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Processo n.º 589/05
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto
 
  
 
  
 Acordam, em Conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
  
 
  
 I. Relatório
 
 1.No âmbito da acção emergente de contrato individual de trabalho intentada por 
 A. contra B. e C. foi proferida sentença em 23 de Janeiro de 2004, pelo Tribunal 
 de Trabalho da Comarca de Portimão, que, julgando parcialmente procedente a 
 acção, declarou nulo, por ilícito, o despedimento do autor por não existir justa 
 causa, e, consequentemente, condenou a 2.ª demandada a pagar-lhe as retribuições 
 que aquele deixou de auferir desde 1 de Setembro de 2003 até àquela data, e 
 ainda a pagar ao autor a indemnização correspondente a um mês de remuneração (à 
 razão de € 645,00 mensais) por cada ano de antiguidade ou fracção, com 
 referência à data da decisão final, quantias acrescidas de juros de mora, à taxa 
 legal, vencidos desde a data da citação e vincendos até integral pagamento das 
 quantias referidas, absolvendo integralmente a 1.ª demandada do pedido.
 Dessa decisão interpuseram recurso demandante e demandada para o Tribunal da 
 Relação de Évora que, por acórdão datado de 15 de Fevereiro de 2005, julgou 
 improcedente a apelação do primeiro e procedente a apelação da segunda, e, 
 consequentemente, revogou a sentença recorrida por concluir pela existência de 
 justa causa para a rescisão do contrato do autor. Pode ler-se nesse aresto, no 
 que ora importa:
 
 «(…)
 
 5. Quanto à justa causa:
 Resolvida a questão da matéria de facto e dado que se não questiona a 
 regularidade formal do processo disciplinar que conduziu ao despedimento do 
 trabalhador, vejamos então se a conduta que lhe foi imputada constitui justa 
 causa para a rescisão do seu contrato de trabalho conforme pretende a apelante.
 Ora, para haver justa causa de rescisão do contrato de trabalho é necessário um 
 comportamento culposo do trabalhador, que pela sua gravidade e consequências 
 torne imediata e praticamente impossível manter o vínculo contratual, conforme 
 resulta do artigo 9.° do DL n.º 64-A/89, de 27/2.
 Assim sendo, tem que se tratar duma violação culposa dos deveres contratuais do 
 trabalhador; que esta violação seja grave em si mesma e nas suas consequências; 
 e que por via dessa gravidade seja imediata e praticamente impossível manter-se 
 o contrato, sendo de apreciar esta impossibilidade no campo da inexigibilidade, 
 a determinar através do balanço dos interesses em presença, por forma a que a 
 subsistência do contrato represente uma insuportável e injusta imposição ao 
 empregador, conforme doutrina do STJ expressa no acórdão de 22/2/95, CJS, 279/1.
 Esta posição é também secundada por Lobo Xavier sendo de concluir pela justa 
 causa de despedimento quando seja chocante, intolerável e inaceitável a 
 imposição ao empregador do vínculo laboral apesar dos obstáculos postos pela lei 
 
 à desvinculação patronal da relação de trabalho – Curso de Direito do Trabalho, 
 
 493.
 Por outro lado, impõe-se que a ruptura seja irremediável em virtude de não haver 
 outra sanção susceptível de sanar a crise contratual aberta com a conduta do 
 trabalhador – STJ, 7/12/94, CJS, 304/3 (texto do aresto).
 Face a estas considerações, vejamos então como decidir ao caso dos autos.
 
 5.1. Ora, provou-se que, no dia 7 de Novembro de 2002, por volta das 21.00 
 horas, o Autor ordenou a D., operador de caixa do estabelecimento da Ré onde 
 trabalhava, que efectuasse um registo em caixa registadora, no montante de € 
 
 7,43, através duma etiqueta dum artigo correspondente a um filtro de café “E.”, 
 visando com esta operação proceder ao pagamento de um microondas, que tinha 
 marcado o preço de venda ao público de € 49,83;
 Este operador não notou nada de anormal nesta actuação, pois sabia que se 
 tratava dum aparelho que estava amolgado e não tinha prato e que por esta razão 
 não estava exposto para venda, não se destinando à venda ao público.
 Tinha sido já o próprio D. quem se havia deslocado ao armazém, a mando do autor, 
 para ir buscar o microondas.
 Por outro lado, quando este efectuou o registo da compra do microondas, a mando 
 do autor, também nada notou de anormal nesta actuação, embora não desconhecessem 
 ambos que a fixação dos preços das “quebras” (artigos com defeito) era da 
 competência do director da loja, competindo sempre a este a última palavra, quer 
 sobre a autorização da sua venda a funcionários, quer sobre a fixação do 
 respectivo preço.
 A venda de produtos “avariados” ou com defeito a trabalhadores da apelante, 
 apesar de excepcional, carecia sempre de prévia autorização do Director de Loja, 
 no caso o Sr. F., situação de que o autor tinha perfeito conhecimento, tanto 
 mais que já anteriormente, a 7 de Novembro de 2002, havia adquirido uma 
 bicicleta com defeito, pelo valor de € 25,00, quando o preço de venda ao público 
 em condições normais de funcionamento era de € 200,00, tendo obtido prévia 
 autorização de um superior.
 Este aparelho de microondas, embora avariado, teria de ser sempre pago por 
 intermédio de uma caixa registadora, e, enquanto o seu preço não fosse alterado 
 pelo director da loja, só podia sair mediante o pagamento do preço que estava 
 marcado.
 Por outro lado foi o Autor quem fixou o seu preço sem ter obtido a devida 
 autorização do director da loja, F., pois é este director da loja quem fixa o 
 destino dos artigos da loja que apresentam estragos que não permitem a sua venda 
 ao público, podendo este passar pela sua devolução ao fornecedor, caso seja 
 possível, pela sua reparação se for economicamente viável, ou ainda pelo 
 aproveitamento das suas peças. Caso nenhuma destas soluções possa ser aplicada, 
 o seu destino poderá passar pela sua doação a uma Instituição de Caridade, e 
 caso não funcione restará deitá-lo ao lixo.
 De qualquer maneira a venda destes artigos aos próprios trabalhadores da 
 apelante é excepcional, pois doutra forma poderia constituir um estímulo a que 
 se considerem artigos em situação de “quebra” com o objectivo de serem 
 adquiridos por aqueles por preços simbólicos, o que bem se compreende.
 Para além disto é de atentar ainda que o Autor adquiriu o microondas para si 
 próprio, pois provou-se que não o destinava à sua comercialização.
 Por último importa ainda referir que apesar de estar em situação de “quebra” o 
 microondas funcionava, estado que o próprio trabalhador admite expressamente no 
 artigo 36.° da sua petição.
 Ora, atenta toda esta actuação não podemos concordar com a sentença apelada que 
 concluiu pela inexistência de justa causa.
 Efectivamente, a conduta do Autor reveste-se da maior gravidade, representando 
 uma grosseira violação dos mais elementares deveres profissionais do trabalhador 
 e que bem conhecia.
 Na verdade, este tinha perfeito conhecimento dos procedimentos a adoptar quando 
 os próprios trabalhadores da R. pretendem adquirir produtos em situação de 
 quebra e que já não podem ser vendidos ao público.
 Apesar disso, não se muniu da necessária autorização para a sua aquisição a 
 preço inferior ao que estava marcado e fixou ele próprio o preço da venda, que 
 fez pagar através duma etiqueta que nada tinha a ver com o artigo que estava a 
 comprar, bem sabendo também que enquanto aquele director não alterasse o seu 
 preço, não podia o microondas sair do estabelecimento por outro preço que não o 
 que estava marcado.
 Por outro lado, para além da extrema gravidade desta actuação do trabalhador, 
 também temos de concluir pelo seu elevado grau de culpa, dado que foi 
 conscientemente assumida, pois o Autor bem sabia que neste caso precisava da 
 autorização do director da loja.
 Apesar disso, decidiu por si próprio do destino a dar ao microondas, destino que 
 nem sequer tinha sido ainda determinado pelo director da loja, adquirindo‑o para 
 si próprio sem estar munido desta autorização e sem ser este a fixar o 
 respectivo preço.
 Ora, face à gravidade desta actuação e ao elevado grau de culpa do trabalhador 
 só podemos concluir que a mesma é susceptível de, por si só, comprometer 
 irremediavelmente a subsistência da relação laboral.
 Com efeito, dela resulta a destruição total da confiança do empregador, pois o 
 trabalhador ao agir assim quebrou irremediavelmente aquele sentimento 
 fundamental para a sobrevivência do contrato, dado que este precedente 
 necessariamente vai criar na entidade patronal um permanente receio de no futuro 
 o trabalhador não respeitar os procedimentos instituídos e de quem só pode 
 esperar que sejam escrupulosamente cumpridos.
 Por outro lado, a excepcionalidade das vendas de produtos em quebra aos 
 funcionários da empresa tem como justificação o receio de que estes não descurem 
 os seus deveres de diligência e não venham a abusar das quebras de artigos para 
 que os venham depois a adquirir por preços simbólicos.
 Daí que só o director da loja possa autorizar estas vendas, e mesmo assim com 
 carácter excepcional e depois de esgotadas as possibilidades de devolução do 
 artigo ou da sua recuperação.
 Consideramos assim absolutamente inaceitável que se imponha à apelante a 
 manutenção ao seu serviço dum trabalhador que bem conhecia as suas regras de 
 funcionamento e que apesar disso as violou duma forma tão grosseira.
 Por isso, e apesar de se não ter apurado o prejuízo sofrido pela empresa, 
 entendemos que [esse] aspecto em nada reduz a gravidade da conduta, pois a R. 
 não pode contemporizar com estas atitudes que, se não forem seriamente 
 combatidas, poderão conduzir a resultados desastrosos para a empresa.
 Ocorre assim uma impossibilidade prática de subsistência da relação de trabalho 
 por ter deixado de existir, por razões imputáveis ao trabalhador, aquele suporte 
 psicológico mínimo para o desenvolvimento dessa relação assente na confiança do 
 empregador.
 Por isso, tendo esta actuação provocado a ruptura total desta confiança, dado 
 que o empregador ficará sempre com o receio de que a situação não voltará a 
 repetir-se, temos de concluir pela justa causa na rescisão do contrato operada 
 pela apelante, apesar de se não ter provado qual o montante do prejuízo sofrido 
 pela empresa.
 No entanto, este aspecto não é relevante pois o valor da confiança é um valor 
 absoluto cuja quebra não está dependente de qualquer prejuízo mas da gravidade 
 da violação contratual e da sua repercussão no devir do contrato.
 E assim sendo é de dar razão à apelante C., constituindo a conduta do Autor 
 motivo de rescisão do seu contrato de trabalho com justa causa, o que levará à 
 sua absolvição total. (…)»
 Notificado deste acórdão, requereu o autor a correcção de dois erros materiais 
 de escrita e ainda a sua aclaração “no sentido de esclarecer, porque o 
 requerente não entende, no que a si concerne, se foram considerados e como o 
 foram na decisão os factos contidos em 4.5, 4.13, 4.16 e 4.18 do douto acórdão”, 
 uma vez que, “do ponto de vista do requerente, torna-se importante aclarar estes 
 factos, para assim poder entender claramente todos os fundamentos da douta 
 decisão proferida”.
 Em resposta, a apelante C. sustentou que “não existem razões ponderosas” que 
 justificassem a aclaração, já que “o douto acórdão é claro, perfeitamente 
 cognoscível e a decisão final foi devidamente fundamentada”.
 Por acórdão de 19 de Abril de 2005, o Tribunal da Relação de Évora ordenou a 
 correcção de um dos erros materiais de escrita apontados pelo requerente, 
 indeferindo a reclamação quanto ao mais.
 
 2.Veio, então, o demandante interpor recurso de constitucionalidade, “ao abrigo 
 do conjugadamente disposto na al. b) do n.º 1 do art.º 70.º e do n.º 2 do mesmo 
 art.º 70.º, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção dada pela Lei n.º 
 
 85/89, de 7 de Setembro”, dizendo no seu requerimento de recurso:
 
 «2. Pretende-se ver apreciada a inconstitucionalidade da interpretação, com que 
 foi tomada no caso concreto e aplicada na decisão recorrida, das normas do art.º 
 
 9.º do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro (que é a única disposição 
 legal a que, expresse e “tout court”, alude o Acórdão ora em crise e de que se 
 recorre);
 
 3. Tal interpretação das referidas normas viola o determinado no art.º 53.º da 
 Constituição da República Portuguesa;
 
 4. O interessado não dispôs de “oportunidade processual para levantar a questão 
 da inconstitucionalidade antes de proferida a decisão recorrida, caso(s) em que 
 lhe deve ser reconhecido o direito ao recurso” (cfr. “Breviário de Direito 
 Processual Constitucional”, pág. 43, de Guilherme da Fonseca e Inês Domingos, 
 Coimbra Editora, Coimbra, 1997);
 
 5. O recurso há-de processar-se com o regime de subida atinente ao recurso de 
 revista em processo civil, com efeito meramente devolutivo (art.º 78.º da 
 L.T.C., e art.ºs 721.º e seguintes do C.P.Civil, conexionadamente).
 Nestes termos, requer a V. Ex.ª que se digne admitir o presente recurso e feito 
 o mesmo subir, com o efeito próprio, seguindo-se os demais termos legais.»
 
 3.Por despacho datado de 20 de Maio de 2005, o recurso não foi admitido. Pode 
 ler-se nesse despacho:
 
 “Vem o A. recorrer para o Tribunal Constitucional do acórdão proferido nos 
 autos.
 Fá-lo ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de 
 Novembro.
 
 *.
 Ora, a decisão de que se pretende recorrer não é recorrível para o Tribunal 
 Constitucional.
 Efectivamente, e conforme resulta do preceito mencionado pelo recorrente, há uma 
 condição a observar para se poder recorrer para o Tribunal Constitucional – 
 ter-se suscitado a questão da inconstitucionalidade da norma invocada – artigo 
 
 9.º da Lei dos Despedimentos.
 Ora, o recorrente nunca suscitou esta questão, apesar de ter sido recorrido e 
 ter respondido à alegação da apelante C., que defendia uma interpretação do 
 referido artigo 9.º da LCCT com o sentido que veio a ser seguido no acórdão 
 deste Tribunal.
 Por isso, não se pode vir invocar agora que o recorrente não teve oportunidade 
 de invocar a inconstitucionalidade que agora assaca ao acórdão.
 Na verdade, na resposta às alegações da recorrente C. não suscitou esta questão, 
 quando podia e deveria ter invocado esta argumentação da pretensa 
 inconstitucionalidade do artigo 9.º da LCCT com o sentido adoptado no acórdão.
 Por outro lado, o recorrente até veio arguir a nulidade do acórdão e nem nessa 
 altura se lembrou de invocar que o sentido e a interpretação daquele preceito, 
 tal como foi aplicado, era inconstitucional.
 Por todo o exposto, consideramos que o recorrente não reúne os requisitos de que 
 o artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15/11, faz depender o 
 direito de recorrer para o Tribunal Constitucional.
 E nesta linha de orientação não admitimos o recurso interposto, por 
 indamissível.”
 Contra este despacho veio o recorrente deduzir a presente reclamação, com os 
 seguintes fundamentos:
 
 «1 – A decisão de rejeição do recurso assenta na consideração de o recorrente 
 não ter suscitado a questão da inconstitucionalidade durante o processo, apenas 
 o tendo feito pela primeira vez no requerimento de interposição do recurso.
 
 2 – Falece, porém, razão, à decisão assim tomada.
 
 3 – Com efeito, a interpretação dada às normas do art.º 9.° do Decreto-Lei n.º 
 
 64-A/89, de 27 de Fevereiro (que é a única disposição a que, expresse e “tout 
 court”, aludem o Acórdão em crise e o despacho recorrido) foi de todo 
 imprevisível, não podendo razoavelmente o reclamante contar com a sua aplicação.
 
 4 – Na verdade, tendo a decisão interpretado de modo tão particular tais normas, 
 não era exigível ao reclamante prever que essa interpretação viria a ser 
 possível e viesse a ser adoptada na decisão.
 
 5 – O uso inesperado e insólito de tal interpretação levou a que o reclamante 
 não tivesse podido, em momento anterior ao da decisão, representar a 
 possibilidade de aplicação das normas com tal interpretação do Tribunal.
 
 6 – O ora reclamante respondeu às alegações da recorrente C., deixando claro 
 nessa resposta a sua concordância com a sentença do Tribunal da 1.ª Instância 
 quanto ao modo como esta decidiu sobre a questão de fundo, a saber,
 
 7 – A não verificação, in casu, dos requisitos da justa causa do art.º 9.º do 
 D.L. n.º 64‑A/89, de 27 de Fevereiro.
 
 8 – E a consequente violação do determinado nos art.ºs 53.° e 58.° da 
 Constituição da República Portuguesa (proibição de despedimentos sem justa causa 
 ou por motivos políticos ou religiosos), face à ausência daqueles requisitos da 
 justa causa.
 
 9 – Daí decorrendo que interpretação diversa de tais normas constitui grosseira 
 violação da Lei Fundamental.
 
 10 – O que ficou expresso nas conclusões do ora reclamante, em sede de resposta 
 
 às alegações da recorrente C., onde se diz que “é de concluir que a douta 
 sentença sub iudice não nos merece qualquer crítica (…) pelo que deve permanecer 
 incólume com todas as legais consequências”.
 
 11 – Ora não é em face do que a recorrente C. disse nas suas alegações que se 
 deveria suscitar o problema da inconstitucionalidade.
 
 12 – Mas sim em face da decisão do Tribunal da 1.ª instância se a mesma ferisse 
 a Constituição.
 
 13 – O que, como atrás se disse, não aconteceu.
 
 14 – Daqui que não tivesse havido outro momento processual para suscitar tal 
 inconstitucionalidade.
 
 15 – A não ser após a decisão do Tribunal da Relação de Évora, donde vem 
 interposto o presente recurso que foi indeferido, sem razão no nosso entender.
 
 16 – Por tudo o que se veio de expor, não se mostrava adequado exigir ao ora 
 reclamante, neste caso concreto, um qualquer juízo de prognose relativo a essa 
 aplicação, em termos de se antecipar ao proferimento da decisão do Tribunal da 
 Relação de Évora, suscitando logo a questão de inconstitucionalidade.
 
 17 – Só perante a decisão proferida pelo venerando Tribunal da Relação de Évora, 
 se viu o reclamante na possibilidade de arguir a inconstitucionalidade em causa, 
 tendo-o feito logo no primeiro momento em que se lhe impunha fazê-lo, ou seja, 
 no requerimento de interposição do recurso.
 
 18 – De resto, tem sido esta a jurisprudência defendida em vários Acórdãos pelo 
 Tribunal Constitucional.
 Nestes termos, deve ser atendida a presente reclamação e, em consequência, ser 
 admitido o recurso.»
 Respondeu a apelante C. defendendo o indeferimento da reclamação apresentada 
 pelo recorrente por entender que aquele “em nenhum momento suscitou a questão de 
 inconstitucionalidade do art.º 9.º da LCCT, condição essencial para poder 
 recorrer para o TC, lançando mão do art.º 70.º, n.º 1, alínea b), da [LTC] CRP”, 
 podendo tê-lo feito já que “a recorrente C. nas suas alegações defendeu uma 
 interpretação do referido art.º 9.º da LCCT, que posteriormente veio a ser 
 seguida no Acórdão do Tribunal da Relação”, no entanto, “o reclamante nas suas 
 contra‑alegações, não suscitou, como deveria, a questão da inconstitucionalidade 
 da interpretação que a recorrente C. fez do art.º 9.º da LCCT”.
 A reclamação mereceu o seguinte despacho, ainda no Tribunal da Relação de Évora:
 
 «Reclama o A. da não admissão do recurso para o Tribunal Constitucional.
 A parte contrária já respondeu, pronunciando-se pela não admissibilidade de tal 
 recurso.
 Há assim que proferir o despacho a que se refere o n.º 3 do artigo 688.º do 
 C.P.C..
 Ora, continuamos a entender que o reclamante não tem razão.
 Com efeito, o acórdão deste tribunal limitou-se a aceitar os fundamentos da 
 recorrente C., concluindo pela existência de justa causa de despedimento do 
 trabalhador nos termos advogados pela recorrente.
 Assim sendo, limitou-se este tribunal a aceitar o conceito de justa causa 
 veiculado por esta nas suas alegações de recurso.
 Por isso, se o trabalhador entendia que o conceito de justa causa que foi 
 secundado no acórdão violava os princípios constitucionais, como agora 
 desesperadamente defende, poderia e deveria ter argumentado com a 
 inconstitucionalidade da lei, no sentido que a recorrente C. sustentava e que 
 este tribunal perfilhou.
 Por isso, deveria ter o Autor alegado então que o entendimento defendido pela 
 apelante era inconstitucional.
 E assim sendo, deveria então ter suscitado a questão da inconstitucionalidade da 
 lei com o sentido que era interpretado pela recorrente.
 Pelo exposto, continuamos a entender que a reclamante não suscitou oportunamente 
 a questão da inconstitucionalidade do artigo 9.º da Lei dos Despedimentos, com o 
 sentido que foi interpretado no acórdão recorrido.
 Continuamos assim a entender que não se verificam os pressupostos que permitam 
 ao trabalhador recorrer para o Tribunal Constitucional, pelo que mantemos 
 integralmente o despacho reclamado.»
 
 4.No Tribunal Constitucional, o representante do Ministério Público 
 pronunciou-se no sentido de ser a reclamação “manifestamente improcedente, já 
 que o ora reclamante não suscitou – podendo perfeitamente tê-lo feito, já que 
 dispôs, ao contra-alegar, de plena oportunidade processual – atempadamente 
 qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, susceptível de servir de 
 base ao recurso de fiscalização concreta interposto, com fundamento na al. b) do 
 n.º 1 do art.º 70.º da Lei n.º 28/82”.
 E acrescentou: «[n]a verdade – e para além de não definir adequadamente qual o 
 preciso sentido ou interpretação do preceito legal indicado que considera 
 violador da Constituição – não pode considerar-se como “decisão-surpresa” o 
 acórdão recorrido, já que se limitou, no essencial, a aderir à argumentação da 
 apelante no que toca aos requisitos da culpa do trabalhador e da possibilidade 
 de manutenção da relação laboral».
 Cumpre apreciar e decidir.
 II. Fundamentos
 
 5.Pode adiantar-se já que a presente reclamação não pode ser deferida, por não 
 se verificar um pressuposto indispensável para se poder tomar conhecimento do 
 recurso de constitucionalidade que se pretendeu interpor.
 Na verdade, nos termos do respectivo requerimento, o recurso vem intentado ao 
 abrigo do disposto no artigo 70º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal 
 Constitucional. Para se poder conhecer de tal recurso torna-se necessário, a 
 mais do esgotamento dos recursos ordinários, que a norma impugnada tenha sido 
 aplicada como ratio decidendi pelo tribunal recorrido e que a 
 inconstitucionalidade da norma impugnada tenha sido suscitada durante o 
 processo.
 Este último requisito, como este Tribunal tem vindo repetidamente a decidir, e 
 se diz, por exemplo, no acórdão n.º 352/94 (publicado no Diário da República 
 
 [DR], II série, de 6 de Setembro de 1994), deve ser entendido, “não num sentido 
 meramente formal (tal que a inconstitucionalidade pudesse ser suscitada até à 
 extinção da instância)”, mas “num sentido funcional”, de tal modo “que essa 
 invocação haverá de ter sido feita em momento em que o tribunal a quo ainda 
 pudesse conhecer da questão”, “antes de esgotado o poder jurisdicional do juiz 
 sobre a matéria a que (a mesma questão de constitucionalidade) respeita”. É, na 
 verdade, este o sentido que corresponde à natureza da intervenção do Tribunal 
 Constitucional em via de recurso, para reapreciação ou reexame, portanto, de uma 
 questão que o tribunal a quo pudesse e devesse ter apreciado – ver, por exemplo, 
 o acórdão n.º 560/94, publicado no DR, II série, de 10 de Janeiro de 1995, onde 
 se escreveu que “a exigência de um cabal cumprimento do ónus da suscitação 
 atempada – e processualmente adequada – da questão de constitucionalidade não é, 
 pois, [...] uma ‘mera questão de forma secundária’. É uma exigência formal, sim, 
 mas essencial para que o tribunal recorrido deva pronunciar-se sobre a questão 
 de constitucionalidade para que o Tribunal Constitucional, ao julgá-la em via de 
 recurso, proceda ao reexame (e não a um primeiro julgamento) de tal questão” 
 
 (assim, também, por exemplo, o acórdão n.º 155/95, publicado no DR, II série, de 
 
 20 de Junho de 1995).
 Por outro lado, recorde-se que, no nosso sistema de fiscalização concentrada de 
 constitucionalidade, ao Tribunal Constitucional compete apenas apreciar a 
 conformidade com a Constituição da República de normas – ou de suas determinadas 
 interpretações, devidamente identificadas –, mas não já das decisões judiciais 
 em si mesmas.
 
 6.No presente caso, para além de no requerimento de recurso o recorrente não ter 
 identificado a dimensão normativa do artigo cuja inconstitucionalidade pretendia 
 ver apreciada – problema que, todavia, ainda poderia ser ultrapassado mediante 
 um convite para o aperfeiçoamento de tal requerimento –, o que é certo é que, 
 durante o processo, isto é, antes de esgotado o poder jurisdicional do tribunal 
 a quo, o reclamante não suscitou a inconstitucionalidade de qualquer norma, ou 
 dimensão normativa, devidamente identificada. Tal circunstância inviabiliza logo 
 a possibilidade de poder vir a tomar conhecimento do recurso, sem que a falta 
 possa ser agora ultrapassada mediante qualquer complemento ao requerimento do 
 recurso de constitucionalidade – pois que se trata da falta de cumprimento de um 
 requisito que haveria de ter sido satisfeito antes de esgotado o poder 
 jurisdicional do tribunal recorrido, e perante este.
 Consultando as alegações e contra-alegações do recurso de apelação apresentadas 
 pelo reclamante (fls. 200 e ss. e 364 e ss., respectivamente, dos autos), 
 conclui-se com clareza, efectivamente, que se não encontra nelas qualquer 
 referência à inconstitucionalidade de uma norma (designadamente, a do artigo 9.º 
 do Regime Jurídico da Cessação do Contrato Individual de Trabalho e da 
 Celebração e Caducidade do Contrato de Trabalho a Termo (LCCT), aprovado pelo 
 Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro). Nem, por outro lado, se tomou 
 conhecimento no acórdão recorrido de qualquer questão de constitucionalidade.
 
 7.O reclamante defende a tese de que a decisão do Tribunal da Relação de Évora é 
 uma “decisão-surpresa” e, como tal, susceptível de justificar a não suscitação 
 atempada da questão de constitucionalidade.
 No entanto, a interpretação com que foi aplicada a norma em apreço pelo Tribunal 
 da Relação de Évora não foi nem imprevista, nem inesperada, já que o reclamante 
 havia sido confrontado com essa mesma interpretação nas alegações de recurso da 
 apelante C., e, como bem salienta o representante do Ministério Público junto do 
 Tribunal Constitucional, a decisão recorrida limitou-se a aderir a essa 
 interpretação.
 Neste caso, não era, pois, inexigível ao reclamante que previsse a possibilidade 
 de tal interpretação vir a ser efectivamente aplicada, e impugnasse a sua 
 constitucionalidade, se entendia que ela não era conforme com a Constituição da 
 República. Este Tribunal tem, aliás, repetidamente afirmado que impende sobre as 
 partes o ónus de considerarem antecipadamente as várias hipóteses de 
 interpretação razoáveis das normas em questão, e o dever de suscitar as 
 respectivas questões de constitucionalidade. Nesse aspecto, a tarefa do 
 reclamante até estaria facilitada, uma vez que, como se disse, foi confrontado 
 com a interpretação aplicada pelo tribunal a quo desde as alegações de recurso 
 da apelante C., pelo que, cumprindo o ónus que sobre ele impende, haveria de ter 
 suscitado a questão de constitucionalidade da norma do artigo 9.º do LCCT, 
 aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro nas contra‑alegações 
 de recurso de apelação.
 Por falta de verificação de um requisito indispensável para tanto – o qual já 
 não podia ser suprido mediante qualquer convite para aperfeiçoamento do 
 requerimento de recurso –, não podia, pois, o Tribunal Constitucional tomar 
 conhecimento do recurso de constitucionalidade. Pelo que é de confirmar o 
 despacho reclamado, que não admitiu tal recurso, indeferindo-se a presente 
 reclamação.
 III. Decisão
 Pelos fundamentos expostos, decide-se indeferir a presente reclamação e condenar 
 o reclamante em custas, com 20 (vinte) unidades de conta de taxa de justiça.
 Lisboa, 4 de Outubro de 2005
 Paulo Mota Pinto
 Mário José de Araújo Torres
 Rui Manuel Moura Ramos