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Processo n.º 947/04
 
 2.º Secção
 Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
 
  
 
  
 
  
 Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
  
 A – Relatório
 
  
 
             1 – O Banco A., identificado com os sinais dos autos, recorre para o 
 Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), 
 da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão (LTC), pretendendo ver 
 apreciada a inconstitucionalidade do critério normativo decorrente dos artigos 
 
 89.º, 102.º, n.º 1, 169.º, n.º 2, 189.º do Código de Procedimento e Processo 
 Tributário (CPPT) e dos artigos 95.º e 96.º da Lei Geral Tributária, quando 
 interpretados no sentido de que a compensação de créditos fiscais, realizada por 
 iniciativa da Administração Tributária, pode ser efectuada desde o momento em 
 que a dívida se torne exigível, apesar de ainda não se encontrar precludido o 
 prazo para o exercício do direito de impugnação, do contribuinte não ter sido 
 citado para a execução fiscal e de não ter sido notificado para prestação de 
 garantia, por violação do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.
 
  
 
             2 – Vem o presente recurso interposto do Acórdão do Tribunal Central 
 Administrativo do Norte, de 9 de Setembro de 2004, onde se decidiu:
 
  
 
   “(...) no que concerne ao prazo para defesa da legalidade da liquidação ele em 
 nada contende com o direito à execução por parte da AF, direito este que nasce 
 logo que finde o termo do prazo do pagamento voluntário da dívida concedido ao 
 contribuinte.
 
   Estipula efectivamente o artigo 78.º do CPPT, ao preceituar sobre a modalidade 
 da cobrança, no seguimento aliás do que já dizia o artigo 102.º do CPT, que a 
 cobrança das dívidas fiscais pode ocorrer ou por pagamento voluntário ou através 
 da cobrança coerciva sendo que o pagamento voluntário é “aquele que deve ser 
 feito nos prazos fixados nas leis tributárias” - cfr. Artigo 84.º do CPPT e 
 
 107.º do anterior CPT.
 
   Deriva do exposto que o incumprimento das obrigações tributárias ocorre findo 
 que seja o prazo do pagamento voluntário já que a partir daí o devedor se 
 encontra em mora sendo este incumprimento que legitima a cobrança coerciva, bem 
 como, por ser uma mera modalidade dessa cobrança a compensação das dívidas de 
 tributos por iniciativa da AF nos termos do previsto no artigo 89.º do CPPT.
 
   De facto enquanto decorre o prazo para o pagamento voluntário das dívidas 
 fiscais não é lícito à AF agredir o património do devedor.
 
   Por isso temos então de pronunciarmo-nos sobre o momento em que para a AF 
 surge o direito de exigir coercivamente o pagamento da dívida.
 
   Como se disse já a legitimidade para a AF nasce com o momento em que ocorre o 
 incumprimento e porque o incumprimento se verifica nas obrigações tributárias 
 findo que seja o prazo legal fixado nas leis tributárias para o pagamento 
 voluntário a AF encontra-se legitimada para proceder à cobrança coerciva da 
 dívida, designadamente através da execução fiscal desde que o incumprimento 
 ocorra.
 
   Significa o exposto que a partir daí surge para a AF o poder/dever de exigir a 
 satisfação da dívida tributária do sujeito passivo o que pode fazer-se através 
 da cobrança coerciva ou através da modalidade da compensação da dívida mecanismo 
 e instituto previsto no artigo 89.º do CPPT.
 
   A compensação é como se sabe e resulta da lei um modo de extinguir as 
 obrigações pecuniárias ou referentes a coisas fungíveis entre pessoas que são 
 simultaneamente credoras e devedoras e na essência consiste em dar por paga a 
 divida de cada um em quantidade igual à do seu crédito que igualmente se dá por 
 cobrado noutro tanto.
 
   Como diz o artigo 847.º do CC “quando duas pessoas sejam reciprocamente credor 
 e devedor qualquer delas pode livrar-se da sua obrigação por meio da compensação 
 com a obrigação do seu credor desde que verificados os requisitos consignados 
 nas alíneas a) e b) do citado artigo.
 
   Porque se trata de créditos do Estado esta compensação só é permitida nos 
 termos legalmente definidos como é o caso do artigo 89.º do CPPT o que bem se 
 compreende atenta a natureza indisponível de tais créditos.
 
   Trata-se de uma figura ou instituição jurídica que “visa evitar uma 
 desnecessária duplicação de pagamentos e também cumprir a função de garantia 
 baseada em critério de justiça e equidade já que através dela se evita que um 
 devedor pague a sua dívida e corra o risco de não cobrar o crédito por 
 insolvência do outro devedor”.
 
   E isto sem que a AF esteja obrigada a esperar pelo tempo dos prazos que a lei 
 concede ao executado ou contribuinte para a defesa da legalidade dessa mesma 
 dívida – cfr. José M Lete del Rio, in Derecho de Obligaciones, pp. 227.
 
   (...)
 
   Se bem atentarmos nos requisitos que condicionam a sua possibilidade 
 destaca-se desde logo o facto da necessidade de os créditos em presença terem 
 por objecto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade.
 
   Efectivamente desde que o executado tenha sido notificado da liquidação a que 
 diz respeito a dívida em causa a mesma passa a ser exigível tendo a certidão a 
 que alude a alínea a) do artigo 162 do CPPT desde que contenha os requisitos do 
 artigo 163.º do mesmo diploma legal a força de título executivo com a mesma 
 força de sentença transitada em julgado.
 
   E sendo instaurada a execução fiscal a sua suspensão só pode ter lugar em caso 
 de reclamação graciosa impugnação judicial ou recurso judicial que tenha por 
 objecto a legalidade da dívida mas desde que tenha sido constituída garantia ou 
 deferida a sua dispensa ou a penhora que garanta o pagamento da mesma – cfr. o 
 artigo 169.º do CPPT.
 
   Resulta do exposto que o facto de a lei permitir a impugnação da liquidação 
 donde decorre a dívida não pressupõe ou impõe que a dívida só possa ser exigível 
 a partir do termo do prazo da impugnação, reclamação ou recurso pois como se 
 disse o poder/dever de a cobrar coercivamente ou de proceder à execução nasce 
 para a AF com o incumprimento.
 
   E não se diga que com isto se frustra o direito de acesso à justiça ou por 
 qualquer forma se diminuem os direitos de defesa do devedor.
 
   O facto de a lei permitir a cobrança coerciva findo que seja o prazo do 
 pagamento voluntário prende-se como é óbvio com a própria natureza da dívida em 
 causa, o seu carácter público e com a celeridade da sua cobrança face ás 
 necessidades colectivas que se visam cobrir.
 
   Todavia com[o] já se referiu essa celeridade em nada contende com os meios de 
 defesa legalmente atribuídos ao devedor nem com eventuais prejuízos daí 
 resultantes já que se o acto de liquidação donde dimana a dívida em cobrança for 
 anulado por ilegalidade tal situação faz desde logo ressarcir o contribuinte não 
 só com a restituição do que pagou indevidamente como no pagamento de juros 
 indemnizatórios nos termos do artigo 61.º do CPPT.
 
   Decorre do exposto que a sentença não padece de erro de julgamento no que 
 concerne à data dada como provada no que respeita à apresentação da impugnação 
 judicial como igualmente não enferma de insuficiência de factualidade 
 designadamente da falta da fixação das datas do termo do prazo para a impugnação 
 ou da data da notificação da compensação por tais factos serem irrelevantes para 
 a boa decisão da causa que é saber se a compensação foi bem ou mal exercida.
 
   O facto de ter sido efectuada antes do termo do prazo para a dedução de 
 impugnação pelas razões anteriormente expostas e no que concerne à data da 
 notificação da compensação por a mesma se tornar efectiva mediante mera 
 declaração da AF sendo que os efeitos da mesma por força do artigo 854.º do CC 
 retroagem considerando-se os créditos extintos desde o momento em que se 
 tornaram compensáveis.
 
   Efectivamente, tendo o recorrente sido notificado da liquidação do IRC bem 
 como do prazo para o pagamento voluntário e seu termo, não tendo procedido ao 
 pagamento ocasionou uma situação de inexecução constituindo-se em mora e 
 consequentemente com tal inexecução preencheu os pressupostos legais para a AF 
 no exercício dos seu poder/dever de poder accionar a cobrança coerciva nos 
 termos do artigo 817.º do CC e artigo 89.º do CPT.
 
   Face ao exposto e sem necessidade de mais considerações e porque no essencial 
 se concorda com os fundamentos da decisão recorrida com a ressalva quanto ao 
 facto de a compensação em nosso entender só ocorrer na fase da cobrança coerciva 
 quando por iniciativa da AF acordam os juízes do TCA em negar provimento ao 
 recurso».
 
  
 
             3 - Não se conformando com tal decisão, o Recorrente interpôs, nos 
 termos supra mencionados, recurso para o Tribunal Constitucional, apresentando, 
 após o devido despacho, as suas alegações, aí concluindo que:
 
  
 
   “1.ª A questão cuja constitucionalidade se submete à sindicância desse 
 Venerando Tribunal Constitucional é a interpretação e aplicação que, no caso sub 
 judice, o Tribunal Central Administrativo do Norte faz do art. 89.º do CPPT 
 isolada e conjuntamente com os regimes vertidos, respectivamente, nos arts. 
 
 102.º, n.º 1, do CPPT e 95.º e 96.º da LGT, bem como dos arts. 189.º e 169.º, 
 n.ºs 1, 2 e 3, do CPPT;
 
   2.ª Com efeito, entende o Tribunal a quo que qualquer compensação de dívidas 
 fiscais com créditos dos contribuintes de igual natureza por iniciativa da 
 Administração Tributária, poderá ser efectuada nos termos do artigo 89.º do CPPT 
 sem que, tal como sucede no caso vertente, se tenha verificado o termo do prazo 
 legalmente previsto para a dedução de impugnação judicial contra a liquidação 
 adicional que originou a dívida a compensar, sem que tenha ocorrido citação no 
 respectivo processo de execução, sem que tenha sido notificada da fixação do 
 montante da garantia a prestar em cumprimento do requerido, sem que, igualmente, 
 tenha sido notificada para prestação de garantia nos termos do art. 169.º, n.º 
 
 2, do CPPT, sem que tenha sido, ainda, respeitado o efeito suspensivo provisório 
 do processo de execução;
 
   3.ª Efectivamente, para o Tribunal a quo, para que a aludida compensação seja 
 efectuada basta que a dívida fiscal entre em relaxe e não se encontre, a essa 
 data, pendente impugnação judicial, reclamação ou recurso e prestada garantia;
 
   4.ª Ora, tal entendimento encerra uma dúplice violação do art. 20.º da 
 Constituição da República Portuguesa;
 
   5.ª Uma primeira, enquanto norma que consagra o direito de acesso aos 
 tribunais, ocorre com a interpretação e aplicação que o Tribunal a quo faz do 
 artigo 89.º do CPPT, quer isoladamente, quer conjugadamente com os arts. 102.º, 
 n.º 1 do mesmo Código e arts. 95.º e 96.º da LGT, ao decidir que a limitação do 
 prazo para recurso à via da impugnação judicial decorrente da necessidade de se 
 evitar a prática do acto lesivo que é a compensação, não contende com os meios 
 de defesa do contribuinte;
 
   6.ª Ao invés, aquela interpretação e aplicação da lei viola efectivamente o 
 direito de acesso aos tribunais expressamente consagrado no artigo 20.º, n.º 1, 
 da Constituição da República Portuguesa, uma vez que decorre deste mesmo 
 preceito a insusceptibilidade de qualquer limitação dos prazos de acção ou de 
 recurso a períodos de tempo não conformes com o direito a proteger;
 
   7.ª Trata-se, aliás, de situação sobre a qual esse Venerando Tribunal 
 Constitucional já se pronunciou em igual sentido no acórdão n.º 87-148-1, de 6 
 de Maio de 1987, proferido no processo n.º 86-0140.
 
   8.ª Uma segunda violação do citado art. 20.º, agora enquanto expressão 
 normativa constitucional do princípio da protecção jurídica, ocorre com a 
 interpretação e aplicação que o Tribunal a quo faz igualmente do artigo 89.º do 
 CPPT isolada e conjuntamente com o regime vertido dos arts. 189.º e 169.º, n.ºs 
 
 1, 2 e 3, do referido Código;
 
   9.ª Com efeito, é absolutamente atentatório do referido preceito 
 constitucional a interpretação e aplicação dos citados normativos no sentido de 
 que à compensação sub judice não pode obstar o facto de, em momento prévio 
 
 àquela, não ter ocorrido citação do recorrente no respectivo processo de 
 execução, não se ter verificado qualquer notificação da fixação do montante da 
 garantia nos termos do requerido pelo executado, de não se ter verificado 
 qualquer notificação para prestação de garantia nos termos do art. 169.º, n.º 2, 
 do CPPT, nem ainda, que tenha sido desrespeitado o efeito suspensivo provisório 
 do processo de execução;
 
   10.ª efectivamente, tais dispositivos legais mais não são do que normas 
 basilares do procedimento e do processo tributários ditadas pelo elementar 
 princípio da protecção jurídica de que o direito ao acesso à justiça previsto no 
 art. 20.º da Constituição da República Portuguesa é a expressão constitucional;
 
   11.ª Logo a violação daqueles implica, em consequência, a violação deste;
 
   12.ª Termos em que, deve o acórdão recorrido ser revogado por manifesta 
 interpretação e aplicação, do arti. 89.º do CPPT, quer isoladamente, quer 
 conjugadamente com os regimes vertidos, respectivamente, dos arts. 102.º, n.º 1, 
 do CPPT e arts. 95.º da LGT, bem como dos arts. 189.º e 169.º, n.ºs 1, 2 e 3 do 
 referido Código, em frontal violação do artigo 20.º da Constituição da República 
 Portuguesa e, consequentemente, com um sentido absolutamente inconstitucional.»
 
  
 
             4 – Contra-alegando, a Representante da Fazenda Pública, veio 
 sustentar que:
 
  
 
   «(...) manifesta adesão à tese do douto acórdão recorrido no sentido de que a 
 celeridade da cobrança da dívida em causa se justifica face às necessidades 
 colectivas que tais dívidas visam cobrir e que “essa celeridade em nada contende 
 com os meios de defesa legalmente atribuídos ao devedor nem com eventuais 
 prejuízos daí resultantes já que se o acto de liquidação donde dimana a dívida 
 em cobrança for anulado por ilegalidade tal situação faz desde logo ressarcir o 
 contribuinte não só com a restituição do que pagou indevidamente como no 
 pagamento de juros indemnizatórios nos termos do artigo 61.º do CPPT”.
 
   - Com efeito, a regra da compensação de dívidas de tributos por iniciativa da 
 administração tributária, do artigo 89.º do CPPT em nada contende com as normas 
 que regulam a compensação como meio do devedor se livrar da sua obrigação por 
 meio de compensação com a obrigação do seu credor, contidas nos artigos 847.º e 
 seguintes do Código Civil.
 
   - Designadamente, coaduna-se com o n.º 1 do artigo 848.º do CC que dispõe: “a 
 compensação torna-se efectiva mediante declaração de uma das partes á outra”.
 
   - E não ocorre qualquer das causas de exclusão da compensação definidas pelo 
 artigo 853.º do C. Civil.
 
   - Deste modo, o não ter ocorrido, no caso, em momento prévio à execução, 
 citação do recorrente no respectivo processo de execução e não se ter verificado 
 qualquer notificação da fixação de garantia nos termos do requerido pelo 
 executado em nada contende com os princípios gerais que regulam a compensação 
 dos créditos.
 
   - Pelo que, como bem considera o douto Acórdão recorrido, a compensação de 
 dívidas, prevista no artigo 89.º do CPPT, em nada coarcta ao declaratário da 
 compensação o direito de acesso aos tribunais.
 
   Termos em que, deve ser considerado que o questionado entendimento do artigo 
 
 89.º do CPPT não viola o princípio do acesso à Justiça, consagrado no artigo 
 
 20.º da CRP, negando-se provimento ao presente recurso.»
 
  
 
  
 
             Corridos os vistos legais, cumpre agora ajuizar.
 
  
 B – Fundamentação
 
  
 
             5 – Antes de se considerar o problema de constitucionalidade aqui 
 emergente, importa proceder a uma clara e precisa identificação delimitadora do 
 objecto do recurso, porquanto o Recorrente acaba por incluir na formulação da 
 questão de constitucionalidade determinadas normas que não foram aplicadas como 
 ratio decidendi da decisão sindicanda e que são convocadas como exemplos de 
 critérios legais tidos por violados pelo acórdão recorrido.
 
             O Recorrente, sustenta que “a interpretação e aplicação que o 
 Tribunal a quo faz, no caso sub judice, do art. 89.º do CPPT, quer isoladamente, 
 quer conjugadamente com os regimes vertidos, respectivamente, dos arts. 102.º, 
 n.º 1, do CPPT e arts. 95.º e 96.º da LGT, bem como dos arts. 189.º e 169.º, 
 n.ºs 1, 2 e 3 do referido Código, constituem uma clara violação do art. 20.º da 
 Constituição da República Portuguesa, quer enquanto norma que acolhe e protege o 
 direito de acesso aos tribunais, quer enquanto norma que dá expressa consagração 
 ao princípio da protecção jurídica”. 
 
             Ora, perscrutando o Acórdão recorrido – e não deixando de atender ao 
 alegado pelo Recorrente – vislumbra-se que a ratio decidendi do juízo decisório 
 em crise apenas tange directamente com a interpretação dada ao artigo 89.º do 
 Código de Procedimento e de Processo Tributário.
 Na verdade, as restantes normas invocadas pelo recorrente – maxime, os artigos 
 
 95.º e 96.º da Lei Geral Tributária (LGT) que estabelecem, respectivamente, o 
 
 “direito de impugnação ou recurso” e o regime da “renúncia ao direito de 
 impugnação ou recurso”; o artigo 102.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de 
 Processo Tributário (CPPT), que fixa o prazo para a apresentação de impugnação 
 judicial; e o artigo 169.º que  regula os termos em que poderá haver lugar à 
 suspensão da execução (mediante, designadamente, a prestação de garantia) – não 
 constituem a base fundamentante da decisão recorrida, mas sim normas que, na 
 perspectiva do Recorrente – a acolher-se a interpretação dada ao artigo 89.º do 
 CPPT –, seriam consequencialmente violadas ou afectadas por aquela ratio 
 decidendi, daí concluindo o Recorrente que “tais dispositivos legais mais não 
 são do que normas basilares do procedimento e do processo tributários ditadas 
 pelo elementar princípio da protecção jurídica de que o direito ao acesso à 
 justiça previsto no art. 20.º da Constituição da República Portuguesa é a 
 expressão constitucional; (...) Logo a violação daqueles implica, em 
 consequência, a violação deste”.
 
             Tal facto está bem patente ao nível da invocação dos artigos 95.º e 
 
 96.º da LGT e do artigo 102.º, n.º 1, do CPPT, cuja referência apenas se 
 compreende na medida em que a interpretação dada ao artigo 89.º, n.º 1, do CPPT, 
 envolve, para o Recorrente, uma preterição do direito de impugnação. E o mesmo 
 poderá dizer-se do artigo 169.º do CPPT, uma vez que a suspensão da execução, 
 mediante prestação de garantia, apenas ocorre após a impugnação judicial da 
 liquidação que vise discutir a legalidade da dívida exequenda, pelo que, tal 
 norma apenas releva para o caso dos autos na medida em que, em face da 
 interpretação dada ao artigo 89.º, n.º 1, do CPPT, tal efeito possa ficar 
 precludido.
 Resta, ainda, a referência ao artigo 189.º, também do CPPT, que disciplina os 
 efeitos e a função das citações no processo de execução fiscal, e que é 
 convocada em termos de a sua preterição poder contender com as garantias de 
 defesa do contribuinte. 
 Contudo, como emerge claramente dos autos, o Tribunal deu como provado que “a 
 executada foi citada por ofício de 24 de Setembro de 2003”, pelo que a norma não 
 foi aplicada in casu com a dimensão normativa que o Recorrente lhe assinala.
 Assim, atendendo ao juízo decisório recorrido, há que clarificar que a presente 
 questão de constitucionalidade incide precisamente sobre o critério normativo 
 que se extraiu do artigo 89.º, n.º 1, do CPPT quando interpretado no sentido de 
 que a compensação de créditos fiscais, realizada por iniciativa da Administração 
 Tributária, pode ser efectuada desde o momento em que a dívida se torne 
 exigível, apesar de ainda não se encontrar esgotado o prazo para o exercício do 
 direito de impugnação e de esta – ainda – não ter sido deduzida; o que, 
 atendendo ao discurso do Recorrente, envolverá saber se a “execução se 
 encontrará provisoriamente suspensa até ao terminus do prazo de impugnação, não 
 sendo lícito à Administração tributária proceder até esse momento à compensação 
 dos créditos fiscais”.
 
  
 
             Delimitada, nesses termos, a questão de constitucionalidade, importa 
 atentar no que, de per se, se dispõe no artigo 89.º do Código de Procedimento e 
 de Processo Tributário, sob a epígrafe “Compensação de dívidas de tributos por 
 iniciativa da administração tributária”:
 
             
 
 “1. Os créditos do executado resultantes de reembolso, revisão oficiosa, 
 reclamação graciosa ou impugnação judicial de qualquer acto tributário são 
 obrigatoriamente aplicados na compensação das suas dívidas à mesma administração 
 tributária, salvo se pender reclamação graciosa, impugnação judicial, recurso 
 judicial ou oposição à execução da dívida exequenda ou esta esteja a ser paga em 
 prestações, devendo a dívida exequenda mostrar-se garantida nos termos deste 
 Código.
 
 [...]”.
 
  
 
             Por sua vez, o artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa 
 dispõe, sob a epígrafe “Acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva”, que:
 
  
 
             “1. A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para 
 defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a 
 justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos.
 
 [...]”.
 
  
 Vejamos, pois, se o artigo 89.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo 
 Tributário, quando interpretado no sentido de que a compensação de créditos 
 fiscais, realizada por iniciativa da Administração Tributária, pode ser 
 efectuada desde o momento em que a dívida se torne exigível, apesar de ainda não 
 se encontrar precludido o prazo para o exercício do direito de impugnação e de 
 esta – ainda – não ter sido deduzida, viola, ou não, o parâmetro emergente do 
 artigo 20.º da nossa Constituição.
 
  
 
          6 – Como tem sido concretizado pela jurisprudência deste Tribunal, o 
 sentido tutelar emergente do parâmetro constitucional concretamente em causa 
 impõe que se tenha por vedada “a criação de obstáculos que dificultem ou 
 prejudiquem sem fundamento e de forma desproporcionada o direito de acesso dos 
 particulares aos tribunais em geral” (cf. Acórdão n.º 1144/96, in Acórdãos do 
 Tribunal Constitucional, 35º vol., pág. 349), daí decorrendo, justamente, a 
 proscrição, constitucionalmente determinada, de qualquer regra que 'possa 
 diminuir intoleravelmente as garantias processuais do Recorrente, ou implicar um 
 cerceamento das suas possibilidades de defesa que se tenha de considerar 
 desproporcionado ou intolerável (...)' (cf. Acórdão n.º 266/2000, disponível em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt). 
 Assim sendo, in casu, importará apurar se o decisório critério normativo – ao 
 permitir que a compensação de créditos fiscais, realizada por iniciativa da 
 Administração Tributária, possa ser efectuada desde o momento em que a dívida se 
 torne exigível, apesar de ainda não se encontrar esgotado o prazo para o 
 exercício do direito de impugnação e de esta ainda não ter sido deduzida – 
 implica um qualquer cerceamento das possibilidades de defesa da Recorrente que 
 deva considerar-se, irrazoável, desproporcionado ou intolerável.
 
  
 
 6.1 – Como é consabido, o processo de execução fiscal destina-se a obter a 
 cobrança coerciva de determinadas dívidas ao Estado e a outras pessoas 
 colectivas de direito público, aí se encontrando a cobrança das dívidas fiscais 
 
 (cf. artigo 148.º do CPPT).
 Este processo tem na sua base um título executivo que “comprova a obrigação cujo 
 cumprimento se pretende e é, simultaneamente, constitutivo do direito da 
 entidade exequente” (cf. Administração Geral Tributária, Manual de procedimento 
 e processo tributário, Lisboa, 2002, p. 109), podendo consistir, inter alia, na 
 certidão extraída do título de cobrança relativa ao imposto (cf. artigo 162.º do 
 CPPT) que é “emitida” pelos serviços competentes da Administração tributária 
 sempre que decorrido o prazo para o pagamento voluntário da dívida este não 
 tenha sido realizado (cf. artigos 84.º e 88.º do CPPT), daí resultando, 
 compreensivelmente, que o processo de execução fiscal, apenas possa ser 
 instaurado “findo o prazo de pagamento voluntário estabelecido nas leis 
 tributárias”, não obstando, para tal, que ainda não tenha decorrido o prazo de 
 impugnação judicial do acto tributário que está na sua origem.
 
 É certo que, uma vez impugnada judicialmente a legalidade da dívida exequenda – 
 com os fundamentos constantes do artigo 99.º do CPPT e no prazo estabelecido no 
 artigo 102.º do mesmo diploma –, a execução ficará suspensa até à decisão do 
 pleito desde que seja prestada garantia (cf. o artigo 169.º, e, quanto ao efeito 
 suspensivo da impugnação, o artigo 103.º, n.º 4, ambos do CPPT), mas tal não 
 impede que se dê origem à execução fiscal e que esta siga os seus trâmites até à 
 verificação dos pressupostos que determinam a sua suspensão. 
 
  
 
 6.2 – Findo o prazo para o pagamento voluntário do imposto em falta, a dívida 
 passará, assim, a ser exigível pela Administração tributária, o que se 
 prefigura, a par com as exigências de certeza e liquidez da mesma, conditiones 
 sine qua non para a abertura da execução fiscal em face da existência de um 
 título executivo que determine os fins e os limites da “acção executiva”. 
 Na verdade, apesar de o CPPT não reproduzir os termos do artigo 234.º do Código 
 de Processo Tributário, que afirmava expressamente “As dívidas sujeitas a 
 execução fiscal serão certas, líquidas e exigíveis”, também na actual vigência 
 do CPPT não poderá deixar de ser assim, só se podendo dar por verificados tais 
 requisitos – mais apropriadamente, o da exigibilidade – após expirado o prazo de 
 que o contribuinte beneficia para efectuar livremente o pagamento da dívida.
 Este é, aliás, um requisito que, para efeitos do procedimento de cobrança 
 coerciva, se efectiva – e estabiliza – no momento em que se extrai a certidão da 
 dívida e se instaura o respectivo processo de execução, não sendo a sua 
 
 “sobrevivência” afectada pelo facto de ainda não ter decorrido o prazo, de 90 
 dias, para a impugnação judicial da liquidação que está na origem de tal dívida.
 E não se diga que, perante uma dívida certa, líquida e exigível, a instauração 
 da execução fiscal ou a prática de actos tendentes à realização da cobrança 
 coerciva da dívida se mostram precludidos ou frustrados por ainda não ter 
 decorrido o prazo de impugnação judicial do acto de liquidação, sob pena de 
 violação das garantias de defesa do contribuinte.
 Atente-se, a esse respeito, no que, ainda na vigência do regime do Código de 
 Processo Tributário, mas com argumentação transponível para  os autos, se 
 decidiu no Acórdão deste Tribunal n.º 332/01, publicado no Diário da República 
 II Série, de 12 de Outubro de 2001, e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 50º 
 vol., pp. 783:
 
  
 
 «(...)Ora, apesar de a administração fiscal poder instaurar a execução antes de 
 decorrido o prazo da impugnação judicial da liquidação do imposto, o 
 contribuinte pode na mesma impugnar judicialmente a legalidade do respectivo 
 acto de liquidação perante os tribunais tributários; e, se o fizer e prestar 
 caução idónea ('garantia bancária, caução, seguro caução ou qualquer outro meio 
 susceptível de assegurar os créditos do exequente'), a execução será suspensa. 
 Mais ainda: mesmo não prestando caução idónea, uma vez efectuada a penhora, a 
 execução não prosseguirá os termos ulteriores, pois sempre será suspensa: 
 sê-lo-á, se os bens penhorados garantirem 'o valor da quantia exequenda e do 
 acrescido' (cf. artigo 255º, n.º 1, do Código de Processo Tributário); e 
 sê-lo-á, também, mesmo que os bens penhorados sejam insuficientes (cf. ALFREDO 
 JOSÉ DE SOUSA e JOSÉ DA SILVA PAIXÃO, in Código de Processo Tributário. 
 Comentado e anotado, Coimbra, 1991, página 479, nota 5). Além disso, o executado 
 pode deduzir oposição à execução fiscal, que 'é ainda, de algum modo, um meio de 
 impugnação da liquidação tributária' [cf. JOSÉ CASALTA NABAIS (Direito Fiscal, 
 Coimbra, 2000, página 302); e, nessa execução, se a lei não assegurar um 'meio 
 judicial de impugnação ou recurso' contra o acto de liquidação do imposto, pode 
 inclusive invocar a própria ilegalidade da liquidação da dívida fiscal dada à 
 execução.
 
      Vale isto por dizer que os direitos do contribuinte ficam devidamente 
 acautelados, não obstante a execução fiscal poder ser instaurada antes de 
 expirado o prazo previsto na lei para a impugnação judicial do acto de 
 liquidação do imposto dado à execução, e não obstante também, verificado o 
 condicionalismo apontado, a execução ser suspensa, mas não extinta.
 
      Os actos de liquidação dos impostos praticados pela administração fiscal, 
 como actos administrativos que são ('os actos tributários praticados por 
 autoridade fiscal competente em razão da matéria são definitivos quanto à 
 fixação dos direitos dos contribuintes, sem prejuízo da sua eventual revisão ou 
 impugnação nos termos da lei': artigo 18º do Código de Processo Tributário), 
 podem, pois, ser objecto de impugnação contenciosa perante os tribunais 
 tributários. E, se o contribuinte os impugnar (ou seja, se impugnar 
 judicialmente a liquidação do imposto), com fundamento na ilegalidade da dívida, 
 e prestar garantia idónea ou, uma vez efectuada a penhora, se esta garantir 'a 
 totalidade da quantia exequenda e do acrescido', ele (contribuinte) verá – como 
 se disse – a execução fiscal suspensa (cf. artigo 255º conjugado com o artigo 
 
 282º do citado Código).
 
      Acresce que as normas sub iudicio tão-pouco impedem que, na própria 
 execução fiscal, o executado deduza oposição, para se defender da tentativa de 
 cobrança de 'um imposto que não existe (de todo ou à data dos factos)' ou 'que 
 não existe na esfera do executado por falta de legitimidade', ou, até, para em 
 certos casos provar que esse imposto 'é ilegal em virtude da ilegalidade da sua 
 liquidação' [cf. JOSÉ CASALTA NABAIS (ob. cit., página 302)], embora, neste 
 
 último caso seja necessário que 'a lei não assegure um meio judicial de 
 impugnação ou recurso contra este acto' [cf. o artigo 286º, n.º 1, alínea g), do 
 Código de Processo Tributário, que este Tribunal, no acórdão n.º 1171/96 
 
 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume 35º, página 423 e seguintes), 
 julgou não violar o direito ao recurso contencioso], pois, se a lei assegurar 
 
 'meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto tributário', a discussão 
 sobre a sua ilegalidade deve fazer-se no processo de impugnação, e não no de 
 execução fiscal: é que, como escreve JOSÉ CASALTA NABAIS (ob. cit., página 262), 
 neste processo, 'não é, em princípio, admitida a discussão da ilegalidade do 
 acto tributário, que deve ser discutida no processo de impugnação' [Cf. também 
 ALFREDO JOSÉ DE SOUSA e JOSÉ DA SILVA PAIXÃO (Código de Procedimento e de 
 Processo Tributário. Comentado e anotado, Coimbra, 2000, página 487)]. E bem se 
 compreende que assim seja, pois, com isso – sublinha JOSÉ CASALTA NABAIS (ob. 
 cit., página 302) –, a lei pretende 'evitar que a impugnação dos actos 
 tributários se desloque para a execução fiscal e assim seja torneado o prazo de 
 impugnação judicial de tais actos'.
 
      Ora, a oposição à execução – já atrás se sublinhou – 'é ainda, de algum 
 modo, um meio de impugnação da liquidação tributária', um processo declarativo 
 enxertado na execução fiscal, que tem justamente por objecto 'a discussão da 
 existência do crédito de imposto exigido pelo Fisco', como também diz JOSÉ 
 CASALTA NABAIS (ob. cit., página 302).
 
                  (...) Em conclusão:
 Não obstante o facto de a execução fiscal poder ser instaurada antes de 
 decorrido o prazo de que o contribuinte dispõe para impugnar judicialmente a 
 liquidação do imposto que não pagou voluntariamente; e não obstante também a 
 circunstância de essa execução não ser declarada extinta, 'uma vez provada 
 documentalmente a impugnação judicial do acto dado à execução', e 'requerido o 
 seu efeito suspensivo'; as normas sub iudicio (é dizer, as normas constantes dos 
 artigos 110º, n.º 1, e 272º do Código de Processo Tributário, que tal permitem) 
 não violam o direito ao recurso contencioso, nem qualquer outra garantia dos 
 contribuintes. (...)».
 
  
 
 6.3 – Assim sendo, importa agora considerar apenas se, perante a existência de 
 uma dívida que seja certa, líquida  e exigível, no decurso de um processo de 
 execução fiscal – e prevendo a lei que a cobrança coerciva das dívidas fiscais 
 se possa fazer mediante “compensação (...) por iniciativa da administração 
 tributária”, desde que não esteja pendente “reclamação graciosa, impugnação 
 judicial, recurso judicial ou oposição à execução da dívida exequenda ou esta 
 esteja a ser paga em prestações, devendo a dívida exequenda mostrar-se 
 garantida” (cf. artigo 89.º, n.º 1, do CPPT) –, o facto de a compensação ter 
 ocorrido antes de se encontrar precludido o prazo para impugnação judicial, não 
 tendo esta sido efectivamente deduzida, atentará contra o disposto no artigo 
 
 20.º da Constituição.
 Como se infere do artigo 89.º do CPPT, atendendo à sua imanente teleologia 
 fundamentante, o regime supra citado visa obstar à cobrança coerciva das dívidas 
 fiscais quando se encontra pendente um meio de reacção/oposição à actividade 
 administrativa, devendo aguardar-se o desfecho resultante da “contestação” 
 encetada pelo contribuinte e que ditará a legalidade da liquidação em crise. 
 Assim sendo, poderá sustentar-se, como faz o Recorrente, que essa ratio se 
 manifesta igualmente na hipótese em que, por ainda não ter decorrido o prazo de 
 impugnação, a legalidade da dívida ainda não se “consolidou”, pese embora a 
 dimensão textual do preceito autonomize claramente como requisito de tal 
 compensação o facto de não pender, no momento em que a compensação opere, 
 
 “reclamação graciosa, impugnação judicial, recurso judicial ou oposição à dívida 
 exequenda (...)”.
 Porém, como se compreende, uma coisa é mobilizar uma argumentação metodológica 
 que permita a determinação do mais correcto sentido jurídico-normativo a 
 assinalar ao preceito, outra, distinta, é afirmar que um outro sentido normativo 
 terá de considerar-se inconstitucional.
 
  
 No juízo do Recorrente, essa inconstitucionalidade adviria do facto de em 
 
 “acordo com o entendimento vertido no douto acórdão do Tribunal Central 
 Administrativo Norte, ser(á) o contribuinte que, para evitar a lesão do seu 
 património decorrente da prática do acto de compensação por iniciativa da 
 administração fiscal, terá de se antecipar à realização deste deduzindo, em 
 momento prévio, a competente impugnação judicial contra o acto de liquidação que 
 julga ser ilegal (...)”. 
 Por isso, no seu juízo, “é por demais evidente que tal entendimento (...) é 
 absolutamente atentatório do direito de impugnação (...) e, em consequência, 
 violador do disposto no art. 20.º, n.º 1, da Constituição da República 
 Portuguesa (...). [§] Com efeito, pela mesma razão que o legislador 
 constitucional proíbe ao legislador ordinário, através do comando vertido 
 naquele artigo 20.º, n.º 1, (...), mais concretamente, através do direito de 
 acesso aos tribunais, a fixação de prazos de caducidade do direito de acção ou 
 recurso exíguos, encontra-se também absolutamente vedada qualquer interpretação 
 de normativo legal, tal como a que o tribunal a quo faz do artigo 89.º do CPPT, 
 que, de alguma forma, legitime uma limitação ao prazo legal de exercício do 
 direito de acção ou de recurso”.
 Será assim?
 
  
 
 6.4 – Para se responder cabalmente a tal questão há que começar por ter em conta 
 que uma coisa são os pressupostos de que depende o exercício do direito de 
 impugnação judicial dos actos tributários – aí se incluindo o respectivo prazo 
 para o exercício do direito – e os efeitos que lhe estão assinalados, outra 
 coisa, diferente, são os requisitos de compensação de créditos fiscais, 
 importando, neste domínio, saber se, atento o direito de acesso aos tribunais, 
 existirá um “direito à não compensação” até ao termo do prazo para a impugnação 
 judicial ou, por outras palavras, se aquela deve ter-se, sub species 
 constitutionis, por vedada até à preclusão deste prazo.
 Não subsistem quaisquer dúvidas de que, num plano formal, não se verifica 
 qualquer “encurtamento” ou esgotamento do prazo de exercício do direito de 
 impugnação judicial que se haja de ter como consequência da compensação de 
 créditos efectuada por iniciativa da administração fiscal. 
 O contribuinte continua a ter possibilidade de recorrer a esse meio de tutela 
 jurisdicional para discutir a legalidade da liquidação sofrida e, por essa via, 
 obter a anulação do acto tributário com as consequências que legalmente daí 
 advêm – designadamente, com a restituição do indevidamente compensado, acrescido 
 do pagamento dos legais juros indemnizatórios.
 Essas dúvidas, como se compreende, apenas poderão encontrar a sua razão de ser 
 quando o problema seja perspectivado numa lógica material-substantiva. 
 Contudo, mesmo neste plano, a argumentação do Recorrente também não procede.
 Desde logo, como já se salientou, não está, de todo, posto em causa que o 
 contribuinte possa, como veio efectivamente a fazer, deduzir impugnação judicial 
 contra o acto que determinou a liquidação adicional – e, reflexamente, motivou a 
 sobredita compensação –, mantendo, nesse processo, todas as garantias de defesa 
 contra a legalidade desse acto tributário. 
 Ao nível dos pressupostos do direito de impugnação judicial não se verifica 
 qualquer preterição das garantias de defesa do contribuinte.
 
 É certo, porém, que uma vez deduzida a impugnação judicial, e já operada a 
 compensação, aquela não terá a virtualidade de sustar a realização desta, daí 
 decorrendo que o momento da dedução da impugnação judicial tenha, ex lege, 
 influência na possibilidade da Administração tributária proceder à compensação 
 dos créditos fiscais. 
 Nessa medida, não se ignora que, in casu, a cobrança coerciva, operada por 
 compensação, ocorre num momento em que o contribuinte ainda pode discutir a 
 legalidade da dívida exequenda e, assim, obter uma decisão judicial que pode 
 afectar o quid ou o quantum sujeito (ou não) a cobrança coerciva, vendo aquele o 
 seu património afectado ao pagamento de uma dívida que, apesar de se ter por 
 certa, líquida e exigível, pode ainda sofrer as vicissitudes inerentes a uma 
 eventual ilegalidade da liquidação a apurar em sede de impugnação judicial.
 Contudo, como se compreende, tal resultado apenas seria constitucionalmente 
 ilegítimo se, à luz dos pertinentes parâmetros jusfundamentais, fosse 
 intolerável, perante a existência de uma dívida fiscal certa, líquida e 
 exigível, a realização de diligências tendentes à efectivação da cobrança 
 coerciva dessa mesma dívida, apesar de deduzida – recte, de poder ser ainda 
 deduzida – impugnação judicial, o que, decerto, ocorreria se o contribuinte 
 visse, por esse motivo, frustrada a possibilidade discutir a legalidade da 
 dívida ou não se admitisse que a decisão judicial relativa à legalidade da 
 liquidação pudesse repercutir-se sobre a cobrança da dívida, não sendo, por 
 maioria de razão, constitucionalmente imposto pelo artigo 20.º da norma normarum 
 que, fora de tais situações, se tenha de possibilitar ao contribuinte a 
 apresentação de garantia idónea a suspender a execução, conquanto lhe seja 
 possibilitada uma reacção aos actos praticados no decurso da execução fiscal 
 afectados pela decisão judicial que se pronuncie pela ilegalidade do acto que 
 funda a dívida exequenda.
 Ora, perspectivando o sistema judicial de reacção aos actos da administração 
 fiscal, designadamente no que concerne à impugnação dos actos de liquidação e à 
 oposição à execução fiscal, em paralelo com o direito de acesso aos tribunais 
 constitucionalmente tutelado, vislumbra-se, claramente, que tais diligências não 
 afectam a possibilidade de o contribuinte obter uma decisão judicial sobre a 
 controvérsia que mantém com o fisco, não sendo, como se viu, incompatível com a 
 exigibilidade da dívida o decurso do prazo de impugnação judicial.
 Nessa linha, importa ainda mencionar duas notas ilustradoras de tal 
 entendimento: uma relativa ao argumento do Recorrente segundo o qual a 
 compensação efectuada determinaria uma “lesão do seu património (...) por 
 iniciativa da Administração Tributária”; outra para concretizar em que medida 
 não pode sustentar-se que o direito de impugnação é preterido na medida em que, 
 para evitar a compensação, o Recorrente “é compelido (...) a antecipar o 
 exercício do seu direito de impugnação”.
 Quanto à primeira questão, é consabido que a compensação de créditos envolve uma 
 reciprocidade de credores e devedores. In casu, não há dúvida de que o 
 património do contribuinte – aqui ilustrado pelo crédito que aquele dispunha 
 sobre a Administração tributária – é afectado pelo acto determinante da 
 compensação, mas, em todo o caso, também há que reconhecer que sobre aquele 
 impende uma dívida fiscal, reconhecida num título executivo bastante para a sua 
 cobrança, que, sendo, por isso, exigível, determina, por si, a possibilidade de 
 esta se repercutir sobre o património do devedor – como, de resto, mutatis 
 mutandis, sucede com a própria prestação de garantia da dívida exequenda 
 
 (prevendo-se, correspectivamente, a possibilidade de “indemnização em caso de 
 garantia indevida”: cf. artigo 171.º do CPPT) ou com a possibilidade de penhora 
 dos bens do devedor. 
 
          Aliás, não se vê qualquer razão para diferenciar, neste ponto 
 específico, o regime da compensação dos créditos fiscais com o regime 
 civilístico onde o instituto opera mediante simples “declaração de uma das 
 partes à outra” (artigo 848.º, n.º 1, do Código Civil), sendo que, por maioria 
 de razão, a natureza da dívida em questão e a sua vinculação à satisfação 
 imediata dos interesses públicos, sempre autorizaria um regime menos restritivo 
 daquele que vigorasse no estrito plano juscivilístico – atente-se, quanto à 
 configuração do poder administrativo que se alcança com tal argumentação, no que 
 se disse no Acórdão n.º 181/98 (in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 39º 
 vol., p. 225): 
 
  
 
          «Num sistema administrativo de tipo francês, ou de administração 
 executiva, é reconhecida a primazia do interesse público sobre os interesses 
 privados, o que leva a que a administração disponha de poderes de autoridade 
 para impor aos particulares as soluções de interesse público que à sua 
 realização forem indispensáveis (cf. Freitas do Amaral, Curso de Direito 
 Administrativo, vol. II, 2ª edição, 1994, pp. 124 e 125). [§] Mesmo entendendo 
 que o particular se encontra perante a Administração como um sujeito jurídico 
 autónomo e em situação de igualdade, não pode deixar de se reconhecer que a 
 Administração, no exercício da actividade pública, dispõe de um poder jurídico 
 de afectar unilateralmente a esfera jurídica dos cidadãos (cf. Vasco Pereira da 
 Silva, Em Busca do Acto Administrativo Perdido, 1996, pp. 186, 187 e 542).  [§] 
 Assim, mesmo num modelo de Administração prestadora do Estado social, superado o 
 modelo administrativo do Estado liberal, há que reconhecer que o estatuto da 
 Administração na relação jurídica pública se diferencia do estatuto do 
 particular, em consequência dos interesses que aquela prossegue, também eles com 
 dignidade constitucional. [§] (...) o desnivelamento nas relações entre a 
 Administração (investida de poderes de autoridade, ou, se se preferir, no 
 exercício de um poder jurídico unilateral) e os particulares é justificado pelos 
 interesses colectivos que o exercício da actividade administrativa visa 
 prosseguir. Por outro lado, tal entendimento não considera, igualmente, que a 
 suspensão de eficácia dos actos administrativos é um mecanismo processual 
 acessório que consubstancia a concretização de uma garantia dos particulares 
 perante a Administração, na medida em que mitiga o poder unilateral desta (cf. 
 Vieira de Andrade, Direito Administrativo e Fiscal, 1994/95, p. 112 e ss.)».
 
  
 Por outro lado, quanto ao segundo problema, há que realçar que a argumentação 
 deduzida pelo contribuinte apenas poderia compreender-se, no que tange 
 específica e unicamente com o exercício do direito de impugnação, se a 
 compensação importasse a preclusão da possibilidade de contestar a legalidade da 
 dívida executada ou que o pagamento do crédito tributário se configurasse como 
 conditio sine qua non da impugnação judicial. Só que isso não sucede. 
 Na verdade, do sindicando critério normativo resulta apenas a impossibilidade de 
 aproveitar, com a impugnação judicial, da suspensão da execução fiscal – e, 
 paralelamente, da impossibilidade da Administração levar a cabo, nos termos do 
 artigo 89.º do CPPT, a compensação da dívida exequenda –, mas esse efeito, 
 ressalvado o exercício do direito de impugnação, acrescido, aqui, da 
 possibilidade de recurso aos tribunais para sindicar, como se faz nos presentes 
 autos, a legalidade da compensação não atenta contra o disposto no artigo 20.º 
 da Constituição da República, afirmando-se como uma decorrência da exigibilidade 
 da dívida exequenda. 
 Aliás, este problema acaba por implicar com a questão de saber se a própria 
 execução poderá extinguir-se, mediante cobrança coerciva, num momento anterior 
 ao do terminus do prazo do direito de impugnação (deixando, nesse momento, de 
 fazer sentido colocar-se o problema da suspensão de uma execução já extinta...), 
 mas apesar desse facto se assumir como consequência de se julgar exigível o 
 cumprimento da obrigação, assegurado que esteja ao contribuinte o recurso aos 
 tribunais para sindicância dos actos que a esse propósito são praticados, da 
 Constituição, maxime ao nível do direito de acesso aos tribunais, não emerge 
 qualquer princípio que, para além de permitir ao particular a reacção judicial 
 aos actos da administração (aí se incluindo a sindicância dos actos praticados 
 pela autoridade administrativa no decurso do processo de execução fiscal), 
 houvesse, semel pro semper, de determinar a suspensão da execução fiscal antes 
 de ser deduzida impugnação judicial da liquidação originadora da dívida sujeita 
 a cobrança coerciva, nem, tão-pouco, que seja apodíctico, para efeitos de 
 assegurar, nesse processo, as garantias de defesa do impugnante que tenha de 
 haver a prestação de garantia da dívida (cf., quanto a este último aspecto, o 
 que se considerou no Acórdão n.º 574/96, publicado no Diário da República II 
 Série, de 18 de Julho de 1996, e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 33º vol., 
 pp. 785 e ss.), não se ignorando que, como deflui da argumentação invocada pelo 
 Recorrente, o problema de constitucionalidade concretamente em causa está 
 inequivocamente relacionado com o facto de que, com a actuação da administração 
 fiscal, sai prejudicada a mobilização dos instrumentos de tutela garantística 
 que permitem suspender cautelarmente a execução fiscal até à resolução final da 
 questão relativa à legalidade da dívida exequenda e impugnanda, extraindo esta 
 dimensão tutelar do artigo 20.º da Constituição da República.
 Na verdade, mesmo no domínio administrativo-fiscal, onde a Lei Fundamental 
 estabelece um recorte garantístico preciso, o sentido tutelar iluminado pelo 
 direito de acesso aos tribunais não implica, para todos os casos, a necessidade 
 do estabelecimento de procedimentos de natureza preventivo-cautelar 
 relativamente a qualquer actuação administrativa.
 Assim tem sido entendido, de resto, pela jurisprudência deste Tribunal, lavrada 
 a propósito do procedimento de suspensão da eficácia dos actos administrativos.
 
  
 
          Como resulta do Acórdão n.º 345/99, publicado nos Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional, 44º vol. pp. 197 e ss., no qual se escreveu:
 
  
 
 «A norma questionada [a norma do artigo 76º, n.º 1, alínea a), da LPTA], quando 
 faz depender o decretamento da suspensão de eficácia do facto de o acto 
 impugnado ser adequado a causar prejuízos de difícil reparação, não restringe o 
 direito ao recurso contencioso. Limita-se, antes, a regulamentar o exercício de 
 um tal direito em termos que, já se viu, são razoáveis e proporcionados - e 
 nessa medida necessários - à prossecução do interesse público visado com a 
 prática do acto impugnado (cfr. artigo 266º da Constituição) e à 'necessária 
 eficácia' da Administração (artigo 267º, n.º 2, da Constituição), sem descurar 
 os legítimos interesses do requerente, pois que o protege contra o risco de 
 prejuízos de difícil reparação.
 
  E também não há inconstitucionalidade por violação da garantia de tutela 
 jurisdicional efectiva mediante a adopção de medidas cautelares adequadas, 
 consagrada a partir de 1997 no n.º 4 do artigo 268º, seja porque os limites 
 resultantes dos interesses constitucionalmente protegidos que já se referiram 
 são visados à partida pela exigência constitucional de adequação daquelas 
 medidas cautelares, ou seja porque se deduzem sistematicamente da protecção 
 constitucional ao interesse público prosseguido pela Administração e à 
 necessária eficácia desta.».
 
  
 E, em Plenário, o Tribunal Constitucional, pelo seu Acórdão 412/00, publicado no 
 Diário da República II Série, de 21 de Novembro de 2000, e nos Acórdãos do 
 Tribunal Constitucional, 48º vol., pp. 165, entendeu julgar não inconstitucional 
 a norma da antiga LPTA que exigia como requisitos para a suspensão da eficácia 
 do acto administrativo a verificação de que “a execução do acto cause 
 provavelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os 
 interesses que este defenda ou venha a defender no recurso”.
 
  
 Ora, mutatis mutandis, mesmo considerando o facto da compensação operar num 
 momento em que ainda decorre o prazo para deduzir impugnação fiscal – e 
 atendendo a que a possibilidade de se obter a suspensão da execução mediante 
 prestação de garantia, nos termos do artigo 169.º do CPPT, pressupõe um meio de 
 defesa impugnatório, só se efectivando após a mobilização concreta e efectiva de 
 tal instrumento de defesa – e que, por isso, a execução pode ser extinta, por 
 cobrança coerciva – mediante compensação – ainda antes do sujeito passivo ter 
 oportunidade para obter a sua suspensão mediante a prestação de garantia e de 
 assim obstar ao pagamento imediato da dívida fiscal (na medida em que a dívida 
 se encontra coercivamente paga num momento em que ainda era possível discutir a 
 legalidade do acto que a originou), sempre se terá de concluir que o artigo 20.º 
 da Constituição, ressalvada que esteja a possibilidade de discutir a legalidade 
 da dívida e de obter uma reparação dos prejuízos causados pela actuação 
 administrativa, não impede que aquele pagamento se efectue, ainda que, 
 consequentemente, o contribuinte não tenha possibilidade de ver a execução 
 suspensa a título cautelar até à decisão do tribunal sobre a liquidação em 
 causa, uma vez que, nessas circunstâncias, sempre continuará a ser possível ao 
 contribuinte impugnar, no prazo legal, a respectiva liquidação, além de que, 
 apurado que fique, em função do que aí se decidir, o “pagamento indevido do 
 imposto”, ele sempre terá direito a ser ressarcido dos prejuízos sofridos 
 mediante o pagamento de juros indemnizatórios ex vi o disposto no artigo 61.º do 
 CPPT, não ficando assim precludidas, com a compensação realizada, pela 
 administração fiscal, as garantias de defesa do Recorrente, tanto mais que, como 
 deflui das considerações previamente tecidas, a compensação não importa uma 
 perda definitiva do valor do crédito.
 
  
 
 6.5 - Finalmente, dir-se-á que, mesmo ponderando que o contribuinte tenha de 
 antecipar a dedução da impugnação judicial sindicante da legalidade do acto de 
 liquidação que titula formalmente a dívida compensante, dentro da economia do 
 preceito sub specie constitutionis, a fim de poder obter o efeito de obviar à 
 compensação, nem por isso se poderá concluir pela violação do parâmetro 
 constitucional do art.º 20º da CRP.
 Na verdade, sendo o prazo de pagamento voluntário do imposto de 30 dias e 
 podendo para se poder prevalecer do efeito da norma deduzir-se a impugnação até 
 ao 29º dia, sempre se impõe considerar dispor o contribuinte de um prazo que, de 
 modo algum, poderá ter-se por desrazoável ou inadequado para o exercício do seu 
 direito de acesso aos tribunais. 
 
  
 
 6.6 - E o mesmo se dirá quando confrontada a norma com o princípio da igualdade 
 dos cidadãos no acesso aos tribunais e ao direito ou seja, com as disposições 
 conjugadas dos artigos 13º e 20º, da Constituição.
 
               O princípio da igualdade, constitucionalmente consagrado no artigo 
 
 13º da Lei Fundamental, tem como fundamento a igual dignidade social de todos os 
 cidadãos. De acordo com a formulação constantemente repetida na jurisprudência 
 do Tribunal Constitucional, de que o recente Acórdão n.º 232/2003, publicado no 
 Diário da República, II Série, de 17 de Julho de 2003, fez uma recensão 
 alargada, são três as dimensões que o princípio convoca: (a) a proibição do 
 arbítrio, consubstanciada na inadmissibilidade de diferenciação de tratamento 
 sem qualquer justificação razoável, apreciada esta de acordo com critérios 
 objectivos de relevância constitucional, e afastando também o tratamento 
 idêntico de situações manifestamente desiguais; (b) a proibição de 
 discriminação, impedindo diferenciações de tratamento entre os cidadãos que se 
 baseiem em categorias meramente subjectivas ou em razão dessas categorias; (c) e 
 a obrigação de diferenciação, como mecanismo para compensar as desigualdades de 
 oportunidades, que pressupõe a eliminação, pelos poderes públicos, de 
 desigualdades fácticas de natureza social, económica e cultural (cf. neste 
 sentido, J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República 
 Anotada, Coimbra Editora, Coimbra, 1993, pp.127, ss.).
 
               O Tribunal Constitucional tem ponderado, reiteradamente, que o 
 princípio da igualdade só é violado quando o legislador trate diferentemente 
 situações que são essencialmente iguais, não proibindo diferenciações de 
 tratamento quando estas sejam materialmente fundadas (v.g., os Acórdãos, n.º 
 
 39/88, publicado no Diário da República I Série, de 3 de Março de 1988; n.º 
 
 68/97, publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 36º vol., 1997, pp. 259 
 e ss.; n.º 202/02, publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 53º vol., 
 
 2002, pp. 223 e ss. e o Acórdão n.º 177/99, publicado em Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional, 43º vol., 1999, pp. 109, ss.).
 
           Por outro lado, o Tribunal tem também entendido que a proibição do 
 arbítrio exige ainda tratamento diferenciado, mas proporcionado, de situações 
 que, no plano fáctico, surjam como diversas. 
 
           A este respeito pode ler-se no referido Acórdão n.º 39/88: 
 
  
 
 «A igualdade não é, porém, igualitarismo. É, antes, igualdade proporcional. 
 Exige que se tratem por igual as situações substancialmente iguais e que, a 
 situações substancialmente desiguais, se dê tratamento desigual, mas 
 proporcionado: a justiça, como princípio objectivo, «reconduz-se, na sua 
 essência, a uma ideia de igualdade, no sentido de proporcionalidade» – acentua 
 Rui de Alarcão (Introdução ao Estudo do Direito, Coimbra, lições policopiadas de 
 
 1972, p. 29). 
 O princípio da igualdade não proíbe, pois, que a lei estabeleça distinções. 
 Proíbe, isso sim, o arbítrio; ou seja: proíbe as diferenciações de tratamento 
 sem fundamento material bastante, que o mesmo é dizer sem qualquer justificação 
 razoável, segundo critérios de valor objectivo, constitucionalmente relevantes. 
 Proíbe também que se tratem por igual situações essencialmente desiguais. E 
 proíbe ainda a discriminação; ou seja: as diferenciações de tratamento fundadas 
 em categorias meramente subjectivas, como são as indicadas, 
 exemplificativamente, no n.º 2 do artigo 13.º.
 Respeitados estes limites, o legislador goza de inteira liberdade para 
 estabelecer tratamentos diferenciados.
 O princípio da igualdade, enquanto proibição do arbítrio e da discriminação, só 
 
 é, assim, violado quando as medidas legislativas contendo diferenciações de 
 tratamento se apresentem como arbitrárias, por carecerem de fundamento material 
 bastante». 
 
  
 Ora, não pode dizer-se desprovida de fundamento racional bastante uma solução 
 normativa da qual decorra que o contribuinte, caso queira obter o efeito 
 jurídico de não compensação entre o seu crédito com a dívida de imposto, 
 decorrido que seja o seu prazo de pagamento voluntário, haja de antecipar o 
 exercício do direito de impugnação judicial, tendo de fazê-lo dentro do prazo de 
 
 30 dias em vez de o ser dentro de 90 dias.
 
 É que, com o exercício do direito dentro de tal prazo mais curto, o contribuinte 
 visa obter não apenas o efeito jurídico próprio desse meio impugnatório, que é a 
 apreciação da legalidade da dívida de imposto, mas também um outro efeito 
 acrescido, que é o de evitar a declaração de compensação por parte da 
 administração fiscal, efeito jurídico este possível, aqui, por virtude de ser ao 
 mesmo tempo credor e devedor de um crédito certo, líquido e exigível. 
 A situação não é, pois, a mesma quer sob o ponto de vista fáctico quer sob o 
 ponto de vista jurídico. 
 Por outro lado, a disponibilidade por parte do contribuinte de um prazo até 30 
 dias para poder obter os dois efeitos não se afigura desrazoável ou 
 desproporcionada.
 Sendo assim – mesmo quando analisada a questão dentro de uma tal perspectiva - 
 não poderá concluir-se que a norma em causa revele uma diferenciação de 
 tratamento sem qualquer justificação razoável, apreciada esta de acordo com 
 critérios objectivos de relevância constitucional. 
 
  
 Nestes termos, como já se disse, se é verdade que bem se compreenderia que o 
 preceito fosse interpretado no sentido invocado pelo Recorrente – e com claros 
 alicerces no cumprimento da intenção prático-normativa da norma –, também não 
 deixa de ser exacto que não só a interpretação sufragada pelo tribunal não 
 afronta os parâmetros constitucionais aqui questionados, como inclusivé a 
 própria regulamentação ínsita no artigo 89.º do CPPT não pode considerar-se 
 directamente decorrente – e imposta – pelo direito de acesso aos tribunais ou 
 pelo princípio da igualdade no exercício desse direito.
 
  
 
  
 
  
 C – Decisão
 
  
 
 7 – Destarte, atento o exposto, o Tribunal Constitucional decide negar 
 provimento ao recurso.
 Custas pelo Recorrente com 20 UC de taxa de justiça.
 
  
 Lisboa, 13 de Julho de 2005
 
  
 Benjamim Rodrigues
 Maria Fernanda Palma
 Mário José de Araújo Torres
 Rui Manuel Moura Ramos