liberdade - detenção e prisão preventiva - no âmbito do processo 
 penal [artigo 27º, nº3, alíneas a) e b )], sendo ainda aplicável, mutatis 
 mutandis, aos casos de detenção e prisão para efeitos de expulsão ou extradição 
 
 [artigo 27º, nº 3, alínea c)].
 II - A primeira exigência que nela se faz é a da chamada validação judicial da 
 detenção.
 Tal exigência não é ou, pelo menos, não é essencialmente um corolário ou aspecto 
 da reserva de jurisdição em matéria de privação da liberdade, por forma a 
 limitar uma privação da liberdade administrativa, maxime, policial (v., no 
 entanto, GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição..., pág. 189; Acórdão nº 
 
 565/03). É que, ainda que a detenção tenha sido ordenada pelo próprio juiz, 
 mantém-se a exigência constitucional de validação. Assim, neste domínio pode 
 dizer-se que “toda a privação da liberdade tem de ser ordenada e confirmada 
 judicialmente; ou ordenada por autoridade legalmente competente e confirmada 
 judicialmente” (v. CAVALEIRO DE FERREIRA, Curso..., 1º, 1986, pág. 261).
 A finalidade essencial da apresentação do detido perante um juiz - sem a qual a 
 privação da liberdade não perde a precariedade, temporal como substancial, 
 própria da detenção - é 'que os riscos de uma privação ilegal da liberdade sejam 
 reduzidos ao mínimo possível' (Acórdão nº 607/03 do Tribunal Constitucional) 
 seja quem for que tiver procedido ou ordenado a detenção.
 E essa opção mostra-se simultaneamente compreensível e significativa se se 
 atentar que ela co-envolve a exigência de dar ao detido oportunidade de defesa. 
 Sem isso, mesmo uma privação da liberdade ordenada judicialmente não perde a 
 especial precariedade da detenção, que, afinal de contas, será mera medida 
 cautelar, tomada por razões de urgência inadiável.
 III - A submissão da detenção à apreciação judicial dar-se-á, por exigência 
 constitucional, 'no prazo máximo de quarenta e oito horas'.
 Na expressão “prazo máximo”, o essencial está no adjectivo. Não se trata, 
 propriamente, de um prazo para privação da liberdade. Trata-se, sim, de um 
 limite máximo para uma apresentação que, atentos os seus fins, dever ser 
 imediata (cfr. Artigo 5º, § 3º, da CEDH). As 48 horas são simplesmente um limite 
 temporal findo o qual o detido terá de ser libertado ainda que não se tenha 
 conseguido o fim da sua apresentação judicial.
 O Tribunal Constitucional já decidiu que o prazo de 48 horas se não reportava, 
 nem à decisão judicial sobre a detenção, nem mesmo ao interrogatório, mas à 
 apresentação ao juiz, pois que, com esta, se dava 'a cessação) de uma situação 
 legal de poder administrativo sobre a pessoa privada da liberdade, mostrando-se, 
 por isso, cumprida a garantia que a norma constitucional pretende consagrar' 
 
 (Acórdão nº 565/03). A interpretação topa, porém, com dificuldades várias. Para 
 além de dificuldades ao nível literal (pois, segundo ela, a detenção não será 
 submetida a apreciação no prazo máximo de 48 horas, como a Constituição exige), 
 estreia-se numa premissa que já se viu não ser de aceitar - a de que a 
 finalidade da validação é a cessação da detenção administrativa - e abre a porta 
 a uma situação de privação de liberdade (entre a apresentação e o interrogatório 
 do arguido) não sujeita a qualquer prazo, o que não é constitucionalmente 
 admissível (Acórdão nº 137/92). Assumindo como premissa que a validação se 
 dirige a uma apreciação judicial já esclarecida, porque realizada depois de se 
 ter dado ao detido oportunidade de defesa, não parece haver outra solução senão 
 a de exigir que, dentro dessas 48 horas, tenha início o interrogatório judicial 
 do detido.
 IV – Na apreciação judicial, para restituição à liberdade ou imposição de medida 
 de coacção adequada, o juiz, depois de conhecer liminarmente das causas da 
 detenção, deve proceder ao acto absolutamente crucial da validação: ouvir o 
 detido.
 Para tanto, deve comunicar ao arguido as causas da detenção (informação que é 
 apenas uma especialização de uma exigência geral a todas as formas de detenção, 
 como se vê pelo artigo 27º, nº 4), interrogá-lo e dar-lhe oportunidade de 
 defesa.
 
 7 - Não tem qualquer sentido, nos tempos que correm afirmar que em fase 
 processual posterior à formação da culpa, a prisão preventiva pode ser imposta 
 sem interrogatório judicial prévio e sem validação posterior.
 
 8 - O instituto da culpa formada deixou de estar inserto no actual CPP e, mesmo 
 na legislação onde estava inserido, por força da linguagem do antigo, foi 
 completamente erradicado a partir de 1997.
 
 9 - É que, se até à revisão constitucional de 1997, tal conceito ainda se 
 encontrava na Constituição, bebido na versão da lei penal adjectiva de 1929, na 
 adaptação da Norma Fundamental à linguagem do CPP de 1987, a partir da Lei 
 Constitucional 1/97, de 20 de Setembro, o artigo 28º, nº 1 da CRP que tinha a 
 seguinte redacção,
 
 1. A prisão sem culpa formada será submetida, no prazo máximo de quarenta e oito 
 horas a decisão judicial de validação ou manutenção, devendo o juiz conhecer das 
 causas da detenção e comunicá-las ao detido, interrogá-lo e dar-lhe oportunidade 
 de defesa.
 
 2. A prisão preventiva não se mantém sempre que possa ser substituída por caução 
 ou por qualquer outra medida mais favorável prevista na lei.
 
 3. A decisão judicial que ordene ou mantenha uma medida de privação da liberdade 
 deve ser logo comunicada a parente ou pessoa da confiança do detido, por este 
 indicados.
 
 4. A prisão preventiva antes e depois da formação da culpa está sujeita aos 
 prazos estabelecidos na lei.
 
  
 passou a ter a seguinte:
 
  
 
 1. A detenção será submetida, no prazo máximo de quarenta e oito horas, a 
 apreciação judicial, para restituição à liberdade ou imposição de medida de 
 coacção adequada, devendo o juiz conhecer das causas que a determinaram e 
 comunicá-las ao detido, interrogá-lo e dar-lhe oportunidade de defesa.
 
 2. A prisão preventiva tem natureza excepcional, não sendo decretada nem mantida 
 sempre que possa ser aplicada caução ou outra medida mais favorável prevista na 
 lei.
 
 3. A decisão judicial que ordene ou mantenha uma medida de privação da liberdade 
 deve ser logo comunicado a parente ou pessoa da confiança do detido, por este 
 indicados.
 
 4. A prisão preventiva está sujeita aos prazos estabelecidos na lei.
 
  
 
 9 - Com se constata, culpa formada deixou de ser conceito utilizado na lei, 
 passando esta a considerar só a detenção e a prisão preventiva. Onde estava 
 exarado a prisão sem culpa formada, passou a estar a detenção e onde se exarava 
 antes e depois da formação da culpa, pura e simplesmente, foi suprimido.
 
 10 - Posteriormente, na adaptação da lei ordinária à nova redacção do artigo 28º 
 da CRP, foi aditado um nº 2 ao artigo 254º do CPP, passando o artigo a ter a 
 seguinte redacção:
 
 1 - A detenção a que se referem os artigos seguintes é efectuada:
 a) Para, no prazo máximo de quarenta e oito horas, o detido ser apresentado a 
 julgamento sob forma sumária ou ser presente ao juiz competente para primeiro 
 interrogatório judicial ou para aplicação ou execução de uma medida de coacção; 
 ou 
 b) Para assegurar a presença imediata ou, não sendo possível, no mais curto 
 prazo, mas sem nunca exceder vinte e quatro horas, do detido perante a 
 autoridade judiciária em acto processual
 
 2 - O arguido detido fora de flagrante delito para aplicação ou execução da 
 medida de prisão preventiva é sempre apresentado ao juiz, sendo 
 correspondentemente aplicável o disposto no artigo 141º
 Pelo que, em conclusão:
 Devem ser julgadas inconstitucionais as normas ínsitas nos artigos 202º, 254º, 
 
 257º e 141º, nº 4, todos do CPP, quando interpretadas e aplicadas nos termos com 
 que o foram na decisão recorrida, isto é, no sentido de que o STJ pode aplicar a 
 medida coactiva da prisão preventiva, em casos de detenção fora de flagrante 
 delito, após a culpa formada, sem interrogatório judicial prévio, com obediência 
 ao formalismo do aludido artigo 141º, nº 4 do CPP, mas com interrogatório 
 serôdio de finalidade específica deprecado a tribunal incompetente, sem que 
 tenha havido validação posterior, ponderando a verificação dos requisitos 
 daquele primeiro normativo”.
 
  
 
  
 
  
 
             4 – Por sua vez, o Representante do Ministério Público junto deste 
 Tribunal pugnou pela improcedência do recurso, sintetizando o seu entendimento 
 nas seguintes conclusões:
 
  
 
             “(...)
 
 1 - A decisão recorrida não produziu qualquer interpretação normativa que tenha 
 violado normas e princípios constitucionais relativos às garantias de defesa do 
 arguido em processo penal e à prisão preventiva.
 
  
 
 2 - A decisão que determinou a colocação do arguido na situação de prisão 
 preventiva à ordem de um processo já com sentença condenatória, proferida em 1ª 
 instância, foi emitida por autoridade judicial competente, tendo observado a sua 
 natureza excepcional e subsidiária, constitucionalmente consagrada, bem como os 
 requisitos inerentes à aplicação da medida, não se encontrando excedidos os 
 prazos legalmente estabelecidos.
 
  
 
 3 - Termos em que não deverá proceder o presente recurso”.
 
  
 
  
 
  
 
             Cumpre agora julgar.
 
  
 
  
 
  
 
  
 B – Fundamentação
 
  
 
  
 
  
 
 5 – Objecto do recurso e parâmetros constitucionais.
 
  
 
             5.1 – Como se disse, o Recorrente definiu o objecto do recurso em 
 torno do critério normativo extraído “das normas ínsitas nos artigos 202º, 254º, 
 
 257º, e 141º, n.º 4, todos do CPP, com a interpretação (...) [de] que, segundo o 
 qual não tendo o arguido sido detido em flagrante delito, lhe pode ser imposta a 
 prisão preventiva, quando o processo se encontra com julgamento realizado, mas a 
 decisão ainda sem trânsito em julgado, sem que previamente o arguido seja 
 sujeito a interrogatório judicial pelo tribunal competente, interrogatório onde 
 se respeitem as regras previstas no artigo 141º, n.º 4 do CPP e, após tal 
 interrogatório, a detenção, desde o inicio, classificada de prisão preventiva, 
 seja fundadamente validada”.    
 
             Cumpre, todavia, notar que o Recorrente, ao concluir as suas 
 conclusões, introduz algumas nuances na forma como previamente definiu o objecto 
 do recurso, alegando aí que “devem ser julgadas inconstitucionais as normas 
 
 ínsitas nos artigos 202º, 254º, 257º e 141º, n.º 4, todos do CPP, quando 
 interpretadas e aplicadas nos termos com que o foram na decisão recorrida, isto 
 
 é, no sentido de que o STJ pode aplicar a medida coactiva da prisão preventiva, 
 em casos de detenção fora de flagrante delito, após a culpa formada, sem 
 interrogatório judicial prévio, com obediência ao formalismo do aludido artigo 
 
 141º, nº 4 do CPP, mas com interrogatório serôdio de finalidade específica 
 deprecado a tribunal incompetente, sem que tenha havido validação posterior, 
 ponderando a verificação dos requisitos daquele primeiro normativo (negrito 
 aditado)”.
 
             Há, pois, que referir, estando o Tribunal Constitucional vinculado à 
 consideração do critério normativo que constitui a ratio decidendi do juízo 
 recorrido e sindicando apenas a constitucionalidade de normas – que não de 
 decisões –, que não lhe cabe estar, aqui, a apurar se o tribunal onde o arguido 
 foi ouvido é ou não o tribunal competente, e, por isso, tendo o Supremo Tribunal 
 de Justiça justificado a competência de tal Tribunal, não é este recurso a sede 
 apropriada para dirimir tal questão. 
 Por outro lado, mutatis mutandis, o mesmo deve dizer-se no que importa ao 
 abandono, nas conclusões das alegações, do elemento integrante da hipótese 
 normativa antes definida, relativo à validação da prisão preventiva após audição 
 do arguido, constante do requerimento de interposição.
 Assim, irá considerar-se como sendo objecto do recurso a norma tal qual foi 
 enunciada no requerimento de interposição.
 
  
 
 5.2 – Considerados de per se, os artigos do Código de Processo Penal onde o 
 Recorrente faz radicar o critério normativo sindicando têm a seguinte redacção:
 
  
 
             “Artigo 141.º (Primeiro interrogatório judicial de arguido detido)
 
             1 – (...).
 
             2 – (...).
 
             3 – (...).
 
             4 – Seguidamente, o juiz informa o arguido dos direitos referidos no 
 artigo 61.º, n.º 1, explicando-lhos se isso parecer necessário, conhece dos 
 motivos da detenção, comunica-lhos e expõe-lhe os factos que lhe são imputados.
 
             5 – (...).”
 
  
 
             “Artigo 202.º (Prisão Preventiva)
 
             1 – Se considerar inadequadas ou insuficientes, no caso, as medidas 
 referidas nos artigos anteriores, o juiz pode impor ao arguido a prisão 
 preventiva quando:
 
             a) Houver fortes indícios da prática de crime doloso punível com 
 pena de prisão de máximo superior a três anos; ou
 
             b) Se tratar de pessoa que tiver penetrado ou permaneça 
 irregularmente em território nacional, ou contra a qual estiver em curso 
 processo de extradição ou de expulsão.
 
             2 – Mostrando-se que o arguido a sujeitar a prisão preventiva sofre 
 de anomalia psíquica, o juiz pode impor, ouvido o defensor e, sempre que 
 possível um familiar, que, enquanto a anomalia persistir, em vez da prisão tenha 
 lugar internamento preventivo em hospital psiquiátrico ou outro estabelecimento 
 análogo adequado, adoptando as cautelas necessárias para prevenir os perigos de 
 fuga e de cometimento de novos crimes”.
 
  
 
             Artigo 254.º (Finalidades [da detenção])
 
             1 – A detenção a que se referem os artigos seguintes é efectuada:
 
             a) Para, no prazo máximo de quarenta e oito horas, o arguido ser 
 apresentado a julgamento sob forma sumária ou ser presente ao juiz competente 
 para primeiro interrogatório judicial ou para aplicação ou execução de uma 
 medida de coacção; ou
 
             b) Para assegurar a presença imediata ou, não sendo possível, no 
 mais curto prazo, sem nunca exceder vinte e quatro horas, do detido perante a 
 autoridade judiciária em acto processual.
 
             2 – O arguido detido fora de flagrante delito para a aplicação ou 
 execução da medida de prisão preventiva é sempre apresentado ao juiz, sendo 
 correspondentemente aplicável o disposto no artigo 141.º.”
 
  
 
             Artigo 257.º (Detenção fora de flagrante delito)
 
             1 – Fora de flagrante delito, a detenção só pode ser efectuada por 
 mandado do juiz ou, nos casos em que for admissível prisão preventiva, do 
 Ministério Público.
 
             2 – As autoridades de polícia criminal podem também ordenar a 
 detenção fora de flagrante delito, por iniciativa própria, quando:
 
             a) Se tratar de caso em que é admissível a prisão preventiva;
 
             b) Existirem elementos que tornem fundado o receio de fuga; e
 
             c) Não for possível, dada a situação de urgência e de perigo na 
 demora, esperar pela intervenção da autoridade judiciária.”
 
  
 
             5.3 – Por sua vez, os parâmetros constitucionais invocados dispõem 
 que:
 
  
 
             “Artigo 28.º (Prisão preventiva)
 
             1 – A detenção será submetida, no prazo máximo de quarenta e oito 
 horas, a apreciação judicial, para restituição à liberdade ou imposição de 
 medida de coacção adequada, devendo o juiz conhecer das causas que a 
 determinaram e comunicá-las ao detido, interrogá-lo e dar-lhe oportunidade de 
 defesa.
 
             2 – (...).
 
             3 – (...).
 
             4 – (...).”
 
             
 
             “Artigo 32.º (Garantias de processo criminal)
 
             1 – O processo criminal assegura todas as garantias de defesa, 
 incluindo o recurso.
 
             2 – Todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da 
 sentença de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo possível 
 compatível com as garantias de defesa.
 
             3 – (...).
 
             4 – (...).
 
             5 – (...).
 
             6 – (...).
 
             7 – (...).
 
             8 – (...).
 
             9 – (...).
 
             10 – (...).”
 
  
 
  
 
  
 
             6 – A aplicação da medida de coacção de prisão preventiva e o artigo 
 
 141.º, n.º 4, do Código de Processo Penal.
 
  
 
             6.1 – Tal como emerge da delimitação do objecto do recurso efectuada 
 pelo Recorrente, o thema decidendum que se impõe a este Tribunal considerar 
 prende-se, no essencial, com a questão de saber se, existindo já uma condenação 
 
 – ainda que não transitada em julgado – se impõe, ex constitutionis, para a 
 aplicação da medida de coacção da prisão preventiva, o prévio interrogatório do 
 arguido de modo a que o juiz o possa “informa[r] (...) dos direitos referidos no 
 artigo 61.º, n.º 1, explicando-lhos se isso parecer necessário, conhece[r] dos 
 motivos da detenção, comunic[á-los] e expor[-lhe] os factos que lhe são 
 imputados” (artigo 141.º, n.º 4, do Código de Processo Penal).
 
             Vejamos pois.  
 O sentido tutelar e a intencionalidade específica da norma do artigo 141.º do 
 Código de Processo Penal – maxime, do seu n.º 4 – foram já excogitados em 
 diversos arestos deste Tribunal.
 De entre esses arestos, pode aqui subscrever-se, na íntegra, o que ficou 
 consignado no Acórdão n.º 607/2003 (publicado no Diário da República II Série, 
 de 5 de Dezembro de 2003).
 Aí se disse que:
 
  
 
        “ (...) a Constituição reconhece ao detido o direito de se defender 
 durante o interrogatório feito pelo juiz das razões que determinam a sua 
 detenção. Sendo assim, o interrogatório está predestinado essencialmente para o 
 arguido apresentar, de viva voz ou por escrito, a sua defesa.
 
             Como é evidente, a comunicação das razões de detenção ao apresentado 
 terá de ser feita pelo juiz com observância do princípio de presunção de 
 inocência consagrado no art. 32º, n.º 2 - primeira parte - da CRP, de acordo com 
 o qual “todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da 
 sentença de condenação”.
 
             A intervenção do juiz que se encontra desenhada no art. 28º, n.º 1, 
 da CRP encontra-se toda ela orientada para a salvaguarda do direito fundamental 
 do arguido à liberdade, intentando obviar à manutenção de qualquer situação de 
 detenção ilegal.
 
             Por outro lado, mesmo em face do figurino de processo penal vigente, 
 em que a investigação realizada durante o processo de inquérito corre sob o 
 imperium quase exclusivo do Ministério Público, dado que apenas se ressalvam os 
 actos a que aludem os arts. 268º e 269º do CPP, a intervenção do juiz, em tal 
 momento processual, busca a sua razão de ser na necessidade de se assegurar o 
 respeito, por um órgão independente, dos direitos fundamentais, sejam do 
 arguido, sejam de outros sujeitos do processo, sejam até de terceiros. Nesta 
 perspectiva, a intervenção do juiz é essencialmente garantística, visando 
 acautelar a realização e defesa dos direitos fundamentais. Poder-se-á, assim, 
 dizer com o Recorrente que o juiz de instrução desempenha a função, no 
 interrogatório do arguido detido [como em outros actos do inquérito], de “Juiz 
 das Garantias”.
 
             É aquela a normatividade constitucional que o legislador ordinário 
 quis importar para o art. 141º, nos 1, 4 e 5.
 
             Atendo-nos, em razão da utilidade para a decisão, ao prescrito 
 nestes dois últimos números, cabe notar que no n.º 4 se determina:
 
             «Seguidamente, o juiz informa o arguido dos direitos referidos no 
 art. 61º, n.º 1, explicando-lhos se isso parecer necessário, conhece dos motivos 
 da detenção, comunica-lhos e expõe-lhe os factos que lhe são imputados».
 
             Entre os direitos do arguido enunciados no n.º 1 do art. 61º do CPP, 
 a que alude o preceito, e com relevo para a apreciação da questão, contam-se os 
 de “estar presente aos actos processuais que directamente lhe disserem 
 respeito”; “ser ouvido pelo tribunal ou pelo juiz de instrução sempre que eles 
 devam tomar qualquer decisão que pessoalmente o afecte” e “não responder a 
 perguntas feitas, por qualquer entidade, sobre factos que lhe forem imputados e 
 sobre o conteúdo das declarações que acerca deles prestar”.
 
             Prevenindo a possibilidade de o arguido querer prestar declarações, 
 quando interrogado pelo juiz sobre esse seu direito, dispõe o referido n.º 5 do 
 art. 141º do CPP:
 
             «Prestando declarações, o arguido pode confessar ou negar os factos 
 ou a sua participação neles e indicar as causas que possam excluir a ilicitude 
 ou a culpa, bem como quaisquer circunstâncias que possam relevar para a 
 determinação da sua responsabilidade ou medida de sanção».
 
             Num processo penal decantado sobre os princípios do respeito pela 
 dignidade da pessoa humana, do direito de audiência ou de interrogatório do 
 arguido e do asseguramento de todas as garantias de defesa, todos eles 
 constitucionalmente reconhecidos, o arguido - e cabe acentuar que o detido ao 
 abrigo do art. 257º, n.º 1, do CPP, como foi o caso, fica, logo, pelo facto de 
 ser  detido, constituído arguido nos termos do art. 58º, n.º 1, alínea c), do 
 CPP - é sujeito e não objecto do processo e isso, como já o escrevia Figueiredo 
 Dias, antes da Constituição de 1976 e sob a vigência do CPP29, “significa, em 
 geral, ter de se [lhe] assegurar [...] uma posição jurídica que lhe permita uma 
 participação constitutiva na declaração do direito do caso concreto, através da 
 concessão de autónomos direitos processuais, legalmente definidos, que hão-de 
 ser respeitados por todos os intervenientes do processo (Direito Processual 
 Penal, Coimbra, 1974, p. 429). Nas palavras do Autor acabado de citar, o 
 estatuto jurídico fundamental do arguido é “o estatuto próprio de um sujeito 
 processual sempre armado com o seu «direito de defesa», mas que pode também 
 sempre, embora só dentro de um âmbito rigorosamente delimitado por lei, servir 
 de «meio de prova» [será meio de prova, nos termos do Autor, quando o arguido 
 preste declarações sobre os factos e quando seja objecto de exames] e ser 
 
 «objecto de medidas coactivas»”.
 
  O interrogatório do arguido não pode deixar, assim, de ter sempre presente que 
 o mesmo é um sujeito processual “armado com o seu direito de defesa”.
 Relativamente a este momento escreveu Germano Marques da Silva (‘Sobre a 
 liberdade no processo penal ou do culto da liberdade como componente essencial 
 da prática democrática’, em Liber discipulorum para Figueiredo Dias, Coimbra, 
 
 2003, p.1371/1372):
 
 «Deve explicitar-se que o interrogatório é um meio de defesa e por isso o 
 arguido deve ser perguntado sobre todos os elementos de facto relevantes para a 
 decisão de modo a dar-lhe oportunidade de defesa. [...]. O interrogatório é, 
 como referimos já, essencialmente um meio de defesa do arguido, mas é um meio de 
 defesa condicionado às comunicações e perguntas do juiz, porque o arguido, em 
 regra, só conhece os factos que lhe são imputados e os indícios da sua 
 responsabilidade através da comunicação e das perguntas que lhe são feitas no 
 acto do interrogatório. Quando o processo é apresentado ao juiz para aplicação 
 de uma medida de coacção, na avaliação que o Ministério Público faz dos indícios 
 de prova recolhidos nos autos, estão já reunidos nos autos os elementos que 
 indiciam a responsabilidade do arguido e os pressupostos da medida de coacção 
 cuja aplicação o Ministério Público promove. O juiz confronta o arguido com 
 esses elementos indiciários, dando-lhe a oportunidade de os confirmar ou 
 refutar, mas o arguido está só, em regra, sem quaisquer elementos auxiliares de 
 memória e incapacitado de no momento fornecer quaisquer elementos probatórios 
 susceptíveis de ilidir os indícios recolhidos [...]».
 E o mesmo Autor já anteriormente dissera (Curso de Processo Penal, II, edição 
 Verbo, 2002, p. 185) que
 
 «na prática frequente dos nossos tribunais não é dado cumprimento ao disposto no 
 n.º 4 do art. 141º, o que constitui irregularidade. Antes de iniciar o 
 interrogatório sobre os factos imputados ao arguido, o juiz deve expor-lhos, 
 pois, como dissemos, o arguido só pode defender-se conhecendo a imputação».
 
  
 Por seu lado, Jorge Figueiredo Dias (op. cit., p. 442/443), depois de contestar 
 a vantagem em considerar certos interrogatórios do arguido como 
 predominantemente meios de defesa e outros como predominantemente meios de 
 prova, como alguma doutrina pensava no domínio do CPP29, defende, em termos que 
 são transponíveis para o actual regime de processo penal, que “[...] qualquer 
 dos interrogatórios tem de ser revestido de todas as garantias devidas ao 
 arguido como sujeito do processo - e constitui, nessa medida e naquela outra que 
 tem de respeitar a inteira liberdade de declaração do arguido, uma expressão do 
 seu direito de defesa ou, se quisermos, um meio de defesa. Mas também qualquer 
 dos interrogatórios visa contribuir para o esclarecimento da verdade material, 
 podendo nessa medida legitimamente reputar-se um meio de prova».
 
  
 Nesta perspectiva, a comunicação das razões da detenção, ou, na linguagem do 
 art. 141º, n.º 4, do CPP, a “exposição dos factos” que densificam os motivos da 
 detenção de que o juiz conhece hão-de ter, como se diz no referido Acórdão n.º 
 
 416/03, «a concretização necessária a que um inocente possa ficar ciente dos 
 comportamentos materiais que lhe são imputados e da sua relevância 
 jurídico-criminal, por forma a que lhe seja dada “oportunidade de defesa” (art. 
 
 28º, n.º 1, da CRP)».
 Só desta forma a oportunidade de defesa será uma oportunidade efectiva e eficaz, 
 como é demandado também pela garantia fundamental do acesso aos tribunais 
 consagrada no art. 20º da CRP, aqui para defesa dos direitos e interesses 
 próprios do arguido. No domínio da factualidade ou da materialidade factual, o 
 exercício do direito de defesa, concretizável no exercício do direito de 
 contraditório, só será possível se ao arguido for dado conhecimento dos factos 
 materiais em que se consubstanciam as razões fácticas [ou histórico-fácticas] em 
 que se apoia, ou, para usar os termos constitucionais, que determinam a 
 detenção.
 
  (...)”.
 
  
 Ora, como resulta desta jurisprudência – cuja bondade aqui se reitera –, o 
 cumprimento dos requisitos constantes do artigo 141.º, n.º 4, do Código de 
 Processo Penal, reveste-se de uma importância funcional-garantística que é 
 essencial para o exercício das garantias de defesa do arguido no âmbito do 
 primeiro interrogatório judicial do arguido detido.
 Só respeitando esses standards garantísticos se possibilitará que o arguido 
 fique a conhecer os motivos da sua detenção e os factos que lhe são imputados e 
 só assim poderá o arguido exercer um “contraditório” quanto à realidade com que 
 
 é confrontado.
 A intenção prático-normativa da norma, compreendida na sua teleologia 
 fundamentante, está desenhada, primordialmente, em função do momento processual 
 em que importa, por obediência ao comando constitucional, dar a conhecer ao 
 arguido os factos imputados e os motivos pelos quais, em razão dessa 
 factualidade, é apresentado perante o juiz e propiciar-lhe a oportunidade de os 
 poder contraditar. 
 Nisso reside a ratio essendi da norma constante do artigo 28.º, n.º 1, da Lei 
 fundamental, tornando-se particularmente evidente, nesta sede, que o legislador 
 constituinte pretendeu cingir a privação de liberdade, sem que seja tomada uma 
 posição judicial sobre a legalidade da detenção, a um curto espaço de tempo.
 Ora, na hipótese normativa recortada nos autos, pode considerar-se que a 
 intencionalidade constitucional desse momento e oportunidade processuais já foi 
 totalmente satisfeita. 
 Na verdade, o arguido, independentemente de ter sido ouvido e poder contraditar 
 as razões da sua privação actual de liberdade na fase do inquérito e de poder 
 tomar-se, também, como tal a audiência de julgamento ocorrida no recurso 
 interposto para a Relação, desfrutou de um momento soberano para exercer esse 
 direito, em toda a extensão – a audiência de julgamento em 1ª instância.
 Exigir-se, hoje, a audição do arguido em nome das garantias concedidas pelo 
 preceito constitucional corresponderia a irrelevar juridicamente todo o 
 processo, desenrolado a montante, desconhecendo que o mesmo dispôs dessa 
 oportunidade e de exercer o direito de contraditório ou de defesa em vários 
 momentos processuais.
 A interpretação segundo a qual, uma vez desligado de um processo à ordem do qual 
 cumpria pena, não tem o arguido de ser ouvido sobre os factos por cuja prática 
 já foi julgado e condenado em 1ª e 2ª instâncias, em outro processo que está 
 pendente de recurso no STJ, em nada afronta a garantia constitucional constante 
 do art.º 28º, n.º 1, da Lei fundamental, de o juiz lhe dever dar a conhecer as 
 causas que determinaram a sua prisão preventiva à ordem deste outro processo, de 
 o interrogar e de lhe dar oportunidade de defesa.
 
  
 Deste modo, a questão nuclear que aqui se coloca não se prende, pois, já com a 
 garantia do direito de audição e de defesa sobre os factos que lhe são 
 imputados, mas com a de saber se o direito de audição do arguido sobre a 
 aplicação da medida de coacção de prisão preventiva está sujeito ao prazo 
 estabelecido no mesmo preceito para a submissão da detenção do arguido a 
 apreciação judicial (n.º 1 do artigo 28º, da CRP), de 48 horas, ou se essa 
 audição, porque fundada já numa condenação cujos efeitos estão suspensos apenas 
 por consequência da interposição de um recurso com efeito suspensivo, não está 
 subordinada já às mesmas exigências constitucionais.
 
  
 Ora, há que reconhecer que não importa, para a economia da decisão, enfrentar a 
 segunda questão figurada.
 
  
 Na verdade, o STJ fez equivaler a acto de detenção o acto de desligamento do 
 arguido do processo pelo qual cumpria pena e passou a ficar à ordem de outro 
 processo.
 Seguidamente o arguido foi ouvido sobre as circunstâncias que entendesse 
 necessário opor à decretação da prisão preventiva.
 Nestas circunstâncias, o STJ pode correctamente dizer que o arguido fora ouvido 
 e que não ocorria violação do artº. 28º, nº 1, da Constituição. 
 
  
 Perante um tal quadro fica patente que o critério normativo mobilizado pelo 
 Supremo Tribunal de Justiça não afecta os direitos de defesa do arguido, em 
 qualquer das dimensões que foram invocadas, nem traduz qualquer violação do 
 artigo 28.º, n.º 1, da Lei Fundamental.
 
  
 
  
 
  
 C – Decisão
 
  
 
  
 
  
 
 7 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional julga 
 improcedente o presente recurso.
 Custas pelo Recorrente, com 20 (vinte) Ucs. de taxa de justiça.
 
  
 Lisboa, 4 de Agosto de 2005
 
  
 Benjamim Rodrigues
 Paulo Mota Pinto
 Maria Fernanda Palma
 Mário José de Araújo Torres
 Rui Manuel Moura Ramos