 Imprimir acórdão
 Imprimir acórdão   
			
Processo n.º 310/2005
 
 2.ª Secção
 Relatora: Conselheira Maria Fernanda Palma
 
  
 
  
 
  
 
  
 Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 I
 Relatório
 
  
 
 1.  Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos 
 do Tribunal da Relação de Lisboa, em que figuram como recorrente A. e outro e 
 como recorridos o Ministério Público e outros, foi requerida a abertura da 
 instrução pelos recorrentes, na qualidade de assistentes, em processo crime a 
 correr termos no 4º Juízo do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa. Tal 
 requerimento foi rejeitado, por não cumprir o exigido no artigo 283º, nº 3, 
 alíneas b) e c), para as quais remete o nº 2 do artigo 287º do Código de 
 Processo Penal.
 Os assistentes interpuseram recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, 
 sustentando a inconstitucionalidade da interpretação segundo a qual não há lugar 
 
 à prolação de um despacho de aperfeiçoamento do requerimento para a abertura de 
 instrução apresentado pelo assistente no caso de não serem cumpridas as 
 exigências do nº 3 do artigo 287º do Código de Processo Penal.
 O Tribunal da Relação de Lisboa considerou o seguinte:
 
  
 APRECIANDO,
 O presente recurso vem interposto do despacho da Sr.a Juiz que entendeu faltar 
 objecto à instrução pretendida pelos Assistentes, porquanto, os factos relatados 
 no requerimento de abertura de instrução não constituem uma acusação de forma a 
 permitir a imputação aos arguidos da prática de um crime, nos termos dos artsº 
 
 287º, nº 2, e 283º, nº 3, als. b) e c) do CPP, e, nessa medida, ser a mesma 
 inadmissível face ao teor do artº 287º, nº 3, do mesmo diploma.
 Os Recorrentes reconhecem a existência de imprecisões formais no requerimento de 
 abertura de instrução, mas não aceitam que não lhes seja dada oportunidade para 
 procederem ao aperfeiçoamento.
 Vejamos.
 Nos termos do disposto nos artsº 286º, nº 1, e 287º, nº 1, al. b), do CPP, a 
 abertura de instrução pode ser requerida pelos assistentes se o procedimento 
 criminal não depender de acusação, relativamente a factos pelos quais o 
 Ministério Público não tenha deduzido acusação e visa a comprovação judicial da 
 decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito, tendo em vista submeter 
 ou não a causa a julgamento.
 Ora, no caso de haver sido proferido despacho de arquivamento, como acontece nos 
 presentes autos, porque o objecto do processo ficará delimitado pelo 
 requerimento de abertura de instrução, este deve conter 'a narração, ainda que 
 sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de 
 uma medida de segurança, incluindo se possível, o lugar, o tempo e a motivação 
 da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer 
 circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser 
 aplicada' e 'a indicação das disposições legais aplicáveis' - artsº 287º, nº 2, 
 e 283º, nº 3, als. b) e c), do CPP. 
 Como refere o Prof. Germano Marques da Silva, in 'Do Processo Penal Preliminar', 
 fls. 254, 'o requerimento de abertura da instrução formulado pelo assistente 
 constitui, substancialmente, uma acusação (alternativa ao arquivamento) ou à 
 acusação decididos pelo Ministério Público”).
 E Souto Moura in 'Jornadas de Direito Processual Penal - O Novo Código de 
 Processo Penal', ed. Almedina, 1988, pág. 120, 'se o assistente requerer a 
 instrução sem a mínima delimitação do campo factual sobre que há-se versar, a 
 instrução será a todos os títulos inexequível. O juiz ficará sem saber que 
 factos é que o assistente gostaria de ver acusados. Aquilo que não está na 
 acusação e que no entendimento do assistente lá devia estar pode ser mesmo muito 
 vasto. O juiz de instrução 'não prossegue' uma investigação nem se limitará a 
 apreciar o arquivamento do MP, a partir da matéria indiciária do inquérito. O 
 juiz de instrução responde ou não a uma pretensão'.
 O requerimento de abertura da instrução formulado pelo assistente, na sequência 
 de um despacho de arquivamento do Ministério Público, é mais que uma forma de 
 impugnar o despacho de arquivamento do Ministério Público (para o qual existe a 
 reclamação hierárquica), consubstanciando uma verdadeira acusação que é dada a 
 conhecer ao arguido e que constituirá objecto da instrução. Sem a narração, 
 ainda que sintética, dos factos concretos que fundamentam a aplicação ao arguido 
 de uma pena ou de uma medida de segurança, a instrução não tem objecto, ou seja 
 não pode haver instrução, E sem instrução, o debate e a decisão instrutória 
 constituem uma impossibilidade jurídica e os actos instrutórios actos inúteis, 
 sendo que ainda que fossem apurados factos os mesmos se viessem a constar da 
 decisão instrutória esta seria nula, por violação do disposto no artº 309° do 
 CPP.
 Compulsando o referido requerimento de abertura de instrução, verifica-se que 
 efectivamente, não apresenta os requisitos mínimos exigidos pelas mencionadas 
 normas legais nos termos especificados no despacho sob recurso, sendo os 
 próprios Recorrentes a reconhecer as imprecisões formais que fundamentam esse 
 despacho.
 Pelo que, a decisão recorrida não violou qualquer disposição legal, 
 designadamente o invocado artº 287°, nºs 2 e 3, do CPP, pois, a indicação 
 concreta de tais factos, é determinante para deferir o requerimento de abertura 
 de instrução.
 Seria, então, caso de mandar 'aperfeiçoar' o requerimento de abertura de 
 instrução?
 A Jurisprudência não tem tratado de forma uniforme esta questão.
 Neste Tribunal da Relação de Lisboa têm sido proferidas decisões no sentido de 
 não haver lugar a formulação de convite e em sentido contrário.
 Nas primeiras, defendendo-se que o convite para o aperfeiçoamento traduzir-se-ia 
 numa intromissão do tribunal, que envolveria, de alguma forma, uma 'orientação 
 judicial' reconduzível a procedimento próprio de processo de tipo inquisitório, 
 configuraria violação dos princípios do acusatório e do contraditório e mesmo 
 uma injustificada restrição das garantias de defesa do arguido, para além de 
 violação do prazo peremptório para apresentação de tal requerimento (cfr. Acs 
 de: 15-05-03, in Proc. 2698/03, 9ª); 19-03-2003, in Proc. 99/03, 3ª; 
 
 13-03-2003, in Proc. 10503/02; 05-12-2002, in Proc. 8097/02, 9ª).
 Sendo em sentido contrário, as decisões em que se defende que, verificando-se 
 insuficiência de factos, bem como da indicação de quem são os seus autores e 
 circunstâncias de tempo e de modo daqueles que são imputados aos arguidos não 
 pode daí resultar a imediata rejeição do requerimento para abertura de instrução 
 dado o apertado regime das causas de rejeição. A omissão de requisitos 
 legalmente exigíveis pelo artº 283° do CPP configurará uma irregularidade que o 
 juiz de instrução deverá mandar reparar ao abrigo do disposto no artº 123°, nº 
 
 2, do CPP, notificando o requerente para a suprir e só em caso de não ser 
 sanada, deverá ser rejeitada a abertura da instrução (cfr. Acs de: 30-04-2003, 
 in Proc. 2273/03, 3ª; 05-02-2003, in Proc. 8565/02, 3ª;  e 19-03-2003, in Proc. 
 
 587/03, 3ª).
 Ora, uma vez que o requerimento de abertura de instrução formulado pelos 
 Assistentes constitui substancialmente uma acusação alternativa (ao arquivamento 
 ou à acusação deduzida pelo MP) que dada a divergência com a posição assumida 
 pelo Ministério Público, vai necessariamente ser sujeita a comprovação judicial, 
 se o juiz não pode convidar o MP à reformulação da acusação (nos termos do artº 
 
 303° do CPP a alteração dos factos da acusação só podem resultar da instrução ou 
 do debate instrutório), não poderá igualmente fazê-lo relativamente aos 
 Assistentes sob pena de tratamento desigual de sujeitos processuais e criar uma 
 inadmissível desigualdade formal.
 Assim, embora não sujeito a formalidades especiais, o requerimento para abertura 
 de instrução tem de obedecer ao exigido no artº 283°, nº 3, alíneas b) e c), do 
 CPP, para onde remete o nº 2 do artº 287º do mesmo diploma.
 E o nº 3 do artº 287° do CPP, ao tipificar os casos de rejeição, tem obviamente 
 como pressuposto que tal requerimento reúne os requisitos de forma e de fundo 
 legalmente consignados, sem os quais se verifica inadmissibilidade legal da 
 instrução. Em face do que, quando, como no caso dos autos, se verificar 
 inadmissibilidade legal da instrução, o requerimento para a abertura da mesma 
 terá que ser rejeitado, atento o teor do nº 3 do artº 287° do CPP, não havendo 
 lugar a qualquer convite para aperfeiçoamento.
 Pelo que a Sr.ª Juiz 'a quo', ao considerar que, por falta de objecto, a 
 instrução é inadmissível, decidiu correctamente, nos termos do disposto no artº 
 
 287°, nº 3, b) e c), do CP, rejeitando o requerimento em causa.
 Nestes termos o recurso não pode proceder.
 
  
 
  
 
  
 
 2.  Os assistentes interpuseram recurso de constitucionalidade, concluindo o 
 respectivo requerimento nos seguintes termos:
 
  
 a)  O convite ao aperfeiçoamento não está previsto nas disposições aplicáveis, 
 mas tem perfeito cabimento constitucional, aliás, como acontece relativamente ao 
 artigo 412º do CPP, quanto ao recurso e à possibilidade do convite ao 
 aperfeiçoamento das alegações, faltando qualquer dos requisitos aí previstos, 
 seja por deficiência ou obscuridade, seja por falta dos requisitos exigidos, com 
 base no nº 4 do artigo 690º do CPC; 
 b)  Não são inconstitucionais as exigências formais de um recurso, previstas no 
 artigo 412º do CPP, nem as exigências formais de um requerimento de abertura de 
 instrução, mas se forem interpretadas no sentido que o seu não cumprimento leve 
 
 à rejeição liminar, sem que haja convite ao aperfeiçoamento e suprimento das 
 deficiências que estejam em causa, até porque os normativos contêm suficiente 
 espaço de interpretação para possibilitar um entendimento conforme à 
 Constituição, aí sim, serão;
 c)  O raciocínio aplicado ao recurso em processo penal deve ser aplicado ao 
 requerimento de abertura de instrução em processo penal, ou seja, se é 
 inconstitucional a interpretação de que a falta dos requisitos exigidos para a 
 interposição de recurso (artigo 412º CPP) implica a sua rejeição liminar sem 
 convite ao aperfeiçoamento também o deve ser relativamente ao requerimento de 
 abertura de instrução (artigo 287º do CPP);
 d)  Assim, o artigo 287º do CPP, ao não permitir o convite ao aperfeiçoamento, 
 ou as interpretações nesse sentido são em si, e provocam que as decisões 
 judiciais daí decorrentes violem
 
 –   artigos 2º, 3º-2, 20º, 32º, 202º-1 e 2, 203º, e 221º da CRP;
 
 –   artigos 1º, nº 1 do artigo 6º, 8º, nº 2 do artigo 9º, nº 1 do artigo 10º, 
 
 13º e 14º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem; artigo 1º do Protocolo nº 
 
 1 Adicional à convenção supra mencionada; 
 
 –   alínea d) do artigo 668º do CPC.
 
  
 Junto do Tribunal Constitucional, os recorrentes apresentaram alegações que 
 concluíram assim:
 
  
 a)  O convite ao aperfeiçoamento não está previsto nas disposições aplicáveis, 
 mas tem perfeito cabimento constitucional, aliás, como acontece relativamente ao 
 artigo 412º do CPP, quanto ao recurso e à possibilidade do convite ao 
 aperfeiçoamento das alegações, faltando qualquer dos requisitos aí previstos, 
 seja por deficiência ou obscuridade, seja por falta dos requisitos exigidos, com 
 base no nº 4 do artigo 690º do CPC; 
 b) Não são inconstitucionais as exigências formais de um recurso, previstas no 
 artigo 412º do CPP, nem as exigências formais de um requerimento de abertura de 
 instrução, mas se forem interpretadas no sentido que o seu não cumprimento leve 
 
 à rejeição liminar, sem que haja convite ao aperfeiçoamento e suprimento das 
 deficiências que estejam em causa, até porque os normativos contêm suficiente 
 espaço de interpretação para possibilitar um entendimento conforme à 
 Constituição, aí sim, serão;
 c)  O raciocínio aplicado ao recurso em processo penal deve ser aplicado ao 
 requerimento de abertura de instrução em processo penal, ou seja, se é 
 inconstitucional a interpretação de que a falta dos requisitos exigidos para a 
 interposição de recurso (artigo 412º do CPP) implica a sua rejeição liminar sem 
 convite ao aperfeiçoamento, também o deve ser relativamente ao requerimento de 
 abertura de instrução (artigo 287º do CPP);
 d)  Assim, o artigo 287º do CPP, ao não permitir o convite ao aperfeiçoamento, 
 ou as interpretações nesse sentido são em si e provocam que as decisões 
 judiciais daí decorrentes violem
 
 –   artigos 2º, 3º-2, 20º, 32º, 202º-1 e 2, 203º e 221º da CRP;
 
 –   artigos 1º, nº 1 do artigo 6º, 8º, nº 2 do artigo 9º, nº 1 do artigo 10º, 
 
 13º e 14º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem; artigo 1º do Protocolo nº 
 
 1 Adicional à convenção supra mencionada;
 
 –   alínea d) do artigo 668º do C PC.
 
  
 Por seu turno, o Ministério Público contra-alegou, formulando estas conclusões:
 
  
 
 1 - A norma constante dos artigos 287° e 283° do Código de Processo Penal, 
 interpretada em termos de não impor a formulação de um convite ao 
 aperfeiçoamento do requerimento para abertura da instrução, apresentado pelo 
 assistente, ferido de verdadeira ineptidão, por não conter uma descrição dos 
 factos imputados ao arguido, delimitando o objecto fáctico da pretendida 
 instrução, não viola o direito de acesso à justiça por parte do ofendido.
 
 2 - Termos em que deverá improceder o presente recurso.
 
  
 Maria Argentina da Silva Simões também contra-alegou concluindo o seguinte:
 
  
 Nestes termos e nos melhores de direito, as normas constantes dos artigos 283º e 
 
 287º, ambos do C.P.P., não podem ser interpretadas no sentido de possibilitar um 
 convite ao aperfeiçoamento ao requerimento de abertura de instrução apresentado 
 pelo assistente, uma vez que a instrução não tem objecto porque não houve uma 
 descrição dos factos imputados ao arguido.
 Assim, deverá o presente recurso ser considerado improcedente.
 
  
 Os demais recorridos não contra-alegaram.
 
  
 
  
 Cumpre apreciar.
 
  
 
  
 
  
 II
 Fundamentação
 
  
 
 4.  Os recorrentes submetem à apreciação do Tribunal Constitucional a norma 
 constante dos artigos 287º e 283º do Código de Processo Penal, segundo a qual 
 não é obrigatória a formulação de um convite ao aperfeiçoamento do requerimento 
 para abertura da instrução, apresentado pelo assistente, quando esse 
 requerimento não contém uma descrição, ainda que mínima, dos factos imputados ao 
 arguido. Os recorrentes consideram que tal interpretação é materialmente 
 inconstitucional, por violar o direito de acesso à Justiça do ofendido.
 Nas alegações do seu recurso de constitucionalidade, os recorrentes invocam 
 vários Acórdãos do Tribunal Constitucional relativos a questões de 
 constitucionalidade de normas reguladoras do estatuto do arguido. No 
 desenvolvimento dos seus argumentos, os recorrentes invocam ainda um acórdão 
 deste Tribunal sobre matéria de direito processual laboral (o Acórdão nº 299/93) 
 e outro sobre matéria contra-ordenacional (o Acórdão nº 319/99). Todos os 
 arestos invocados têm por objecto normas relacionadas com a prolação do despacho 
 convite para aperfeiçoamento de alegações de recurso (nos que se referem ao 
 processo penal e ao processo contraordenacional, os recursos em questão foram 
 apresentados pelo arguido).
 No presente caso está em causa o requerimento para abertura da instrução 
 apresentado pelo assistente.
 Ora, o estatuto do assistente não é equivalente ao do arguido. Desde logo, a 
 Constituição, a par da consagração de todas as garantias de defesa do arguido 
 
 (artigo 32º, nº 1), determina que “o ofendido tem o direito de intervir no 
 processo, nos termos da lei” (artigo 32º, nº 7). É, pois, constitucionalmente 
 reconhecida uma ampla margem de conformação legislativa da posição processual do 
 assistente (ofendido) que inviabiliza uma abstracta equiparação entre o estatuto 
 do assistente e o do arguido. 
 Tal diferenciação é naturalmente reconhecida pela jurisprudência constitucional, 
 que reiteradamente tem realçado, a propósito de várias questões relacionadas com 
 o estatuto do assistente, a diferença entre as posições processuais dos dois 
 sujeitos do processo penal (cf., a título meramente exemplificativo, os Acórdãos 
 
 27/2001 e 259/2002, que serão de novo referidos infra).
 Assim, o que é afirmado a propósito das garantias de defesa do arguido não tem 
 necessariamente aplicação tratando-se do assistente, pelo que a jurisprudência 
 invocada pelo ora recorrente não tem pertinência significativa nos presentes 
 autos. 
 Aliás, em matéria de recursos, a Constituição consagra um direito de defesa do 
 arguido – de forma expressa após a Revisão Constitucional operada pela Lei 
 Constitucional nº 1/97, de 20 de Setembro, e, segundo a jurisprudência 
 constitucional constante e unânime, de forma implícita já antes disso –, 
 enquanto apenas contempla um direito genérico, que não pode ser suprimido in 
 totum, à impugnação judicial das decisões dos tribunais ou a um duplo grau de 
 jurisdição nos restantes domínios (o que, à luz do nº 1 do artigo 20º da 
 Constituição, não inviabiliza, por exemplo, a fixação de uma alçada para a 
 primeira instância em matéria civil).
 
  
 
  
 
 5.  Importa sublinhar, por outro lado, que no presente processo o requerimento 
 apresentado pelo assistente não contém os factos cuja prática gera 
 responsabilidade criminal, ou seja, o requerimento não contém a menção, ainda 
 que imprecisa, dos fundamentos da responsabilidade criminal do arguido. Desse 
 modo, o requerimento apresentado não permite a delimitação, em termos 
 minimamente adequados e inteligíveis, do objecto da instrução cuja abertura foi 
 requerida.
 Não existe, assim, qualquer analogia com as situações (subjacentes a alguns dos 
 arestos invocados pelo recorrente) em que o recorrente dá cumprimento às 
 exigências fundamentais a que deve obedecer uma alegação (nomeadamente o ónus de 
 impugnar os fundamentos da decisão recorrida ou o ónus de formular conclusões) e 
 apenas se verificam deficiências formais, tais como a especificação nas 
 conclusões daquilo que já constava das alegações.
 No presente caso, a peça processual apresentada não tem, como se referiu, a 
 virtualidade de desempenhar a função que legalmente lhe é atribuída 
 
 (possibilitar a abertura da instrução, fixando o respectivo objecto). Trata-se, 
 nessa medida, de um requerimento “inepto”. Qualquer convite que fosse formulado 
 traduzir-se-ia na concessão da possibilidade de repetição do acto (não seria, 
 portanto, confundível com um mero convite para aperfeiçoamento de acto 
 anterior). 
 Assim sendo, é manifesto que nenhum preceito constitucional (ou de outra 
 natureza) impõe a possibilidade de o assistente praticar de novo um acto que já 
 praticou no respectivo prazo de modo absolutamente inadequado. O requerimento 
 apresentado é pois um requerimento “não aperfeiçoável”.
 
  
 
  
 
 6.  Cabe ainda realçar que a representação do assistente por advogado (artigo 
 
 70º do Código de Processo Penal) visa garantir uma utilização tecnicamente 
 adequada dos mecanismos processuais por esse sujeito.
 Na verdade, o direito de acesso à Justiça no contexto destes autos concretiza-se 
 na consagração do direito a requerer a abertura da instrução. Uma vez que é 
 representado por advogado, o assistente dispõe das condições necessárias para o 
 exercício de tal direito. Tais condições são, porém, delimitadas por outros 
 princípios processuais, tais como a celeridade ou a proibição de actos inúteis. 
 A prática de actos (no caso, a apresentação de um requerimento) de modo a não 
 permitir a intelegibilidade do núcleo essencial da peça processual produzida não 
 justifica nem legitima a imposição de um convite ao aperfeiçoamento (que, como 
 se disse, seria antes a concessão da possibilidade de renovação do acto).
 
  
 
  
 
 7.  Por fim, deve ter-se presente que o reconhecimento da possibilidade de 
 
 “renovação” do acto em questão implicaria uma compressão dos direitos de defesa 
 do arguido, já que a consagração de um prazo para o assistente requerer a 
 abertura da instrução concretiza a garantia de defesa inerente à fixação da 
 situação processual do arguido que a não pronúncia origina. 
 Ora, não se vislumbra fundamento legítimo para tal compressão, já que a 
 instrução não teve lugar devido a uma actuação processual dos assistentes 
 manifestamente deficiente (de resto, os próprios assistentes reconhecem nos 
 presentes autos as deficiências do requerimento apresentado). Nessa medida, a 
 aludida compressão não é admissível (cf., em sentido próximo, o Acórdão nº 
 
 27/2001, já citado).   
 
  
 
 8.  O sentido geral da jurisprudência anterior deste Tribunal aponta para a não 
 inconstitucionalidade da norma em crise. Com efeito, o Tribunal Constitucional, 
 no Acórdão nº 259/2002, decidiu não julgar inconstitucionais as normas do artigo 
 
 412º, nºs 3 e 4, do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual a 
 falta de determinadas menções legalmente exigidas nas conclusões e na 
 fundamentação das alegações de recurso do assistente não justifica a realização 
 de um convite para o aperfeiçoamento da peça processual.
 E já no Acórdão nº 27/2001 o Tribunal Constitucional apreciara uma questão de 
 constitucionalidade, reportada ao artigo 287º do Código de Processo Penal, 
 relativa à decisão que, julgando nulo o requerimento para abertura de instrução 
 apresentado pelo assistente, impediu este sujeito processual de repetir o acto, 
 uma vez que já havia decorrido o respectivo prazo. Neste aresto, no qual foi 
 formulado um juízo de não inconstitucionalidade, o Tribunal Constitucional 
 entendeu o seguinte: 
 
  
 Assim, no caso em apreço, o assistente defende um interesse constitucionalmente 
 protegido e, para além disso, o nº 4 do artigo 32º, também da Constituição, 
 estabelece que “toda a instrução é da competência de um juiz (...)”. É certo que 
 este preceito constitucional se refere à judicialização da instrução no processo 
 penal, mas é manifesto que o assistente, em caso de crime público em que o 
 Ministério Público se pronunciou pelo arquivamento do processo de inquérito, tem 
 o direito de requerer a abertura da instrução, para assim controlar 
 judicialmente a posição do Ministério Público. Este direito integra-se 
 indubitavelmente no conjunto dos diversos poderes de intervenção processual do 
 assistente e inclui-se no interesse constitucionalmente protegido de uma 
 intervenção mais eficaz do ofendido no processo penal.
 Porém, o que está em causa nos presentes autos é a questão de saber se o decurso 
 do prazo peremptório para requerer a abertura da instrução impede a renovação de 
 um requerimento que, tendo sido apresentado com aquela finalidade, foi 
 considerado nulo. Ou seja, na formulação do recorrente, a questão de saber se o 
 direito do assistente de requerer a acusação foi desproporcionadamente 
 restringido.
 A este respeito, importa reconhecer que a dimensão garantística do processo 
 penal, face à sua repercussão nos direitos e liberdades fundamentais do arguido, 
 obsta, por um lado, a um entendimento de tal processo como um verdadeiro 
 processo de partes e, por outro, não proporciona uma perspectiva de total 
 simetria entre os direitos do arguido e do assistente no que se refere ao modos 
 de concretização das garantias de acesso à justiça.
 Ora, nos casos de não pronúncia de arguido e em que o Ministério Público se 
 decidiu pelo arquivamento do inquérito, o direito de requerer a instrução que é 
 reconhecido ao assistente – e que deve revestir a forma de uma verdadeira 
 acusação – não pode deixar de contender com o direito de defesa do eventual 
 acusado ou arguido no caso daquele não respeitar o prazo fixado na lei para a 
 sua apresentação.
 O estabelecimento de um prazo peremptório para requerer a abertura da instrução 
 
 – prazo esse que, uma vez decorrido, impossibilita a prática do acto – insere-se 
 ainda no âmbito da efectivação plena do direito de defesa do arguido. E a 
 possibilidade de, após a apresentação de um requerimento de abertura de 
 instrução, que veio a ser julgado nulo, se poder ainda repetir, de novo, um tal 
 requerimento para além do prazo legalmente fixado, é, sem dúvida, violador das 
 garantias de defesa do eventual arguido ou acusado. Com efeito, a 
 admissibilidade de renovação do requerimento não permitiria que transitasse o 
 despacho de não pronúncia, assim desaparecendo a garantia do arguido de que, por 
 aqueles factos não seria de novo acusado.
 Se se focar, agora, a perspectiva do direito da assistente de deduzir a acusação 
 através do requerimento de abertura da instrução, a não admissibilidade de 
 renovação do requerimento por decurso do prazo não constitui uma limitação 
 desproporcionada do respectivo direito, na medida em que tal facto lhe é 
 exclusivamente imputável, para além de constituir – na sua possível 
 concretização - uma considerável afectação das garantias de defesa do arguido.
 Dir-se-á, por último, que do ponto de vista da relevância constitucional merece 
 maior tutela a garantia de efectivação do direito de defesa (na medida em que 
 protege o indivíduo contra possíveis abusos do poder de punir), do que garantias 
 decorrentes da posição processual do assistente em casos de não pronúncia do 
 arguido, isto é, em que o Ministério Público não descobriu indícios suficientes 
 para fundar uma acusação e, por isso, decidiu arquivar o inquérito.
 Este balanceamento dos interesses em causa basta para mostrar que a aceitação da 
 exclusão do direito de renovar um requerimento nulo pelo decurso do prazo 
 peremptório fixado não desencadeia uma limitação excessiva ou desproporcionada 
 do direito de acusar do assistente, pelo que o recurso de constitucionalidade 
 não pode proceder.
 
  
 Tais considerações são também aplicáveis, com as necessárias adaptações, no 
 presente processo.
 Conclui-se, por tudo o que foi dito, pela não inconstitucionalidade da norma 
 apreciada.
 
  
 
  
 III
 Decisão
 
  
 
 9.  Ante o exposto, o Tribunal Constitucional decide não julgar inconstitucional 
 a norma constante dos artigos 287º e 283º do Código de Processo Penal, segundo a 
 qual não é obrigatória a formulação de um convite ao aperfeiçoamento do 
 requerimento para abertura da instrução, apresentado pelos assistentes, que não 
 contenha uma descrição dos factos imputados ao arguido, negando, 
 consequentemente, provimento ao recurso e confirmando o acórdão recorrido.
 
  
 
  
 Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em  20  UCs. 
 
  
 
  
 Lisboa, 14 de Julho de 2005
 
  
 Maria Fernanda Palma
 Mário José de Araújo Torres
 Rui Manuel Moura Ramos
 Tem voto de conformidade o Excelentíssimo Senhor Conselheiro Benjamim Rodrigues, 
 que não assina por não poder estar presente.
 Maria Fernanda Palma