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Processo n.º 414/03
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
 
  
 
  
 
  
 
  
 Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
  
 
  
 
  
 A – Relatório
 
  
 
             1 – A. recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto 
 nas alíneas b) e g) do n.º 1 do art.º 70º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, 
 na sua actual versão, do acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 18 de 
 Dezembro de 2002, posteriormente aclarado pelo Acórdão do mesmo Tribunal, de 18 
 de Março de 2003, que negou provimento aos recursos interpostos de decisões 
 interlocutórias proferidas pela 3ª Vara Criminal da Comarca do Porto e do 
 acórdão do mesmo tribunal que o condenou pela prática de um crime continuado de 
 abuso sexual de crianças p. e p. pelo artigo 30º, n.º 2, 79º e 172º, n.º 1, do 
 Código Penal de 1995, na pena de três anos e seis meses de prisão, dos quais 
 declarou perdoado um ano de prisão nos termos do art.º 1º, n.º 1, da Lei n.º 
 
 29/99, de 12 de Maio, sob a condição resolutiva da mesma Lei.
 
  
 
             2 – Um dos despachos interlocutórios recorridos indeferiu o 
 requerimento feito pelo arguido, na contestação da acusação, de que fosse 
 requisitada certidão dos seguintes elementos constantes do processo tutelar n.º 
 
 930/97 do Tribunal de Menores do Porto, respeitante à menor ofendida: “i) auto 
 de denúncia que deu origem ao processo; ii) elementos documentais ou 
 testemunhais que tenham permitido identificar situações de risco; iii) 
 conclusões recolhidas no processo; iiii) decisões proferidas sobre o estado da 
 menor”.
 
             O outro despacho interlocutório recorrido para a Relação foi 
 proferido pelo tribunal do julgamento em 1ª instância, após a produção de prova 
 e a prolação das respostas aos quesitos que formulara sobre matéria de facto, 
 afirmando-se nele, entre o mais que ora não importa notar, o seguinte: “pode-se 
 entender o que se diz sobre os pontos 3, 7, e 9 dos factos provados, poderá 
 constituir uma alteração não substancial, cujo regime é o do art.º 358º, do C. 
 P. Penal. Bem como por outro lado se pode concluir que os factos tidos como 
 provados integram um crime na forma constinuada. Assim, nos termos do art.º 358º 
 do C. P. Penal, comunique tal alteração ao arguido”.
 
             
 
             3 – O acórdão recorrido, de 18 de Dezembro de 2002, tem o seguinte 
 teor, na parte útil à compreensão das questões de (in)constitucionalidade:
 
  
 
 «A)
 Ao contestar a acusação (fls. 227 e segs.), o arguido requereu que fosse 
 requisitada certidão de elementos do processo tutelar nº 930/97 respeitante à 
 menor B., requerimento que foi indeferido pelo despacho de fls. 238.
 
  
 
 [...]
 
  
 B)
 
  
 Em audiência o tribunal colectivo (despacho de fls. 352 e 354) indeferiu o exame 
 e reconstituição requeridos a fls. 339 (“reconstituição do facto para prova da 
 impossibilidade do crime ser cometido pela forma dissimulada sugerida pelo 
 tribunal” e “... o exame da casa de morada do arguido e da máquina de cerzir 
 para prova da impossibilidade da autoria singular do crime pelo qual o arguido 
 está acusado”).
 
  
 
 [...]
 
  
 C)
 Do acórdão condenatório interpôs também o arguido recurso terminando a sua 
 motivação com as seguintes conclusões:
 
  
 
 [...]
 
  
 
 *
 Cumpre decidir.
 
  
 
      [...)
 
 *
 
  
 A) Quanto ao recurso interposto do despacho de fls. 238.
 
  
 Nos termos do art. 340º, n.º 1, do CPP, o tribunal ordena, oficiosamente ou a 
 requerimento, a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe 
 afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa.
 Pretendia o arguido no requerimento indeferido que o tribunal a quo requisitasse 
 ao Trib. de Menores do Porto (e relativamente ao processo nº 930/97 que respeita 
 
 à menor B.) certidão do auto de denúncia que deu origem ao processo, elementos 
 documentais ou testemunhais que tenham permitido identificar situações de risco, 
 conclusões recolhidas no processo e decisões proferidas sobre o estado da menor.
 O despacho de fls. 238 indeferiu a pretensão com base no art. 32º da OTM 
 porquanto 'a situação dos autos não se enquadra em nenhuma das aí previstas'.
 E assim é, efectivamente.
 Mas acrescentaríamos nós que a pretensão também deveria ter sido indeferida com 
 base no disposto pelo art. 340º, n.º 1, do CPP.
 
 É que o processo tutelar tem em vista a protecção dos menores e não a 
 investigação de factos qualificados pela lei como crime de que hajam sido 
 vítimas os menores. Daí que, não sendo coincidente o objecto dos processos, os 
 elementos do processo tutelar não têm de interessar necessariamente ao processo 
 criminal.
 Ora o recorrente parte da pressuposição que aquele processo está correlacionado 
 com os factos objecto destes autos e que os elementos aí existentes são 
 necessários à descoberta da verdade nestes autos. Mas toda a averiguação de 
 factos que interessam à decisão neste processo pode ser aqui feita (no processo 
 penal), não sendo necessário recorrer-se às averiguações eventualmente 
 realizadas em processos de outras jurisdições.
 Não violou, pois, o despacho recorrido nem o art. 340º, n.º 1, do CPP nem as 
 disposições constitucionais citadas pelo recorrente.
 Notamos que o relatório social sobre a B. (fls. 119 a 123), sendo certo que foi 
 elaborado para o processo tutelar, também poderia ter sido requisitado pelo juiz 
 nestes autos: ou seja, a junção de tal relatório a este processo não tinha de se 
 fazer necessariamente para o tribunal ter conhecimento dos elementos que de tal 
 relatório constam.
 
  
 B) Quanto ao recurso do despacho ditado para a acta, a fls. 352 e 354.
 No requerimento indeferido pretendia o recorrente que se procedesse à 
 
 'reconstituição do facto para prova da impossibilidade do crime ser cometido 
 pela forma dissimulada sugerida pelo tribunal' e se procedesse ao 'exame da casa 
 de morada do arguido e da máquina de cerzir para prova da impossibilidade da 
 autoria singular do crime'.
 Ora a casa de morada do arguido está objectivamente descrita sob o nº 15 dos 
 factos provados.
 A vivência nessa casa durante os fins de semana em que a B. aí ficava com os 
 padrinhos resulta do descrito sob os nºs 16, 22, 23, 24, 25 e 26 dos factos 
 provados.
 Quanto à máquina de cerzir, o que releva para o caso é o ruído produzido pelo 
 funcionamento da mesma (segundo a menor, o padrinho ficava aflito e sustava a 
 sua actuação de carácter sexual quando a máquina deixava de funcionar).
 Ora a audibilidade de tal ruído pôde ser avaliada pelo tribunal através dos 
 depoimentos ouvidos, como resulta das transcrições feitas nos autos, 
 designadamente pelo Mº Pº.
 Daí que, quando o recorrente fez o requerimento indeferido, já o tribunal 
 dispunha dos elementos que lhe permitiam concluir sobre as interrogações que o 
 recorrente suscitava. Assim, visto o que dispõe o art. 340º , n.º 1, do CPP, o 
 tribunal não tinha que ordenar a produção das provas indeferidas porquanto não 
 se mostravam necessárias à descoberta da verdade e à boa decisão da causa.
 Não foi violado, pois, com tal indeferimento, o princípio do contraditório.
 Quanto à questão aflorada nas conclusões deste recurso interlocutório sobre a 
 admissibilidade da alteração de factos nos termos do art. 358º do CPP após o 
 encerramento da discussão da causa, uma vez que tal questão volta a ser 
 suscitada no recurso interposto do acórdão, aí nos pronunciaremos sobre a mesma.
 Quanto à pretensa violação do princípio da presunção de inocência por se terem 
 anunciado os factos que o tribunal considerava provados antes da publicação do 
 acórdão, notamos que o art. 32º, n.º 2, da Constituição estabelece que 'todo o 
 arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de 
 condenação'.
 Ou seja, não é pelo facto de o tribunal comunicar aos sujeitos processuais os 
 factos que considera provados antes da publicação do acórdão (independentemente 
 de essa convicção ser ainda provisória quanto aos factos relativamente aos quais 
 se considerou ter havido alteração, uma vez que se admitiu o contraditório) que 
 cessa a presunção de inocência do arguido, tal como não é pelo facto de ser 
 publicado o acórdão condenatório que a mesma presunção cessa.
 
  
 C) 
 Quanto ao recurso interposto do acórdão condenatório.
 
  
 I - Diz o recorrente que foi condenado por factos praticados em circunstâncias 
 espacio-temporais totalmente inverosímeis, porquanto se lhe imputa a comissão de 
 centenas de agressões sexuais praticadas no domicílio indescobertamente por 
 qualquer dos residentes.
 Ora, como se vê da descrição dos factos provados sob o n.º 4, os factos mais 
 difíceis de dissimular aconteceram por 'várias vezes' e 'uma vez'. 
 Os factos descritos sob o n.º 5 não precisavam de grandes cuidados de 
 dissimulação já que podiam ser feitos em pouco tempo e sem deixar vestígios.
 Não se verifica, pois, a inverosimilhança pretendida.
 
  
 II - Pretende o recorrente que o acórdão condenatório é nulo nos termos do art. 
 
 379º, n.º 1, b), do CPP porque condenou o arguido por factos diversos dos 
 descritos na acusação e na pronúncia fora do caso previsto pelo art. 358º, n.º 
 
 1, do CPP.
 Segundo o recorrente não vale como comunicação de alteração de factos nos termos 
 do art. 358º, n.º 1, do CPP a efectuada após o encerramento da audiência de 
 discussão e julgamento e após a deliberação do colectivo quanto à matéria de 
 facto.
 O recorrente defende, pois, que a expressão “no decurso da audiência” usada no 
 art. 385º, n.º 1, do CPP deve ter uma interpretação restrita, significando que o 
 tribunal terá de fazer a comunicação da alteração até ao encerramento da 
 discussão da causa: diz ele que da lei processual resulta uma distinção clara 
 entre audiência e sentença.
 Mas a palavra audiência tem um significado mais lato, abarcando mesmo a 
 publicação da decisão final.
 Cumpre pois fazer uma interpretação teleológica dos arts. 358º e 359º do CPP, já 
 que a interpretação adequada é a que atende às finalidades tidas em vista pelo 
 legislador.
 Ora, sendo certo que o art. 361º, n.º 2, do CPP estabelece que o presidente 
 declara encerrada a discussão e só prevê a reabertura nos termos do art. 371º 
 
 (reabertura da audiência para a determinação da sanção), julgamos que não poderá 
 deixar de se proceder do mesmo modo se na fase de deliberação o tribunal 
 concluir que da produção da prova resultou uma alteração dos factos da acusação 
 ou da pronúncia.
 
 É, aliás, o procedimento previsto pelo art. 4º do CPP para a integração de 
 lacunas nos casos em que o próprio diploma contém disposições que podem 
 aplicar-se por analogia.
 Com efeito o processo penal visa atingir a verdade material e a justiça da 
 decisão. Ora a impossibilidade de reabrir a discussão da causa, designadamente 
 para assegurar o contraditório, quando a deliberação sobre a matéria de facto 
 revela que da produção da prova resultou uma alteração dos factos da acusação ou 
 da pronúncia, obstaria a que a decisão tivesse em conta a verdade material que 
 resultou da prova produzida.
 E não se diga que tal procedimento viola o princípio da vinculação temática - 
 art. 379º, nº 1, b), do CPP. É que foi o próprio legislador que previu a 
 alteração de factos nos arts. 358º e 359º do CPP.
 
  
 III - Quanto à invocada inconstitucionalidade da interpretação e aplicação feita 
 do art. 358º, n.º 1, do CPP.
 Diz o recorrente que o art. 358º, n.º 1, do CPP, tal como foi interpretado e 
 aplicado, viola os princípios do acusatório e do contraditório consagrados nos 
 n.ºs 1 e 5 do art. 32º da Constituição.
 Ora o n.º 5 do mencionado art. 32º apenas estabelece que o processo penal terá 
 estrutura acusatória. Julgamos que não pode sustentar-se que a alteração de 
 factos consentida pelo art. 358º, n.º 1, do CPP desvirtue a estrutura acusatória 
 do processo penal.
 Com efeito a alteração aí prevista refere-se a factos que, modificando embora os 
 que constam da acusação ou da pronúncia, não acarretam a imputação de um crime 
 diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis.
 Por outro lado a comunicação da alteração após a deliberação sobre a matéria de 
 facto em nada interfere com a estrutura acusatória do processo penal.
 Quanto ao princípio do contraditório ele foi efectivamente assegurado: após a 
 comunicação da alteração o arguido indicou prova e foram ouvidas as testemunhas 
 pelo mesmo indicadas (acta de fls. 348 e segs.).
 O recorrente diz que não foi assegurado o contraditório porque a deliberação foi 
 tomada antes de exercido o mesmo.
 
 É evidente que não foi assim: houve realmente uma primeira deliberação quanto à 
 matéria de facto antes de produzida a prova relativamente aos factos que não 
 constavam da pronúncia, mas houve nova deliberação depois de produzida a prova 
 relativamente a esses factos (vide actas de fls. 361 e de fls. 391 ).
 
 [...]
 
 3) Diz o recorrente que não foi dado cabal cumprimento ao disposto pelo art. 
 
 374º, n.º 2, do CPP.
 Mas a leitura da fundamentação quanto à convicção sobre a matéria de facto 
 permite conhecer o processo lógico que levou à convicção do tribunal, pelo que, 
 vistas as finalidades da norma, foi dado suficiente cumprimento ao disposto pela 
 mesma.
 
 [...]
 
  
 
 *
 Pelo que precede acorda-se em negar provimento aos recursos confirmando-se os 
 despachos e o acórdão recorridos.».
 
  
 
             4 – Requerido pelo arguido o esclarecimento deste acórdão, o 
 tribunal a quo decidiu nos seguintes termos:
 
  
 
 «Publicado o acórdão de fls. 577 e seguintes, o recorrente A. apresentou o 
 requerimento de fls. 601 em que pede a aclaração do dito acórdão nos termos 
 seguintes:
 
  
 A - Quanto ao recurso interposto do despacho de fls. 238:
 
  
 Escreve-se no acórdão - parágrafo de fls. 11 a 12 – o seguinte:
 
 'o recorrente parte da pressuposição que aquele processo está correlacionado com 
 os factos objecto destes autos e que os elementos aí existentes são necessários 
 
 à descoberta da verdade nestes autos. Mas toda a averiguação de factos que 
 interessam à decisão neste processo pode ser aqui feita (no processo penal), não 
 sendo necessário recorrer-se às averiguações eventualmente realizadas em 
 processos de outras jurisdições'.
 A única pressuposição do pedido - também aceite pelo acórdão - era a de que o 
 processo tutelar identificado respeita à menor B..
 A menor B. foi a principal testemunha de acusação.
 A afirmação condicional operada no acórdão segundo a qual toda a investigação 
 
 'pode ser feita aqui' não significa que tal investigação tenha sido feita de 
 facto.
 E, da leitura da decisão, como da consulta dos autos, não resulta que o tribunal 
 tenha querido conhecer os factos a que respeitava tal processo tutelar.
 Fica por conhecer, já por consulta do processo tutelar, já por investigação 
 feita nos autos, quais os factos a que respeitava o identificado processo e se 
 os mesmos estão ou não correlacionados com os factos investigados nos autos.
 Não se percebendo se o tribunal recorrido (queria certamente dizer tribunal de 
 recurso) quis afirmar com semelhante passagem e decisão que o art. 340º do CPP 
 não foi violado porque:
 
 1) foi feita toda a investigação que podia ter sido feita?
 
 2) não tinha que ser feita a investigação requerida?
 O que precisam de ver esclarecido para entenderem qual o sentido da 
 interpretação dada ao art. 340º, n.º 1, do CPP pelo Tribunal da Relação.
 
  
 B - Quanto ao recurso do despacho ditado para a acta a fls. 352 e 354:
 
  
 Escreve-se no acórdão - parágrafo quarto de fls. 13 o seguinte:
 Não é pelo facto do tribunal comunicar aos sujeitos processuais os factos que 
 considera provados antes da publicação do acórdão (independentemente de essa 
 convicção ser ainda provisória quanto aos factos relativamente aos quais se 
 considerou ter havido alteração, uma vez que se admitiu o contraditório) que 
 cessa a presunção de inocência'.
 A passagem do acórdão não vem acompanhada de fundamentação legal que permita ao 
 arguido sequer compreender qual a legislação aplicada. E menos qual o sentido 
 com que foi interpretada. 
 Precisa o arguido de ver esclarecido quais os normativos legais - do CPP ou 
 outros diplomas - que permitam ao tribunal:
 
 1) formar 'convicção provisória' - o que quer que (seja) - relativamente aos 
 factos que integram o objecto do processo;
 
 2) interromper a leitura do acórdão para comunicar alteração de factos, após 
 deliberação.
 E precisa ainda de ver esclarecido:
 
 3) qual o sentido e alcance da expressão 'convicção provisória', 
 identificando-se por referência a artigos da lei processual, qual o momento e o 
 modo pelo qual se forma essa convicção.
 
  
 C - Quanto ao recurso do acórdão condenatório:
 
  
 
 [...]
 
  
 Notificado deste requerimento de aclaração, o M.º  P.º nada respondeu.
 Os Ex.mos Presidente e Adjuntos tiveram vista dos autos.
 
 *
 Conhecendo dos pedidos de esclarecimento.
 
  
 A - Quanto à requisição de elementos do processo tutelar:
 
  
 Diz o arguido que fica por conhecer a que factos respeitava o identificado 
 processo tutelar e se os mesmos estão ou não correlacionados com os factos 
 investigados nestes autos.
 Ora, em abstracto, para se conhecerem os factos investigados nestes autos é 
 irrelevante saber a que factos respeitava um processo de outra jurisdição e se 
 tais factos estariam correlacionados com os factos destes autos.
 E nada se vê nos autos nem o arguido indica qualquer elemento que aponte para a 
 utilidade, em concreto e relativamente à descoberta da verdade nestes autos, de 
 se conhecerem os factos investigados naquele processo tutelar.
 Pergunta o arguido se foi feita toda a investigação que podia ter sido feita.
 Dos autos resulta que foi feita toda a investigação relevante que o M.º P.º e o 
 arguido requereram.
 Pedir peças de um processo sem objectivo conhecido é uma investigação 
 irrelevante.
 O arguido ainda não disse até agora o que de relevante pretendia encontrar nesse 
 processo tutelar.
 Se pretendia ir lá colher elementos respeitantes à personalidade da menor também 
 podia requerer testes de personalidade ou requerer a audição de testemunhas que 
 prestassem as informações necessárias.
 O que constava do auto que deu causa ao processo tutelar, sem mais, é 
 irrelevante para a investigação dos factos destes autos, tal como o é 
 conhecerem-se os elementos documentais ou testemunhais as conclusões quanto às 
 situações de risco da menor e as decisões aí proferidas.
 Concluindo: não tinham de ser investigados os elementos pedidos do processo 
 tutelar até porque não se vê, nem foi indicado, o que aí se pretendia saber com 
 utilidade para estes autos.
 
  
 B - Quanto ao recurso do despacho ditado para a acta a fls. 352 e 354.
 
  
 Diz o recorrente que o acórdão aclarando não indica a fundamentação legal donde 
 resulta que a comunicação aos sujeitos processuais dos factos que considera 
 provados antes da publicação da decisão final não viola a regra da presunção da 
 inocência do arguido.
 Essa fundamentação, porém, foi indicada: o art. 32º, n.º 2, da Constituição 
 estabelece que todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da 
 sentença de condenação.
 Tal preceito constitucional significa que o despacho proferido no inquérito pelo 
 juiz de instrução considerando um arguido indiciado como autor de determinados 
 factos e impondo-lhe uma medida coacção não afasta a presunção de inocência 
 desse arguido; tal como não afasta essa presunção o despacho que pronuncia o 
 arguido como autor de determinados factos ou a comunicação que, nos termos do 
 art. 358º, n.º 1, do CPP, é feita ao arguido quando no decurso da audiência se 
 verifica uma alteração dos factos descritos na acusação ou na pronúncia. Em 
 qualquer dessas situações processuais é feito um juízo quanto à prática de 
 determinados factos pelo arguido: este, porém continua a presumir-se inocente 
 
 'ex vi' do citado normativo constitucional.
 
  
 Diz o recorrente que precisa de ver esclarecido quais os normativos legais que 
 permitem ao tribunal formar 'convicção provisória'. 
 Ora o art. 358º, n.º 1, do CPP dispõe que, se no decurso da audiência se 
 verificar uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na 
 pronúncia, com relevo para a decisão da causa, o presidente comunica a alteração 
 ao arguido.
 
  
 Julgamos que esta norma não pode deixar de significar que o tribunal faz um 
 juízo sobre a prova já produzida e, concluindo que a prova aponta para factos 
 que não correspondem exactamente aos descritos na acusação ou na pronúncia, 
 comunica ao arguido os factos tal como os considera indiciados pelas provas 
 produzidas.
 Esse juízo sobre os factos que resultam da prova produzida não pode ser um juízo 
 definitivo já que o citado art. 358º, n.º 1, do CPP prevê que ao arguido seja 
 concedido o tempo necessário para a preparação da defesa. A esse juízo sobre os 
 factos que terão resultado da prova produzida poderá chamar-se 'convicção 
 provisória' ou designar-se por outra qualquer expressão que traduza a realidade 
 tida em vista pelo citado normativo.
 
  
 Pretende o recorrente saber quais os normativos legais que permitem ao tribunal 
 interromper a leitura de acórdão para comunicar alteração de factos após 
 deliberação.
 Quando o julgamento é da competência de um tribunal colegial, o juízo sobre os 
 factos que resultam da prova já produzida é o que for expresso após deliberação 
 dos juízes ou dos juízes e jurados que constituem o tribunal.
 Uma vez que o art. 358º, n.º 1, do CPP prevê que o presidente do tribunal 
 comunica ao arguido a alteração dos factos que se entende estar verificada 
 relativamente aos que foram descritos na acusação ou na pronúncia, a verificação 
 dessa alteração não poderá deixar de resultar de deliberação quando o tribunal 
 for colegial.
 Quanto à forma como o tribunal deve fazer a comunicação da alteração dos factos 
 prevista pelo n.º 1 do art. 358º do CPP, a lei não a estabelece. Assim o 
 tribunal poderá utilizar qualquer forma que julgue adequada.
 No caso dos autos, através da M.ma Juíza Presidente, o tribunal fez a 
 comunicação que se mostra na acta de fls. 323 e seguintes. 
 
 É irrelevante que a essa comunicação se chame leitura de acórdão ou que se 
 designe a mesma por qualquer outra expressão. Com efeito, como do próprio texto 
 de tal comunicação se pode concluir, não se trata da decisão final do processo 
 mas da comunicação de alteração dos factos da pronúncia prevista pelo art. 358º, 
 n.º 1, do CPP.
 E é do mesmo modo irrelevante que a comunicação da alteração dos factos tenha 
 sido iniciada pela expressão 'provaram-se os seguintes factos'. Com efeito tal 
 expressão apenas pode significar que, perante a prova até então produzida, o 
 tribunal entendeu que tal prova apontava para que se viessem a dar como provados 
 os factos nessa comunicação descritos (ou seja, para o tribunal, naquele momento 
 e com aquelas provas, os factos que considerava provados eram os descritos na 
 comunicação). É que, tendo sido dado prazo para a organização da defesa e 
 admitida a produção de nova prova, essa prova a produzir poderia ter o efeito de 
 alterar decisivamente o juízo do tribunal quanto aos factos descritos na 
 comunicação.
 Não houve pois a interrupção da leitura do acórdão final para comunicar a 
 alteração de factos: houve sim a comunicação a que se refere o art. 358º, n.º 1, 
 do CPP, utilizando-se uma fórmula idêntica à que costuma ser usada nas decisões 
 finais.
 Como se disse acima, porque o tribunal da causa era um tribunal colegial, a 
 comunicação a que se refere o art. 358º, n.º 1, do CPP não podia deixar de ser 
 precedida de deliberação.
 
  
 Diz o recorrente que precisa de ver esclarecido qual o sentido e alcance da 
 expressão 'convicção provisória'.
 Como já resulta do que acima se expôs, o art. 358º, n.º 1, do CPP, ao prever que 
 o tribunal comunique ao arguido alteração dos factos descritos na acusação ou na 
 pronúncia, está a admitir que o tribunal possa fazer um juízo quanto aos factos 
 antes da decisão final.
 
 É, aliás, o resultado da constatação do facto psicológico de que a convicção 
 quanto aos factos que se investigam é progressivamente compreensiva, ou seja, é 
 progressivamente enriquecida pelas provas a que sucessivamente se vai tendo 
 acesso, por forma que a convicção quanto aos factos que se investigam vai 
 evoluindo consoante os sucessivos 'apports' probatórios.
 Quanto ao momento e ao modo como se forma sucessivamente a convicção 
 relativamente aos factos averiguados, para os efeitos do art. 358º, n.º 1, do 
 CPP apenas interessa o momento em que o tribunal conclui que a prova produzida 
 aponta para uma alteração dos factos descritos na acusação ou na pronúncia.
 Na prática esse momento surgirá normalmente quando, produzida toda a prova 
 requerida, ao examinar essa prova o tribunal conclui que a mesma aponta para uma 
 alteração dos factos descritos na acusação ou pronúncia.
 
  
 Se tal acontecer depois de encerrada a discussão da causa, esta terá de ser 
 reaberta para ser produzida a nova prova que venha a ser requerida pelo arguido 
 
 (aplicação por analogia dos arts. 361º, n.º 2, e 371º, n.º 1, do CPP 'ex vi' do 
 art. 4º do mesmo diploma).
 
  
 C - Quanto ao recurso do acórdão condenatório.
 
  
 
  [...]
 
  
 Nos termos expostos acorda-se em considerar aclaradas as questões postas pelo 
 recorrente.».
 
  
 
             5 – Destes acórdãos o arguido interpôs recurso de 
 constitucionalidade através do seguinte requerimento:
 
  
 
 «Os recorrentes pretendem ver apreciadas as seguintes questões de 
 inconstitucionalidade:
 
  
 
  
 
  
 
  
 
 1ª questão
 
  
 Do art. 36º, n.º 2, da OTM, quando interpretado e aplicado com o sentido e 
 alcance a fls. 238, de ser inadmissível a requisição de certidão de processo 
 tutelar que constitua objecto de prova de factos juridicamente relevantes para a 
 existência do crime.
 
  
 Tal norma, com a interpretação e aplicação indicada, viola todas as garantias de 
 defesa em processo criminal e o princípio do contraditório consagrados no art. 
 
 32º, n.ºs 1 e 5 da Constituição da República.
 
  
 A questão da inconstitucionalidade foi suscitada nos autos, no recurso 
 interposto a fls. 239, e conhecido pelo Acórdão recorrido.
 
  
 
 2ª questão
 
  
 Do art. 358º, n.º 1, do CPP, quando interpretado e aplicado com o sentido e 
 alcance dado a fls. 354, proferidos na sequência de proclamação pública de juízo 
 de culpabilidade.
 
  
 Tal norma, com a interpretação e aplicação indicada, viola o princípio de 
 presunção de inocência consagrado no art. 32º, n.º 2, da Constituição da 
 República.
 
  
 Tal norma, com a interpretação e aplicação indicada, viola ainda todas as 
 garantias de defesa (a qual deve entender-se como defesa eficaz) e os princípios 
 do acusatório, de que decorre a vinculação temática do tribunal ao objecto do 
 processo tal como fixado na pronuncia, e do contraditório, o qual só pode ser 
 exercido antes da deliberação, consagrados no art. 32º, n.ºs 1 e 5, da 
 Constituição da República;
 
  
 A questão da inconstitucionalidade foi suscitada nos autos, no recurso 
 interposto a fls. 393, e no recurso interposto da decisão final condenatória, e 
 decidido pelo acórdão recorrido.
 
  
 
  
 
  
 
 3ª questão
 
  
 Do art. 374º, n.º 2, do CPP, com a interpretação com que foi aplicado no acórdão 
 de 1ª instância e referenciado no acórdão recorrido, que operou a simples 
 enunciação dos meios de prova, sem qualquer exame crítico.
 
  
 Tal norma, com a interpretação e aplicação indicada, viola todas as garantias de 
 defesa em processo criminal e o princípio do contraditório consagrados no art. 
 
 32º, n.ºs 1 e 5 da Constituição da República.
 
  
 A questão da inconstitucionalidade foi suscitada nos autos, no recurso 
 interposto da decisão condenatória de 1ª instância, fls. , e conhecida no 
 acórdão recorrido.».
 
  
 
             6 – Após apresentação de requerimento complementar de interposição 
 de recurso, na sequência de convite feito pelo relator, no Tribunal 
 Constitucional, ao abrigo do n.º 5 do art.º 75º-A da LTC, foi ordenada a 
 apresentação de alegações.
 
  
 
             7 - Efectuadas estas, proferiu o relator parecer sobre a possível 
 verificação de questões que obstam ao conhecimento do recurso.
 
             Disse-se aí:
 
  
 
             «1 - Estudados os autos com vista à elaboração de projecto de 
 acórdão depois de apresentadas alegações das partes, constata-se ser admissível 
 a verificação de duas questões prévias que, a existirem, obstarão ao 
 conhecimento de duas das três questões de constitucionalidade cuja apreciação o 
 recorrente pretende no presente recurso.
 
             
 
             2 – Por isso se elabora o presente parecer e se determina a audição 
 do recorrente e recorrido, nos termos dos art.ºs 704º, n.º 1, e 726º do Código 
 de Processo Civil (ex vi do art.º 69º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro), para 
 se pronunciarem sobre ele, pelo prazo de 10 dias.
 
  
 
             3 – Quanto à primeira questão.
 
             O recorrente pretende a apreciação de inconstitucionalidade da norma 
 constante do art.º 36º, n.º 2, da OTM, entendida no sentido de não ser 
 admissível, por não se enquadrar em qualquer das situações previstas no 
 preceito, a obtenção e a junção aos autos de processo crime, onde veio a ser 
 condenado por sentença sujeita a recurso pela prática de um crime continuado de 
 abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art.º 30º, n.º 2, 79º e 172º, n.º 1, do 
 Código Penal de 1995, na pena de três anos e seis meses de prisão, de certidão 
 do auto de denúncia que deu origem ao processo n.º 930/97 do Tribunal de Menores 
 do Porto, dos elementos documentais e testemunhais que tenham permitido 
 identificar situações de risco, conclusões recolhidas e decisões proferidas 
 sobre o estado da menor ofendida, tudo do mesmo processo, por violação do 
 disposto nos art.ºs 27º, n.º 1, e 32º, n.º 1, da Constituição da República 
 Portuguesa.
 
  
 
             O recorrente viu indeferido, por decisão do tribunal de 1ª 
 instância, o pedido de certidão com este objecto que havia formulado na sua 
 contestação da acusação.
 
  
 
             Ora,  verifica-se que, tendo o recorrente interposto recurso para o 
 Tribunal da Relação, este Tribunal de 2ª instância manteve o indeferimento do 
 pedido não só com base no concreto fundamento normativo em que se estribou a 
 decisão de 1ª instância – e cuja constitucionalidade o recorrente pretende ver 
 sindicada – mas também com base em outro fundamento normativo autónomo cuja 
 constitucionalidade o recorrente não sindica.
 
             Na verdade, o acórdão da Relação decidiu manter o indeferimento 
 daquele pedido não só com base na aplicação do art.º 36º, n.º 2, da OTM, mas 
 também com base na aplicação do disposto no art.º 340º, n.º 1, do Código de 
 Processo Penal (CPP), por considerar que a obtenção da pretendida certidão, 
 mesmo a ser admitida legalmente, não se afigurava, em concreto, necessária “à 
 descoberta da verdade material e à boa decisão da causa”.
 
             Perante a adição deste novo fundamento com base no qual o 
 indeferimento do pedido de certidão sempre teria de manter-se, o recorrente 
 questionou a Relação no sentido desta esclarecer se considerou “o art.º 340º, 
 n.º 1, do CPP não violado porque: 1) foi feita toda a investigação que podia ter 
 sido feita? 2) [ou] não tinha que ser feita a investigação requerida?”
 
             Respondendo ao pedido de esclarecimento, a Relação disse o seguinte:
 
  
 
             «Diz o arguido que fica por conhecer a que factos respeitava o 
 identificado processo tutelar e se os mesmos estão ou não correlacionados com os 
 factos investigados nestes autos.
 
             Ora, em abstracto, para se conhecerem os factos investigados nestes 
 autos é irrelevante saber a que factos respeitava um processo de outra 
 jurisdição e se tais factos estariam correlacionados com os factos destes autos.
 
             E nada se vê nos autos nem o arguido indica qualquer elemento que 
 aponte para a utilidade, em concreto, e relativamente à descoberta da verdade 
 nestes autos, de se conhecerem os factos investigados naquele processo tutelar.
 
             Pergunta o arguido se foi feita toda a investigação que poderia ter 
 sido feita.
 
             Dos autos resulta que foi feita toda a investigação relevante que o 
 M.º P.º e o arguido requereram.
 
             Pedir peças de um processo sem objectivo conhecido é uma 
 investigação irrelevante.
 
             O arguido ainda não disse até agora o que de relevante pretendia 
 encontrar nesse processo tutelar.
 
             Se pretendia ir lá colher elementos respeitantes à personalidade da 
 menor também podia requerer testes de personalidade ou requerer a audição de 
 testemunhas que prestassem as informações necessárias.
 
             O que consta do auto que deu causa ao processo tutelar, sem mais, é 
 irrelevante para a investigação dos factos destes autos, tal como é 
 conhecerem-se os elementos documentais ou testemunhais, as conclusões quanto às 
 situações de risco da menor e as decisões aí proferidas.
 
             Concluindo: não tinham de ser investigados os elementos pedidos do 
 processo tutelar até porque não se vê, nem foi indicado, o que aí se pretendia 
 saber com utilidade para estes autos”.
 
  
 
             Resulta assim evidente que a ratio decidendi do acórdão da Relação é 
 constituída por dois fundamentos normativos alternativos e autónomos. 
 Ora, o recorrente apenas sindica constitucionalmente a norma do art.º 36º, n.º 
 
 2, da OTM, não questionando a outra norma – o art.º 340º, n.º 1, do CPP.
 
             Deste modo verifica-se que, mesmo que o Tribunal Constitucional 
 viesse a pronunciar-se no sentido da inconstitucionalidade daquela primeira 
 norma ou seja, no sentido de que seria inconstitucional a norma do art.º 36º, 
 n.º 2, da OTM, entendida no sentido de estabelecer a inadmissibilidade de 
 obtenção de certidão de elementos do processo tutelar para junção a autos de 
 processo-crime, ainda assim em decisão posterior de reforma do acórdão recorrido 
 consequente da hipotizada pronúncia do Tribunal Constitucional, o indeferimento 
 sempre teria de ser mantido com base na aplicação do art.º 340º, n.º 1, do CPP, 
 e na consideração de que, em concreto, essa obtenção e junção aos autos não se 
 apresenta[r] como “necessária à descoberta da verdade e da boa decisão da 
 causa”.
 
             Não podendo sair cumprida a função instrumental do recurso de 
 constitucionalidade relativamente ao decidido quanto à obtenção e junção aos 
 autos do processo-crime da referida certidão – requisito esse que constitui um 
 pressuposto do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade -  
 torna-se inútil o conhecimento da questão de constitucionalidade relativa ao 
 art.º 36º, n.º 2, da OTM, não havendo assim que tomar conhecimento dela.
 
  
 
             4 – Vejamos agora a segunda questão.
 
             O recorrente recorre ainda do acórdão da Relação, ao abrigo do 
 disposto na alínea g) do n.º 1 do art.º 70º da LTC, dizendo que o “art.º 374º, 
 n.º 2, do CPP, com a interpretação com que foi aplicado no acórdão de 1ª 
 instância e referenciado no acórdão recorrido, que operou a simples enunciação 
 dos meios de prova, sem qualquer exame crítico” constitui uma aplicação dessa 
 norma com um sentido que foi julgado inconstitucional no acórdão do Tribunal 
 Constitucional n.º 680/98, sendo que aquela interpretação viola o disposto nos 
 art.ºs 205º, n.º 1, e 32º, n.º 1, da CRP.
 
  
 
             Este acórdão do Tribunal Constitucional (publicado nos Acórdãos do 
 Tribunal Constitucional, 41º vol., pp. 539 e ss.) decidiu “julgar 
 inconstitucional a norma do n.º 2 do artigo 374º do Código de Processo Penal de 
 
 1987, na interpretação segundo a qual a fundamentação das decisões em matéria de 
 facto se basta com a simples enumeração dos meios de prova utilizados em 1ª 
 instância, não exigindo a explicitação do processo de formação da convicção do 
 tribunal, por violação do dever de fundamentação das decisões dos tribunais 
 previsto no n.º 1 do artigo 205º da Constituição, bem como, quando conjugada com 
 a norma das alíneas b) e c) do n.º 2 do artigo 410º do mesmo código, por 
 violação do direito ao recurso consagrado no n.º 1 do artigo 32º também da 
 Constituição”.
 
  
 
             Ora, no recurso interposto para o Tribunal da Relação, o recorrente 
 alegou que “o tribunal (de 1ª instância) se limitou, em sede de fundamentação de 
 facto, a referenciar demoradamente o depoimento de testemunhas, sem proceder a 
 qualquer exame crítico da prova produzida”, “efectuando interpretação e 
 aplicação do disposto no art.º 374º, n.º 2, do CPP desconformes à Constituição 
 por violação dos específicos deveres de fundamentação e direito de recurso, 
 consagrados nos art.ºs 205º, n.º 1, e 32º, n.º 1, da Constituição”.
 
  
 
             Apreciando esse fundamento do recurso diz o acórdão recorrido o 
 seguinte:
 
  
 
             «Diz o recorrente que não foi dado cabal cumprimento ao disposto 
 pelo art.º 374º, n.º 2, do CPP.
 
             Mas a leitura da fundamentação quanto à convicção sobre a matéria de 
 facto permite conhecer o processo lógico que levou à convicção do tribunal, pelo 
 que, vistas as finalidades da norma, foi dado suficiente cumprimento ao disposto 
 pela mesma”.
 
  
 
             Decorre, com toda a clareza, deste excerto do discurso do acórdão da 
 Relação que este não entendeu e não aplicou a norma do art.º 374º, n.º 2, do CPP 
 no sentido julgado inconstitucional pelo referido acórdão n.º 680/98 na 
 apreciação que fez do acórdão recorrido de 1ª instância, em conhecimento do 
 alegado fundamento de recurso. 
 Embora de forma lacónica, o acórdão recorrido diz permitir o acórdão de 1ª 
 instância conhecer o processo lógico que levou à formação da sua convicção em 
 matéria de facto e que tal satisfaz suficientemente as finalidades da norma, 
 pelo que quer o acórdão de 1ª instância quer o acórdão recorrido assentam no 
 entendimento dessa norma no sentido de ter de dar a conhecer esse processo 
 lógico ou racional de formação da convicção do tribunal em matéria de facto. 
 
  
 
             Temos, portanto, que o acórdão recorrido não aplicou o critério 
 normativo julgado inconstitucional, pelo que não se verifica o pressuposto do 
 recurso estabelecido na referida alínea g) do n.º 1 do art.º 70º da LTC, 
 obstando tal facto ao conhecimento do recurso de fiscalização concreta de 
 constitucionalidade na parte em que este tem por objecto essa norma.
 
  
 
             A discordância do recorrente sobre o resultado do concreto juízo 
 feito pelo acórdão recorrido na subsunção das especificidades do caso ao 
 critério que seguiu não diz respeito já à norma e à sua conformidade com a Lei 
 Fundamental que a Relação (e o tribunal de 1ª instância) aplicou mas à correcção 
 da decisão judicial na aplicação/subsunção concreta desse critério normativo ou 
 seja, à decisão judicial em si própria, não podendo ser objecto de recurso de 
 fiscalização concreta de constitucionalidade, dado ele versar apenas sobre 
 normas jurídicas.».
 
  
 
             8 – Ouvidos o recorrente e recorrido sobre as referidas questões 
 prévias, ambos responderam ao parecer do relator.
 
             O recorrente defendeu, em longo articulado, o conhecimento das duas 
 questões de inconstitucionalidade, argumentando do seguinte jeito:
 
  
 
 «Salvo melhor juízo só aparentemente se verificam tais questões prévias.
 
  
 Vejamos porque é assim.
 
  
 B/Da inconstitucionalidade material do art. 36º, n.º 2, da OTM
 
  
 Em causa a questão de saber se o Tribunal de julgamento podia e devia ordenar a 
 requisição de uma certidão de um processo tutelar, conforme fundamentos 
 indicados na contestação e para prova dos factos aí articulados. (auto de 
 denúncia que deu origem ao processo nº 930/97 do Tribunal de Menores do Porto, 
 elementos documentais e testemunhais que tenham permitido identificar situações 
 de risco, conclusões recolhidas e decisões proferidas sobre o estado da menor 
 ofendida).
 
  
 Prova recusada com o fundamento expresso na proibição consagrada no normativo 
 indicado e cuja constitucionalidade se pretende ver sindicada e não com o 
 fundamento da sua desnecessidade nos termos do art. 340º, n.º 1, do CPP.
 
  
 Na tese do parecer
 
  
 
 'Resulta assim evidente que a ratio decidendi do acórdão da Relação é 
 constituída por dois fundamentos normativos alternativos e autónomos. Ora, o 
 recorrente apenas sindica constitucionalmente a norma do art. 36º, n.º 2, da 
 OTM, não questionando a outra norma - o art. 340º, n.º 1, do CPP'.
 
  
 Daqui se retirando no parecer que
 
  
 mesmo que se declarasse a inconstitucionalidade do entendimento dado a tal 
 norma, ainda assim, o indeferimento sempre teria de ser mantido com base na 
 aplicação do art. 340º, n.º 1, do CPP, e na consideração de, em concreto, essa 
 obtenção e junção aos autos não se apresentar como 'necessária à descoberta da 
 verdade e da boa decisão da causa'.
 
  
 Não podendo sair cumprida a função instrumental do recurso de 
 constitucionalidade relativamente ao decidido quanto à obtenção e junção aos 
 autos do processo-crime da referida certidão - requisito esse que constitui um 
 pressuposto do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade - 
 torna-se inútil o conhecimento da questão de constitucionalidade relativa ao 
 art. 36º, n.º 2, da OTM, não havendo assim que tomar conhecimento dela'
 
  
 
 É sugestiva mas parece inexactamente colocada a questão prévia suscitada.
 
  
 O que resultará da indevida equação quer das decisões proferidas, quer do regime 
 processual penal aplicável em fase de julgamento e de recurso.
 
  
 Explica-se.
 
  
 Pressuposto do parecer é que a decisão do Tribunal da Relação aplica quer o 
 regime do art. 36º, n.º 2, da LTM, quer o art. 340º, n.º 1, do CPP.
 
  
 Poderia admitir-se o raciocínio se a decisão de 1ª instância - de indeferimento 
 do meio de prova - se tivesse fundamentado (i) quer na inadmissibilidade legal 
 do meio de prova (de constitucionalidade sindicada), (ii) quer na desnecessidade 
 do meio de prova para a descoberta da verdade, nos termos e para os efeitos do 
 art. 340º, n.º 1, do CPP.
 
  
 Sucede que a decisão da 1ª instância de indeferir o meio de prova não se funda 
 no art. 340º do CPP.
 
  
 Tão só na interpretação e aplicação da norma sindicada.
 
  
 Por isso não foi objecto do recurso em primeira instância o uso efectuado do 
 normativo do CPP.
 
  
 Ora, como é conhecido, os recursos não servem para colocar questões novas.
 
  
 E não cabem nos poderes das Relações - em processo penal - a apreciação de 
 questões não colocadas e que não são de conhecimento oficioso.
 
  
 Saber se o meio de prova requerido na contestação devia ou não ser produzido, 
 saber se tinha ou não interesse para a descoberta da verdade e para a decisão de 
 mérito, é matéria da competência do Tribunal de julgamento.
 
  
 Apenas se o Tribunal de 1ª instância tivesse feito uso dos poderes conferidos 
 pelo art. 340º, n.º 1, do CPP, para indeferir o meio de prova requisitado, 
 poderia o arguido sindicar primeiro essa decisão arguindo a nulidade do art. 
 
 120º, n.º 2, al. d), do CPP e recorrendo depois da decisão que indeferisse a 
 arguição daquela nulidade.
 
  
 Não fazia assim parte do objecto do recurso a bondade da aplicação do art. 340º, 
 n.º 1, do CPP que o Tribunal de 1ª instância não aplicou, nem desaplicou.
 
  
 O que vale por dizer que as passagens do acórdão do Tribunal da Relação em que - 
 por referência ao art. 340º, nº 1, do CPP - se sustenta que o indeferimento do 
 meio de prova deveria ser mantido com base na aplicação deste normativo não 
 revestem natureza decisória.
 
  
 O Tribunal da Relação não aplicou, nem desaplicou o art. 340º, n.º 1, do CPP. 
 Nem podia.
 
  
 Como o Tribunal de 1ª instância não o aplicou, nem desaplicou.
 
  
 Com este enquadramento - que é o da lei do processo penal - a ratio decidendi do 
 acórdão do Tribunal da Relação do Porto não se apoia em dois fundamentos 
 normativos alternativos e autónomos.
 
  
 Mas num só fundamento!...
 
  
 Constituindo a referência ao art. 340º, n.º 1, do CPP um mero obter dictum, não 
 decisório e, consequentemente, não impugnável.
 
  
 Nem em sede de recurso ordinário de processo penal, por força da previsão legal 
 da inadmissibilidade do recurso dessa decisão da Relação; art. 400º, n.º 1, als. 
 b), e f), do CPP.
 
  
 Nem em sede de recurso de constitucionalidade.
 
  
 Mantendo-se a utilidade no conhecimento do recurso que precede - necessariamente 
 
 - a decisão que só o Tribunal de 1ª instância poderia proferir quanto à 
 utilidade/necessidade do meio de prova.
 
  
 Sob pena de preclusão do efectivo direito de recurso e das garantias de defesa.
 
  
 Como invocado.
 
  
 Sendo irrelevante apreciar se as afirmações produzidas pelo Tribunal da Relação 
 do Porto, em obiter dictum, insiste-se, se mostram adequadas ou inadequadas, 
 sempre se dirá que as mesmas são de todo injustificadas.
 
  
 Não se verifica a primeira questão prévia.
 
  
 C  Da inconstitucionalidade material do art. 374º, n.º 2, do CPP
 
  
 Em causa saber se as instâncias judiciais - de julgamento e de recurso - 
 interpretaram e aplicaram o art. 374º, n.º 2, por critérios normativos conformes 
 ou desconformes à Constituição.
 
  
 O arguido recorreu, ao abrigo do disposto na alínea g) do nº 1 do art. 70º da 
 LTC, dizendo que o art. 374º, nº 2, do CPP, com a interpretação com que foi 
 aplicado no acórdão de 1ª instância e referenciado no acórdão recorrido, que 
 operou a simples enunciação dos meios de prova, “sem qualquer exame critico”.o 
 que constitui uma aplicação dessa norma com um sentido que foi julgado 
 inconstitucional no acórdão do Tribunal Constitucional nº 680/98, sendo que 
 aquela interpretação viola o disposto nos art.s 205º, n.º 1, e 32º, n.º 1, da 
 CRP.
 
  
 Decidiu o Tribunal Constitucional no referido Acórdão, “julgar inconstitucional 
 a norma do n.º 2 do artigo 374º do Código de Processo Penal de 1987, na 
 interpretação segundo a qual a fundamentação das decisões em matéria de facto se 
 basta com a simples enumeração dos meios de prova utilizados em 1ª instância, 
 não exigindo a explicitação do processo de formação da convicção do tribunal, 
 por violação do dever de fundamentação das decisões dos tribunais previsto no 
 n.º 1 do artigo 205º da Constituição, bem como, quando conjugada com a norma das 
 alíneas b) e c) do n.º 2 do artigo 410º do mesmo código, por violação do direito 
 ao recurso consagrado no n.º 1 do artigo 32º também da Constituição.”.
 
  
 Sustenta-se no parecer que
 
  
 o Tribunal da Relação do Porto não entendeu e não aplicou a norma do art. 374º, 
 n.º 2, do CPP, no sentido julgado inconstitucional pelo referido acórdão n.° 
 
 680/98, na apreciação que fez do acórdão recorrido de 1ª instância, em 
 conhecimento do alegado fundamento do recurso,
 
  
 Isto porque,
 
  
 apesar de ter concordado com a simples enunciação dos meios de prova efectuado 
 pela 1ª instância;
 
  
 apesar de ter inconsiderado, que o tribunal de 1ª instância se limitou, em sede 
 de fundamentação de facto, a referenciar apenas e demoradamente o depoimento de 
 testemunhas;
 
  
 e apesar de não ter procedido a qualquer exame crítico da prova produzida, tal 
 como fez a 1ª instância,
 
  
 menciona, a própria decisão recorrida do Tribunal da Relação (!...), que o 
 acórdão da primeira instância satisfaz as exigências de fundamentação!
 
  
 Quod erat demonstrandum.
 
  
 Isto é, no entendimento propugnado no parecer, defere-se ao Tribunal da Relação, 
 a sindicância exclusiva da conformidade constitucional do critério normativo 
 utilizado na interpretação e aplicação da norma.
 
  
 Não pode ser.
 
  
 E não pode por razões evidenciadas no próprio parecer.
 
  
 Escreve-se a fls. 5, último parágrafo, que 'Embora de forma lacónica, o acórdão 
 recorrido diz permitir o acórdão de 1ª instância conhecer o processo lógico que 
 levou à formação da sua convicção em matéria de facto e que tal satisfaz 
 suficientemente as finalidades da norma, pelo que quer o acórdão de 1ª 
 instância, quer o acórdão recorrido assentam no entendimento dessa norma no 
 sentido de ter de dar a conhecer esse processo lógico ou racional de formação da 
 convicção do tribunal em matéria de facto.”
 
  
 A questão que se coloca é - exactamente - a de saber se a 'FORMA LACÓNICA', de 
 fundamentação constitui critério normativo constitucionalmente conforme?
 
  
 Em causa não está, como se sugere no PARECER, em saber se as decisões judiciais 
 em si próprias são correctas ou incorrectas...
 
  
 
 ... mas em saber se o dever de fundamentação das decisões judiciais imposto pela 
 constituição se cumpre com recurso a critério normativo reconhecidamente 
 lacónico;
 
  
 Na perspectiva do Recorrente, num processo penal que se quer garante dos 
 direitos do Arguido, não é aceitável nem suficiente, que o Acórdão da Relação 
 tenha de forma lacónica, defendido a suficiência da afirmação do processo lógico 
 que levou à formação da convicção em matéria de facto efectuado pela 1ª 
 instância.
 
  
 E não é aceitável, que em sede de recurso, a Relação, confirme uma decisão para 
 a qual está vinculada por deveres de clareza e de fundamentação coerente, 
 omitindo toda uma fundamentação necessária e fundamental para o esclarecimento 
 de tal decisão.
 
  
 Só pela via da forma lógica - e não pela via da forma lacónica - se respeitam, 
 na lógica de defesa dos direitos do Arguido, os princípios fundamentais e 
 constitucionais consagrados no art. 32º, n.ºs 1 e 5, da Constituição da 
 República.
 
  
 A confirmação da conformidade normativa da 'forma lacónica' de fundamentação não 
 satisfaz as exigências constitucionais de fundamentação das decisões judiciais.
 
  
 Por redundar numa interpretação legitimadora de aplicações puramente formais das 
 normas processuais destinadas a concretizar as garantias de defesa em processo 
 penal.
 
  
 Garantias de defesa que se querem materiais e efectivas...
 
  
 
 ... e não puramente formais ou discursivas, como decorreria da validação do 
 critério normativo usado nas decisões recorridas e que deve ser equiparado ao 
 juízo já declarado inconstitucional.
 
  
 
 É a conformidade constitucional do critério lacónico de fundamentação das 
 decisões judiciais que, em rigor, se pretende ver apreciado e não a correcção da 
 decisão judicial concretamente proferida.
 
  
 Sendo que da declaração da desconformidade constitucional do critério lacónico 
 de fundamentação decorrerá a necessidade de reforma das decisões das instâncias 
 judiciais recorridas.
 
  
 Como consequência da definição do critério normativo que devia ter sido 
 aplicado...
 
  
 
 ... e não como consequência da apreciação directa da correcção das decisões 
 judiciais proferidas.
 
  
 Entende o Recorrente que a questão que concretamente pretende ver apreciada se 
 identifica totalmente com o sentido e alcance do Acórdão do Tribunal 
 Constitucional nº 680/98.
 
  
 Inverificando-se a segunda questão prévia suscitada no PARECER.».
 
  
 
              9 - Por seu lado, o representante  do Ministério Público veio dizer 
 que “admite a verificação das situações aí explanadas que, constituindo questões 
 prévias relativamente à apreciação do objecto do recurso, obstam ao seu 
 conhecimento”.
 
  
 
 10 – Nas alegações apresentadas no Tribunal Constitucional, o recorrente 
 condensou as razões explanadas no seu longo discurso argumentativo nas seguintes 
 conclusões:
 
  
 
 «i)        As instâncias judiciais indeferiram o requerimento de requisição de 
 certidão de peças do processo que correu termos pelo Tribunal de Menores do 
 Porto sob o nº 930/97, relativo à menor B., por entender que tal requisição 
 carecia de fundamento legal à luz do carácter secreto do processo tutelar e do 
 disposto no artº 36º, n.º 2, da OTM, que aplicaram;
 ii)                   Resulta do disposto nos artigos 36º, n.º 2, e 37º da OTM 
 que o carácter secreto do processo tutelar não é absoluto, sendo levantável a 
 reserva para fins judiciais da competência dos tribunais de menores, de família, 
 cível ou penal (para efeitos de indemnização), de execução das penas e ainda 
 para fins administrativos da competência de direcções gerais e serviços de 
 assistência social; 
 iii)                 É inconstitucional o artº 36º, n.º 2, da OTM quando 
 interpretado e aplicado com o sentido e alcance de ser inadmissível a requisição 
 de certidão de processo tutelar que constitua objecto de prova de factos 
 juridicamente relevantes para a existência ou não existência do crime, por 
 violação de todas as garantias de defesa, conforme principio constitucionalmente 
 consagrado; artºs 27º, n.º 1, e 32º, n.º 1, da Constituição da República.
 iv)                 Devendo ser declarada a inconstitucionalidade do artº 36º, 
 n.º 2, da OTM, na interpretação com que foi aplicado.
 v)                  Por via interpretativa e aplicativa foi considerada nas 
 instâncias que não constitui alteração dos factos (substancial ou não 
 substancial) a consideração, na sentença condenatória, de factos atinentes ao 
 modo de execução do crime que não se encontravam especificadamente enunciados, 
 descritos ou discriminados no texto da pronúncia e, ainda, que é permitida a 
 comunicação de alteração dos factos – substancial ou não substancial - posterior 
 
 à deliberação e publicitação dos factos provados e respectiva fundamentação de 
 facto; 
 vi)                 Soluções erradamente julgadas conformes às garantias de 
 defesa em processo penal e aos princípios do acusatório e do contraditório, de 
 acordo com o que se preceitua no artigo 32º da Constituição da República, 
 porquanto, 
 vii)               Entende-se que ao conhecer de factos não constantes da 
 acusação ou da pronúncia, comunicando-os após publicitar a deliberação do 
 colectivo de juizes o Tribunal recorrido interpretou e aplicou o artº 358º, n.º 
 
 1, do CPP, violando, 
 viii)              o princípio do acusatório, que desrespeitou, incomunicando a 
 alteração no  decurso da audiência, insubmetendo-se ao princípio da vinculação 
 temática do tribunal ao objecto do processo;
 ix)                 o princípio do contraditório, que desrespeitou deliberando 
 antes da comunicação, e, portanto sem conceder em tempo útil efectiva 
 oportunidade de exercício do direito de defesa; e, ainda, 
 x)                  todas as garantias de defesa, as quais não podem revestir 
 natureza puramente formal, antes devendo ser concedidas com anterioridade 
 relativamente ao encerramento da discussão e sempre previamente à deliberação.
 xi)                 o acórdão recorrido operou a indicação dos meios de prova, 
 por forma puramente descritiva e sem efectuar qualquer apreciação crítica, 
 interpretando e aplicando o n.º 2 do artigo 374º do CPP, por forma tabelar e com 
 violação do dever de fundamentação;
 xii)               Só é conforme à Constituição a interpretação do artº 374º, 
 n.º 2, do CPP, segundo a qual o dever de fundamentação das decisões judiciais 
 obriga à explicitação do processo de formação de convicção sob pena de violação 
 quer do específico dever de fundamentação consagrado no artº 205º, n.º 1, da 
 CRP, quer do direito de recurso consagrado no art.º 32º, n.º 1, da CRP.
 xiii)              Como já declarado pelo Tribunal Constitucional.
 xiv)             Termos em que deve ser concedido provimento ao recurso, e 
 revogadas as decisões recorridas, que deverão ser reformuladas em conformidade 
 com os juízos de inconstitucionalidade.».
 
  
 
 11 – Contra-alegando concluiu o Ministério Público do seguinte jeito:
 
  
 
 «1 - A recusa de junção ao processo crime de elementos constantes de processo 
 tutelar, com fundamento no disposto no artigo 36º, n.º 2, da Organização Tutelar 
 de Menores, não impede que no âmbito daquele se produzam todos os meios de prova 
 que se revelem necessários à descoberta da verdade e à boa decisão da causa, 
 sejam, ou não coincidentes com os eventualmente recolhidos no processo tutelar, 
 motivo pelo qual tal recusa não se traduz em violação das garantias de defesa 
 constitucionalmente consagradas.
 
 2 - Procedendo-se a julgamento por tribunal colectivo, só após a deliberação 
 colegial dos juízes que o compõem sobre os factos resultantes de prova produzida 
 em audiência, se poderá dar como verificada uma alteração não substancial, a que 
 se reporta o artigo 358º do Código de Processo Penal.
 
 3 – Tendo-se comunicado ao arguido a alteração, dando-se-lhe oportunidade para 
 preparar a defesa e produzir prova e podendo esta ter como efeito alterar o 
 juízo do tribunal quando aos factos descritos na comunicação, não resultam 
 violadas as garantias de defesa em processo penal, incluindo a estrutura 
 acusatória do processo e a observância do princípio do contraditório.
 
 4 - Resultando da fundamentação quanto à convicção do tribunal do julgamento 
 sobre a matéria de facto o conhecimento bastante do processo lógico a ela 
 conducente, não se verifica qualquer violação de dever de fundamentação das 
 decisões, nem do direito ao recurso por parte da defesa.
 
 5 - Termos em que não deverá proceder o presente recurso.».
 
  
 Tudo visto, cumpre decidir, começando pelas questões prévias.
 
  
 
  
 B – Fundamentação
 
  
 
  
 
             12 – Das questões prévias
 
  
 
  
 
             12.1- Questão prévia relativa ao não conhecimento da questão de 
 inconstitucionalidade da norma constante do art.º 36º, n.º 2, da OTM
 
  
 Ao contrário do que o recorrente sustenta, é de manter a posição expressa no 
 parecer do relator, acima transcrita e pelas razões que aí se aduzem.
 
             Refuta o recorrente a bondade da fundamentação aí expendida, 
 essencialmente, com base em dois argumentos: o primeiro é o de que “não cabe nos 
 poderes das Relações a apreciação de questões novas e que não são de 
 conhecimento oficioso”, sendo que teria essa natureza, por constituir “matéria 
 da competência do Tribunal do julgamento”, “saber se o meio de prova requerido 
 na contestação devia ou não ser produzido, saber se tinha ou não interesse para 
 a descoberta da verdade e para a decisão de mérito, pelo que “apenas se o 
 Tribunal de 1ª instância tivesse feito uso dos poderes conferidos pelo art.º 
 
 340º, n.º 1, do CPP para indeferir o meio de prova requisitado, poderia o 
 arguido sindicar “primeiro essa decisão arguindo a nulidade do art.º 120º, n.º 
 
 2, alínea d), do CPP e recorrer depois da decisão que indeferisse a arguição de 
 nulidade” e, sendo assim, “não fazia [...] parte do recurso a bondade da 
 aplicação do art.º 340º, n.º 1, do CPP que o Tribunal de 1ª instância não 
 aplicou nem desaplicou”; o segundo é o de que “a passagem do acórdão em que por 
 referência ao art.º 340º, n.º 1, do CPP se sustenta que o indeferimento do meio 
 de prova deveria ser mantido com base na aplicação deste normativo não reveste 
 natureza decisória” e que “o Tribunal da Relação não o aplicou e desaplicou”, 
 
 “constituindo a referência ao art. 340º, n.º 1, do CPP um mero obiter dictum, 
 não decisório”.
 
  
 
             Não cabe, porém, na natureza do recurso de constitucionalidade, por 
 não sindicar a correcção da decisão jurisdicional recorrida com a amplitude 
 própria dos recursos ordinários admissíveis nos tribunais de instância, aferir 
 se a Relação poderia ou não conhecer da questão da aplicação do art.º 340º, n.º 
 
 1, do CPP. 
 
             No recurso de constitucionalidade apenas se podem sindicar os 
 fundamentos da decisão recorrida no que tange à constitucionalidade das normas 
 que tenham constituído a ratio decidendi da decisão. 
 
             Não é assim procedente a referida argumentação do recorrente 
 tendente a demonstrar não poder ser considerada a aplicação que a Relação haja 
 feito do art.º 340º, n.º 1, do CPP e poder a eventual decisão de 
 inconstitucionalidade da norma constante do art.º 36º, n.º 2, da OTM implicar a 
 reforma da decisão de 1ª instância que indeferiu o seu pedido de certidão.
 
             Antes de mais, há que notar que a utilidade do recurso 
 constitucional, neste caso, se revela antes pela potencialidade de a decisão do 
 Tribunal Constitucional poder implicar a reforma do acórdão da Relação e não a 
 reforma da decisão de 1ª instância, pois a desta apenas poderia decorrer do 
 facto de a decisão de segunda instância se basear num único fundamento que 
 houvesse sido considerado pelo acórdão da 1ª instância.
 
             O que é verdadeiramente determinante é que tenha havido 
 efectivamente um fundamento normativo autónomo da decisão ora recorrida e que 
 esse outro fundamento não tenha sido sindicado no recurso de constitucionalidade 
 posteriormente interposto, embora com dispensa – questão que, aqui, não há que 
 decidir – do ónus de prévia suscitação da questão de inconstitucionalidade com 
 base no seu eventual carácter “inesperado” ou “insólito”.
 
             Deste modo não tem o Tribunal Constitucional que sindicar se a 
 Relação poderia apreciar a questão nos termos em que o fez, apurando, 
 nomeadamente, se a questão não seria a mesma que foi colocada à 1ª instância 
 apenas divergindo nos seus fundamentos de direito mas em cuja determinação e 
 aplicação o tribunal de recurso procede oficiosamente de acordo com o princípio 
 expresso no velho brocardo latino jus novit curia e se, a admitir-se que a sua 
 resolução eventualmente pudesse implicar a formulação de um hipotético juízo de 
 facto [como o de plausibilidade dos concretos meios de prova requeridos para 
 demonstrar os factos cuja existência se pretende asseverar], o não poderia 
 eventualmente fazer, considerando que ela pode conhecer de facto e de direito, 
 embora naquele âmbito apenas desde que se verifiquem certas circunstâncias (cf. 
 art.ºs 428º e 431º do CPP), ou se excedeu os seus poderes de recurso.
 
             Relativamente ao segundo argumento alegado pelo recorrente, importa 
 acentuar que é bem expressiva a posição do acórdão recorrido no sentido da 
 aplicação do art.º 340º, n.º 1, do CPP como um segundo fundamento alternativo e 
 autónomo da confirmação do indeferimento do pedido de certidão feito pelo 
 recorrente de elementos constantes do processo tutelar respeitante à ofendida no 
 processo-crime, mostrando-se uma tal intencionalidade normativo-fundamentante 
 expressada de forma bem incisiva no acórdão (de 18 de Março de 2003) que 
 apreciou o pedido de aclaração efectuado pelo recorrente no sentido de saber se 
 o sentido que devia conferir-se à asserção constante do acórdão aclarando de que 
 toda a investigação “pode ser feita aqui” (no processo-crime) “deveria ser o de 
 que “foi feita toda a investigação que podia ter sido feita” ou o de que não 
 tinha que ser feita a investigação requerida”.
 
             Na verdade, por referência à aplicação do art.º 340º, n.º 1, do CPP 
 o acórdão explicitou que o pedido de certidão de peças processuais do processo 
 tutelar devia ser, como foi, indeferido, por “nada se ve[r] nos autos nem o 
 arguido indica[r] qualquer elemento que aponte para a utilidade, em concreto e 
 relativamente à descoberta da verdade nestes autos, de se conhecerem os factos 
 investigados naquele processo tutelar” e que “é irrelevante pedir peças de um 
 processo sem objectivo conhecido”. 
 E, finalmente, rematou do seguinte jeito, não cabendo ao Tribunal Constitucional 
 sindicar a correcção em concreto de um tal juízo: “Concluindo: não tinham de ser 
 investigados os elementos pedidos do processo tutelar até porque não se vê, nem 
 foi indicado, o que aí se pretendia saber com utilidade para estes autos”.
 
             Não há dúvida, pois, que se está perante um fundamento normativo 
 autónomo, pelo que restava ao recorrente sindicá-lo constitucionalmente para se 
 poder manter a utilidade do recurso de constitucionalidade.
 
             Note-se, por fim, que o recorrente não deixou até de antecipar a 
 aplicação de tal preceito, conquanto relativamente ao indeferimento de parte das 
 diligências de prova requeridas na sequência da referida comunicação da 
 alteração não substancial dos factos.
 
             Finalmente, importa dizer ainda que o recorrente não impugna a 
 constitucionalidade da norma do art.º 36º, n.º 2, da OTM tal qual esta foi 
 entendida e aplicada pelo acórdão recorrido, mas segundo uma outra expressão 
 normativa.
 
             Na verdade, o recorrente pretende a apreciação de 
 inconstitucionalidade da norma constante do art.º 36º, n.º 2, da OTM, “entendida 
 no sentido de não ser admissível, por não se enquadrar em qualquer das situações 
 previstas no preceito, a obtenção e a junção aos autos de processo crime, onde 
 veio a ser condenado por sentença sujeita a recurso pela prática de um crime 
 continuado de abuso sexual de crianças”.
 
             Todavia, o acórdão recorrido fundamentou-se, ainda, na circunstância 
 de a requisição não ter utilidade por não ter como objecto a prova de factos 
 concretamente determinados que o recorrente tivesse alegado em sua defesa, mas 
 apenas propósitos genéricos de investigação, sendo que o recorrente não impugna 
 esta diferente compreensão da norma.
 
             
 
             12.2 – Questão prévia relativa à constitucionalidade do art.º 374º, 
 n.º 2, do CPP
 
  
 
             Também relativamente a esta questão é de concluir pelo modo e 
 fundamentos constantes do parecer do relator.
 
             A este propósito, o recorrente, nas suas alegações de recurso e após 
 defender uma reapreciação da matéria de facto no sentido de não estarem provados 
 os factos imputados ao arguido, defendeu que a sua “apreciação e modificação 
 
 [que] sempre decorreria, também, da constatação de que o tribunal se limitou, em 
 sede de fundamentação de facto, a referenciar demoradamente o depoimento de 
 testemunhas, sem proceder a qualquer exame crítico da prova produzida”, 
 
 “efectuando interpretação e aplicação do disposto no art.º 374º, n.º 2, do CPP 
 desconformes à Constituição por violação dos específicos deveres de 
 fundamentação e direito de recurso, consagrados nos artigos 205º, n.º 1, e 32º, 
 n.º 1, da Constituição”.
 
             
 Em tal passo do seu discurso alegatório, o recorrente pretendeu demonstrar, a 
 partir da afirmação de que o tribunal de 1ª instância não havia “procedido [sem 
 proceder] a qualquer exame crítico da prova produzida”, que este seguiu, na 
 elaboração do seu juízo de julgamento da matéria de facto, um entendimento do 
 dever de fundamentação estabelecido no art.º 374º, n.º 2, do CPP no sentido de 
 estar dispensado do exame crítico das provas produzidas e como tal ofensivo do 
 dever consignado no n.º 1 do art.º 205º da Constituição.
 O acórdão recorrido concluiu, todavia, que “a leitura da fundamentação quanto à 
 convicção sobre a matéria de facto permite conhecer o processo lógico que levou 
 
 à convicção do tribunal, pelo que, vistas as finalidades da norma, foi dado 
 suficiente cumprimento ao disposto pela mesma”.
 Ora desta asserção resulta claramente que o acórdão recorrido entendeu que, ao 
 contrário do que o recorrente sustentava, a decisão da 1ª instância por ele 
 sindicada havia efectuado um exame crítico das provas produzidas nos autos em 
 termos tais que davam para conhecer o processo lógico que levou à convicção do 
 tribunal – juízo este que se poderá acompanhar perante o modo como a decisão de 
 
 1ª instância se mostra fundamentada -  e que um tal resultado cumpria de forma 
 suficiente a funcionalidade do critério da fundamentação estabelecido no 
 referido preceito, donde se impõe concluir que não foi aplicado o  critério 
 normativo que o recorrente definiu como objecto do recurso de 
 constitucionalidade – o de o tribunal do julgamento haver entendido como estando 
 dispensado, na fundamentação do seu juízo de julgamento da matéria de facto, de 
 externar a avaliação e ponderação crítica efectuada sobre os meios de prova dos 
 quais resultou a sua convicção sobre os factos que deu como provados e não 
 provados.
 A circunstância de o tribunal de recurso ter expresso esse juízo de forma 
 lacónica não quer dizer, ao contrário do que o recorrente defende, que ele 
 próprio tivesse seguido o critério normativo cuja constitucionalidade pretende 
 ver sindicada, pois o carácter lacónico do seu discurso fundamentador não 
 implica que se possa considerar que ele entendeu não estar obrigado a dar a 
 conhecer de forma suficiente as razões por que decidiu em certo sentido e não 
 noutro e que tivesse adoptado quanto a si, de forma incongruente, um critério 
 normativo diferente daquele cuja correcção sindicava, mas tão só que ajuizou que 
 aquela fundamentação era a suficiente para entender a sua decisão sobre as 
 questões que, na matéria em causa, lhe haviam sido colocadas, sendo que a 
 decisão destas não a obrigava, como erradamente parece entender o recorrente, 
 ter de refazer e deixar expresso todo o processo de avaliação e de ponderação 
 dos meios de prova levado a cabo pela decisão de 1ª instância cuja correcção 
 apreciava.
 
  
 Temos, portanto, de concluir que o acórdão recorrido não aplicou o critério 
 normativo julgado inconstitucional pelo acórdão identificado pelo recorrente, 
 pelo que não se verifica o pressuposto do recurso estabelecido na referida 
 alínea g) do n.º 1 do art.º 70º da LTC.
 
  
 
 13 – Do recurso de constitucionalidade relativo à norma constante do art.º 358º 
 do Código de Processo Penal
 
  
 O recorrente pretende a apreciação de constitucionalidade da norma contida no 
 art.º 358º do CPP “quando interpretada no sentido de se não entender como 
 alteração dos factos (substancial ou não substancial) a consideração, na 
 sentença condenatória, de factos atinentes ao modo de execução do crime que não 
 se encontravam especificadamente enunciados, descritos ou discriminados no texto 
 da pronúncia” e, “quando interpretada como aplicável aos casos de comunicação de 
 alteração dos factos – substancial ou não substancial – posterior à deliberação 
 e publicitação dos factos provados e respectiva fundamentação de facto”.
 Estão, pois, postas em causa sub specie constitutionis duas dimensões normativas 
 diferentes do art.º 358º do CPP.
 Antes de se avançar, convém anotar que está fora dos poderes cognitivos do 
 Tribunal Constitucional apreciar a matéria fáctica, bem como a correcção do 
 juízo da sua subsunção (qualificação jurídica) ao preceito do art.º 358º do CPP. 
 
  
 Não obstante isso, afigura-se conveniente deixar uma explanação do enquadramento 
 da matéria de facto em que o recorrente se sustenta, de modo a compreender as 
 dimensões normativas por si definidas e as questões de inconstitucionalidade 
 colocadas. 
 Após debate instrutório no qual sustentou a nulidade da acusação por “omissão de 
 factos concretos praticados pelo arguido, bem como das circunstâncias de tempo, 
 lugar e modo de execução da sua prática”, o ora recorrente foi pronunciado pela 
 
 “autoria singular, [de] um crime de violação por acto análogo, p. e p. pelo 
 art.º 201º, n.ºs 1 e 2, do C. P. de 1982 e a partir de 1/10/1995 um crime de 
 abuso  sexual de crianças, p. e p. pelo art.º 172º, n.º 1, do C. P. de 1995”, 
 como consequência dos seguintes factos cuja prática lhe foi aí imputada:
 
  
 
 «[...]
 
 -        O arguido é tio e padrinho da menor B..
 
 -                Esta, desde pequena, que ia passar vários fins de semana a casa 
 do arguido e de sua família no Porto.
 
 -                Durante estes fins de semana e desde os 8 anos de idade da B. 
 
 (ou seja, desde 1992, já que a menor nasceu em 1984) até Junho de 1997, que o 
 arguido vinha praticando com ela actos de natureza sexual.
 
 -                Assim, o arguido, por várias vezes esfregou o pénis na vagina 
 da menor até ejacular, chegando mesmo uma vez a pedir-lhe que lhe ' chupasse ' o 
 pénis, o que esta fez.
 
 -                Também lhe 'chupava' e 'apalpava' os seios, dava-lhe beijos na 
 boca e tocava-lhe com os dedos na vagina.
 
 -                Submetida a exame médico no IML concluiu-se que a B. não 
 apresenta sinais típicos de desfloramento mas sim de possível tentativa de 
 desfloramento não recente – cfr. exame de fls. 46 que aqui se dá por 
 reproduzido.
 A B. foi suportando, em silêncio, ao longo do tempo, todos estes actos receando 
 contá-los a alguém, designadamente à sua mãe, por vergonha e medo das 
 consequências.
 Para levar a cabo a sua conduta, o arguido, por vezes, aliciava a menor mediante 
 promessas de a levar a passear ou de oferecer algo.
 Toda esta conduta causou perturbação na menor, a qual tem vindo a receber 
 acompanhamento por pedopsiquiatra.
 O arguido agiu livre e conscientemente bem sabendo que a sua conduta não era 
 permitida por lei».
 
  
 Após várias sessões de audiência de julgamento nas quais foi produzida a prova 
 oferecida pela acusação e pela defesa, o tribunal colectivo deliberou no sentido 
 de considerar provados provisoriamente vários factos, entre eles se contando os 
 descritos sob os n.ºs 3, 7 e 9º, respectivamente do seguinte teor:
 
  
 
 «3. Durante estes fins de semana e desde os 8 anos de idade da B. – idade de que 
 o arguido tinha conhecimento – (ou seja desde 1992, uma vez que a menor nasceu 
 em 1984) até Março de 1997, que o arguido vinha praticando com ela actos de 
 natureza sexual».
 
  
 
 «7. Para levar a cabo a sua conduta, o arguido por vezes dizia-lhe que não a 
 levava a passear se ela não praticasse com ele actos daqueles descritos sob os 
 pontos 3 a 5».
 
  
 
 «9. O arguido praticou os factos referidos sob os pontos 3 a 5, aproveitando-se 
 da proximidade da B. durante os fins de semana que esta passava em sua casa, 
 sendo que não tendo sido descoberto da primeira vez se animou com o seu êxito, 
 motivando-se para as vezes seguintes».
 
  
 Depois de descrever os factos tidos então como provados e não provados (juízo 
 esse feito provisoriamente como veio a consignar expressamente em audiência de 
 julgamento posteriormente realizada antes da produção da prova oferecida pelo 
 arguido em consequência da comunicação da alteração dos factos), o Tribunal fez 
 consignar na acta de audiência a seguinte decisão:
 
  
 
 «Entende o Tribunal que perante os factos que resultam provados, não se verifica 
 nenhuma alteração substancial, tal como a mesma é definida na al. f), n.º 1 do 
 Art. 1º do C.P.Penal.
 Ainda assim, pode-se entender o que se diz sobre os pontos 3, 7 e 9 dos factos 
 provados, poderá constituir uma alteração não substancial, cujo regime é o do 
 Art. 358º do C.P.Penal.
 Bem como por outro lado se pode concluir que os factos tidos como provados 
 integram um crime na forma continuada.
 Assim, e nos termos do Art. 358º do C.P.Penal, comunique-se tal alteração ao 
 arguido.».
 
  
 O arguido respondeu imediatamente à comunicação nos seguintes termos:
 
  
 
 «Entende o arguido, que tal alteração dos factos nos termos do Art. 358º do 
 C.P.Penal só pode ter lugar antes de encerrada a produção de prova.
 Ainda que relativamente ao facto provado sob o n.º 9, o mesmo configura efectiva 
 alteração substancial porquanto altera tal facto no circunstancialismo de modo 
 em que se teria desenvolvido a acção dele, arguido, designadamente por referir 
 um concreto acto de natureza sexual que circunstanciado no tempo a partir do 
 qual se teria desenvolvido a conduta subsequente.
 Tal circunstancialismo não foi naturalmente equacionável na altura da elaboração 
 e apresentação da contestação, pelo que sem prejuízo do entendimento 
 manifestado, requer prazo para a preparação de defesa, salvaguardando desde já a 
 necessidade de serem produzidos efectivos meios de prova».
 
  
 De seguida o tribunal reiterou a sua posição “de manter o despacho de 
 comunicação de eventual alteração não substancial dos factos nos termos em que o 
 mesmo foi feito já que os factos objecto do referido despacho e como 
 anteriormente referido, designadamente os constantes do ponto 9, não configuram 
 uma alteração substancial já que, a existir alguma alteração, a mesma não tem 
 por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou agravação dos limites 
 máximos das sanções aplicáveis”, e concedeu o prazo requerido pelo arguido para 
 a sua defesa, interrompendo a audiência e designando novo dia para a sua 
 continuação.
 Entre as duas datas, o arguido veio, por requerimento junto aos autos, sustentar 
 ser inadmissível a alteração comunicada, dizendo, entre o mais, que o “Tribunal, 
 pela consideração dos factos novos indicados, pretende contornar a prova 
 produzida pela defesa em audiência de julgamento e que evidenciou o absurdo da 
 acusação, subvertendo o princípio do acusatório, constitucionalmente consagrado 
 e que impõe que o acusador e julgador não sejam um único sujeito processual”, e 
 serem falsos aqueles factos “novos”. 
 No mesmo requerimento, o arguido indicou prova testemunhal sobre os novos 
 factos, bem como a “reconstituição do facto para prova da impossibilidade do 
 crime ser cometido pela forma dissimulada sugerida pelo tribunal” 
 
 [consubstanciado no funcionamento de uma máquina de cerzir referido em 
 julgamento como meio de dissimulação das relações sexuais tidas durante esse 
 funcionamento com a menor ofendida] e o “exame da casa de morada do arguido e da 
 máquina de cerzir para prova da impossibilidade da autoria singular do crime 
 pelo qual o arguido está acusado”.
 Na audiência de julgamento já designada, o Tribunal colectivo decidiu admitir 
 imediatamente a prova testemunhal oferecida pelo arguido e reservar para depois 
 da produção desta prova a posição a tomar quanto à realização das demais provas 
 requeridas, tendo vindo, porém, mais tarde (em outras sessões de julgamento), a 
 indeferi-la. 
 Produzida a prova testemunhal admitida, e feitas alegações, o Tribunal colectivo 
 proferiu acórdão em que julgou definitivamente os factos pelo modo constante do 
 seu probatório, condenando o arguido como autor material de um crime continuado 
 de abuso sexual de crianças p. e p. pelo art.º 30º, n.º 2, 79º e 172º, n.º 1,  
 do Código Penal de 1995. No julgamento da matéria de facto foi mantido o juízo 
 de facto antes formado de forma provisória relativamente àqueles pontos 3, 7 e 
 
 9.
 Inconformado, o arguido recorreu para o Tribunal da Relação do Porto colocando, 
 entre várias outras, a questão da conformidade constitucional do art.º 358º do 
 CPP, nas dimensões que teve por aplicadas.
 
  
 
             Ao enunciar a primeira dimensão normativa constitucionalmente 
 impugnada do art.º 358º do CPP a partir da realidade processual explanada, o 
 recorrente definiu-a como reportando-se a uma “alteração dos factos (substancial 
 ou não substancial) a consideração, na sentença condenatória, de factos 
 atinentes ao modo de execução do crime que não se encontravam especificadamente 
 enunciados, descritos ou discriminados no texto da pronúncia”.
 
             Mas esta enunciação não espelha em termos claros a realidade 
 processual ocorrida e que foi relevada pelo tribunal. 
 Na verdade, o que o tribunal a quo entendeu foi que a integração dos factos 
 descritos na pronúncia por outros factos mais especificados, indiciariamente 
 constatados em audiência de julgamento -  na parte relativa ao contexto temporal 
 e ambiente físico em que a sua acção ocorreu e ao relevo que, no seu foro 
 
 íntimo, teve, para a prática de novos actos, esse contexto e a circunstância de 
 não ter sido inicialmente descoberto – integravam, quando muito, uma alteração 
 não substancial da pronúncia, por não terem por efeito a imputação ao arguido de 
 um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis, pelo 
 que o arguido devia ser, como foi, ouvido sobre eles e concedido prazo para a 
 sua defesa. 
 
             Anote-se que os factos constantes dos n.ºs 3 e 7 do “probatório 
 provisório” levado ao conhecimento do arguido em nada inovam o quadro fáctico 
 relativo às circunstâncias de lugar, tempo ou modo das acções do arguido que 
 consta da pronúncia do arguido, constituindo uma mera reprodução desse quadro 
 fáctico, feito de modo verbalmente diferente. 
 E o mesmo se diga relativamente à primeira parte do n.º 9 do mesmo probatório, 
 onde se diz que “o arguido praticou os factos referidos sob os pontos 3 a 5, 
 aproveitando-se da proximidade da B. durante os fins de semana que esta passava 
 na sua casa”. 
 Na verdade, esta asserção não constitui mais do que uma simples descrição do 
 contexto temporal e do ambiente físico em que a acção do arguido se desencadeou, 
 contexto esse que não é mais do que uma reafirmação ou ilação explícita do que 
 sinteticamente se encontra dito na pronúncia, ao dizer-se que “[a menor] desde 
 pequena, que ia passar vários fins de semana a casa do arguido e de sua família 
 no Porto”; que “durante esses fins de semana e desde os 8 anos de idade da B. 
 
 (ou seja, desde 1992, já que a menor nasceu em 1984) até Junho de 1997, que o 
 arguido vinha praticando com ela actos de natureza sexual”; que “assim, o 
 arguido, por várias vezes esfregou o pénis na vagina da menor até ejacular....”; 
 que “também lhe ‘chupava’ e ‘apalpava’ os seios, dava-lhe beijos na boca e 
 tocava-lhe com os dedos na vagina”.
 E mesmo em relação aos factos afirmados na segunda parte do referido n.º 9 do 
 probatório – “sendo que não tendo sido descoberto da primeira vez se animou com 
 o seu êxito, motivando-se para as vezes seguintes” – não poderá dizer-se 
 estar-se perante a indiciação, em toda a linha, de um facto novo mas 
 simplesmente perante a concretização indiciária do dolo abrangente de toda a 
 prática de relações sexuais com a menor, desde os seus 8 anos de idade, que a 
 pronúncia lhe imputava. 
 Tal asserção corresponde simplesmente à afirmação da existência de um dolo 
 continuado na prática continuada das relações sexuais com a menor. 
 Mas, imputando a pronúncia ao arguido a prática de relações sexuais com a menor 
 desde 1992 até 1997, de modo consciente e livre e bem sabendo que a sua conduta 
 era proibida por lei, e tendo o mesmo despacho acabado por considerar que o 
 arguido apenas cometera, em autoria singular, um crime de abuso sexual de 
 menores, a existência desse dolo continuado estava já sinteticamente afirmada na 
 pronúncia. 
 
  Deste modo, o “novo” facto constitui, quando muito, uma simples ilação 
 especificadora do que a  narração sintética constante da pronúncia já deixava 
 entender.
 Assim sendo, a primeira dimensão normativa do art.º 358º do CPP que se mostra 
 assumida no acórdão recorrido, por confirmação do decidido pela 1ª instância, e 
 cuja constitucionalidade o recorrente impugna, é a interpretação desse preceito 
 no sentido de entender que constitui alteração não substancial dos factos, que 
 não tem por efeito a imputação de crime diverso ao arguido nem a agravação dos 
 limites máximos das sanções aplicáveis, mas que demanda a sua comunicação ao 
 arguido e a concessão de prazo para a sua defesa, a consideração, em despacho 
 comunicado ao arguido e na sentença, de factos especificadores de factos 
 sinteticamente enunciados na pronúncia.
 Relativamente à segunda dimensão normativa do mesmo artigo, a questão de 
 constitucionalidade suscitada pelo recorrente tem por objecto o mesmo preceito, 
 quando entendido no sentido de ser admissível a comunicação ao arguido da 
 alteração não substancial dos factos especificadores dos factos sinteticamente 
 enunciados na pronúncia, após prévia deliberação do colectivo dos juízes sobre a 
 matéria de facto e na qual esses factos foram descritos como estando indiciados 
 ou “provisoriamente provados”, concedendo-se prazo para a defesa.
 Da constitucionalidade de tais normas se conhecerá, pois.
 
  
 
 14.1 – O recorrente sustenta que tais dimensões normativas do art.º 358º do CPP 
 violam os princípios do acusatório, do contraditório e da plenitude das 
 garantias de defesa.
 Debrucemo-nos sobre a primeira questão suscitada.
 O Tribunal Constitucional tem-se pronunciado repetidas vezes sobre o conteúdo 
 constitucional de tais princípios, nomeadamente no quadro de apreciação de 
 questões de (in)constitucionalidade relativas aos art.ºs 358º (alteração não 
 substancial dos factos descritos na acusação e na pronúncia) e 359º (alteração 
 substancial), ambos do CPP.
 Entre eles conta-se o Acórdão n.º 674/99, publicado no Diário da República II 
 Série, de 20 de Fevereiro de 2000 (também em BMJ, n.º 492, pp. 62, e Acórdãos do 
 Tribunal Constitucional, 45º vol., pp. 559), que o recorrente convoca como caso 
 pretensamente análogo e onde o Tribunal concluiu pela inconstitucionalidade das 
 
 “normas contidas nos artigos 358º e 359º do CPP, quando interpretados no sentido 
 de se não entender como alteração dos factos – substancial ou não substancial - 
 a consideração, na sentença condenatória, de factos atinentes ao modo de 
 execução do crime, que, embora constantes ou decorrentes dos meios de prova 
 juntos aos autos, para os quais a acusação e a pronúncia expressamente remetiam, 
 no entanto aí se não encontravam especificadamente enunciados, descritos ou 
 discriminados, por violação das garantias de defesa do arguido e dos princípios 
 do acusatório e do contraditório, assegurados no artigo 32º, n.ºs 1 e 5 da 
 Constituição da República”.
 Discreteou-se, então, aí:
 
  
 
 «[...]
 
 61. No seu artigo 32º, a Constituição da República Portuguesa estabelece, entre 
 os direitos, liberdades e garantias pessoais, as Garantias de processo criminal.
 Nos termos do preceituado nesse artigo 32º, «o processo criminal assegura todas 
 as garantias de defesa, incluindo o recurso» (n.º 1), sendo que o mesmo 
 
 «processo criminal tem estrutura acusatória, estando a audiência de julgamento e 
 os actos instrutórios que a lei determinar subordinados ao princípio do 
 contraditório» (n.º 5). 
 A propósito do princípio acusatório, dizem J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira 
 que ele «é um dos princípios estruturantes da constituição processual penal» e 
 
 «uma garantia essencial do julgamento independente e imparcial», significando 
 essencialmente que «só se pode ser julgado por um crime precedendo acusação por 
 esse crime por parte de um órgão distinto do julgador, sendo a acusação condição 
 e limite do julgamento» (Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed. 
 revista, Coimbra Editora, 1993, nota IX ao artigo 32º, pág. 205). 
 Relativamente ao princípio do contraditório, assinalam os mesmos comentadores 
 que ele implica o dever «de o juiz ouvir as razões das partes (da acusação e da 
 defesa) em relação a assuntos sobre os quais tenha de proferir uma decisão», bem 
 como o «direito de audiência de todos os sujeitos processuais que possam vir a 
 ser afectados pela decisão», e ainda o «direito do arguido de intervir no 
 processo e de se pronunciar e contraditar todos os testemunhos, depoimentos ou 
 outros elementos de prova ou argumentos jurídicos trazidos ao processo», sendo 
 certo que «o princípio abrange todos os actos susceptíveis de afectar a sua 
 posição» (ibidem, nota X ao artigo 32º, pág. 206).
 
 62. Os princípios do acusatório e do contraditório, enquanto princípios 
 estruturantes do processo penal, movem-se necessariamente no quadro de um 
 sistema processual que tem também – como vimos – de assegurar todas as garantias 
 de defesa, ou seja, no quadro de um processo penal justo e equitativo. 
 Escreveu-se no Acórdão n.º 172/92 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 22º 
 vol., págs. 350), acerca das garantias de defesa do arguido:
 O processo penal há-de, assim, configurar-se - como se disse já - em termos de 
 ser 'um due process of law, devendo considerar-se ilegítimas, por consequência, 
 quer eventuais normas processuais, quer procedimentos aplicativos delas, que 
 impliquem um encurtamento inadmissível das possibilidades de defesa do arguido' 
 
 (cf. acórdão deste Tribunal n.º 61/88, publicado no Boletim do Ministério da 
 Justiça, n.º 375, p. 138; cf. também o já citado acórdão n.º 393/89).
 
 [...]
 O princípio do contraditório, encarado do ponto de vista do arguido, pretende, 
 antes de mais, realizar, o seu direito de defesa. 'A máxima audiatur et altera 
 pars ou ne absens damnetur' é, justamente, no dizer de EDUARDO CORREIA,' a 
 expressão', nesse sentido, 'do princípio do contraditório' (Revista de 
 Legislação e Jurisprudência, ano 110º, p. 99).
 Dizendo com a Comissão Constitucional, no seu Parecer n.º 18/81, publicado em 
 Pareceres da Comissão Constitucional, volume 16º, p. 147: o sentido essencial do 
 princípio do contraditório 'está, de uma forma mais geral, em que nenhuma prova 
 deve ser aceite em audiência, nem nenhuma decisão (mesmo só interlocutória) deve 
 aí ser tomada pelo juiz, sem que previamente tenha sido dada ampla e efectiva 
 possibilidade, ao sujeito processual contra o qual é dirigida, de a discutir, de 
 a contestar e de a valorar'.
 A descoberta da verdade material em processo penal há-de, portanto, 
 necessariamente compaginar-se com aquelas garantias de defesa do arguido. E 
 assim se reconhecerá, como corolário do princípio do acusatório, o da vinculação 
 temática do tribunal e da correlação entre a acusação (e a pronúncia) e a 
 sentença.
 
 63. Como realça Jorge Figueiredo Dias (Direito Processual Penal, Coimbra, 1974, 
 pág. 45), a concepção típica de um «processo acusatório» implica a «estrita 
 ligação do juiz pela acusação e pela defesa», em sede de determinação do objecto 
 do processo como em sede de poderes de cognição e dos limites da decisão. 
 E, mais adiante (id., pág. 145), acerca da vinculação temática do tribunal, como 
 efeito consubstanciador dos princípios da identidade, da unidade ou 
 indivisibilidade e da consunção do objecto do processo penal, afirma este autor: 
 
 
 Deve pois firmar-se que objecto do processo penal é o objecto da acusação, sendo 
 este que, por sua vez, delimita e fixa os poderes de cognição do tribunal [...] 
 e a extensão do caso julgado.
 Como também se pode ler no Acórdão n.º 173/92 (Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional, 22º vol., págs. 361):
 A questão não pode ser apresentada ao tribunal para julgamento sem que tenha 
 sido previamente delimitado o seu objecto num documento (a acusação, ou 
 requerimento acusatório) que indique os factos de que o arguido é acusado e qual 
 o seu enquadramento jurídico-penal (esta questão está sistematicamente 
 concatenada com o princípio da legalidade vigente em direito penal substantivo, 
 do qual decorre a necessidade de fixação prévia de um determinado quadro fáctico 
 e de uma determinada moldura penal adequada a esse quadro fáctico); por vezes, 
 exige-se até que um juiz se pronuncie previamente sobre essa acusação (através 
 da pronúncia) antes de a questão ser apresentada ao tribunal do julgamento. Mas 
 a acusação não basta, porque é preciso dar também ao arguido a possibilidade de 
 produzir ele próprio um documento (a contestação) que contrarie o anterior.
 Em segundo lugar, o princípio da correlação entre acusação e sentença. Como a 
 acusação fixa o objecto do processo, o julgamento incide sobre a matéria da 
 acusação e o tribunal não pode, por sua iniciativa, ou por iniciativa da parte 
 acusadora, apreciar questões diversas das descritas na acusação, julgar um 
 arguido por factos que foram atribuídos a outro, nem muito menos julgar pessoas 
 nela não indicadas. Uma norma legal que o permitisse violaria este princípio 
 processual penal.
 Como assinala António Quirino Duarte Soares (ibidem), do «princípio da acusação 
 
 (segundo o qual é esta que define e fixa perante o juiz o objecto do processo)» 
 decorre logicamente um outro princípio, corolário do primeiro - «tal princípio é 
 o da identidade do objecto do processo, que representa a ideia de que o objecto 
 da acusação se deve manter idêntico, o mesmo, desde aquela, até à sentença 
 final».
 Ora, este princípio da identidade do objecto do processo significa, desde logo, 
 que a correlação entre a acusação e a pronúncia se há-de prolongar numa 
 necessária correlação entre a pronúncia e a sentença. Quando esta imputar ao 
 arguido factos absolutamente novos, estranhos ao objecto do processo, tal como 
 este resulta da pronúncia, ainda aí se estará, pois, perante uma ofensa ao 
 princípio do acusatório. 
 
 64. De resto, o Tribunal Constitucional tem-se por diversas vezes debruçado 
 sobre esta temática, no âmbito das garantias de defesa do arguido, não apenas 
 nos já citados Acórdão n.º 172/92, Acórdão n.º 173/92 e Acórdão n 330/97, mas 
 também no Acórdão n.º 279/95 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 31º vol., 
 págs. 389 e segs.), no Acórdão n.º 16/97 (Diário de República II Série, de 28 de 
 Fevereiro de 1997), no Acórdão n.º 130/98 (Diário da República II Série, de 7 de 
 Maio de 1998) e no Acórdão n.º 442/99 (inédito), entre outros.
 No quadro dessa numerosa jurisprudência, o Tribunal já teve ocasião de apreciar 
 as normas dos artigos 358º e 359º do Código de Processo Penal. Fê-lo sempre, 
 todavia, e até ao momento, apenas do ponto de vista da conformidade 
 constitucional da mera alteração da qualificação jurídica dos factos imputados 
 ao arguido, designadamente no que se refere ao respeito pelo princípio do 
 contraditório.
 Assim, afirmou-se, a este propósito, no já mencionado Acórdão n.º 330/97:
 O 'direito a ser ouvido', enquanto direito a dispor de oportunidade processual 
 efectiva de discutir e tomar posição sobre quaisquer decisões, particularmente 
 as tomadas contra o arguido, integra as garantias de defesa, no que à respectiva 
 estratégia respeita, de outro modo se violando o princípio do contraditório. 
 Compreende-se que assim seja uma vez que, em princípio, a faculdade de alteração 
 da incriminação constante da acusação, se operada sem ao arguido se dar ensejo 
 de a conhecer e de organizar a sua defesa em função da mesma, pode-lhe causar 
 grave prejuízo (neste sentido, para além dos arestos citados, mencionem-se inter 
 alia, os acórdãos nºs. 402/95, 22/96 e 596/96, publicados no Diário da República 
 II Série, de 16 de Novembro de 1995, 17 de Maio e 6 de Julho de 1996, 
 respectivamente).
 No presente recurso já não importa, porém, apurar em que medida é 
 constitucionalmente possível proceder à alteração das qualificações jurídicas, 
 mas antes em que casos se está perante uma verdadeira alteração de factos e em 
 que medida é lícito efectuar tais alterações de factos, sem que se mostrem 
 violados os referidos princípios do acusatório e do contraditório ou as 
 garantias de defesa do arguido.
 
 65. Uma tal averiguação exige, portanto, no presente recurso, que se venha a dar 
 resposta a duas questões distintas que, no caso dos autos, se encontram 
 ocasionalmente associadas: 
 
 - por um lado, saber se já deve ser tida como uma efectiva alteração dos factos 
 tendo em conta o princípio do acusatório e as garantias de defesa do arguido - a 
 consideração, na sentença condenatória, de factos que, não se encontrando 
 descritos na pronúncia, se podem contudo extrair de documentos anexos para os 
 quais aquela mesma pronúncia remetia;
 
 - e, por outro lado, determinar se a consideração, na sentença condenatória, de 
 um outro modus operandi, distinto do descrito na pronúncia, constitui uma 
 alteração da base factual a justificar, em aplicação das garantias de defesa do 
 arguido e dos princípios do acusatório e do contraditório, que lhe seja dada 
 oportunidade de se pronunciar sobre a mesma.
 
  [...]».
 
             
 
             Reafirma-se aqui a fundamentação acabada de transcrever na parte que 
 respeita à explicitação do sentido jurídico-constitucional dos princípios do 
 acusatório, do contraditório e da plenitude das garantias de defesa. 
 Porém, não obstante haver uma réstia de semelhança entre os dois casos, são bem 
 diversas, ao contrário do que o recorrente pretende fazer crer, as dimensões 
 normativas do art.º 358º do CPP que nesse aresto e no presente caso são alegadas 
 como estando em confronto com tais princípios constitucionais. 
 Será possível ver a semelhança no facto de em ambos os casos a sentença ter 
 considerado factos que não estavam concretamente especificados ou descritos no 
 despacho de pronúncia mas que, no primeiro caso, se podiam extrair dos 
 documentos para os quais esta remetia e, neste caso, se podiam inferir como 
 normais ilações de facto dos factos sinteticamente descritos. 
 No entanto, existe uma diferença abissal entre as duas situações, como se denota 
 do ponto 65 de tal aresto, que não poderá deixar de induzir a uma diferente 
 conclusão quanto à (in)conformidade constitucional das dimensões normativas 
 impugnadas. 
 
 É que, embora nas duas situações a alteração do factos não importe a imputação 
 de crime diverso ao arguido nem a agravação dos limites máximos das sanções 
 aplicáveis, na situação analisada no Acórdão n.º 674/99 havia sido seguido o 
 entendimento de que essa alteração não tinha de ser comunicada ao arguido e 
 ser-lhe concedido prazo para a sua defesa; ao invés, no presente caso, o 
 entendimento normativo seguido foi o de que essa alteração obrigava a que a 
 mesma fosse comunicada ao arguido, este fosse ouvido sobre ela e que fosse 
 concedido prazo para a sua defesa.
 Ora, numa situação destas em que os factos não conduzem à imputação ao arguido 
 de um crime diverso nem à agravação dos limites máximos das penas aplicáveis; em 
 que a imputação de um crime continuado punível nos termos dos art.ºs 30º, n.º 2, 
 e 79º, do Código Penal se afigura mais favorável que a punição a título de 
 concurso de crimes do mesmo tipo legal prevista no art.º 77º do mesmo código que 
 uma diferente compreensão dos factos descritos na pronúncia poderiam em 
 alternativa sugerir e em que é dada oportunidade ao arguido de se pronunciar 
 sobre esses factos novos e deles se defender, nomeadamente, contestando-os e 
 oferecendo prova que, uma vez considerada útil à descoberta da verdade material, 
 
 é produzida no tribunal, não se vê como se possa sustentar saírem violados 
 aqueles princípios constitucionais.
 
  
 Em situações paralelas à da primeira dimensão normativa cuja constitucionalidade 
 o recorrente aqui impugna, o Tribunal Constitucional concluiu pela conformidade 
 constitucional da “norma do art.º 358º do CPP na parte em que confere ao juiz 
 poderes para, oficiosamente, seleccionar novos factos surgidos na audiência de 
 julgamento, comunicando a alteração ao arguido e concedendo-lhe o tempo 
 necessário para a preparação da sua defesa”.
 Referimo-nos aos Acórdãos n.ºs 130/98, publicado no Diário da República II 
 Série, de 7 de Maio de 1998, e n.º 442/99, disponível em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt.
 Discreteou-se, a propósito, no primeiro aresto, sendo tal argumentação também 
 assumida no segundo:
 
  
 
 «[..] é uma exigência do princípio da plenitude das garantias de defesa do 
 arguido que os poderes de cognição do tribunal se limitem aos factos constantes 
 da acusação; porém, se, durante a audiência, surgirem factos relevantes para a 
 decisão e que não alterem o crime tipificado na acusação nem levem à agravação 
 dos limites máximos das sanções aplicáveis, respeitados que sejam os direitos de 
 defesa do arguido, pode o tribunal investigar esses factos indiciados «ex novo» 
 e, se se vierem a provar, integrá-los no processo, sem violação do preceituado 
 no artigo 32º, n.ºs 1 e 5, da Constituição.
 
 5. - Aqui chegados, impõe-se deixar desde já bem claro que está fora dos poderes 
 de cognição deste Tribunal, que se pronuncia sobre normas, apreciar a forma como 
 a decisão recorrida procedeu à qualificação dos factos para os subsumir na norma 
 aplicável. 
 Ponto firme de partida é assim o de que a decisão recorrida, que negou 
 provimento a recurso ordinário de julgamento proferido na primeira instância, 
 entendeu que os factos referidos na audiência, e que originaram a aplicação da 
 norma constante do artigo 358º, n.º 1, do Código de Processo Penal, ou não eram 
 factos novos ou, a considerarem-se como novos, não implicariam uma alteração 
 substancial da acusação.
 Mas, tendo sido assim, logo se deu aos arguidos a oportunidade processual de 
 organizarem a sua defesa quanto a esses factos então especificados. Nessa 
 perspectiva, não se vê como possam ter sido feridos os direitos de defesa e do 
 contraditório, sendo até lícito deduzir-se que esses mesmos direitos ganharam em 
 consistência. Com efeito, não tendo havido alteração do objecto do processo e 
 tendo-se mantido a acusação, os referidos factos poderiam, sem mais, ou seja, 
 sem os elementos adicionais que o contraditório posterior viesse a revelar, 
 porventura no sentido de infirmar a sua procedência, contribuir de imediato para 
 a formação da convicção do julgador. Na decisão recorrida não se encontra, 
 portanto, uma interpretação inconstitucional da norma questionada [...]».
 
             
 
             Esta fundamentação mantém inteira validade relativamente à primeira 
 dimensão normativa aqui impugnada, pelo que se reitera.
 
             
 
             14.2 – Tratemos, agora, da segunda dimensão normativa 
 constitucionalmente sindicada.
 
             Antes de se avançar convém deixar anotado que não está em causa, no 
 presente recurso, saber se a interpretação seguida pelo acórdão recorrido 
 corresponde ao melhor direito, a aferir em face das regras de hermenêutica, mas 
 sim a de saber se ela é não direito, por violar os referidos parâmetros 
 constitucionais, entendidos estes segundo o conteúdo que se deixou assumido. 
 
             E assim recortada a questão, há que concluir não se verificar a 
 alegada violação de tais princípios constitucionais.
 
             Na verdade, não se vê que a circunstância de a alteração não 
 substancial dos factos descritos na pronúncia ser comunicada            ao 
 arguido após deliberação dos juízes que compõem o tribunal colectivo que julga a 
 causa em 1ª instância, dando-lhe ao mesmo tempo prazo para a sua defesa, 
 nomeadamente, para os poder contestar e oferecer prova a produzir na mesma 
 audiência, ofenda os princípios constitucionais do acusatório, do contraditório 
 e da plenitude das garantias de defesa, quando a deliberação sobre tais factos 
 novos e sobre todos os demais é assumida pelo tribunal como uma posição 
 provisória sobre o julgamento da matéria de facto.
 
             Sendo o julgamento da matéria de facto da competência de um órgão 
 colegial, qualquer posição do tribunal sobre se ocorrem factos novos 
 susceptíveis de serem tidos como uma alteração não substancial de factos apenas 
 
 é possível ser tomada se se efectuar deliberação que constate a existência dos 
 indícios desses factos e decida ordenar a sua investigação.
 
             A existência de uma tal deliberação surge como necessidade imposta 
 pela natureza colegial do tribunal que tem de formar a decisão: esta em vez de 
 corresponder à vontade funcional de uma só pessoa que não precisa para a formar 
 de conferenciar com outrem, como acontece no juiz singular, é a resultante da 
 vontade funcional dos vários juízes.
 
             Numa tal perspectiva – e reproduzindo asserções do acórdão recorrido 
 
 – “é irrelevante que a essa comunicação se chame leitura de acórdão ou que se 
 designe a mesma por qualquer outra expressão”. 
 E continua o mesmo aresto: “É que tendo sido dado prazo para a organização da 
 defesa e admitida a produção de nova prova, essa prova a produzir poderia ter o 
 efeito de alterar decisivamente o juízo do tribunal quanto aos factos descritos 
 na comunicação”, possibilidade esta, de resto, bem explicitada no facto de o 
 tribunal de 1ª instância haver expressamente consignado que os factos 
 comunicados foram dados provisoriamente como assentes em face da prova até agora 
 
 [então] produzida”.
 Também neste ponto vale por inteiro o que se disse nos passos do Acórdão n.º 
 
 130/98, que se transcreveram.
 
  
 O recurso não merece, pois, provimento.
 
  
 
  
 
  
 C – Decisão
 
  
 
 15 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional decide:
 a)   Não tomar conhecimento das questões de constitucionalidade relativas às 
 normas constantes do artigo 36º, nº 2, da Organização Tutelar de Menores e do 
 artigo 374º, nº 2, do Código de Processo Penal.
 b)   Negar provimento ao recurso na parte restante.
 c)   Condenar o recorrente em custas, fixando-se a taxa de justiça em 20 Ucs.
 
  
 Lisboa, 13 de Julho de 2005
 
  
 Benjamim Rodrigues
 Mário José de Araújo Torres
 Rui Manuel Moura Ramos