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Processo n.º 527/05
 
 3.ª Secção
 Relator: Conselheiro Vítor Gomes
 
  
 
  
 
          Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 
          1. A., advogado estagiário, reclama, ao abrigo do n.º 4 do artigo 76.º 
 da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC), do despacho de 27 de Maio de 2005 
 
 (fls. 239-240), proferido pelo relator do processo no Supremo Tribunal 
 Administrativo, que não admitiu o recurso que pretendeu interpor para o Tribunal 
 Constitucional, do acórdão de 3 de Março de 2005. Neste acórdão concedeu-se 
 provimento a recurso, interposto pelo Bastonário da Ordem dos Advogados, de 
 sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa que anulara um despacho 
 de indeferimento do seu pedido de inscrição, como advogado, na Ordem dos 
 Advogados.
 
  
 
          O despacho sob reclamação considerou que o recurso não era admissível 
 porque o recorrente não suscitara a questão de inconstitucionalidade do artigo 
 
 170.º do Decreto-Lei n.º 84/84, de 16 de Março (Estatuto da Ordem dos Advogados 
 
 – EOA), que pretende submeter ao Tribunal Constitucional, em momento algum do 
 processo.
 
  
 
          Para convencer de que o recurso deve ser admitido, o reclamante alega, 
 em síntese, 
 
 -                                                  Que efectivamente não 
 suscitou a inconstitucionalidade do artigo 170.º do EOA, tal como ele se 
 encontrava formulado na redacção da Lei n.º 33/94, de 6.9, mas não o fez porque 
 não é isso que está em causa, mas sim a inconstitucionalidade resultante da 
 interpretação que lhe foi dada pela Ordem dos Advogados e agora, pelo Supremo 
 Tribunal Administrativo.
 
 -                                                  Que, muito embora, a alínea 
 b) do n.º 1 do art.º 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, preceitue, em 
 termos literais, que apenas cabe recurso para o Tribunal Constitucional das 
 decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido 
 suscitada durante o processo, a verdade é que o Tribunal vem considerando 
 admissível que, se peça a apreciação da inconstitucionalidade de determinada 
 norma segundo a interpretação com que o tribunal a quo a tiver aplicado.
 
  
 
  
 O Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que “a presente 
 reclamação é manifestamente improcedente. Na verdade, o reclamante não suscitou, 
 durante o processo e em termos processualmente adequados, qualquer questão de 
 inconstitucionalidade normativa, idónea para servir de base ao recurso que 
 interpôs, nos termos da alínea b) do n.º 1 do art.º 70.º da Lei n.º 28/82”.
 
  
 
  
 
 2.  Para decisão da reclamação relevam as ocorrências processuais seguintes:
 a)                         O recorrente interpôs recurso contencioso do despacho 
 do Bastonário da Ordem dos Advogados, de 17 de Agosto de 2000, que negou 
 provimento a recurso hierárquico de decisão que lhe indeferira o pedido de 
 inscrição como advogado, com fundamento em que o requerente, não tendo obtido 
 aproveitamento na “prova de  agregação”, não preenchia os requisitos previstos 
 no artigo 170.º do Estatuto da Ordem dos Advogados;
 b)                         Por sentença de 7 de Maio de 2004, o Tribunal 
 Administrativo de Círculo de Lisboa concedeu provimento ao recurso.
 c)                         O Bastonário da Ordem dos Advogados interpôs recurso 
 desta sentença para o Supremo Tribunal Administrativo;
 d)                         Por acórdão de 3 de Março de 2005, o Supremo Tribunal 
 Administrativo concedeu provimento ao recurso;
 e)                         O ora reclamante, então recorrido, apresentou 
 requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, do 
 seguinte teor:
 
 “A., recorrido nos autos à margem referenciados, não se conformando com o aliás 
 douto acórdão nos mesmos proferido vem interpor recurso para o Tribunal 
 Constitucional, ao abrigo da alínea b)  do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do 
 Tribunal Constitucional, para apreciação da constitucionalidade do artigo 170.º 
 do Decreto-Lei n.º 84/84, de 16 de Março, alterado pelo artigo 1.º da Lei n.º 
 
 33/94, de 6 de Setembro, na interpretação pugnada no douto aresto, que 
 desconsidera o Regulamento dos Centros Distritais de Estágio da Ordem dos 
 Advogados, aprovado pelo artigo 5.º da aludida Lei 33/94 e para o qual remete o 
 artigo 170.º ora sob critica, daí resultando, salvo o devido respeito por 
 opinião contrária, a violação das seguintes normas constitucionais:
 O recorrente considera que foram violados:
 a) O Princípio da Soberania e da Legalidade vertido no artigo 3º da CRP;
 b) As normas constantes dos artigos 112.º, designadamente os seus n.ºs 1 e 2, 
 
 161.º, alínea c), 165.º, alínea s), 266.º e 268.º, n.º 4, da CRP;
 Peça processual na qual foram suscitados os vícios:
 Petição de Recurso contencioso de Anulação, interposto no Tribunal 
 Administrativo de Círculo de Lisboa, em 24/10/2000 (Processo n.º 845/2000, 
 
 1ºJuízo, 2ª Secção, do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa).”
 
  
 f)                          O recurso não foi admitido, por despacho de 27 de 
 Maio de 2005, do seguinte teor [despacho sob reclamação] :
 
  
 
 “2. Os recursos para o Tribunal Constitucional têm que se fundar ou na recusa em 
 aplicar normas com fundamento na sua inconstitucionalidade ou na aplicação de 
 preceitos que violem a Constituição. O recorrente invoca, como fundamento do seu 
 recurso, a alínea b) do n.º 1 do artigo 70 da Lei do Tribunal Constitucional, 
 segundo a qual cabe recurso para o TC das decisões que “Apliquem norma cuja 
 inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo”
 Sucede, contudo, que, contrariamente ao que afirma, o recorrente em momento 
 algum suscitou a questão da inconstitucionalidade “do art.º 170º do Decreto-Lei 
 n.º 84/84, de 16 de Março, alterado pelo artigo 2º da Lei n.º 33/94, de 6 de 
 Setembro”, o Estatuto da Ordem dos Advogados (não o fez na petição de recurso 
 como refere no seu requerimento).
 Assim, face ao exposto, nos termos do art.º 76.º n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 28/82, 
 de 15.11, (Lei do TC) não admito o recurso.”
 
  
 
  
 
  
 
          3. O recurso foi interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 
 
 70.º da LTC. Resulta deste preceito, em conjugação com o n.º 2 do artigo 72.º da 
 mesma Lei, que o recurso nele previsto só pode ser interposto pela parte que 
 haja suscitado a questão de inconstitucionalidade que quer submeter ao Tribunal 
 Constitucional de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu 
 a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer. Ficou 
 claro, após a nova redacção dada ao n.º 2 do artigo 72.º da LTC pela Lei 
 n.º13-A/98, de 26 de Fevereiro, pondo-se assim termo a divergência 
 jurisprudencial que se verificava no Tribunal, que não basta ter colocado a 
 questão numa fase anterior do processo. O recorrido, que tenha obtido ganho de 
 causa tem de renovar adequadamente a questão perante o tribunal superior, para 
 conservar a possibilidade de recurso para o Tribunal Constitucional ao abrigo da 
 alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.
 
          Ora, basta atentar nos termos do requerimento de interposição de 
 recurso para  verificar que, mesmo que fosse exacto ter o recorrente colocado, 
 como questão de constitucionalidade normativa, aquela que agora quer ver 
 apreciada, não estaria satisfeito o referido requisito porque tal não teria 
 sucedido perante o  perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, mas 
 perante a instância inferior. Efectivamente, quando procedeu à indicação da peça 
 processual em que suscitou a questão de inconstitucionalidade (n.º 2 do artigo 
 
 75.º-A da LTC), o que o recorrente disse foi que suscitou tal questão na petição 
 de recurso contencioso, interposto no Tribunal Administrativo de Círculo. Na 
 reclamação acrescenta que também suscitou essa questão nas alegações finais do 
 recurso contencioso, a fls. 87. Portanto, não diz que, como era seu ónus, 
 colocou essa questão perante o Supremo Tribunal Administrativo. E, de facto, 
 percorridas as contra-alegações que o reclamante apresentou no recurso 
 jurisdicional (fls. 158-166), nada se encontra que, na qualidade de recorrido, 
 convoque o Supremo Tribunal Administrativo a recusar aplicação, com fundamento 
 em inconstitucionalidade, ao entendimento do artigo 170.º do EOA pelo qual a 
 autoridade administrativa recorrente se batia e que veio a ser acolhido no 
 acórdão de que foi interposto o recurso não admitido.
 
  
 
          Por outro lado, não se verifica uma daquelas situações excepcionais ou 
 anómalas em que, num entendimento funcional do referido ónus, não pode exigir-se 
 ao recorrente que tenha colocado, previamente à decisão recorrida, a questão de 
 constitucionalidade que quer ver submetida ao Tribunal Constitucional perante o 
 tribunal que a proferiu. Na verdade, a interpretação do artigo 170.º do EOA que 
 veio a ser acolhida pelo Supremo Tribunal Administrativo – a de que o advogado 
 estagiário, para poder inscrever-se como advogado, tem de obter classificação 
 positiva em cada uma das “obrigações de estágio” e, portanto, também na prova de 
 agregação – é aquela que fundou o acto administrativo impugnado contenciosamente 
 e que a autoridade recorrida sempre defendeu no processo, seja no Tribunal 
 Administrativo de Círculo, seja no recurso perante o Supremo Tribunal 
 Administrativo.
 
  
 
          Contra o que o reclamante parece supor, a circunstância de os recursos 
 de fiscalização concreta poderem incidir sobre determinadas interpretações 
 normativas – em que a norma é tomada, não com o sentido que extrairia do 
 preceito um intérprete ideal, mas em função do modo como foi perspectivada e 
 aplicada na solução do caso concreto – não dispensa, por si só, do ónus de 
 suscitar da questão de constitucionalidade perante o tribunal que faz tal 
 aplicação.
 
  
 
  
 
          Tanto basta para indeferir a reclamação.
 
  
 
          4.  Acrescentar-se-á, contudo, que nem sequer é exacto que o recorrente 
 tenha suscitado nos lugares que refere, como questão de constitucionalidade 
 normativa e de modo processualmente adequado, a questão que quer submeter ao 
 Tribunal Constitucional. 
 
          O recorrente não imputou a violação de normas ou princípios da 
 Constituição a um determinado sentido ou interpretação do artigo 170.º do EOA, 
 mas à própria decisão administrativa e, aliás, sem qualquer substanciação (na 
 petição de recurso contencioso), ou ao Regulamento de 27 de Abril de 2000 (nas 
 alegações do recurso contencioso, a fls. 87). 
 
  
 
  
 
          5. Decisão
 
  
 
          Pelo exposto, acordam em indeferir a reclamação do despacho que não 
 admitiu o recurso para o Tribunal Constitucional e condenar o recorrente nas 
 custas, com 20 (vinte)  UC,s de taxa de justiça.
 
  
 Lisboa, 14 de Julho de 2005
 
  
 Vítor Gomes
 Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
 Artur Maurício