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Processo n.º 1109/04
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
 
  
 
  
 
  
 
  
 Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
  
 
  
 A – Relatório
 
  
 
  
 
             1 – A., recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do 
 disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei n.º 28/82, de 15 de 
 Novembro, na sua actual versão (LTC), do acórdão do Supremo Tribunal 
 Administrativo (STA), de 24 de Junho de 2004, que negou provimento ao recurso 
 interposto da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo do Círculo de 
 Coimbra, sentença esta que julgou improcedente a acção com processo comum 
 ordinário instaurada pela recorrente contra o B., emergente de contrato de 
 empreitada para execução de obras públicas de “reabilitação entre --------- e 
 
 --------- da E.N. ---”, na qual pedia a condenação do Réu no pagamento dos danos 
 sofridos.
 
  
 
             2 – A recorrente pretende que o Tribunal Constitucional aprecie a 
 constitucionalidade da norma extraída do n.º 3 do artigo 166º do Decreto-Lei n.º 
 
 405/93, de 10 de Dezembro, na interpretação segundo a qual “a suspensão dos 
 trabalhos decidida pelo empreiteiro sem prévia comunicação ao dono da obra, nos 
 termos aí estabelecidos, não constitui na esfera jurídica do empreiteiro o 
 direito de ser indemnizado pelos prejuízos decorrentes dessa mesma suspensão”.
 
  
 
             3 - O acórdão recorrido, na esteira do já sustentado na sentença por 
 ele sindicada, considerou que, não obstante “durante o período que mediou entre 
 
 27.7.97 [período compreendido pelo prazo de execução da empreitada] e a data da 
 conclusão das obras – Junho de 1998 – a A. esteve parada com o seu pessoal e 
 equipamento totalmente imobilizado na obra adjudicada por motivo imputável ao 
 R.”, a circunstância de a recorrente não ter procedido à comunicação prevista no 
 n.º 3 do art.º 166º com relação à situação descrita na alínea a) do n.º 2 do 
 mesmo artigo do Decreto-Lei n.º 405/93, de 10 de Dezembro, determinou que “não 
 chegou a constituir-se na esfera jurídica da recorrente o invocado direito a ser 
 indemnizada por tais prejuízos” e que não se mostravam violados os princípios 
 anti-formalista e pro actione e o direito constitucional a uma tutela efectiva.
 
             No seu essencial é a seguinte a fundamentação do acórdão recorrido:
 
  
 
 «Sob a epígrafe 'suspensão dos trabalhos pelo empreiteiro', estabelece o 
 referenciado art.º 166º, que «2 - O empreiteiro poderá suspender, no todo ou em 
 parte, a execução dos trabalhos por mais de 8 dias seguidos ou 15 dias 
 
 «interpolados,...», verificada que seja alguma das circunstâncias contempladas 
 na previsão das diferentes alíneas desse mesmo n.º 2, designadamente a 
 ocorrência de facto que seja imputável ao dono da obra ou seus agentes.
 
  
 Mas, conforme o n.º 3 desse mesmo art.º 166º, «O exercício da faculdade prevista 
 no número anterior deverá ser antecedido de comunicação ao dono da obra, 
 mediante notificação judicial ou carta registada, com menção expressa da alínea 
 indicada».
 
  
 Trata-se, pois, de uma comunicação prévia e formal, a que, por isso, não poderá 
 fazer-se equivaler uma mera tomada de conhecimento ocasional. Sendo que, para 
 além disso, a lei exige também que, nessa comunicação prévia, se faça menção 
 expressa da alínea do referido n.º 2 cuja previsão é invocada, de modo a que o 
 dono da obra fique a saber, inequivocamente, que os trabalhos foram suspensos e 
 quais as concretas razões que motivaram essa suspensão. É que tal comunicação 
 visa, justamente, conceder ao dono da obra a possibilidade de optar pela 
 rescisão do contrato, nos termos do art.º 170º, n.º 1[1] do mesmo DL 405/93. 
 Neste sentido, decidiu o recente acórdão desta Secção, de 18.3.04, proferido no 
 processo n.º 641/41/03.
 
  
 Assim, como bem entendeu a sentença recorrida, a suspensão dos trabalhos 
 decidida pela ora recorrente, sem prévia comunicação ao R. dono da obra, 
 conforme o formalismo exigido no questionado n.º 3 do art.º 166º do DL 405/93, 
 não produziu o pretendido efeito jurídico de responsabilização do R. pelos 
 prejuízos decorrentes dessa mesma suspensão. Pelo que não chegou a constituir-se 
 na esfera jurídica da recorrente o invocado direito a ser indemnizada por tais 
 prejuízos.
 
  
 O que, desde logo, retira fundamento à alegação da recorrente de que a decisão 
 impugnada teria violado um tal direito à reparação ou indemnização dos danos 
 sofridos e seguido, por isso, interpretação inconstitucional daquele preceito 
 legal.
 
  
 Pela mesma razão não colhe também a alegação da recorrente de que a 
 interpretação seguida na sentença sob impugnação violou os princípios 
 anti-formalistas e pro actione, bem como o direito constitucionalmente garantido 
 a uma tutela judicial efectiva.
 
  
 Com efeito, o princípio pro actione postula que, ao nível dos pressupostos 
 processuais, se privilegie a interpretação que se apresente como a mais 
 favorável ao acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efectiva e que se 
 pode traduzir na fórmula in dubio pro habilitate instantiae. Todavia, importa 
 notar que o princípio pro actione não corresponde a um princípio pro 
 administrado, pois que não releva no plano material, antes opera no âmbito do 
 direito processual, limitando-se ao mero direito de acção jurisdicional. Neste 
 sentido, veja-se o acórdão de 9.5.02 (Rº 701/02), bem como a doutrina aí citada.
 
  
 Ora, no caso, a decisão recorrida em nada obstaculizou o acesso ao direito, por 
 parte da recorrente, de cuja pretensão indemnizatória efectivamente conheceu o 
 
 órgão jurisdicional competente. Com o que, independentemente de se ter julgado 
 infundada tal pretensão, se respeitou o princípio da tutela judicial efectiva, 
 que, no essencial, se traduz justamente no direito à protecção pela via 
 judicial[2].».
 
             
 
             4 – Alegando neste Tribunal Constitucional, a recorrente condensou 
 nas seguintes conclusões o discurso argumentativo antes desenvolvido:
 
  
 
 «1ª - Vem o presente recurso interposto para este Venerando Tribunal ao abrigo 
 do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de 
 Novembro, na redacção dada pela Lei nº 85/89, de 7 de Setembro, e pela Lei nº 
 
 13-A/98, de 26 de Fevereiro, pretendendo a recorrente ver apreciada a 
 inconstitucionalidade da norma ínsita no artigo 166º, nº 3 do Decreto-Lei nº 
 
 405/93, de 10 de Dezembro, com a interpretação com que foi aplicada no acórdão 
 do Supremo Tribunal Administrativo, de 24.06.2004.
 
  
 
 2ª - O acórdão recorrido, ao considerar que da omissão do formalismo previsto no 
 artigo 166º, nº 3 do DL 405/93 decorre a impossibilidade de a recorrente 
 
 (empreiteira) vir a ser indemnizada pelos prejuízos sofridos com a suspensão dos 
 trabalhos, refugiou-se num formalismo positivista de todo desajustado aos dias 
 de hoje, violando com tal decisão quer as garantias constitucionais da tutela 
 jurídica efectiva dos direitos da recorrente quer os princípios anti-formalistas 
 pro actione e in dubio pro favoritate instantiae.
 
  
 
 3ª - Entende a recorrente que, ao utilizar a expressão deverá ser antecedido de 
 comunicação, o legislador terá querido assegurar ao dono da obra o pleno 
 conhecimento da suspensão dos trabalhos por parte do empreiteiro.
 
  
 
 4ª- Este conhecimento e a prova do mesmo podem ser assegurados por quaisquer 
 outros meios, informais, que não os expressamente referidos na norma.
 
  
 
 5ª - Não existe norma legal que determine que da omissão do formalismo previsto 
 no artigo 166º, nº 3 do Decreto-Lei nº 405/93 decorre a perda do direito à 
 indemnização previsto no artigo 171º do mesmo diploma legal.
 
  
 
 6ª - A exigência dos formalismos em causa tem uma finalidade meramente 
 probatória e não quaisquer fins cominatórios, contrariamente à interpretação 
 dada no acórdão recorrido ao sentido e alcance da norma.
 
  
 
 7ª - Os fins visados pelo legislador são alcançados no momento em que o dono da 
 obra tem efectivo conhecimento da suspensão dos trabalhos.
 
  
 
 8ª - Não questionou nem questiona a recorrente o facto de não ter usado o 
 formalismo referido no dito artigo 166º, nº 3.
 
  
 
 9ª - No entanto, o recorrido teve conhecimento da situação desde o seu início, 
 tendo tal situação evoluído sempre sob o seu conhecimento.
 
  
 
 10ª - A norma ínsita no artigo 166º, nº 3 do DL 405/93, quando interpretada no 
 sentido em que o foi pelo acórdão recorrido, é inconstitucional, pois limita o 
 direito à reparação de danos decorrente do artigo 483º do Código Civil, direito 
 este análogo aos direitos, liberdades e garantias.
 
  
 
 11ª - Ao interpretar a norma do artigo 166º, nº 3 do Decreto-Lei nº 405/93, no 
 sentido em que o fez, o acórdão recorrido violou ainda os princípios 
 anti-formalistas 'pro actione' e 'in dubio pro favoritate instanciae', que a 
 jurisprudência administrativa tem defendido e que impõem uma interpretação da 
 norma que se apresente como a mais favorável ao acesso ao direito e a uma tutela 
 jurisdicional efectiva.
 
  
 
 12ª - Tais princípios postulam que, na densificação da indeterminação 
 conceptual, se privilegie a interpretação mais favorável ao acesso ao direito e 
 
 à tutela judicial efectiva, tendo como objectivo o alcance da verdade material.
 
  
 
 13ª - A ideia basilar do princípio processual pro actione é, pois, a de 
 favorecimento da tomada de decisões de mérito, contrariando o excessivo relevo 
 que possam apresentar as questões de outra índole.
 
  
 
 14ª- Pelo que se deve privilegiar a interpretação que melhor garanta a tutela 
 efectiva do direito e a concretização da justiça material.
 
  
 
 15ª - A interpretação das normas respeitantes aos direitos dos cidadãos deve 
 efectuar-se, sempre que tal seja possível, através de um critério que seja 
 favorável ao conhecimento das questões de fundo, visando possibilitar o exame de 
 mérito das pretensões deduzidas em juízo.
 
  
 
 16ª- Assim, em consonância com as garantias contenciosas consagradas na 
 Constituição, a interpretação que em concreto foi dada à norma do artigo 166º, 
 nº 3 do Decreto-Lei nº 405/93 viola o direito constitucional à tutela judicial 
 efectiva, consagrado na norma constitucional do nº 4 do artigo 268º da C.R.P. - 
 a qual se traduz numa concretização do direito de acesso aos tribunais ou à 
 tutela jurisdicional efectiva, previsto no artigo 20º da C.R.P. e que implica a 
 garantia de uma protecção jurisdicional eficaz ou de uma tutela judicial 
 efectiva - norma que é de aplicação directa, nos termos do artigo 18º, nº 1 da 
 Constituição.
 
  
 
 17ª - Pelo exposto, o acórdão recorrido, ao interpretar a norma do artigo 166º, 
 nº 3 do Decreto-Lei nº 405/93, no sentido em que o fez, não respeitou os 
 princípios fundamentais do contencioso administrativo anti-formalistas, pro 
 actione e in dubio pro habilitate instantiae, e pôs em causa o acesso ao direito 
 e a uma tutela jurisdicional efectiva, violando os artigos 20º e 268º, nº 4 da 
 C.R.P..
 
  
 
 18ª - Deve a norma contida no artigo 166º, nº 3 do Decreto-Lei nº 405/93 ser 
 interpretada da forma mais favorável à tutela jurisdicional efectiva, o que deve 
 necessariamente conduzir à postergação de interpretações meramente ritualistas e 
 formais, uma vez que estas não contribuem para a realização da justiça 
 material.».
 
  
 
             5 – O recorrido contra-alegou, batendo-se pela manutenção do 
 julgado, concluindo com esse sentido que:
 
  
 
 «a)    Não se chegou a constituir na esfera jurídica da recorrente, em 
 consequência da inobservância do disposto no art. 166º, nº 3 do Dec. Lei nº 
 
 405/93, qualquer direito de indemnização, donde, a decisão impugnada não viola 
 qualquer direito à reparação ou indemnização dos danos por ela eventualmente 
 sofridos, ao interpretar naquele sentido o referido preceito legal.
 
  
 b)            A decisão recorrida em nada obstaculizou o acesso ao direito por 
 parte da recorrente, dado que o Tribunal recorrido conheceu efectivamente da sua 
 pretensão indemnizatória, pelo que, a recorrente beneficiou de tutela judicial 
 efectiva, contrariamente ao que invoca.
 
  
 c)            A interpretação seguida pelo Tribunal “a quo” não violou quaisquer 
 princípios anti-formalistas e pro actione, desde logo porque, estes operam no 
 
 âmbito do direito processual onde nenhum obstáculo foi levantado á recorrente, e 
 não no plano do direito material como pretende erradamente esta última.».
 
  
 
             Tudo visto cumpre decidir.
 
  
 B – Fundamentação
 
  
 
  
 
             6.1 – Antes de se avançar importa deixar registado que não cabe nos 
 poderes do Tribunal Constitucional, que, no tipo de recurso em causa, conhece 
 apenas de questões de (in)constitucionalidade normativa, aferir da correcção da 
 interpretação levada a cabo pelo acórdão recorrido do preceito do n.º 3 do art.º 
 
 166º do Decreto-Lei n.º 505/93, de 10 de Dezembro, sem embargo de se reconhecer 
 que esse preceito foi aplicado de forma conjugada com o disposto nas alíneas a) 
 e d) do mesmo artigo cuja constitucionalidade não se questiona. Não lhe compete 
 assim apurar se o critério normativo que foi extraído do referido preceito 
 corresponde ao melhor direito que o preceito consente mas apenas decidir se o 
 critério de decisão que foi determinado e aplicado no caso concreto é não 
 direito ou direito inválido perante a Lei fundamental.
 
             Nesta perspectiva não há que saber se, como defende a recorrente, 
 
 “não existe norma legal que determine que da omissão do formalismo previsto no 
 artigo 166º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 405/93 decorre a perda do direito à 
 indemnização previsto no artigo 171º do mesmo diploma legal”.
 
  
 
             6.2 - A recorrente sustenta que a interpretação de tal preceito, 
 segundo a qual a suspensão dos trabalhos decidida pelo empreiteiro, sem prévia 
 comunicação ao dono da obra obsta a que se constitua na esfera jurídica daquele 
 o direito a ser indemnizado pelos prejuízos decorrentes de tal suspensão devida 
 a facto imputável a este, é “inconstitucional pois limita o direito à reparação 
 de danos decorrente do art.º 483º do Código Civil, direito este análogo aos 
 direitos, liberdades e garantias”, “os princípios fundamentais do contencioso 
 administrativo anti-formalista pro actione e in dúbio pro habilitate instantiae, 
 e a garantia constitucional do “acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional 
 efectiva consagrada nos artigos 20º e 268º, n.º 4, da Constituição da República 
 Portuguesa”. 
 
             
 
             Poderá admitir-se que a Constituição consagra, para além dos casos 
 em que especificamente admite o direito de indemnização por danos, como acontece 
 nos artigos 22º, 60º, n.º 1, 62º, n.º 2, e 271º, n.º 1, um direito geral à 
 reparação de danos. A existência de um tal direito impor-se-á como um postulado 
 intrínseco da efectividade da tutela jurídica condensada no direito do 
 respectivo titular naqueles casos, pelo menos, em que se verifica a violação de 
 um direito absoluto constitucionalmente reconhecido. O dever de indemnizar, 
 nestas hipóteses, surge como elemento necessário do conteúdo da tutela 
 constitucionalmente dispensada ao direito.
 
             O art.º 483º do Código Civil poderá ser, assim, visto, pelo menos em 
 parte, como uma norma densificadora da tutela constitucional dispensada aos 
 direitos absolutos. E diz-se em parte porque a obrigação de indemnizar a que se 
 refere, independentemente de não abranger a responsabilidade de fonte negocial e 
 contratual (situada fora do domínio dos direitos absolutos), pode ter por fonte 
 não só a violação de direitos dessa natureza mas também a simples violação de 
 
 “disposição legal destinada a proteger interesses alheios”.
 
             O direito à indemnização, no caso sub judice, não surge, todavia, 
 como concretização da efectividade da tutela dispensada a um direito absoluto, 
 integrando-se, antes, na regulação de relações jurídicas contratuais.
 
             Assim sendo, não tem sentido apelar à existência do direito 
 constitucional à indemnização por danos na medida em que o mesmo haja sido 
 densificado em tal norma, ao contrário do que a recorrente defende.
 
             De resto, a entender-se que a situação seria esta, o direito de 
 indemnização teria, então, assento directamente no art.º 22º da Constituição, 
 dado o R. ter a natureza de entidade pública.
 
             Na situação em apreço, o dever de indemnizar é antes imputado à 
 violação de deveres contratuais a que as partes contratantes estão adstritas no 
 desenvolvimento da execução de um contrato de direito administrativo, de 
 empreitada de obras públicas, regulado pelo Decreto-Lei n.º 405/93, de 10 de 
 Dezembro (cf. sobre o conceito de contrato administrativo e a qualificação como 
 tal do contrato de empreitada de obras públicas, entre outros, josé manuel 
 sérvulo correia, Legalidade e Autonomia Contratual nos Contratos 
 Administrativos, 1987, pp. 343 e segs.). 
 
             Note-se que o próprio legislador qualifica o contrato de empreitada 
 de obras públicas como contrato administrativo (cf. art.º 1º, n.º 4, do DL. n.º 
 
 405/93, norma cujo sentido foi repetido no diploma que lhe sucedeu – art.º 2º do 
 Decreto-Lei n.º 59/99, de 2 de Março).
 
             Nesta perspectiva, o direito de indemnização por danos, a admitir-se 
 neste domínio a sua relevância constitucional, poderá ser tido antes, mais 
 adequadamente, como uma refracção da tutela constitucional dispensada aos 
 princípios da autonomia, da liberdade contratual e da iniciativa privada cujos 
 
 “fundamentos mais explícitos se encontram nos artigos 26º, n.º 1, e 61º da 
 Constituição” (cf. carlos alberto da mota pinto, Teoria geral do Direito Civil, 
 
 4ª edição por antónio pinto monteiro e paulo mota pinto, pp. 102).
 
             Ademais, como se diz no Acórdão n.º 153/90, publicado nos Acórdãos 
 do Tribunal Constitucional, 16º vol., pp. 237, tendo o Código Civil sediado a 
 fonte da obrigação de indemnizar em diversos factos jurídicos, como sejam o 
 negócio jurídico unilateral, o contrato, o facto ilícito, a responsabilidade 
 pelo risco e, em alguns casos, o próprio facto lícito, não obstante a sua opção 
 pela regulação da obrigação nos seus pontos comuns (art. 562º e segs.), não 
 poderia uma tal concepção e opção do legislador ser esquecida pela Constituição 
 de 1976.
 
             E numa tal visão das coisas não é de desconhecer que o dever de 
 indemnizar decorrente da violação de deveres contratuais pode ser moldado em 
 termos diferentes, quer pelas próprias partes, ao ajustarem as cláusulas segundo 
 as quais se autovinculam, quer pelo legislador, ao regular a disciplina jurídica 
 imperativa e supletiva do contrato, sem embargo de nesta tarefa haver de 
 respeitar os parâmetros constitucionais, entre os quais releva, sem dúvida 
 alguma, o princípio da proporcionalidade.  
 
  
 
             Na acepção que vem sindicada, a norma em causa (n.º 3 do art.º 166º 
 do Decreto-Lei n.º 405/93) estabelece que o direito a ser indemnizado pelos 
 prejuízos decorrentes da suspensão da empreitada devida a facto imputável ao 
 dono da obra apenas se constitui na esfera jurídica do empreiteiro se este 
 proceder à comunicação ao dono da obra, mediante notificação judicial ou carta 
 registada, com menção expressa da alínea constante do n.º 2 do mesmo artigo ao 
 abrigo do qual procedeu à suspensão.
 
             No caso, segundo a alegação do recorrente, verificar-se-ia uma 
 situação subsumível às hipóteses descritas nas alíneas a) e d) do preceito. De 
 acordo com a decisão recorrida essa exigência legal visa “que o dono da obra 
 fique a saber, inequivocamente, que trabalhos foram suspensos e quais as 
 concretas razões que motivaram essa suspensão” e “que tal comunicação visa, 
 justamente, conceder ao dono da obra a possibilidade de optar pela rescisão do 
 contrato, nos termos do art.º 170º, n.º 1, do mesmo DL. n.º 405/93”. 
 
             Tendo em conta a funcionalidade jurídica que foi atribuída à 
 referida comunicação, pode dizer-se que a sua natureza se mostra ajustada à de 
 uma condição legal não de constituição do direito de indemnização contratual, 
 que decorrerá simplesmente do incumprimento das regras relativas à execução do 
 contrato, mas do seu exercício em concreto, efeito este que o acórdão recorrido 
 designa por constituição do direito na esfera jurídica do empreiteiro (sendo, 
 porém, certo que este Tribunal não se mostra refém da qualificação feita pela 
 decisão recorrida mas apenas da definição dos efeitos jurídicos condensados na 
 norma; no plano do juízo de constitucionalidade, “o Tribunal Constitucional não 
 está vinculado à determinação feita pela decisão recorrida dos elementos 
 jurídicos a relevar e a ponderar nesse juízo de constitucionalidade, 
 designadamente à interpretação da lei feita pelo tribunal recorrido” – Acórdão 
 n.º 682/04, disponível em www.tribunalconstitucional.pt): de um verdadeiro 
 pressuposto jurídico para que o direito à indemnização por perdas e danos 
 emergentes do não cumprimento do contrato de empreitada possa ser invocado em 
 juízo e fora dele e cuja conformação a coberto dos princípios da autonomia e da 
 liberdade contratual, no plano do próprio contrato, não se vê que estivesse 
 vedada às partes contratantes.
 
             Esta circunstância desvela só por si que a sua previsão legislativa 
 não contende com o núcleo do respectivo direito. O conteúdo do direito de 
 indemnização decorrente do incumprimento contratual em nada se altera, cumprido 
 que seja esse pressuposto de exercício do respectivo direito. Consequentemente, 
 não poderá falar-se de uma limitação ao direito de indemnização, mas 
 simplesmente de um condicionamento ao seu exercício. 
 
             Nesta perspectiva, mesmo pressuposta a natureza de direito análogo 
 aos direitos e garantias individuais do direito à reparação de danos advindos de 
 incumprimento contratual, haveria que concluir-se estar-se perante uma norma de 
 direito ordinário simplesmente estabelecedora de um mero procedimento de 
 exercício, fundado em valores comunitários, do direito análogo aos direitos 
 fundamentais que em nada restringe o seu conteúdo e, muito menos, o seu núcleo 
 
 (cf. josé carlos vieira de andrade, Os direitos fundamentais na Constituição 
 Portuguesa de 1976, 2ª edição, pp. 146-148).
 
             Por outro lado, trata-se de um requisito cujo estabelecimento não se 
 antolha que seja desadequado e desproporcionado. Na verdade, estamos perante um 
 contrato de direito administrativo que é celebrado para satisfação de 
 necessidades e interesses públicos e que, por natureza, atenta essa sua 
 funcionalidade, pode ser sujeito a cláusulas exorbitantes de direito privado, 
 tendentes a acautelar a realização desse fim contratual (cf. josé manuel sérvulo 
 correia, op. cit., pp. 375). 
 
             Ao dispor-se a celebrar um contrato desse tipo, o particular deve 
 saber estar sujeito a um específico regime contratual enformado segundo um 
 princípio legislativo de predominância dos interesses públicos sobre os 
 interesses privados que se expressa na previsão de “cláusulas exorbitantes” do 
 direito privado ou de cláusulas que fogem à regra da equivalência dos interesses 
 a prosseguir ou a realizar através do contrato.     
 
             Acresce que a imposição que lhe é feita se mostra racionalmente 
 fundada quer na circunstância de o dono da obra ser uma entidade pública sujeita 
 a regras de procedimento formal na sua actuação com as outras partes 
 contratuais, decorrentes do princípio da legalidade administrativa, quer no 
 facto de, por via da organização administrativa da entidade pública contratante, 
 poderem ser diferentes os agentes que intervêm no acompanhamento da execução do 
 contrato e os agentes com competência de disposição contratual e, 
 consequentemente, para a avaliação do que corresponde, no caso, ser a satisfação 
 dos interesses públicos, nesta se compreendendo a decisão sobre a rescisão ou 
 não do contrato, de que fala a decisão recorrida, em caso de não cumprimento 
 pelo empreiteiro do regime estabelecido no art.º 166º para a suspensão da 
 empreitada.
 
             Por último, a imposição de procedimento adoptando pelo empreiteiro 
 estabelecida na norma questionada traduz-se em um comportamento cuja prática não 
 se afigura demasiado ou sequer sensivelmente onerosa, do ponto de vista das 
 tarefas que demanda para a sua concretização: a comunicação por carta registada 
 ou notificação judicial de qual das razões constantes das várias alíneas do n.º 
 
 2 do art.º 166º do DL. n.º 405/93 em que se apoia para determinar a suspensão da 
 execução da empreitada.
 
             Não se vê, portanto, que a norma em causa afronte o pressuposto 
 direito geral à indemnização por danos.
 
  
 
             6.3 – Alega ainda a recorrente que a dimensão normativa 
 constitucionalmente sindicada afronta os “princípios fundamentais do contencioso 
 administrativo anti-formalistas pro actione e in dúbio pro habilitate 
 instantiae”, bem como o direito constitucional de “acesso ao direito e a uma 
 tutela jurisdicional efectiva, violando os artigos 20º e 268º, n.º 4, da CRP”.
 
             Ora, independentemente da questão de saber se os designados 
 
 “princípios fundamentais do contencioso administrativo anti-formalistas” 
 correspondem a qualquer dimensão do conteúdo do direito constitucional do acesso 
 aos tribunais reconhecido no artigo 20º da Constituição, pelo menos na medida em 
 que respeitem a condicionamentos impostos pelo legislador ordinário que se 
 mostrem funcionalmente desadequados e desproporcionados ao exercício do direito 
 em juízo e na tramitação do respectivo processo judicial, é seguro que, na 
 situação em causa, uma tal violação não acontece [cf., a propósito, Carlos Lopes 
 do Rego, “Os princípios constitucionais da proibição da indefesa, da 
 proporcionalidade dos ónus e cominações e o regime da citação em processo 
 civil”, em Estudos em Homenagem ao Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa, 
 Coimbra Editora, Coimbra, 2003, págs. 835-859, onde este A. fala de um 
 
 “princípio da funcionalidade e proporcionalidade dos ónus, cominações e 
 preclusões impostas pela lei de processo às partes”, o qual, no seu entender, 
 
 “pode fundar-se cumulativamente no princípio da proporcionalidade das 
 restrições (artigo 18.º, n.ºs 2 e 3, da Constituição) ao direito de acesso à 
 justiça, quer na própria regra do processo equitativo”].
 
             Na verdade, tendo em conta a referida natureza e funcionalidade do 
 condicionamento de procedimento imposto ao empreiteiro, há que concluir, desde 
 logo, que não estamos perante qualquer imposição que diga respeito ao processo a 
 seguir em juízo para a defesa, aí, dos direitos e interesses legalmente 
 protegidos. 
 
             A designada formalidade não é um procedimento processual cuja 
 observância seja imposta pela lei às partes ou ao tribunal na sua actuação em 
 juízo, mas exterior a ele.
 
             O condicionamento ocorre ainda em sede, como se diz no acórdão 
 recorrido, da constituição, na esfera jurídica do empreiteiro, do direito à 
 reparação de danos emergentes do contrato de empreitada.
 
             E sendo assim, trata-se igualmente de um pressuposto do direito 
 subjectivo que é estranho completamente ao conteúdo do direito de acesso aos 
 tribunais e à sua dimensão de exigência de um processo equitativo.
 
             Desde que o empreiteiro seja titular do direito subjectivo que se 
 arroga nenhum entrave específico, no acesso ao tribunal ou dentro dele, lhe 
 acarreta a defesa desse direito.
 
             Temos, pois, de concluir pela improcedência do recurso.
 
  
 C – Decisão
 
  
 
             7 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional 
 decide negar provimento ao recurso.
 
             Custas pela recorrente, fixando a taxa de justiça em 20 UCs.
 
             
 Lisboa, 13 de Julho de 2005
 
  
 Benjamim Rodrigues
 Mário José de Araújo Torres
 Rui Manuel Moura Ramos
 
  
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 [1] Artigo 170º (Rescisão em caso de suspensão):
 
 1 - O dono da obra tem direito de rescindir o contrato se a suspensão pelo 
 empreiteiro não houver respeitado o disposto no artigo 166º;
 
 2- ...
 
  
 
 [2] vd., entre outros, os acórdãos do Tribunal Constitucional nº 444/96, de 
 
 20.11, nº 451/97, de 25.6 e nº 960/96, de 10.7 e, na doutrina, J. C. Vieira de 
 Andrade, A Justiça Administrativa, (Lições), 4ª ed.  Almedina, 159, ss..