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Processo n.º 707/2005
 
 2.ª Secção
 Relatora: Conselheira Maria Fernanda Palma
 
  
 
  
 
  
 
  
 Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 I
 Relatório
 
  
 
 1.  Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos 
 do Supremo Tribunal de Justiça, A. foi condenado, pela 2ª Vara Criminal de 
 Lisboa, como autor material de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto 
 e punível pelo artigo 21º, nº 1, do Decreto Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, na 
 pena de seis anos de prisão.
 
  
 
  
 
 2.  O arguido interpôs recurso da decisão condenatória, tendo o Tribunal da 
 Relação de Lisboa, por acórdão de 23 de Junho de 2005, negado provimento ao 
 recurso.
 
  
 
  
 
 3.  A. interpôs recurso do acórdão de 23 de Junho de 2005 para o Supremo 
 Tribunal de Justiça.
 O recurso não foi admitido por decisão com o seguinte teor:
 
  
 Recurso interposto pelo arguido A.
 Este arguido foi condenado na pena de 6 anos de prisão pela prática de um crime 
 de tráfico de estupefacientes.
 O acórdão proferido por esta Relação […] que conheceu do recurso por ele 
 interposto, negou provimento ao mesmo, confirmando a decisão da 1ª instância.
 Por razões idênticas às atrás explanadas, e uma vez que lhe não pode ser 
 aplicada pena superior a 6 anos de prisão pelo crime pelo qual foi condenado, 
 não se admite o recurso interposto
 
  
 
  
 As razões “atrás explanadas”, referidas pelo Tribunal da Relação de Lisboa, 
 constam da decisão que indeferiu um recurso interposto por outro arguido e são 
 as seguintes:
 
  
 O arguido foi condenado, na 1ª Instância, nas penas de 6 anos de prisão, 1 ano 
 de prisão e 7 meses de prisão pela prática, respectivamente, de um crime de 
 tráfico de estupefacientes, um crime de detenção ilegal de arma de defesa e de 
 um crime p. e p. no artigo 275º, nº 4, do C. Penal e, em cúmulo jurídico, na 
 pena de 6 anos e seis meses de prisão.
 Esta Relação, conhecendo do recurso pelo mesmo interposto, negou provimento ao 
 mesmo, confirmando inteiramente a decisão recorrida.
 Nos termos do disposto no artigo 400º, nº 1, alínea f) do CPP, não é admissível 
 recurso de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem 
 decisões da primeira instância, em processo por crime a que seja aplicável pena 
 de prisão não superior a 8 anos, mesmo em caso de concurso de infracções.
 O mencionado preceito, ao reportar‑se a pena aplicável, tem em vista a moldura 
 penal abstracta correspondente ao crime ou crimes (em caso de concurso), mas há 
 que respeitar os limites impostos pela proibição de “reformatio in pejus”, 
 estabelecida no artigo 404º do CPP, de que resulta, no caso, não ser aplicável 
 pena superior a 6 anos e 6 meses de prisão, em cúmulo jurídico, ao concurso de 
 crimes.
 Assim, não se admite o recurso.
 
  
 O recorrente deduziu reclamação da decisão que não admitiu o recurso nos 
 seguintes termos:
 
  
 
 1° - O arguido interpôs recurso da douta sentença condenatória de fls. dos autos 
 por estar em tempo e deter legitimidade.
 
 2º - O recurso, bem como a respectiva motivação foram entregues em tempo e por 
 quem para tal tinha legitimidade (o mandatário da arguida, devidamente e 
 regularmente mandatado nos autos, mediante substabelecimento) ou seja, não 
 cabendo, no caso, qualquer dos requisitos de rejeição de recurso, a que se 
 refere o nº 2 do artº 414º do CPP.
 
 3° - E, muito menos, como se verá, não cabendo também “in casu” qualquer das 
 causas de inadmissibilidade taxativa a que alude o artº 400º do CPR.
 
 4º - Na verdade, ao crime de tráfico de droga p. e p. pelo artº 21º DL 15/93 é 
 aplicável (em abstracto) a pena de 4 a 12 anos de prisão.
 
 5º - Pelo que, sendo o máximo legal de 12 anos (a moldura em abstracto aplicável 
 ao sobredito crime pelo qual indubitavelmente o recorrente foi condenado), 
 falece por completo a argumentação aduzida no douto despacho reclamado de que o 
 acórdão da Relação seria irrecorrível “uma vez que lhe não pode ser aplicada 
 pena superior a 6 anos de prisão pelo crime pelo qual foi condenado” (douto 
 despacho reclamado, a fls.239 verso, linhas 17 e 20).
 
 6º - Como resulta com clareza do texto da lei penal adjectiva (art. 400º alínea 
 f) do CPP), não será admissível recurso “De acórdãos condenatórios proferidos, 
 em recurso, pelas Relações, que confirmem decisão de primeira instância, em 
 processo por crime a que seja aplicável pena não superior a 8 anos...”
 
 7º - O douto despacho recorrido parece, com o devido e merecido respeito, 
 confundir a expressão “a que seja aplicável”, com a expressão “a que seja 
 aplicada pena” ou “a que tivesse sido aplicada pena” de 8 anos de prisão, o que 
 de facto sucedeu no caso concreto.
 
 8º - Mas - ainda com o muito e merecido respeito - não será esse o sentido do 
 legislador. Atente-se que o sentido da lei é tornar irrecorríveis decisões de 1ª 
 instância, mantidas pela Relação, em crimes a que em sede de moldura abstracta o 
 limite máximo da pena de prisão não exceda os oito anos de prisão.
 
 9º - Sendo precisamente os casos limite aqueles que respeitam a crimes punidos 
 com pena de prisão até 8 anos, o que não é, manifestamente, o caso dos autos.
 
 10º - Diversa interpretação restritiva da lei (como aquela que faz o douto 
 despacho reclamado), constituiria, com o devido e merecido respeito, 
 interpretação inconstitucional do citado preceito legal (o artº 400º alínea f) 
 do CPP), ao impossibilitar o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça em 
 processo crime, num caso, como o dos autos, em que a moldura penal abstracta se 
 mostra superior aos oito anos de prisão, violando-se assim de forma restritiva e 
 não autorizada, quer o comando do artº 61º nº1 alínea h) do CPP quer – e 
 fundamentalmente - o texto constitucional que possibilita o recurso, como uma 
 das garantias de defesa do arguido em processo penal (“maxime” o art. 32º nº 1 
 da Lei Fundamental e o essencial princípio nele consignado). Pelo que o referido 
 artº 400º alínea f) do CPP se interpretado com a dimensão e o alcance em que o 
 faz o douto despacho reclamado (possibilitando a irrecorribilidade de um 
 acórdão, que confirmou pena anterior de 1ª Instância, em crime punido com 
 moldura penal de 4 a 12 anos de prisão), se mostra ferido de verdadeira 
 inconstitucionalidade material, por violação, entre outros, dos arts. 32º nº l, 
 
 18º nº 3 da Constituição da República.
 
 11º - Ou seja, num caso como o dos autos, em que o crime imputado ao recorrente 
 
 é punido com prisão entre 4 e 12 anos de prisão, este intervalo de punição não 
 se encontra contemplado na expressão “a que seja aplicável pena de prisão não 
 superior a oito anos”, já que o seu limite máximo (em abstracto) ultrapassa 
 largamente os referidos oito anos.
 
 12º - Pelo que requer a admissão do presente recurso, indicando-se como 
 elementos com que se pretende instruir a reclamação: o douto acórdão recorrido, 
 a interposição e motivação do recurso, o douto despacho reclamado (de 
 fls.2394/2395) e esta reclamação. (O que desde já se alega em cumprimento do 
 disposto no artº 405º, nº 3 “in fine” do CPP).
 
  
 O Conselheiro Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, por despacho de 17 de 
 Agosto de 2005, indeferiu a reclamação, com o seguinte fundamento:
 
  
 Ao recorrente A. foi aplicada pena de prisão inferior a oito anos, tal como já 
 explicou a Relação de Lisboa (fls. 162 verso).
 O recurso não é admissível com fundamento no artigo 400º, nº 1, alínea f), do 
 C.P.P. – o que traduz jurisprudência dominante no Supremo.
 
  
 
  
 
 4.  A. interpôs recurso para o Tribunal Constitucional ao abrigo do artigo 70º, 
 nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, para apreciação do artigo 
 
 400º, nº 1, alínea f), do Código de Processo Penal.
 
  O recorrente apresentou alegações que concluiu do seguinte modo:
 
  
 
 1. O artº 400º alínea f) do C.P.P., se interpretado com a dimensão e o alcance 
 em que o faz o douto despacho reclamado (impossibilitando o recurso de um 
 acórdão da Relação que confirmou pena de 6 anos de prisão em crime punido com 
 moldura penal entre 4 e 12 anos de prisão), mostra-se ferida da verdadeira 
 inconstitucionalidade material, por violação, entre outros, dos artºs 32º nº 1 e 
 
 18º nº 2 da Lei Fundamental.
 
 2. Numa interpretação de um homem/mulher médios, o legislador, ao escrever, no 
 mencionado artigo (o 400º alínea f) do C.P.P.) a expressão “a que seja aplicável 
 pena de prisão não superior a oito anos”, quis concerteza dizer “cuja moldura 
 penal aplicável não exceda os oito anos de prisão”, não fazendo qualquer sentido 
 outra interpretação.
 
 3. A interpretação restritiva da Lei feita pelas instâncias (Relação e Supremo 
 
 “in casu”) do referido artº 400º alínea f) do C.P.P. - viola a Constituição da 
 República, mormente o disposto no artº 18º nº 2 da Constituição, porquanto se 
 está assim a operar (por via interpretativa) uma restrição do direito de recurso 
 dos arguidos em caso de não haverem sido condenados com pena de prisão igual ou 
 superior a 8 (oito) anos.
 
 4. Se dúvida existir na redacção da Lei, a mesma deve ser decidida a favor e não 
 contra o arguido.
 
  
 Pelo que deverá conceder-se provimento ao interposto recurso, declarando-se que 
 o artº 400º alínea f) do C.P.P., se interpretado com a dimensão de que “a pena 
 aplicável” inserta no texto da Lei, equivale a “a pena aplicada na instância”, 
 viola frontalmente a Constituição da República e mormente o disposto nos seus 
 artºs 18º nº 1 e 2 e 32º nº 1 e 3, não podendo, por via disso, ser aplicada 
 pelos Tribunais (artº 277º da Lei Fundamental).
 
  
 O Ministério Público contra‑alegou, concluindo o seguinte:
 
  
 
 1 - A norma constante da alínea f) do nº 1 do artigo 400° do Código de Processo 
 Penal, na interpretação segundo a qual não é admissível o acesso ao Supremo, em 
 via de recurso interposto pela defesa, quando a pena concretamente aplicada ao 
 arguido - e insusceptível de agravação - for inferior ao patamar ali previsto 
 não viola qualquer norma ou princípio constitucional.
 
 2 - Termos em que deverá improceder o presente recurso.
 
  
 
  
 Cumpre apreciar.
 
  
 II
 Fundamentação
 
  
 
 5.  O artigo 400º, nº 1, alínea f), do Código de Processo Penal, tem a seguinte 
 redacção:
 
  
 Artigo 400º
 
 (Decisões que não admitem recurso)
 
  
 
 1.  Não é admissível recurso:
 
 (…)
 f)  De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que 
 confirmem decisão de primeira instância, em processo por crime a que seja 
 aplicável pena de prisão não superior a oito anos, mesmo em caso de concurso de 
 infracções;
 
 (…)
 
  
 A decisão recorrida sustentou que da decisão que condena o arguido numa pena 
 concreta inferior a oito anos de prisão (no caso, seis anos de prisão), não 
 obstante o crime ser punível em abstracto com pena superior a oito anos de 
 prisão (no caso, pode ir até 12 anos de prisão, nos termos do nº 1 do artigo 21º 
 do Decreto Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro), não cabe recurso a interpor pelo 
 arguido. Entendeu, para tanto, que, por força da proibição da reformatio in 
 pejus (artigo 409º do Código de Processo Penal), a pena a determinar em sede de 
 recurso nunca ultrapassará os seis anos de prisão, pelo que fica aquém do limite 
 da alínea f) do nº 1 do artigo 400º do Código de Processo Penal.
 A interpretação normativa que é submetida à apreciação do Tribunal 
 Constitucional engloba, no seu teor, a proibição da reformatio in pejus, na 
 medida em que a pena “aplicável” pelo tribunal ad quem tem por limite máximo a 
 pena concretamente aplicada. Com efeito, por força daquela proibição, não será 
 legalmente possível aplicar, em sede de recurso, pena superior. Refira‑se que 
 esta interpretação, perfilhada pelo Supremo Tribunal de Justiça em vários 
 acórdãos, não pode hoje considerar‑se maioritária (cf., entre outros, o acórdão 
 do Supremo Tribunal de Justiça de 16/10/2003, Proc. 2604/03‑5 – Rel. Cons. Simas 
 Santos –, que faz a síntese do estado da jurisprudência sobre essa matéria).
 O arguido entende que tal interpretação da alínea f) do nº 1 do artigo 400º do 
 Código de Processo Penal é inconstitucional, por violação dos artigos 18º, nºs 1 
 e 2, e 32º, nºs 1 e 3, da Constituição.
 
  
 
  
 
 6.  O Tribunal Constitucional já apreciou a conformidade à Constituição da norma 
 que constitui objecto do presente recurso. Com efeito, nos Acórdãos 
 nºs 451/03, 102/04 e 640/04 (consultável em www.tribunalconstitucional.pt), o 
 Tribunal Constitucional concluiu pela não inconstitucionalidade da norma 
 apreciada em casos idênticos ao dos presentes autos.
 No Acórdão nº 640/04, o Tribunal Constitucional, citando jurisprudência anterior 
 sobre a questão, entendeu o seguinte:
 
  
 Lembrando esta jurisprudência, disse-se no acórdão n.º 495/03 (que pode 
 consultar-se em http://www.tribunalconstitucional.pt), o seguinte:
 
 “Ora é exacto que o Tribunal Constitucional já por diversas vezes observou que 
 
 «no nº 1 do artigo 32º da Constituição consagra-se o direito ao recurso em 
 processo penal, com uma das mais relevantes garantias de defesa do arguido. Mas 
 a Constituição já não impõe, directa ou indirectamente, o direito a um duplo 
 recurso, ou a um triplo grau de jurisdição. O Tribunal Constitucional teve já a 
 oportunidade para o afirmar, a propósito dos recursos penais em matéria de 
 facto: “não decorre obviamente da Constituição um direito ao triplo grau de 
 jurisdição, ou ao duplo recurso” (acórdão nº 215/01, não publicado)». 
 Esta afirmação, feita no acórdão n.º 435/01 (disponível, tal como o acórdão n.º 
 
 215/01, em http://www.tribunal constitucional.pt) foi proferida justamente a 
 propósito da apreciação da alegada inconstitucionalidade da “norma do artigo 
 
 400º, nº1, alínea f) do CPP', tendo o Tribunal Constitucional concluído, tal 
 como, aliás, já fizera nos acórdãos n.ºs 189/01 e 369/01 (também disponíveis em  
 http://www.tribunalconstitucional.pt) que “ não viola o princípio das garantias 
 de defesa, constante do artigo 32º, nº 1 da Constituição”.
 A verdade, todavia, é que a apreciação então realizada tomou sempre como objecto 
 tal norma interpretada no sentido de que a mesma se “refere (...) claramente à 
 moldura geral abstracta do crime que preveja pena aplicável não superior a 8 
 anos: é este o limite máximo abstractamente aplicável, mesmo em caso de concurso 
 de infracções que define os casos em que não é admitido recurso para o STJ de 
 acórdão condenatórios das relações que confirmem a decisão de primeira 
 instância” (cit. acórdão n.º 189/01).
 Sucede, porém, que o Tribunal Constitucional já se pronunciou sobre a questão de 
 constitucionalidade que o ora reclamante pretende que seja apreciada no recurso 
 que interpôs, no acórdão 
 n.º 451/03 (também disponível em www.tribunalconstitucional.pt), nos seguintes 
 termos:
 
 «É certo que a interpretação normativa agora em causa não coincide com a que foi 
 apreciada no Acórdão n.º 189/01 - neste a questão tinha directamente a ver com a 
 pena aplicável em caso de concurso de infracções.
 A verdade, porém, é que, no confronto com o artigo 32º n.º 1 da Constituição, a 
 questão da conformidade constitucional da interpretação normativa adoptada no 
 acórdão recorrida se coloca nos mesmos termos.
 Com efeito, a resolução da questão de constitucionalidade passa por saber quais 
 os limites de conformação que o artigo 32º n.º 1 da CRP impõe ao legislador 
 ordinário, em matéria de recurso penal.
 E a resposta é dada no Acórdão n.º 189/01 no sentido de não haver vinculação a 
 um triplo grau de jurisdição e de ser constitucionalmente admissível uma 
 restrição ao recurso se ela não for desrazoável, arbitrária ou desproporcionada. 
 
 
 Ora, não podendo o Tribunal Constitucional censurar as interpretações normativas 
 que, no estrito plano do direito infraconstitucional, são feitas nas decisões 
 recorridas, a inadmissibilidade do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de 
 uma decisão proferida em 2º grau de jurisdição que confirma a condenação 
 decretada em 1ª instância, - quando esse recurso é apenas interposto pelo 
 arguido e, por força da proibição da reformatio in pejus, o STJ nunca poderá 
 impor pena superior a 7 anos de prisão -, afigura-se racionalmente justificada, 
 pela mesma preocupação de não assoberbar o STJ com a resolução de questões de 
 menor gravidade (como sejam aquelas em que a pena aplicável, no caso concreto, 
 não ultrapassa o referido limite), sendo certo que, por um lado, o direito de o 
 arguido a ver reexaminado o seu caso se mostra já satisfeito com a pronúncia da 
 Relação e, por outro, se obteve consenso nas duas instâncias quanto à 
 condenação.
 Tanto basta para entender que a questionada interpretação normativa não incorre 
 em violação do artigo 32º n.º 1 da Constituição.
 
 (...)
 No caso, o que sucedeu foi que o tribunal ' a quo' integrou no conceito de 'pena 
 aplicável' constante da norma do artigo 400º n.º 1 alínea f) do CPP, também, as 
 situações em que, confirmada pela relação a decisão condenatória proferida em 1ª 
 instância e sendo o recurso apenas interposto pelo arguido, nunca o STJ pudesse 
 aplicar pena superior a oito anos de prisão».
 Estas razões, mais directamente dirigidas à alínea f) mas que valem para o 
 domínio de previsão comum (e, no caso, concorrente) das duas normas, que está na 
 base da dupla fundamentação adoptada pelo acórdão recorrido – neste passo, o 
 problema de constitucionalidade é sempre o do terceiro grau de jurisdição ou do 
 duplo grau de recurso –, são suficientes para concluir que o sentido normativo 
 questionado não viola o n.º 1 do artigo 32.º da Constituição, na vertente do 
 direito ao recurso em processo penal.
 
  
 
  
 
 7.  Convocando esta jurisprudência, o Tribunal Constitucional reconhece que o 
 recorrente já dispôs de um grau de recurso. Assim, não se verifica qualquer 
 violação do direito ao recurso consagrado no artigo 32º, nº 1, da Constituição, 
 na dimensão que impõe a previsão pelo legislador ordinário de um grau de 
 recurso.
 Todavia, a garantia constitucional do direito ao recurso não se esgota 
 nesta dimensão. Na verdade, tal garantia, conjugada com outros parâmetros 
 constitucionais, pressupõe, igualmente, que na sua regulação o legislador não 
 adopte soluções arbitrárias e desproporcionadas, limitativas das possibilidades 
 de recorrer – mesmo quando se trate de recursos apenas legalmente previstos 
 e não constitucionalmente obrigatórios (assim, vejam‑se os Acórdãos do 
 Tribunal Constitucional nºs 1229/96 e 462/2003, consultáveis em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt).
 A questão de constitucionalidade objecto do presente recurso coloca, na verdade, 
 um problema de violação do princípio da igualdade articulado com o direito ao 
 recurso. E isso sucede na medida em que da interpretação normativa em causa 
 apenas resulta um condicionamento da recorribilidade para o arguido e não já 
 para o Ministério Público. Com efeito, o Ministério Público ao recorrer no 
 sentido do agravamento da responsabilidade do arguido impede o funcionamento do 
 artigo 409º do Código de Processo Penal. E o mesmo se passa, de acordo com tal 
 dimensão normativa, com o assistente.
 O Tribunal Constitucional, no citado acórdão nº 640/2004, também apreciou a 
 conformidade à Constituição da norma impugnada, tendo por parâmetro o princípio 
 da igualdade de armas. No aresto referido, depois de sublinhar que o processo 
 penal não é um “processo de partes”, explicitou que o fundamento da 
 inadmissibilidade do recurso nesta constelação de casos é a pouca relevância da 
 questão a decidir aferida em função da pena que pode ser aplicada em concreto. 
 O Tribunal realçou também que, no âmbito de um recurso a interpor pelo 
 Ministério Público, a defesa poderá ainda pugnar pela atenuação da pena ou até 
 pela absolvição.
 No entanto, cabe evidenciar de novo que a interpretação normativa que veda a 
 possibilidade de recurso depende, no seu teor, da proibição da reformatio in 
 pejus. Por outro lado, o Tribunal Constitucional, no Acórdão nº 499/97 (D.R., II 
 Série, de 21 de Outubro de 1997), referiu que o fundamento constitucional da 
 proibição da reformatio in pejus é a protecção do direito de recorrer, removendo 
 a lei, por via de tal proibição, uma inibição natural que poderia limitar a 
 iniciativa de interpor recurso por parte da defesa. Mas, na questão de 
 constitucionalidade de que agora se trata, o funcionamento da proibição da 
 reformatio in pejus, instituto que, como se viu, encontra a sua justificação na 
 tutela constitucional do direito de recurso, tem um efeito “periférico” ou 
 
 “colateral” que se traduz numa limitação do direito de recorrer. Assim, trata‑se 
 de uma decorrência lateral da proibição da reformatio in pejus que ultrapassa a 
 essência do seu sentido constitucional.
 
  
 
  
 
 8.  Por força do funcionamento da proibição da reformatio in pejus incorporada 
 na citada dimensão normativa é, pois, negada a universalidade de uma regra de 
 irrecorribilidade (no sentido de abranger todos os sujeitos processuais), já que 
 a proibição de reforma da decisão em desfavor do arguido não funciona na 
 perspectiva da acusação.
 Na verdade, mesmo que fosse aceitável constitucionalmente uma limitação do 
 recurso apenas quanto ao arguido, não se justificaria que o Ministério Público 
 também ficasse limitado quando pretendesse interpor o recurso no exclusivo 
 interesse da defesa. Uma tal hipótese levaria à consagração de uma regra em que 
 a recorribilidade seria limitada para tudo o que implicasse o interesse da 
 defesa e já não quando estivesse em causa o agravamento da posição do arguido.
 O argumento segundo o qual a igualdade não estaria em causa com esta 
 interpretação normativa por força do estatuto do Ministério Público não é 
 procedente, pois a função do Ministério Público não se circunscreve à 
 representação do interesse da acusação.
 Não é, por conseguinte, o estatuto do Ministério Público que se reflecte na 
 presente interpretação normativa, mas apenas um funcionamento anómalo da 
 proibição da reformatio in pejus.
 Por outro lado, a argumentação a partir do estatuto do Ministério Público não 
 abrange sequer o assistente.
 Verifica‑se, portanto, uma arbitrária e desproporcionada desigualdade entre a 
 posição do arguido e a posição da acusação quanto ao direito ao recurso.
 Ante estas razões, conclui-se pelo desrespeito da igualdade na regulamentação do 
 direito ao recurso.
 
  
 
 9.  Por fim, a garantia constitucional do direito ao recurso pressupõe uma 
 determinação prévia desse direito e das condições do respectivo exercício, que o 
 torne susceptível de reconhecimento pelo respectivo titular no momento relevante 
 para o seu exercício – o da notificação do acórdão – e que não o condicione ao 
 comportamento de outros sujeitos processuais. Ora, também neste plano se divisa 
 um enfraquecimento da garantia constitucional do direito ao recurso na 
 interpretação normativa em crise.
 
  
 
  
 III
 Decisão
 
  
 
 10.  Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide julgar 
 inconstitu-cional, por violação do direito ao recurso conjugado com o princípio 
 da igualdade (artigos 32º, nº 1, e 13º, nº 1, da Constituição), a norma 
 constante da alínea f) do nº 1 do artigo 400° do Código de Processo Penal, na 
 interpretação segundo a qual não é admissível o recurso interposto apenas pelo 
 arguido para o Supremo Tribunal de Justiça, quando a pena de prisão prevista no 
 tipo legal de crime for superior a oito anos, mas a pena concretamente aplicada 
 ao arguido – insusceptível de agravação por força da proibição da reformatio in 
 pejus – tenha sido inferior a oito anos.
 Nestes termos, é concedido provimento ao recurso e revogada a decisão recorrida, 
 que deverá ser reformulada de acordo com o presente juízo de 
 inconstitucionalidade.
 
  
 Lisboa, 15 de Novembro de 2005
 
  
 Maria Fernanda Palma
 Mário José de Araújo Torres
 Benjamim Rodrigues
 Paulo Mota Pinto
 Rui Manuel Moura Ramos (Com a declaração de que
 assim me afasto após melhor reflexão, da conclusão dos acórdãos n.º s 451/03
 e 102/04, que subscrevi, mas onde no entanto o Tribunal se limitou a apreciar
 a questão de constitucionalidade sob a perspectiva da não consagração 
 constitucional de um terceiro grau de  recurso, e não já nos mais alargados  
 termos
 ora constantes dos nº s 7 e 8 do presente acórdão.)