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Processo n.º 711/05
 Plenário 
 Relatora: Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza 
 
  
 
  
 
  
 
  
 Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional: 
 
  
 
  
 
  
 
 1. O Presidente da República veio requerer ao Tribunal Constitucional, nos 
 termos do disposto nos artigos 278º, n.ºs 1 e 3 da Constituição e 51º, n.º 1 e 
 
 57º, n.º 1 da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, a fiscalização preventiva da 
 constitucionalidade das normas dos artigos 1º e 2º do Decreto do Governo 
 registado na Presidência do Conselho de Ministros sob o n.º 313/2005 – PCM, 
 recebido na Presidência da República para ser promulgado como decreto-lei, com a 
 seguinte redacção:
 
  
 
 «Artigo 1º
 Repristinação
 
 
 
 É repristinado o Decreto-Lei n.º 237/98, de 5 de Agosto.
 
  
 
  
 
  
 
  
 Artigo 2º
 Convalidação
 
  
 São convalidados os actos praticados pela Alta Autoridade para a Comunicação 
 Social ao abrigo do Decreto-Lei n.º 237/98, de 5 de Agosto, durante a vigência 
 da Lei n.º 32/2003, de 22 de Agosto.»
 
  
 
  
 
             2. Fundamentou assim o pedido:
 
  
 
             «1. Como se infere da conjugação do artigo 1º e do artigo 2º do 
 Decreto n.º 313/2005, é entendimento do Governo que o Decreto-Lei n.º 237/98, de 
 
 5 de Agosto, que estabelece o regime de atribuição de licenças e autorizações 
 para o exercício da actividade de televisão, terá caducado ou sido revogado com 
 a entrada em vigor da Lei n.º 32/2003, de [14 de Julho], que aprova a lei da 
 televisão. Por partir desse pressuposto, pretende agora o Governo repristinar 
 aquele decreto-lei (artigo 1º) e convalidar os actos que a Alta Autoridade para 
 a Comunicação Social (AACS) praticou em sua aplicação (artigo 2º). Porém, um tal 
 entendimento carece de fundamento constitucional e as normas emitidas com base 
 nesse pressuposto geram dúvidas de constitucionalidade. 
 
  
 
             2. A Lei n.º 32/2003, quando entrou em vigor, revogou expressamente 
 a anterior lei da televisão, a Lei n.º 31-A/98, de 12 de Agosto, mas, e 
 compreensivelmente, não fez o mesmo relativamente ao DL n.º 237/98. E não o fez 
 porque, se bem que previsse no seu artigo 22º a necessidade de um 
 desenvolvimento normativo aplicável ao licenciamento e autorização de serviços 
 de programas televisivos, enquanto ou se não existisse essa regulação 
 continuaria obviamente a aplicar-se, sob pena de um vazio legal, o diploma que 
 regulava especificamente esse tipo de questões, ou seja, o DL n.º 237/98. Só não 
 seria assim, isto é, teria havido revogação tácita, relativamente a hipotéticas 
 normas do DL n.º 237/98 que fossem eventualmente incompatíveis com o novo regime 
 estabelecido pela Lei n.º 32/2003.
 
  
 
             3. Muito menos se pode concluir pela caducidade do DL n.º 237/98 por 
 facto de este se autoqualificar como decreto-lei de desenvolvimento, pelo que a 
 entrada em vigor de uma nova suposta lei de bases, a Lei n.º 32/2003, teria 
 determinado a sua automática caducidade.
 
  
 
             4. E não é assim porque, em primeiro lugar, nem a lei da televisão 
 de 1998 (a Lei n.º 31-A/98) nem a nova lei da televisão (a Lei n.º 32/2003) são 
 manifestamente leis de bases, nem consequentemente, o DL n.º 237/98, apesar da 
 sua autoqualificação como tal, é, em rigor, um decreto-lei de desenvolvimento. O 
 DL n.º 237/98 é, antes, um decreto-lei que regula especialmente o regime de 
 atribuição de licenças e autorizações para o exercício da actividade de 
 televisão de acordo com as regras e princípios estabelecidos na lei da televisão 
 em vigor. 
 
  
 
             5. Mas, mesmo que o DL n.º 237/98 fosse um verdadeiro decreto-lei de 
 desenvolvimento, tal natureza em nada determinaria uma sua eventual caducidade 
 por força da revogação da “lei de bases” que desenvolvera. A relação entre um 
 decreto-lei de desenvolvimento e uma lei de bases é uma relação de subordinação 
 material, mas, enquanto acto legislativo em sentido próprio, formal e material, 
 qualquer decreto-lei de desenvolvimento tem uma existência própria. Por exemplo, 
 se uma lei de bases do ensino substitui, revogando, a anterior lei de bases, tal 
 facto não determina, por si só, a automática caducidade dos inúmeros 
 decretos-leis que desenvolviam a anterior lei de bases. Um decreto-lei de 
 desenvolvimento só caduca, aquando da entrada em vigor de nova lei de bases ou 
 de novo decreto-lei de desenvolvimento, por revogação ou previsão legal 
 expressa, por revogação tácita – nos termos atrás assinalados –, ou por privação 
 objectiva do objecto e fins que regulava. Não se verifica, no caso em apreço, 
 qualquer destas situações, até porque há domínios que só o DL n.º 237/98 
 continua a regular especificamente, como seja o da renovação das licenças dos 
 actuais operadores.
 
  
 
             6. Assim sendo, quando o artigo 1º do Decreto n.º 313/2005 – PCM 
 pretende “repristinar” o DL n.º 237/98, essa intenção normativa não tem qualquer 
 sentido útil correspondente, na medida em que este decreto-lei estava em vigor 
 quando da aprovação da lei da televisão de 2003 e continuou ininterruptamente em 
 vigor desde essa data. Aliás, esse tem sido o entendimento pacífico das 
 entidades administrativas e particulares abrangidas, como se comprova do facto 
 de tanto o Instituto da Comunicação Social quanto a Alta Autoridade para a 
 Comunicação Social o aplicarem invariavelmente ao longo dos anos posteriores a 
 
 2003 e até à presente data, como se deduz também do facto de os actuais 
 operadores nele se terem baseado para ainda recentemente instruírem e 
 apresentarem à AACS os requerimentos para renovação das respectivas licenças.
 
  
 
             7. Aí reside, precisamente, a fonte das dúvidas de 
 constitucionalidade que a pretensa repristinação contida no Decreto n.º 313/2005 
 suscita. É que, não podendo constituir uma verdadeira repristinação, a entrada 
 em vigor do artigo 1º do Decreto 313/2005 teria um outro, e esse sim verdadeiro, 
 efeito jurídico: ela constituiria uma verdadeira revogação tardia do DL n.º 
 
 237/98, que produziria efeitos retroactivos desde Agosto de 2003 até à eventual 
 data da entrada em vigor do Decreto aqui em apreciação. Isto mesmo pressupõe o 
 Governo quando no artigo 2º do mesmo Decreto pretende a “convalidação” de todos 
 os actos da AACS entretanto praticados ao abrigo do DL n.º 237/98. Isto é, num 
 domínio tão sensível quanto o da actividade televisiva, todos os inúmeros actos 
 administrativos legalmente praticados ao longo de dois anos seriam agora 
 afectados por uma suspeita generalizada de ilegalidade e seriam mesmo legalmente 
 declarados ilegais, independentemente da concomitante e discutida validade da 
 sua “convalidação”. Mais, perderiam também qualquer suporte e efeitos legais os 
 requerimentos de renovação de licenças entretanto apresentados pelos operadores 
 de televisão, na medida em que o Decreto n.º 315/2005 determina, a posteriori, a 
 inexistência da base legal que sustentava a respectiva apresentação à AACS.
 
  
 
             8. A insegurança e incerteza jurídicas que, independentemente das 
 intenções subjacentes, uma tal norma produziria são evidentes e não parece que 
 tais efeitos sejam compatíveis com as exigências de segurança jurídica ínsitas 
 no princípio do Estado de Direito consagrado no artigo 2º da Constituição. Daí a 
 dúvida sobre a constitucionalidade do artigo 1º do Decreto n.º 313/2005 – PCM. 
 
  
 
             9. Por outro lado, como a repristinação só produziria efeitos a 
 partir da data da entrada  em vigor do Decreto n.º 313/2005 – PCM, o Decreto-Lei 
 n.º 237/98 passaria a constituir lei posterior relativamente às leis que 
 entretanto a Assembleia da República aprovou neste domínio, designadamente a Lei 
 n.º 32/2003, que aprovou a lei da televisão, e a Lei n.º 5/2004, de 10 de 
 Fevereiro, que aprovou a lei das comunicações electrónicas. Nesse sentido, 
 também as disposições destas últimas leis que sejam diferentes, divergentes ou 
 até contrárias a disposições do DL n.º 237/98 teriam igualmente a sua vigência 
 afectada ou seriam mesmo revogadas agora pelo DL n.º 237/98, sem que, todavia, 
 essa pareça ser a intenção do legislador/Governo. Tal geraria novas e múltiplas 
 situações de incerteza e insegurança jurídicas relativamente aos actos 
 administrativos a praticar em aplicação dessas leis, o que, no plano da 
 constitucionalidade, também não parece compatível com as exigências de segurança 
 
 ínsitas no princípio do Estado de Direito consagrado no artigo 2º da 
 Constituição.
 
  
 
             10. Mais, há disposições das leis referidas, a Lei n.º 32/2003 e a 
 Lei n.º 5/2004, que regulam matéria de reserva de lei parlamentar, 
 designadamente as disposições incidindo sobre o núcleo do regime de 
 licenciamento da actividade televisiva e respectivos direitos. Ora, quando o 
 
 “novo” decreto-lei ou o decreto-lei repristinado reentra supostamente em vigor 
 com um conteúdo substancialmente diferente ou divergente do conteúdo daquelas 
 leis (por exemplo, o DL n.º 237/98 erige a AACS como entidade exclusivamente 
 responsável pelo licenciamento, não contemplando, até pela data em que foi 
 elaborado, a actualmente existente repartição de competências de licenciamento a 
 cargo da AACS e a cargo da ANACOM, respectivamente relativamente a actividade 
 televisiva em sentido estrito e direitos de utilização das frequências de 
 emissão), ele está ilegitimamente a invadir, porque não dispõe da necessária 
 habilitação, a área de reserva de lei parlamentar que resulta da conjugação do 
 artigo 165º, n.º 1, alínea b), e artigo 38º, n.º 7, da Constituição.
 
  
 
             Nestes termos, o artigo 1º do Decreto n.º 313/2005 – PCM pode ser 
 inconstitucional por violação do princípio da segurança jurídica ínsito no 
 princípio do Estado de Direito consagrado no artigo 2º da Constituição e por 
 violação da reserva de lei parlamentar que resulta da conjugação do artigo 165º, 
 n.º 1, alínea b), da Constituição com o artigo 38º, n.º 7, da Constituição.
 
  
 
             11. Por sua vez, também o artigo 2º do Decreto n.º 313/2005 suscita 
 dúvidas de constitucionalidade. Assim, no pressuposto de que o DL n.º 237/98 
 cessou a sua vigência a partir da entrada em vigor da lei da televisão aprovada 
 em 2003, o Governo pretende, através do artigo 2º do Decreto n.º 313/2005 – PCM, 
 
 “convalidar” os actos praticados pela AACS ao abrigo do DL n.º 237/98 durante a 
 vigência da Lei n.º 32/2003.
 
  
 
             12. Significa isto que através de uma tal disposição se 
 convalidariam todos e quaisquer actos da AACS praticados por esta entidade ao 
 abrigo do DL n.º 237/98, não se fazendo quaisquer distinções quanto ao tipo, 
 natureza e gravidade dos vícios ou razões da eventual invalidade. Ora, em Estado 
 de Direito nem mesmo o legislador democrático dispõe de poderes de convalidação 
 com tal abrangência, na medida em que para além de eventualmente contender com 
 direitos fundamentais dos particulares, uma convalidação tão abrangente e 
 indeterminada se configuraria como desvio de poder legislativo e, por eventual 
 invasão de reserva do poder judicial, como violação do princípio da separação de 
 poderes.
 
  
 
             13. Por outro lado, com tal abrangência, esta convalidação pode 
 igualmente afectar o princípio da segurança jurídica na sua dimensão de 
 protecção de confiança dos particulares, na medida em que afecte eventuais 
 pretensões de invalidação de actos administrativos que os afectados por tais 
 decisões possam estar ou pretendam vir a suscitar, sobretudo na medida em que a 
 convalidação abrange actos administrativos ainda recentemente praticados.
 
  
 
             Assim, o artigo 2º do Decreto n.º 313/2005 – PCM pode ser 
 inconstitucional por violação do princípio do Estado de Direito consagrado no 
 artigo 2º da Constituição, especialmente por desvio de poder legislativo, 
 violação do princípio da segurança jurídica e da protecção da confiança, e 
 violação do princípio da separação e interdependência dos poderes e reserva de 
 poder judicial próprios do Estado de Direito e especialmente acolhidos no artigo 
 
 111º, n.º 1, e artigo 202º, n.ºs 1 e 2, da Constituição.»
 
  
 
             Nestes termos, o Presidente da República conclui requerendo:
 
             «a) a apreciação da constitucionalidade do art. 1º do Decreto do 
 Governo registado na Presidência do Conselho de Ministros sob o n.º 313/2005 – 
 PCM, com fundamento em eventual violação do princípio da segurança jurídica 
 
 ínsito no princípio do Estado de Direito consagrado no art. 2º da Constituição e 
 em eventual violação da reserva de lei parlamentar que resulta da conjugação do 
 artigo 165º, n.º 1, alínea b) da Constituição com o artigo 38º, n.º 7 da 
 Constituição;
 
             b) a apreciação da constitucionalidade do art. 2º do Decreto do 
 Governo registado na Presidência do Conselho de Ministros sob o n.º 313/2005 – 
 PCM, com fundamento em eventual violação do princípio do Estado de Direito 
 consagrado no art. 2º da Constituição, especialmente por desvio de poder 
 legislativo, violação do princípio da segurança jurídica e da protecção da 
 confiança, e violação do princípio da separação e interdependência dos poderes e 
 reserva de poder judicial próprios de Estado de Direito e especialmente 
 acolhidos no art. 111º, n.º 1, e art. 202º, n.ºs 1 e 2, da Constituição.»
 
  
 
             3. Notificado nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 
 
 54º e 55º, n.º 3, da Lei nº 28/82, o Primeiro-Ministro respondeu sustentando a 
 conformidade constitucional das referidas normas e concluiu requerendo que o 
 Tribunal Constitucional se não pronuncie no sentido da inconstitucionalidade.
 Após justificar a necessidade da sua aprovação pelas dúvidas suscitadas quanto à 
 vigência do Decreto-Lei n.º 237/98, e esclarecer que o objectivo da aprovação do 
 diploma havia sido o de assegurar essa vigência, o Primeiro Ministro afirmou o 
 seguinte:
 
  
 
             «II – Da alegada inconstitucionalidade do artigo 1º do Decreto n.º 
 
 313/2005–PCM
 
  
 
             (...)
 
 22. O Decreto-Lei n.º 237/98, de 5 de Agosto, foi elaborado no desenvolvimento 
 do regime jurídico estabelecido pela Lei n.º 31-A/98, de 14 de Julho, e nos 
 termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 198º da Constituição (vide respectivo 
 formulário).
 
  
 
 23. Efectivamente a alínea c) do n.º 1 do artigo 198º da CRP determina que 
 compete ao Governo, no exercício de funções legislativas, fazer decretos-leis de 
 desenvolvimento dos princípios ou das bases gerais dos regimes jurídicos 
 contidos em leis que a eles se circunscrevam.
 
  
 
 24. Por seu turno, o n.º 3 do mesmo artigo 198º estabelece que os decretos-leis 
 de desenvolvimento devem invocar expressamente a lei de bases ao abrigo da qual 
 são aprovados.
 
  
 
             25. Tais decretos-leis estão na dependência das leis que desenvolvem 
 encontrando-se, naturalmente, subordinados às mesmas.
 
  
 
             26. Essa subordinação é, aliás, expressamente afirmada pelo n.º 2 do 
 artigo 112º da CRP, que dispõe “As leis e os decretos-leis têm igual valor, sem 
 prejuízo da subordinação às correspondentes leis dos decretos-leis publicados no 
 uso de autorização legislativa e dos que desenvolvam as bases gerais dos regimes 
 jurídicos”.
 
  
 
 (...)
 
  
 
             33. Esta dependência significa (...) que se uma lei de bases é 
 revogada, deixa de existir suporte legal para a vigência do decreto-lei que a 
 desenvolvia.
 
  
 
             34. Com efeito, se um decreto-lei é elaborado ao abrigo de uma lei 
 cujos princípios irá desenvolver, desaparecendo da ordem jurídica a lei em 
 causa, deixa de haver justificação para a existência de tal desenvolvimento 
 legislativo.
 
  
 
             35. Tal significa que um decreto-lei de desenvolvimento não tem 
 existência autónoma, estando a sua vigência dependente das vicissitudes sofridas 
 pela respectiva lei de bases.
 
  
 
             36. Assim, do mesmo modo que uma alteração da lei de bases determina 
 a necessidade de alterar o decreto-lei de desenvolvimento, também a revogação da 
 lei de bases irá determinar a cessação da vigência de tal diploma, uma vez que 
 deixa de haver fundamento para o mesmo.
 
  
 
             37. Conclui-se assim, que, ao invés do sustentado por Sua Excelência 
 o Presidente da República, o Decreto-Lei n.º 237/98 é um decreto-lei de 
 desenvolvimento e, como tal, tem a sua vigência condicionada à vigência da lei 
 de bases em causa.
 
  
 
             38. Mas, não se ignora que, ainda que assim não fosse, a absoluta 
 similitude das normas constantes da Lei n.º 31-A/98, de 14 de Julho, e da Lei 
 n.º 32/2003, de 22 de Agosto, colocaria igualmente a possibilidade de defesa da 
 subsistência das normas previstas pelo Decreto-Lei n.º 237/98, por serem 
 igualmente idênticas e compatíveis com a nova Lei da Televisão.
 
             Senão, vejamos:
 
  
 
             39. Verifica-se uma similitude quanto a:
 i.                     Requisitos dos operadores (vide artº 11º da Lei n.º 
 
 31-A/98 – LTV98 – e art. 13º da Lei n.º 32/2003 – LTV03);
 ii.                   Restrições ao acesso (art. 3º , n.º 1 da LTV98 e art. 14º 
 da LTV03);
 iii.                  Modalidades de acesso (art. 12º da LTV98 e art. 15º da 
 LTV03);
 iv.                 Competência para licenciamento (art. 13º da LTV98, conjugado 
 com o art. 2º do Decreto-Lei n.º 237/98 – DL 98 – e art. 16º LTV03);
 v.                   Instrução dos processos (art. 14º da LTV98, conjugado com 
 os arts. 8º e 9º, n.º 1 do DL98 e arts. 17º e 89º, n.º 1 da LTV03);
 vi.                 Regras de atribuição de licenças (art. 15º da LTV98 e art. 
 
 18º da LTV03);
 vii.                Observância do projecto aprovado (art. 16º da LTV98 e art. 
 
 19º da LTV03);
 viii.              Prazo das licenças (art. 17º da LTV98 e art. 20º da LTV03);
 ix.                 Extinção e suspensão de licenças (art. 18º da LTV98 e art. 
 
 21º da LTV03);
 
  
 
 40. Aliás, conforme já supra demonstrado, a própria AACS tinha já concedido 
 diversas licenças de emissão televisiva ao abrigo do Decreto-Lei n.º 237/98, o 
 que demonstrava uma necessidade de assegurar o efectivo cumprimento do princípio 
 da segurança jurídica, inerente à existência de um verdadeiro Estado de Direito 
 Democrático (artigo 2º da CRP).
 
  
 
             41. Pelo exposto, decorre que existiam fundadas dúvidas quanto à 
 eventual subsistência das normas do Decreto-Lei n.º 237/98, que, aliás, tinham 
 vindo a ser invocadas pela própria AACS e pelos operadores do sector, face à 
 ausência de regulamentação da Lei de Televisão de 2003, pelo que a actuação 
 legislativa do Governo visou exclusivamente a clarificação jurídica do regime 
 normativo que regia a concessão e renovação de licenças de televisão.
 
  
 
             42. Mas, voltando à alegação de Sua Excelência o Presidente da 
 República, diga-se que, ainda que se considere que a qualificação do Decreto-Lei 
 n.º 237/98 como decreto-lei de desenvolvimento não é a mais correcta, parece não 
 haver dúvidas quanto à sua natureza materialmente regulamentar. (...)
 
  
 
             43. Com efeito, o artigo 19º da Lei n.º 31-A/98, de 14 de Julho, 
 determina que cabe ao Governo proceder à respectiva regulamentação, fixando, por 
 decreto-lei, o desenvolvimento normativo aplicável ao licenciamento e à 
 autorização de canais televisivos.
 
  
 
             44. Tal regulamentação está obviamente condicionada pelos princípios 
 e directrizes traçadas pelo diploma a regulamentar, pelo que existe também uma 
 relação de dependência quanto a este último.
 
  
 
             45. Assim, tendo o Decreto-Lei n.º 237/98 sido elaborado para 
 regulamentar a Lei n.º 31-A/98 e tendo esta sido revogada pelo artigo 98º da Lei 
 n.º 32/2003, parece-nos, salvo melhor opinião, que tal facto terá igualmente 
 determinado a caducidade de tal diploma.
 
  
 
             46. Esta circunstância teria gerado um vazio legislativo que poderia 
 ter sido evitado se a Lei n.º 32/2003 tivesse utilizado um expediente muito 
 comum que consiste em manter em vigor a regulamentação da anterior lei enquanto 
 não for produzida a nova regulamentação.
 
  
 
             47. Outra técnica legislativa que poderia ter evitado esta situação 
 
 é a de fazer depender a entrada em vigor da própria lei da entrada em vigor do 
 decreto-lei que a desenvolve e regulamenta tanto mais que, em certos casos, não 
 
 é possível aplicar uma lei sem a respectiva regulamentação.
 
  
 
             48. Nenhuma destas técnicas foi, porém, utilizada pelo que se gerou 
 uma situação de incerteza e insegurança jurídica que com a repristinação do DL 
 n.º 237/98 se pretende precisamente acabar.
 
  
 
             49. Com efeito, entendeu o Governo ser seu dever clarificar a 
 situação do quadro legal em vigor nesta matéria de modo a afastar quaisquer 
 dúvidas quanto ao mesmo.
 
  
 
             50. Assim, não foi violado o princípio da segurança jurídica ínsito 
 no princípio do Estado de Direito consagrado no artigo 2º da CRP, como foi 
 precisamente este princípio que determinou a iniciativa legislativa cuja 
 inconstitucionalidade foi suscitada.
 
  
 
             51. Refere, ainda, Sua Excelência o Presidente da República um outro 
 fundamento para a alegada inconstitucionalidade, a saber, a violação da reserva 
 de lei parlamentar que resulta da conjugação do artigo 165º, n.º 1, alínea b), 
 com o artigo 38º, n.º 7, da CRP.
 
  
 
             52. (...), afigura-se que esta argumentação contraria a que é 
 exposta na primeira parte do pedido em que, como vimos, se conclui que o DL n.º 
 
 237/98 se mantém ininterruptamente em vigor desde a sua entrada em vigência.
 
  
 
             53. Na verdade, se Sua Excelência o Presidente da República entende 
 que tal diploma contém normas de “conteúdo substancialmente diferente ou 
 divergente” do conteúdo das Leis n.º 32/2003 e n.º 5/2004, ter-se-á verificado, 
 nos termos do artigo 7º, n.º 2, do Código Civil, uma revogação tácita das 
 mesmas.
 
  
 
             54. Se assim fosse, se as referidas leis da Assembleia da República 
 contivessem normas contrárias ao disposto no DL n.º 237/98, teria ocorrido uma 
 outra causa de cessação de vigência dos diplomas, a saber, a revogação, pelo que 
 se afigura incoerente sustentar esta tese e, simultaneamente, considerar que o 
 decreto-lei em causa se manteve ininterruptamente em vigor.
 
  
 
             55. Não é, porém, isso que se verifica já que o Decreto-Lei n.º 
 
 237/98 não contém efectivamente normas contrárias àquelas que vieram a ser 
 aprovadas posteriormente, conforme já supra demonstrado.
 
  
 
             56. O próprio exemplo encontrado pelo Presidente da República para 
 demonstrar tal divergência substancial de conteúdo não nos parece apontar nesse 
 sentido, havendo apenas que fazer uma interpretação sistemática e actualista das 
 normas relativas à competência da Alta Autoridade para a Comunicação Social 
 
 (AACS) face à competência posteriormente atribuída à Autoridade Nacional de 
 Comunicações (ANACOM).
 
  
 
             57. Sucede que a Lei n.º 32/2003 e a Lei n.º 5/2004, de 10 de 
 Fevereiro (Lei da Comunicações Electrónicas), assumem âmbitos de aplicação 
 diversos, visto que, enquanto a primeira regula o licenciamento e a renovação de 
 licenças de televisão, a última apenas regula a gestão do espectro 
 radioeléctrico, que permite a difusão dos serviços de televisão.
 
  
 
             58. Aliás, os próprios operadores de televisão utilizam os meios 
 técnicos disponibilizados por outros operadores, designadamente pela Portugal 
 Telecom, S. A., pelo que é possível que nem sequer se verifique uma coincidência 
 entre as entidades que devem formular os respectivos pedidos de autorização à 
 AACS e à ANACOM.
 
  
 
             59. Conclui-se assim que as competências atribuídas à ANACOM, por 
 via do artigo 15º da Lei n.º 5/2004, não conflituam com as atribuídas, noutra 
 matéria, à AACS, por força do artigo 2º do Decreto-Lei n.º 237/98.
 
  
 
             60. Assim, não existem quaisquer impedimentos jurídicos à 
 repristinação deste diploma, sendo esta a solução mais adequada face à urgência 
 da necessidade de estabelecer um regime jurídico aplicável ao licenciamento e 
 autorização da actividade de televisão.
 
  
 
             61. Conclui-se, deste modo, que também não é violado o artigo 165º, 
 n.º 1, b), conjugado com o artigo 38º, n.º 7, da CRP, já que a reposição em 
 vigor do DL n.º 237/98 não determina qualquer eventual revogação de leis da 
 Assembleia da República elaboradas no âmbito da sua reserva de competência 
 legislativa.
 
  
 
             III – Da alegada inconstitucionalidade do artigo 2º do Decreto n.º 
 
 313/2005 – PCM 
 
  
 
             62. Como é sabido, o artigo 2º do diploma em apreço determina a 
 convalidação dos actos praticados pela Alta Autoridade para a Comunicação Social 
 ao abrigo do Decreto-Lei n.º 237/98, de 5 de Agosto, durante a vigência da Lei 
 n.º 32/2003, de 22 de Agosto.
 
  
 
             (...)
 
  
 
             67. Em primeiro lugar, e começando pelo princípio da segurança 
 jurídica e da protecção da confiança, dir-se-á que foram precisamente estes 
 princípios a determinar a solução consagrada neste preceito.
 
  
 
             68. Na verdade, tendo o Governo considerado que o DL n.º 237/98 
 havia cessado a sua vigência com a revogação da Lei n.º 31-A/98, tornava-se 
 necessário acautelar a posição jurídica decorrente de actos praticados ao abrigo 
 daquele decreto-lei e cuja validade pudesse ser posta em causa em virtude de 
 falta de suporte legal para os mesmos.
 
  
 
             69. Assim, há obviamente que, atendendo ao elemento sistemático, 
 maxime ao disposto no artigo 1º do diploma em apreço, fazer uma interpretação 
 restritiva do artigo 2º e entender que não são todos e quaisquer actos 
 praticados pela AACS que são convalidados, mas apenas aqueles cuja eventual 
 ilegalidade fosse determinada pela cessação de vigência do DL n.º 237/98.
 
  
 
             70. Deste modo, o artigo 2º não abrange todos e quaisquer actos 
 praticados pela AACS ao abrigo deste diploma, como uma interpretação 
 estritamente literal e contrária aos princípios de interpretação contidos no 
 artigo 9º do Código Civil poderia indiciar, mas naturalmente aqueles cuja 
 validade pudesse vir a ser questionada por falta de competência.
 
  
 
             71. Nesta medida, o artigo 2º é precisamente uma manifestação dos 
 princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança, garantindo aos 
 particulares abrangidos por actos praticados pela AACS ao abrigo do DL n.º 
 
 237/98 que não serão afectados apesar de se ter entendido que o mesmo já havia 
 cessado a sua vigência no momento em que foram praticados.
 
  
 
             72. Também a alegação de que este artigo 2º viola os princípios da 
 separação de poderes e de reserva de poder judicial cai por terra face à 
 interpretação sistemática e restritiva que se impõe, uma vez que não se 
 pretendeu sanar todo e qualquer vício que possa ter afectado os actos entretanto 
 praticados pela AACS, mas apenas os decorrentes da cessação de vigência do DL 
 n.º 237/98.
 
  
 
             73. Entende, assim, o Governo não ter havido qualquer violação dos 
 artigos 11º e 202º da CRP, nem de qualquer outro preceito constitucional.»
 
  
 
 4. A análise das questões de constitucionalidade suscitadas exige que se comece 
 por determinar se a vigência do Decreto-Lei n.º 237/98 cessou ou não com a 
 entrada em vigor da Lei n.º 32/2003, que veio “regular o acesso à actividade de 
 televisão e o seu exercício no território nacional”.   
 Com efeito, o diploma submetido à apreciação do Tribunal Constitucional é 
 inteiramente constituído por normas que dispõem sobre a vigência do Decreto-Lei 
 n.º 237/98 (artigo 1º) e sobre a convalidação de actos praticados com base no 
 respectivo regime (artigo 2º).
 Assim sendo, a conclusão a que se chegue sobre esse ponto condiciona o conteúdo 
 e o alcance das normas objecto do pedido de apreciação e, portanto, o juízo de 
 constitucionalidade que sobre elas este Tribunal é chamado a fazer.
 A aprovação do Decreto n.º 313/2005–PCM assentou no pressuposto da não vigência 
 do Decreto-Lei n.º 237/98, a partir da entrada em vigor da Lei n.º 32/2003. O 
 Presidente da República, todavia, baseia o pedido de fiscalização preventiva no 
 pressuposto contrário, ou seja, o de que a entrada em vigor desta última lei não 
 se repercutiu na vigência do Decreto-Lei n.º 237/98.
 O Decreto-Lei n.º 237/98 foi aprovado na sequência da Lei n.º 31-A/98, de 14 de 
 Julho (alterada pela Lei n.º 18-A/2002, de 18 de Janeiro), que veio a ser 
 revogada pela Lei n.º 32/2003. 
 Tal como esta última, a Lei n.º 31-A/98 tinha como “objecto regular o acesso à 
 actividade de televisão e o seu exercício”. No seu capítulo II, intitulado 
 
 “acesso à actividade”, regulava os requisitos dos operadores  (objecto, forma 
 societária, capital mínimo, no artigo 11º), as modalidades de acesso 
 
 (licenciamento mediante concurso público ou autorização, nos termos que 
 distingue no artigo 12º), a competência para “atribuir licenças e autorizações”, 
 deferida à Alta Autoridade para a Comunicação Social (artigo 13º), a competência 
 para a instrução dos processos de licenciamento e a necessidade de parecer do 
 Instituto das Comunicações de Portugal quanto às condições técnicas da 
 candidatura (artigo 14º), as condições e os critérios de atribuição de licenças 
 ou autorizações (artigo 15º), a obrigação de observância do projecto aprovado e 
 as condições da sua modificação (artigo 16º), os prazos das licenças e das 
 autorizações (artigo 17º), e a extinção e a suspensão das licenças (artigo 18º).
 No n.º 1 do artigo 19º, a Lei n.º 31-A/98 estabelecia que “o Governo aprovará, 
 por decreto-lei, o desenvolvimento normativo aplicável ao licenciamento e à 
 autorização de canais televisivos”; e no n.º 2 indicava uma lista de aspectos 
 que deviam ser regulados, como a documentação exigível e o prazo para 
 apresentação das candidaturas, o valor da caução, as fases de cobertura e 
 especificação das garantias de efectivação, o prazo para iniciar as emissões, e 
 diversos prazos relativos aos processos de licenciamento e de autorização (de 
 instrução, de remessa à Alta Autoridade para a Comunicação Social e de decisão 
 por esta última).
 Afirmando vir proceder ao “desenvolvimento do regime jurídico estabelecido pela 
 Lei n.º 31-A/98”, da qual referiu em particular o artigo 19º, e indicando como 
 norma habilitante a “alínea c) do n.º 1 do artigo 198º da Constituição”, o 
 Decreto-Lei n.º 237/98 foi aprovado com o “objectivo [de] estabelecer as 
 condições específicas do acesso à actividade”. Tratou, assim, das matérias 
 constantes do capítulo II da Lei n.º 31-A/98, atrás indicadas, bem como do 
 regime aplicável à “renovação das licenças e autorizações para o exercício da 
 actividade de televisão”.
 
             Entretanto, foi aprovada e entrou em vigor a Lei n.º 32/2003. Tal 
 como a Lei n.º 31-A/98, que, como se disse já, expressamente revogou (artigo 
 
 92º), a Lei n.º 32/2003 também regula, no seu capítulo II, o “acesso à 
 actividade” de televisão.
 A Lei n.º 32/2003 mantém a competência decisória da Alta Autoridade para a 
 Comunicação Social (artigos 16º e 89º, n.º 1), instrutória do Instituto de 
 Comunicação Social (artigos 17º e 89º, n.º 1), e a necessidade de parecer do 
 Instituto das Comunicações de Portugal (artigo 17º), que após o Decreto-Lei n.º 
 
 309/01, de 7 de Dezembro, passou a designar-se por ICP–Autoridade Nacional de 
 Comunicações (ICP–ANACOM); e também prevê, no artigo 22º, que o Governo aprove 
 por Decreto-Lei “o desenvolvimento normativo aplicável ao licenciamento e à 
 autorização de serviços de programas televisivos”, especificando que esse 
 diploma deve tratar dos mesmos pontos enumerados no n.º 2 do artigo 19º da lei 
 anterior e, ainda, definir “os critérios de selecção de candidaturas”, matéria 
 de que, como se viu, se ocupava directamente a Lei n.º 31-A/98.
 
             Até agora, não foi aprovado esse decreto-lei; e não foi 
 expressamente revogado o Decreto-Lei n.º 237/98.
 
             
 
             5.  A substituição da Lei n.º 31-A/98 pela Lei n.º 32/2003 obriga, 
 como acima ficou dito, a determinar se a revogação do primeiro desses dois 
 diplomas se repercutiu na vigência do Decreto-Lei n.º 237/98.
 
             Na ausência de uma norma de revogação expressa, aquilo que, antes de 
 mais, cabe averiguar é se existe entre o regime da Lei n.º 32/2003 e o conteúdo 
 do Decreto-Lei n.º 237/98 alguma incompatibilidade que leve a concluir no 
 sentido de uma eventual revogação tácita deste último. A análise dos dois 
 diplomas mostra que essa incompatibilidade não existe.
 
             Como observa o Primeiro-Ministro na sua resposta, a “similitude” dos 
 preceitos que a Lei n.º 31-A/98 e a Lei n.º 32/2003 contêm sobre o licenciamento 
 e a autorização de canais (na terminologia de 1998) ou de serviços de programas 
 
 (na terminologia de 2003) facilmente explica essa compatibilidade de regimes. E 
 esta conclusão é consentida e corroborada pela interpretação global e 
 sistemática dos textos em que se inserem. As inovações introduzidas pela Lei n.º 
 
 32/2003 incidem fundamentalmente na regulação dos conteúdos televisivos, seja 
 através do aperfeiçoamento das obrigações gerais impostas a todos os operadores, 
 seja através da reformulação do serviço público concessionado. Acrescem alguns 
 preceitos relativos à defesa da concorrência e à promoção da transparência da 
 propriedade das empresas de televisão, assim como algumas modificações 
 referentes ao sistema de sanções criminais e contra-ordenacionais. Em todas 
 estas matérias, não se detecta qualquer incongruência lógica ou sistemática com 
 o regime de licenciamento e autorização aprovado pelo Decreto-Lei n.º 237/98. 
 
             Não há pois qualquer dificuldade na aplicação simultânea dos regimes 
 aprovados pela Lei n.º 32/2003 e pelo Decreto-Lei n.º 237/98. Essa aplicação 
 tem-se verificado, aliás, em diversas Deliberações da Alta Autoridade para a 
 Comunicação Social respeitantes à autorização de novos canais ou serviços de 
 programas depois da entrada em vigor da Lei n.º 32/2003 (cfr., a título de 
 exemplo, as Deliberações n.ºs 1236/2004 e 1237/2004, ambas de 29 de Setembro de 
 
 2004, ou 875/2005, de 8 de Junho de 2005, publicadas no Diário da República, II 
 Série, respectivamente de 15 de Outubro de 2004 as duas primeiras, e de 27 de 
 Junho de 2005).
 
             Deste modo, não parece possível atribuir à Lei n.º 32/2003 uma 
 intenção, ainda que meramente implícita, de revogar o Decreto-Lei n.º 237/98. 
 Pelo contrário, atribuir à lei uma intenção revogatória deste Decreto-Lei, não 
 acompanhada da sua imediata substituição, criaria um vazio legislativo 
 incoerente com outras disposições da Lei n.º 32/2003, que revelam claramente o 
 propósito de salvaguardar a continuidade da sua aplicação sem dependência das 
 actualizações legislativas nela pressupostas.
 
 É nomeadamente o caso das normas de direito transitório estabelecidas no artigo 
 
 88.º (entidade concessionária do serviço público) e no artigo 89.º (exercício 
 das competências de regulação). Se a Lei n.º 32/2003 determina expressamente, 
 ainda que a título transitório, a sua aplicação em simultâneo com normas 
 anteriores carecidas de actualização, por maioria de razão se terá de aceitar a 
 mesma solução para o regime das licenças e autorizações, que não sofreu qualquer 
 desactualização com a nova lei. Só por isso o artigo 22.º não o determina 
 expressamente. 
 Se daí se concluísse a descontinuidade do regime anterior, com prejuízo da 
 aplicação da nova lei enquanto não fosse aprovada a regulamentação adicional, 
 ficaria posta em causa a “operacionalidade do sistema” que a Exposição de 
 Motivos da Proposta de Lei n.º 66/IX declarou pretender salvaguardar (cfr. 
 Diário da Assembleia da República, II Série A, n.º 98/IX/1 - Supl. de 29 de Maio 
 de 2003, p. 3996(10)).
 
             A conclusão seria naturalmente diversa se a Lei n.º 31-A/98 tivesse 
 sido simplesmente revogada, sem substituição de regimes, por então se poder 
 concluir que o legislador teria querido deixar por regular aquela matéria.
 
  
 
             6. A revogação do Decreto-Lei n.º 237/98 não decorre pois, nem 
 expressa, nem tacitamente, da Lei n.º 32/2003. Também não se afigura possível 
 encontrar no Decreto-Lei n.º 237/98 qualquer intenção de fazer cessar a sua 
 própria vigência em caso de substituição da Lei n.º 31-A/98.
 Para concluir este ponto, falta averiguar se da Constituição (não já da Lei n.º 
 
 32/2003) resulta que a substituição da Lei n.º 31-A/98 pela Lei n.º 32/2003 faz 
 cessar, sem mais, a vigência do Decreto-Lei n.º 237/98, como afirma a resposta 
 do Primeiro Ministro.
 
             A conclusão de que cessou a vigência do Decreto-Lei n.º 237/98 
 surge, na argumentação do Primeiro Ministro, como consequência de se entender 
 que este diploma é um decreto-lei de desenvolvimento de uma lei de bases, a Lei 
 n.º 31-A/98. Seria o que decorreria do “respectivo formulário” – “(...), no 
 desenvolvimento do regime jurídico estabelecido pela Lei n.º 31-A/98, de 14 de 
 Julho, e nos termos da alínea c) do artigo 198º da Constituição (...)”. E daqui 
 resultaria que a vigência do decreto-lei só teria “suporte legal” enquanto 
 vigorasse a lei de bases. 
 O Presidente da República, todavia, discorda de que a Lei n.º 31-A/98 seja uma 
 lei de bases e de que o Decreto-Lei n.º 237/98 seja um decreto-lei de 
 desenvolvimento. E entende que, mesmo que assim devesse ser qualificada a 
 relação entre os dois diplomas, tal qualificação não implicaria a cessação da 
 vigência do Decreto-Lei n.º 237/98 em resultado da substituição da Lei n.º 
 
 31-A/98 pela Lei n.º 32/2003.
 
  
 
 7. Não se afigura decisivo, no caso, saber se estamos ou não perante uma lei de 
 bases e um decreto-lei de desenvolvimento, já que, no entendimento deste 
 Tribunal, sempre se chegaria à mesma conclusão no que respeita à vigência do 
 Decreto-Lei n.º 237/98.
 Justifica-se, todavia, analisar a questão. 
 A noção de lei de bases não consta expressamente da Constituição. Da 
 consideração conjunta das referências constitucionais mais significativas 
 
 (artigos 112º, n.º 2, 164º, alínea i), 165º, n.º 1, alíneas f), t), u), z), 
 
 198º, n.º 1, c), 227º, n.º 1, c) e n.º 4) é possível retirar que se trata de 
 leis que, no âmbito da regulamentação de determinada matéria, estabelecem os 
 respectivos princípios ou opções político-legislativas fundamentais, deixando a 
 sua concretização normativa para outro acto legislativo (cfr., a título de 
 exemplo, os acórdãos n.ºs 14/84, 39/84, 494/99 ou 261/2004 deste Tribunal, 
 publicados no Diário da República, II série, de 10 de Maio de 1984, 5 de Maio de 
 
 1984, 1 de Setembro de 1999 e 26 de Maio de 2004, respectivamente).
 Não se incluem no conceito de lei de bases, de acordo com a noção referida, as 
 leis que simplesmente remetem para outro acto normativo (nomeadamente para 
 decreto-lei) o tratamento de determinados aspectos específicos da matéria 
 regulada, como é o caso das remissões efectuadas pelo artigo 19.º da Lei n.º 
 
 31-A/98 e, actualmente, pelo artigo 22.º da Lei n.º 32/2003. 
 Da análise do articulado conclui-se que, nem a Lei n.º 31-A/98, globalmente 
 considerada, é uma lei de bases, nem o seu capítulo II, em si mesmo, define as 
 bases relativas à matéria do acesso à actividade televisiva, no sentido que 
 agora releva (cfr. o citado acórdão n.º 261/2004, no qual se admitiu 
 expressamente a análise isolada de preceitos legais para o efeito de determinar 
 se devem ser considerados bases).
 A Lei n.º 31-A/98 definiu logo no artigo 1º como seu objecto, para o que nos 
 interessa agora, “regular o acesso à actividade de televisão (...)”. A lei não 
 declarou pretender apenas fixar as “bases” ou princípios gerais de tal matéria, 
 como seria de esperar se quisesse assumir-se como uma “lei de bases”, dependente 
 de opções legislativas complementares a desenvolver futuramente por decreto-lei 
 do Executivo.
 Em consonância com o seu objecto, a Lei n.º 31-A/98 precisou as formas 
 societárias que os operadores de televisão deviam adoptar, não se limitando a 
 afirmar que tinham de ser pessoas colectivas (artigo 11.º); fixou o valor mínimo 
 do respectivo capital social (artigo 11.º, n.º 2) e o prazo em que devia estar 
 realizado (n.º 4 do mesmo artigo 11.º); esclareceu que as licenças ou 
 autorizações “são individualizadas de acordo com o número de canais a utilizar 
 por cada operador candidato” (artigo 12.º, n.º 3); marcou prazos para a 
 possibilidade de modificação do projecto licenciado ou autorizado (artigo 16.º, 
 n.º 1), para a decisão da Alta Autoridade para a Comunicação Social (artigo 
 
 16.º, n.º 2) e para a duração das licenças e autorizações (artigo 17.º).
 
             O mesmo se deve dizer, aliás, em relação à generalidade do seu 
 articulado (cfr., como meros exemplos, as regras relativas à programação e 
 informação, constantes dos artigos 20.º e segs., ou ao direito de antena, de 
 resposta e de réplica política, contidas nos artigos 49.º e segs.). 
 
             Não é pois a circunstância de o Decreto-Lei n.º 237/98 vir invocar 
 como norma habilitante a alínea c) do n.º 1 do artigo 198º da Constituição ou de 
 afirmar que é aprovado “no desenvolvimento do regime jurídico da Lei n.º 
 
 31-A/98” que tem a virtualidade de transformar esta última numa lei de bases. 
 Como se escreveu no mesmo acórdão n.º 261/2004, “não pode ser tido como 
 definitivo” para a qualificação como base de uma norma constante de uma lei “o 
 argumento da sua invocação pelo Governo como fundamento habilitante para a 
 elaboração de um determinado decreto-lei”, emitido também ao abrigo da al. c) do 
 n.º 1 do artigo 198º da Constituição. Este raciocínio vale de igual forma para a 
 questão da qualificação da lei em si.
 
  
 
 8. A verdade, todavia, é que, como sustenta o Presidente da República, ainda que 
 se pudesse entender estar em causa um decreto-lei de desenvolvimento de uma lei 
 de bases, daí se não podia concluir que, revogada esta, cessa a vigência do 
 decreto-lei.
 São conhecidas as dificuldades apontadas pela doutrina quanto à questão da 
 determinação exacta das implicações decorrentes da superioridade material 
 atribuída pelo n.º 2 do artigo 112º da Constituição às leis de bases, com 
 relação aos respectivos decretos-leis de desenvolvimento, aprovados ao abrigo do 
 disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 198º.
 Seja qual for a solução, e ainda que a lei de bases seja aprovada no âmbito da 
 reserva de competência legislativa da Assembleia da República, dessa 
 superioridade material não decorre seguramente que a revogação da lei de bases, 
 acompanhada da entrada em vigor de uma outra lei de bases sobre a mesma matéria, 
 implique necessariamente a caducidade do decreto-lei de desenvolvimento da 
 primeira. 
 A subordinação dos decretos-leis de desenvolvimento não cria uma ligação 
 indissolúvel com a lei de bases que, historicamente, determinou a sua aprovação. 
 O nexo que liga o decreto-lei à respectiva lei de bases é um nexo funcional, 
 materializado na adequação objectiva das suas disposições ao desenvolvimento dos 
 princípios e objectivos gerais enunciados pela lei de bases. Se esta última é 
 substituída por outra lei de bases que, na matéria considerada, manteve intactos 
 os princípios anteriormente definidos, nenhuma razão constitucional se opõe a 
 que o decreto-lei de desenvolvimento se mantenha em vigor.
 Também aqui, portanto, seria eventualmente diversa a resposta, se a lei de 
 bases, emitida no âmbito da reserva de competência legislativa da Assembleia da 
 República, fosse simplesmente revogada, sem substituição por uma nova lei. Não 
 
 é, porém, o caso.
 Na matéria em apreciação, não releva saber se deve considerar-se abrangida na 
 reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, pelo 
 menos, o núcleo fundamental da matéria do acesso à actividade de televisão, 
 porque respeitante ao direito de iniciativa económica privada, nos termos dos 
 artigos 61º, n.º 1, 17º e 165º, n.º 1, b) da Constituição. Ainda que assim deva 
 entender-se, tal facto não obriga, como se salientou, a considerar extinta, por 
 caducidade, a vigência do decreto-lei de desenvolvimento, quando a respectiva 
 lei de bases for substituída por outra que mantenha as opções fundamentais que 
 aquele decreto-lei veio desenvolver.
 
  
 
 9. Sustenta ainda o Primeiro Ministro que, não se considerando o Decreto-Lei n.º 
 
 237/98 como um decreto-lei de desenvolvimento, então “parece não haver dúvidas 
 quanto à sua natureza materialmente regulamentar”. Assim, também ocorreria uma 
 relação de dependência relativamente à Lei n.º 31-A/98; logo, tendo esta sido 
 revogada, “tal facto terá igualmente determinado a caducidade de tal diploma”.
 
             A verdade é que esta afirmação, não fundamentada, pode ser refutada 
 com os argumentos apresentados para justificar a não cessação da vigência do 
 Decreto-Lei n.º 237/98, já que, ainda que se pudesse aceitar a afirmação de que 
 seria um diploma materialmente regulamentar, foi aprovado por decreto-lei. 
 
             Não tem, assim, cabimento chamar à colação as relações entre actos 
 legislativos e regulamentos que os executem ou que neles se fundamentem.
 
  
 
             10. Conclui-se, nestes termos, que a entrada em vigor da Lei n.º 
 
 32/2003 não fez cessar a vigência do Decreto-Lei n.º 237/98. 
 Isto significa, então, que a eventual entrada em vigor das normas contidas no 
 Decreto n.º 313/2005–PCM não produz nenhuma alteração na ordem jurídica.
 
             Quanto ao artigo 1º, esta conclusão é evidente: não se pode repor em 
 vigor um diploma cuja vigência não cessou, nem total, nem parcialmente.
 
             Mas o mesmo sucederia quanto ao artigo 2º, já que a convalidação 
 nele prevista não pode ter em vista senão eventuais invalidades decorrentes da 
 não vigência do Decreto-Lei n.º 237/98, e de os actos abrangidos terem sido 
 praticados com base no seu regime.
 
             Sustenta o Presidente da República, todavia, que “não podendo 
 constituir uma verdadeira repristinação, a entrada em vigor do artigo 1º do 
 Decreto 313/2005 teria um outro, esse sim verdadeiro, efeito jurídico: ele 
 constituiria uma verdadeira revogação tardia do DL n.º 237/98, que produziria 
 efeitos retroactivos desde Agosto de 2003 até à eventual data da entrada em 
 vigor do Decreto aqui em apreciação”.
 
             Tal interpretação não tem, todavia, qualquer apoio no Decreto n.º 
 
 313/2005.
 
             Não tem apoio no texto do Decreto, sendo manifesto pelos termos 
 utilizados em ambos os artigos que o integram que assentam no pressuposto de que 
 o Decreto-Lei n.º 237/98 não estava em vigor desde o início da vigência da Lei 
 n.º 32/2003.
 
             Na verdade, e relativamente ao artigo 1º, não é compatível com 
 qualquer intenção revogatória de um diploma um preceito que determina a sua 
 reposição em vigor, sob pena de total incongruência do texto.
 
             No que respeita ao artigo 2º, também não é sustentável a suspeição 
 de que se pretendeu convalidar os actos praticados ao abrigo do Decreto-Lei n.º 
 
 237/98, a não ser na medida em que o motivo de uma hipotética invalidade 
 resultasse exclusivamente da não vigência do referido Decreto-Lei, como se disse 
 já.
 
             Não tem igualmente apoio na explicação apresentada no preâmbulo do 
 decreto, que aponta para a necessidade de clarificação do regime vigente. Nenhum 
 outro elemento se retira, aliás, da nota justificativa que o acompanha.
 
  
 
             11. Concluindo que a Lei n.º 32/2003 não fez cessar a vigência do 
 Decreto-Lei n.º 237/98, e não se aceitando a hipótese acabada de afastar, 
 coloca-se então a questão de saber que valor ou alcance se poderia eventualmente 
 dar ao Decreto n.º 313/2005–PCM.
 
             Alcance útil só poderia ser o de que ele teria introduzido na ordem 
 jurídica uma interpretação do próprio legislador no sentido da não vigência do 
 Decreto-Lei n.º 237/98 a partir da entrada em vigor da Lei n.º 32/2003.
 
             Ao “repristinar” o Decreto-Lei n.º 237/98, o legislador estaria a 
 declarar, por necessária inferência, o seu entendimento de que o diploma 
 
 “repristinado” deixara de vigorar a partir da entrada em vigor da Lei n.º 
 
 32/2003. 
 
             Esta implicação impor-se-ia com tal força lógica que o entendimento 
 subjacente à “repristinação” poderia valer como uma declaração interpretativa 
 explícita e intencional, destinada a clarificar o regime das licenças e 
 autorizações entretanto decididas, assim se cumprindo o objectivo de 
 clarificação afirmado no preâmbulo do Decreto n.º 313/2005–PCM.
 
             Nesta linha de pensamento, a norma a apreciar não seria então já a 
 norma de “repristinação” que se encontra expressa no artigo 1º do Decreto, pois 
 tal “repristinação” objectivamente não pode existir, mas sim a norma 
 interpretativa nela implícita, com o sentido acima apontado. Mais precisamente, 
 o problema a resolver seria o da validade constitucional duma interpretação que 
 pretenderia operar para o passado, numa matéria como a da vigência do 
 Decreto-Lei n.º 237/98.
 
             Como é natural, este problema só assumiria relevância na medida em 
 que se tratasse de uma interpretação autêntica, dotada da mesma força da lei e 
 vinculativa para todas as entidades públicas e privadas, incluindo os tribunais. 
 Se não fosse esse o caso, a norma do artigo 1º ficaria irremediavelmente 
 desprovida de conteúdo útil.
 Importaria, então, determinar o valor da interpretação implícita neste preceito. 
 Mais precisamente, a questão decisiva, no presente caso, consistiria em saber 
 qual o objecto da interpretação subjacente ao artigo 1.º do Decreto n.º 
 
 315/2005–PCM.
 Se esse entendimento fosse  o de que o Decreto-Lei n.º 237/98 tinha sido 
 revogado pela Lei n.º 32/2003, o objecto da interpretação seria uma norma de 
 valor igual ao da norma interpretativa, ou seja, uma norma de carácter legal. 
 Nesse caso, seria sustentável a qualificação da interpretação subjacente ao 
 diploma agora aprovado como uma interpretação autêntica, pois no poder 
 legislativo ordinário cabe (independentemente de considerações de competência em 
 razão da matéria) a faculdade de interpretar as leis ou outras normas de grau 
 inferior. 
 Mas não parece que pudesse ter sido aquele o objecto da interpretação implícita 
 no artigo 1.º do Decreto n.º 313/2005–PCM.
 De acordo com o preâmbulo do diploma, a razão determinante da intervenção do 
 legislador, a razão que, na sua maneira de ver, criou a necessidade de 
 clarificação do regime legal vigente entre 2003 e 2005, foi a inexistência na 
 Lei n.º 32/2003 “de norma que salvaguardasse a sobrevigência do regime [do 
 Decreto-Lei n.º 237/98] então em vigor”. Ou seja: para o Decreto, a cessação da 
 vigência do Decreto-Lei n.º 237/98, nele pressuposta (embora erradamente), não 
 teve como causa uma norma revogatória contida na Lei n.º 32/2003, mas sim um 
 outro factor, um factor que operou na ausência de uma norma de salvaguarda do 
 Decreto-Lei n.º 237/98. 
 Esse outro factor ou causa de cessação da vigência do Decreto-Lei n.º 237/98 só 
 poderia ter sido uma regra constitucional de caducidade dos decretos-leis de 
 desenvolvimento conexos com uma lei de bases gerais que deixou de estar em 
 vigor. 
 Não se torna necessário voltar aqui a discutir se tal regra tem fundamento 
 constitucional efectivo, nomeadamente no artigo 112.º, n.º 2, da Constituição. 
 O que releva é que a referida interpretação, implícita no artigo 1.º do Decreto 
 n.º 313/2005–PCM, e que supõe a caducidade do Decreto-Lei n.º 237/98, se 
 reportaria a uma norma de carácter constitucional, e não a uma norma de carácter 
 legal. A caducidade dos decretos-leis de desenvolvimento, a verificar-se nas 
 circunstâncias apontadas, só pode constituir uma regra constitucional. E teria 
 sido essa regra que o Decreto agora em apreciação implicitamente teve 
 subjacente.
 Daí resultaria que não se poderia atribuir a tal interpretação o valor de uma 
 interpretação autêntica, pois não é lícito – na falta de texto expresso 
 absolutamente conclusivo – presumir que o legislador ordinário se arrogou o 
 poder de fazer uma interpretação da Constituição com valor ou força de 
 interpretação autêntica. 
 O legislador ordinário é chamado constantemente a interpretar a Constituição, no 
 exercício normal dos seus poderes. Mas fá-lo na estrita medida em que tem de 
 conhecer a extensão dos seus poderes e os limites da sua liberdade de 
 conformação normativa, e não porque lhe caiba declarar em abstracto a 
 interpretação que os demais poderes do Estado, especialmente o Poder Judicial, 
 devem adoptar. 
 A interpretação pressuposta no artigo 1.º do Decreto n.º 315/2005–PCM não teria, 
 portanto, qualquer valor vinculativo. 
 Nesta perspectiva, não se suscitaria qualquer questão de constitucionalidade que 
 este Tribunal  devesse apreciar.
 
  
 
 12. Conclui-se, assim, como se disse já, que a eventual entrada em vigor das 
 normas contidas no Decreto n.º 313/2005–PCM não produz nenhuma alteração na 
 ordem jurídica.
 
             A verdade, todavia, é que dessa circunstância, só por si, não 
 decorre a violação de qualquer regra constitucional.
 
  
 
  
 
  
 
             13. Nestes termos, o Tribunal Constitucional decide não se 
 pronunciar pela inconstitucionalidade das normas dos artigos 1º e 2º do Decreto 
 do Governo registado na Presidência do Conselho de Ministros sob o n.º 
 
 313/2005–PCM.
 
  
 Lisboa, 28 de Setembro de 2005
 
  
 Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
 Maria Helena Brito
 Paulo Mota Pinto
 Carlos Pamplona de Oliveira
 Maria João Antunes
 Maria Fernanda Palma
 Vítor Gomes
 Benjamim Rodrigues
 Rui Manuel Moura Ramos
 Gil Galvão
 Bravo Serra
 Mário José de Araújo Torres (com a declaração de voto junta)
 Artur Maurício
 
  
 
  
 DECLARAÇÃO DE VOTO
 
  
 
                         As normas objecto do presente pedido de fiscalização 
 preventiva de constitucionalidade assentam inequivocamente no pressuposto da 
 cessação de vigência (se por revogação ou se por caducidade é questão 
 irrelevante para este efeito) do Decreto‑Lei n.º 237/98, de 5 de Agosto, 
 determinada pela entrada em vigor da Lei n.º 32/2003, de 22 de Agosto.
 
                         O entendimento do Tribunal Constitucional (neste ponto 
 em consonância com a opinião do Presidente da República e contrário à tese do 
 Governo) de que o referido decreto-lei se manteve em vigor, entendimento que se 
 situa ao nível da interpretação do direito ordinário (ele radica, em última 
 instância, no apuramento da inexistência de incompatibilidade entre os preceitos 
 do Decreto‑Lei n.º 237/98 e as disposições da Lei n.º 32/2003) e que não integra 
 a decisão (não existe, em fiscalização preventiva, norma similar à do n.º 3 do 
 artigo 80.º da Lei do Tribunal Constitucional), carece de força vinculativa, 
 designadamente face aos tribunais que futuramente sejam chamados a interpretar e 
 aplicar o decreto-lei que, na sequência da pronúncia no sentido da não 
 inconstitucionalidade constante do precedente acórdão e da consequente 
 impossibilidade de veto por inconstitucionalidade, venha a ser promulgado pelo 
 Presidente da República (se não utilizar o “veto político”), tribunais esses que 
 nada impede venham a entender que o Decreto‑Lei n.º 237/98 cessou efectivamente 
 de vigorar com a entrada em vigor da Lei n.º 32/2003.
 
                         Neste contexto, sustentei que o Tribunal Constitucional 
 deveria, admitindo como pressuposto (obviamente sem necessidade de o coonestar) 
 a cessação de vigência do Decreto‑Lei n.º 237/98, apreciar as questões de 
 inconstitucionalidade suscitadas pelo Presidente da República quanto às normas 
 dos artigos 1.º e 2.º do Decreto do Governo n.º 313/2005 justamente nesse 
 pressuposto: (i) violação dos princípios da segurança jurídica e da protecção da 
 confiança, ínsitos no princípio do Estado de Direito, consagrado no artigo 2.º; 
 
 (ii) invasão da reserva de lei parlamentar, resultante da conjugação do artigo 
 
 165.º, n.º 1, alínea b), com o artigo 38.º, n.º 7; e (iii) desvio de poder 
 legislativo e violação dos princípios da separação e independência dos poderes e 
 da reserva do poder judicial, extraíveis dos artigos 111.º, n.º 1, e 202.º, n.ºs 
 
 1 e 2, todos da Constituição da República Portuguesa.
 
  
 Mário José de Araújo Torres