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Processo n.º 729/05 
 
 1.ª Secção
 Relator: Conselheiro Pamplona de Oliveira
 
  
 
  
 
  
 ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
 
  
 
  
 
  
 
 1.          A. reclama, ao abrigo do disposto no artigo 76º n.º 4 da Lei n.º 
 
 28/82 de 15 de Novembro (LTC), contra o despacho que, no Supremo Tribunal de 
 Justiça, lhe não recebeu o recurso que – nos termos da alínea a) do n.º 1 do 
 artigo 70º da referida LTC – pretendia interpor do acórdão proferido naquele 
 Tribunal em 7 de Junho de 2005. 
 Alega:
 
  
 A ora reclamante interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da 
 alínea a) do art. 70° da Lei acima citada.
 Fê-lo por entender que o Supremo Tribunal de Justiça, recusou a aplicação, com 
 fundamento na sua inconstitucionalidade por violação do art. 2° da Constituição, 
 da norma do artigo 12° n.º l b) da Lei nº 17/86 de 14 de Junho quando 
 interpretada no sentido de o privilégio aí previsto prevalecer à hipoteca, nos 
 termos do art. 751° do Código Civil. Portanto o que está em causa é a norma 
 quando interpretada naquele sentido.
 O Supremo Tribunal de Justiça não admitiu o recurso alegando em síntese que 'não 
 se teve por inconstitucional aquele art. 12 da Lei 17/86 nem se o desaplicou. 
 Bem pelo contrário'. E que aquele Tribunal reconhece ter a lei concedido aos 
 créditos laborais uma garantia, no entanto interpretando-a, conclui ser seu 
 elemento prevalecente o da incidência «geral» e não o da espécie (imobiliário) e 
 face à remissão legislativa (como direito subsidiário o Código Civil), tem-se 
 por aplicável o regime do art. 749° por mais se aproximar dos privilégios gerais 
 o privilégio imobiliário geral.
 De facto, o douto Supremo Tribunal começa por referir que nem a Lei 17/86 nem a 
 
 96/01 definem a eficácia, em relação a direitos de terceiros, do privilégio por 
 elas atribuído aos créditos dos trabalhadores, devendo-se então interpretar tal 
 norma tendo em conta as disposições subsidiárias do Código Civil.
 Sendo que a sua eficácia dependerá do que se tiver por prevalecente; ou a 
 espécie, caso em que regerá o disposto no artigo 751º ou a incidência, caso que 
 em que se aplicará o art.749°.
 Portanto segundo o acórdão recorrido a eficácia do privilégio imobiliário geral 
 atribuído pela lei (ou seja pelo art. 12° da Lei 17/86) depende de uma de duas 
 interpretações; a que atende ao carácter imobiliário ou a que atende ao carácter 
 geral.
 Acabando o Tribunal por considerar que interpretando a lei (que confere o 
 privilégio imobiliário geral) se tem por elemento prevalecente da mesma o da 
 incidência e não o da espécie e face à remissão legislativa se tem por aplicável 
 o regime do art. 749° do Código Civil e não o do art. 751°, prevalecendo a 
 hipoteca ao privilégio imobiliário geral atribuído por aquela lei aos créditos 
 laborais.
 Recusando o Tribunal, como resulta da exposição do douto acórdão, a aplicação da 
 norma do art.12º da Lei 17/86 quando interpretada no sentido de o privilégio aí 
 previsto prevalecer sobre a hipoteca nos termos do art. 751º do Código Civil.
 Para fundamentar esta solução o Tribunal alega que os privilégios imobiliários 
 são sempre especiais e que;
 
 'Qualquer alteração no seu regime ou a sua atribuição a diferente crédito não 
 pode nem deve pôr de parte essas características em termos de colocar em crise 
 princípios como os da protecção da confiança e da segurança do comércio jurídico 
 imobiliário e do Estado de Direito'; 
 
 'Permitir contrariamente a uma das características do privilégio creditório 
 imobiliário - ser sempre especial que incida sobre qualquer imóvel ainda que sem 
 conexão com o crédito que por ele se quer garantido, sem qualquer publicidade 
 
 (não é levado a registo predial) e apenas se tornando conhecido após a 
 declaração de falência e o reconhecimento dos créditos na respectiva reclamação, 
 seria ferir gravemente o princípio quer da confiança quer da segurança do 
 comércio jurídico imobiliário...'.
 Em nosso entender, ao usar esta fundamentação Supremo Tribunal considera que 
 atribuir prevalência sobre a hipoteca ao privilégio imobiliário geral atribuído 
 pela lei aos trabalhadores, (o que foi feito pelo Tribunal de 1° instância e 
 confirmado pelo Tribunal da Relação), descurando a característica da 
 especialidade dos privilégios imobiliários previstos no Código Civil, é ferir 
 gravemente os princípios do Estado de Direito, da confiança e da segurança 
 jurídica, o mesmo é dizer que se considera que a norma do art. 12° n.º l b) da 
 Lei 17/86 quando interpretada no sentido de o privilégio aí previsto prevalecer 
 
 à hipoteca nos termos do art. 751° do Código Civil fere o princípio do Estado de 
 Direito.
 Tendo o princípio do Estado de Direito e os princípios a este inerentes da 
 confiança e da segurança do comércio jurídico consagração Constitucional no 
 artigo 2° da Lei Fundamental, ferir gravemente aqueles princípios é violar a 
 Constituição.
 Pelo que continuamos a entender que o Supremo Tribunal de Justiça, recusou com 
 fundamento na inconstitucionalidade por violação do art. 2° da Constituição, a 
 aplicação da norma do art. 12 n.º l b) da Lei 17/86 quando interpretada no 
 sentido de que o privilégio imobiliário geral por ela conferido aos 
 trabalhadores prevalece à hipoteca, nos termos do art. 751° do Código Civil.
 Resta-nos dizer que não concordamos com o que parece ser outro fundamento do 
 Supremo Tribunal de Justiça para não admitir o recurso; o de a não declaração de 
 inconstitucionalidade não determinar automática nem necessariamente a 
 oponibilidade a terceiros e de que não tem interesse a discussão sobre a 
 constitucionalidade da norma.
 Na realidade não se trata da oponibilidade da decisão (de conformidade ou não da 
 norma com a constituição) que venha a ser proferida no presente processo possa 
 ter em relação a terceiros, mas da sua eficácia inter partes. E nesta medida o 
 juízo sobre a constitucionalidade é determinante uma vez que nos termos do art. 
 
 80º n.º3 da Lei 28/82 de 15 de Novembro, se tal juízo se fundar em determinada 
 interpretação da norma, esta deve ser aplicada com tal interpretação no processo 
 em causa.
 Termos em que, se requer o deferimento reclamação, devendo o recurso interposto 
 ser seguindo-se os demais termos até final.
 
  
 A esta reclamação responde o representante do Ministério Público neste Tribunal 
 da seguinte forma:
 
  
 
  A presente reclamação é manifestamente improcedente. Na verdade - face ao teor 
 argumentativo seguido no acórdão proferido pelo STJ - não pode obviamente 
 considerar-se que do mesmo resulta uma “recusa de aplicação” com fundamento quer 
 
 “inconstitucionalidade” da norma que outorga aos trabalhadores um privilégio 
 creditório imobiliário geral: o art. 12º n.º1 al. b) da Lei n.º 17/86. 
 Reconhecendo tal garantia real dos trabalhadores, o STJ limitou-se, no que toca 
 ao respectivo âmbito e oponibilidade, a integrá-la, como entendeu mais adequado, 
 nas normas do CC que regem acerca do regime e “força” dos privilégios 
 creditórios, optando por enquadrar no estatuído no art. 749º. 
 
  
 O requerimento de interposição do recurso, indeferido pelo despacho ora em 
 crise, é do seguinte teor:
 
  
 A., recorrida nos autos à margem epigrafados em que é recorrente Banco B., não 
 se conformando com o douto acórdão proferido no âmbito do referido processo, 
 dele vem interpor recurso para o Tribunal Constitucional (art. 72° n.º l, b) da 
 Lei do Tribunal Constitucional).
 O presente recurso é interposto ao abrigo da a) do n.º l do art. 70° da Lei do 
 Tribunal Constitucional.
 O Supremo Tribunal de Justiça, resolve a questão da eficácia/graduação do 
 privilégio imobiliário geral previsto no art.12º da Lei 17/86 de 14 de Junho, 
 considerando que a solução da mesma está nas disposições do Código Civil sobre 
 privilégios creditórios, dependendo a eficácia do referido privilégio daquilo 
 que se tiver por prevalecente a espécie, caso em que se aplica o art. 751°, ou o 
 objecto, caso em que regerá o art. 749° do referido diploma.
 Neste seguimento o Supremo Tribunal de Justiça entendeu que a regulamentação do 
 Código Civil quanto ao privilégio imobiliário (art.751°) pressupõe a sua 
 característica - ser sempre especial, pelo que não se pode aplicar ao privilégio 
 imobiliário geral consignado no referido art. 12° da Lei 17/86, que assim e 
 consequentemente não prefere à hipoteca.
 Em nosso modesto entender o Supremo Tribunal Justiça ao argumentar que “qualquer 
 alteração ao seu regime ou a sua atribuição a diferente crédito não podem pôr de 
 parte essas características em termos de colocar em crise princípios como o da 
 protecção da confiança segurança do comércio jurídico imobiliário e do Estado de 
 Direito” e que “permitir contrariamente a uma das características do privilégio 
 creditório imobiliário ser sempre especial, que incida sobre qualquer imóvel 
 ainda que sem conexão com o crédito que se quer garantido, sem qualquer 
 publicidade (não é levado a registo predial) e apenas se tornando conhecido após 
 a declaração de falência' 'seria ferir gravemente o princípio quer da confiança 
 quer da segurança do comércio jurídico...' está a recusar a aplicação da norma 
 do art.12º da Lei 17/86, quando interpretada no sentido de o privilégio aí 
 previsto prevalecer sobre a hipoteca, nos termos do art. 751° do Código Civil, 
 com fundamento na sua inconstitucionalidade por violação ao art. 2º da 
 Constituição.
 Na realidade o Estado de Direito tem expressa consagração constitucional no 
 mencionado artigo 2º da Constituição, sendo os princípios da protecção da 
 confiança e da segurança jurídica inerentes ao Estado de Direito, pelo que 
 dizer-se que fere aqueles princípios é dizer-se que viola a Constituição.
 Pretende-se, assim, que seja apreciada a conformidade constitucional da norma do 
 art. 12° da Lei 17/86 de 14 de Junho, na interpretação segundo a qual o 
 privilégio imobiliário geral por ela conferido aos créditos emergentes do 
 contrato individual de trabalho prefere à hipoteca nos termos do art. 751° do 
 Código Civil, no sentido de que tal norma quando objecto da referida 
 interpretação não é inconstitucional.
 
  
 Foi sobre este requerimento que recaiu o despacho agora em análise, que é do 
 seguinte teor:
 
  
 
  A. interpõe (fls. 3.237) para o Tribunal Constitucional recurso do acórdão do 
 Supremo Tribunal de Justiça que, conhecendo das revistas, alterou a graduação de 
 créditos.
 Fundamento - apreciação da constitucional idade do art. 12 da lei 17/86, de 
 
 14.06.
 
 «Cabe recurso para o Tribunal Constitucional, em secção, das decisões dos 
 tribunais...» ‘que recusem a aplicação de qualquer norma, com fundamento em 
 inconstitucionalidade’ (al. a)) ou ‘que apliquem norma cuja 
 inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo’ (al. b) - art. 
 
 70-1 LOTC.
 Com fundamento na al. a) o recurso pode ser interposto por quem com legitimidade 
 processual para interpor recurso, exigindo-se mais se, com fundamento na al. b 
 
 ), haja sido suscitada pelo recorrente essa questão (art. 72-1 b) e 2).
 O acórdão proferido expressamente reconhece «ter a lei concedido relativamente 
 aos créditos laborais uma garantia (o privilégio creditório imobiliário geral) o 
 qual confere uma certa prioridade.
 Mas porque, interpretando-a, se concluiu ser seu elemento prevalente o da 
 incidência (‘geral’) e não o da espécie (‘imobiliário’) e face à remissão 
 legislativa (‘como direito subsidiário o CC’), tem-se como aplicável o regime do 
 art. 749, por mais se aproximar dos privilégios gerais o privilégio imobiliário 
 geral.
 Consequentemente, o crédito hipotecário terá de ser graduado antes dos créditos 
 dos trabalhadores que do privilégio imobiliário geral gozem, ou seja, aquele é 
 pago prioritariamente (CC- 749 e 686-1)».
 Por outras palavras, não se teve por inconstitucional aquele art. 12 da lei 
 
 17/86 nem se o desaplicou. Bem pelo contrário.
 Por outro lado, a recorrente não suscitou a questão da inconstitucionalidade da 
 norma. Acresce que não tem interesse a discussão sobre a constitucionalidade da 
 norma - fosse qual fosse a solução, inconstitucional ou não a norma o disposto 
 no art. 749 CC continuaria a ser o regime aplicável.
 Finalmente, e como se advertiu no acórdão proferido, não poderia o TC. conhecer 
 do recurso, como já o afirmou em seu acórdão - «Aliás, uma leitura atenta de um 
 recente acórdão do TC. permite observar que trilha na mesma esteira, que à 
 decisão de não tomar conhecimento do recurso de B. e outros subjaz a 
 consideração da independência daquelas duas perspectivas e a não declaração de 
 inconstitucionalidade não determinar automática nem necessariamente a 
 oponibilidade a terceiros (ac. 614/04, de 04.10.20, in proc. 933/03».
 
  
 
  
 
 2.        Decidindo:
 
  
 O presente recurso cabe das decisões que recusem a aplicação de qualquer norma 
 com fundamento em inconstitucionalidade (artigo 70º n.º 1 alínea a) da LTC).
 
  
 No entender da reclamante, o Supremo Tribunal de Justiça recusou a aplicação, 
 com fundamento em inconstitucionalidade, 'da norma do art. 12° da Lei 17/86 de 
 
 14 de Junho, na interpretação segundo a qual o privilégio imobiliário geral por 
 ela conferido aos créditos emergentes do contrato individual de trabalho prefere 
 
 à hipoteca nos termos do art. 751° do Código Civil'. Diz-se, no referido acórdão 
 do Supremo Tribunal de Justiça o seguinte: 
 
  
 Quando o art. 12 da LSA atribuiu aos trabalhadores para pagamento dos seus 
 créditos privilégio creditório imobiliário não previu o efeito de poder ser 
 interpretado como estando a conceder uma garantia prioritária sobre os credores 
 hipotecários - serem pagos sobre os demais credores que não gozem de privilégio 
 especial ou de prioridade de registo (CC- 686,1) - nem certamente quereria tal 
 se a (a = essa interpretação) tivesse previsto (note-se que em 2.003, o CTrab se 
 afastou da LSA e estabeleceu o pressuposto da conexão da coisa com o crédito 
 laboral). Na realidade, não só criaria fortes dificuldades à concessão de 
 financiamentos e os desincentivava com prejuízo para actividade bancária para o 
 tecido empresarial e para o próprio mercado de trabalho como ainda teria criado 
 uma medida de consequências negativas para a economia nacional.
 
 4.- Resumindo - reconhece-se ter a lei concedido relativamente aos créditos 
 laborais uma garantia ( o privilégio creditório imobiliário geral) o qual 
 confere uma certa prioridade.
 Mas porque, interpretando-a, se concluiu ser seu elemento prevalente o da 
 incidência (‘geral’) e não o da espécie (‘imobiliário’) e face à remissão 
 legislativa (‘como direito subsidiário o CC’), tem-se como aplicável o regime do 
 art. 749, por mais se aproximar dos privilégios gerais o privilégio imobiliário 
 geral.
 Consequentemente, o crédito hipotecário terá de ser graduado antes dos créditos 
 dos trabalhadores que do privilégio imobiliário geral gozem, ou seja, aquele é 
 pago prioritariamente (CC- 749 e 686-1).
 
  
 
  
 
 É neste trecho que a recorrente detecta a desaplicação da norma contida no 
 aludido artigo 12° da Lei 17/86 de 14 de Junho. Todavia, não é verdade que a não 
 aplicação da norma, no aludido aresto, decorra da sua eventual 
 inconstitucionalidade. 
 Na verdade, o Supremo Tribunal de Justiça procedeu de outro modo bem distinto, 
 pois visou em primeiro lugar obter o sentido da norma com base nas regras da 
 hermenêutica e, alcançado este, concluiu não ser aplicável ao caso dos autos. O 
 que é bem diferente da hipótese invocada pelo recorrente de o Tribunal ter 
 apurado o sentido da norma e, alcançado este, e concluindo que esse sentido era 
 desconforme com a Constituição, decidir não a aplicar ao caso concreto, por ser 
 inconstitucional. 
 
 É, pois, patente que a reclamante não tem razão, visto que o Supremo Tribunal de 
 Justiça não desaplicou, na decisão recorrida, qualquer norma com fundamento em 
 inconstitucionalidade.  
 
  
 
 4.     Em face do exposto, decide-se indeferir a reclamação, com custas pela 
 reclamante. Taxa de Justiça: _20_ UC.
 
  
 Lisboa, 10 de Novembro de 2005
 
  
 Carlos Pamplona de Oliveira
 Maria Helena Brito
 Rui Manuel Moura Ramos