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Processo n.º 49/05
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
 
  
 
  
 
  
 Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
  
 A – Relatório
 
  
 
             1 – A. recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto 
 na alínea b) do n.º 1 do art. 70º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua 
 actual versão (LTC), do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), de 9 de 
 Novembro de 2004, que negou provimento à revista interposta de acórdão do 
 Tribunal da Relação do Porto, que, por seu lado, negara provimento ao recurso de 
 apelação interposto de sentença de tribunal de 1ª instância que julgou 
 procedente a acção de investigação de paternidade, proposta pelo Ministério 
 Público, e declarou o menor B. filho do ora recorrente.
 
  
 
             2 – Na parte útil, à decisão das questões de constitucionalidade, o 
 acórdão do Supremo Tribunal de Justiça abonou-se nas seguintes considerações:
 
  
 
 «Suscita as seguintes questões:
 O Ministério Público goza de 'competência negativa' para propor a acção de 
 investigação de paternidade e por ela derroga princípios constitucionais;
 Deveriam ter sido inquiridas testemunhas indicadas pelo réu recorrente que, 
 apesar de anotadas, não foram ouvidas;
 Não se procedeu à análise crítica das provas;
 Não há lugar à condenação do réu, como litigante de má fé.
 
  
 Vejamos a problemática levantada, começando pela invocada inconstitucionalidade.
 Na tese do recorrente as normas dos artigos 1865º e 1866º do C. Civil são 
 inconstitucionais por violarem os artigos 25º e 26º da Constituição da República 
 Portuguesa, como inconstitucionais são os artigos 202º e seguintes da OTM por 
 violarem os artigos 13º e 20º da CRP. Violados seriam ainda, segundo afirma, a 
 Declaração dos Direitos do Homem de 10.12.48 (artigos 12º, 7º e 10º) e a 
 Convenção Europeia dos Direitos do Homem - Lei nº 65/78, de 13 de Outubro 
 
 (artigos 8º, 6º e 14º).
 E isto porque haverá alguma ofensa à intimidade da vida privada e familiar; o 
 Ministério Público na averiguação oficiosa de paternidade torna-se parte no 
 processo, o secretismo da averiguação oficiosa viola os princípios da igualdade 
 e do contraditório; o Ministério Público dispõe de posição privilegiada, fruindo 
 de poderes institucionais que o réu não tem.
 
  
 Remetida ao Tribunal certidão de registo de nascimento do menor, onde se 
 encontra fixada apenas a maternidade, o Ministério Público deve proceder à 
 instrução do processo por forma a averiguar a paternidade.
 
  
 Ouvido o pretenso pai e não aceitando este a paternidade que a mãe do menor lhe 
 atribui, terão lugar as diligências probatórias que forem entendidas como 
 necessárias e em instrução secreta.
 
  
 Concluída a averiguação e elaborado pelo Ministério Público o respectivo 
 parecer, é o processo submetido à apreciação do Juiz, que proferirá despacho de 
 arquivamento ou de remessa do processo ao Ministério Público para propositura da 
 acção, caso esta seja julgada viável (artigos 1864º, 1865º e, designadamente, os 
 artigos da averiguação oficiosa de maternidade para onde remete o artigo 1868º, 
 todos do C. Civil e ainda artigos 202º e 206º da OTM).
 
  
 Como tem sido repetidamente afirmado está-se perante um processo de carácter 
 administrativo ou pré judicial que tem por fim habilitar o Ministério Público a 
 intentar a competente acção de investigação de paternidade, procurando 
 garantir-se que não sejam propostas acções sem fundamento, atentos 
 designadamente os interesses em jogo e especiais sensibilidades que o processo 
 envolve.
 
  
 A intervenção do Ministério Público justifica-se por estar em causa um interesse 
 público, actuando aquele em representação do Estado e não como parte.
 
  
 Nem se vê como a intervenção de Juiz, formulando um juízo de viabilidade, possa 
 ofender direitos do pretenso pai. Por um lado, esse juízo não fixa a paternidade 
 e limita-se, como já referido, a 'dizer' ao Ministério Público que poderá propor 
 a acção; por outro, no processo que vier a ser instaurado o pretenso progenitor 
 poderá exercer todos os direitos que o ordenamento jurídico lhe concede, sem que 
 o Ministério Público dispunha de qualquer superioridade, ao contrário de que o 
 recorrente defende.
 
  
 O Supremo Tribunal de Justiça já se pronunciou no sentido de que a 
 impossibilidade de o investigado ter intervenção na averiguação oficiosa 'em 
 nada afectou direitos e interesses sérios seus' - Ac. STJ de 20.05.97, CJ Ano V 
 Tomo II, pág. 91.
 No Ac. nº 616/98, de 21.10.98 do Tribunal Constitucional - 'Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional' 41º vol., pág. 263 - depois de se afirmar que o despacho 
 jurisdicional de viabilidade da acção não ofende os direitos e interesses 
 legítimos do pretenso progenitor, decidiu-se, designadamente, que: 'A 
 averiguação oficiosa não deixa, assim, de representar um robustecimento das 
 garantias de defesa do pretenso progenitor, garantias estas cuja tutela apenas 
 se impõe, constitucionalmente, na acção de investigação de paternidade a 
 intentar e em que aquele figura como parte'. 
 
  
 Nem tem razão o recorrente quando sustenta que o direito ao conhecimento da 
 paternidade biológica não está incluído no direito à identidade pessoal, nem 
 consagrado em convenções internacionais. 
 
  
 O artigo 25º da Constituição da República Portuguesa consagra o direito à 
 integridade pessoal e o artigo 26º outros direitos pessoais, estipulando o nº 1, 
 além do mais, que a todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal.
 
  
 Em anotação a este artigo escreveu-se na 'Constituição da República Portuguesa' 
 
 – 3ª edição, 1993 dos Profs. Gomes Canotilho e Vital Moreira que o direito à 
 identidade pessoal abrange seguramente um direito à 'historicidade pessoal', o 
 que implica o conhecimento da identidade dos progenitores, podendo fundamentar o 
 direito à investigação de paternidade ou de maternidade.
 
  
 Nenhuma das disposições referidas pelo recorrente (artigo 12º da CUDH, artigo 8º 
 da CEDH) contraria o que está dito ou confirma a tese defendida pelo réu, nem é 
 correcta a invocação da 'Convenção Europeia dos Direitos do Homem' - de Ireneu 
 Cabral Barreto, Editorial Notícias, 1995, pág. 131 e 133 e seguintes na citação 
 feita pelo recorrente.
 
  
 O artigo 8º da Convenção procura defender o indivíduo contra as intervenções 
 arbitrárias dos poderes públicos, devendo o Estado não só abster-se dos comandos 
 que violem tal princípio, como ainda ter um papel activo tendente ao respeito da 
 vida privada e familiar. 
 
  
 Porém, como se escreve - pág. 126 da obra mencionada - 'as medidas positivas 
 exigidas aos Estados estão em geral sujeitas à margem de apreciação do próprio 
 Estado, é preciso ressalvar um justo equilíbrio entre o interesse geral e o 
 interesse do indivíduo'.
 
  
 Diga-se, aliás, que a maternidade e a paternidade são, na terminologia do artigo 
 
 68º nº 2 da CRP, valores socialmente eminentes, sendo assim reconhecidos como 
 garantias institucionais, protegidas como valores sociais e constitucionais 
 objectivos.
 
  
 O que se pretende com a averiguação oficiosa é assegurar que serão intentadas as 
 acções necessárias, úteis e viáveis para a fixação da maternidade e paternidade 
 e tão-somente essas, não resultando daqui claramente, a violação de qualquer 
 princípio constitucional».
 
  
 
             3 – No requerimento de interposição de recurso, o recorrente pediu a 
 apreciação de constitucionalidade de várias normas. Todavia, por decisão sumária 
 do relator, no Tribunal Constitucional, de que o recorrente reclamou sem êxito 
 para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do art.º 78º-A da LTC, foi 
 decidido delimitar o objecto do recurso de constitucionalidade às «normas dos 
 artigos 1865º e 1866º do CC, enquanto entendidas no sentido de permitirem a 
 intervenção, sem carácter supletivo, do Ministério Público como representante do 
 menor, autor na acção em que se investiga a sua paternidade, e de essa acção 
 poder provocar “alguma ofensa à intimidade da vida privada e familiar” do 
 investigado, por violação dos artigos 25º e 26º da CRP» e às «normas constantes 
 dos artigos 202º e 203º da OTM, quando entendidas no sentido de permitirem que 
 possa realizar-se validamente uma investigação “secreta” como preliminar 
 administrativo da acção de (processo civil) investigação de paternidade a propor 
 pelo Ministério Público, sem sujeição a contraditório naquela investigação, 
 dispondo ainda, aí, o mesmo Ministério Público de uma posição institucional 
 privilegiada que o investigado aí não desfruta, por violação do disposto nos 
 art.ºs 13º e 20º da CRP, da Declaração Universal dos Direitos do Homem (art.ºs 
 
 12º, 7º e 10º) e a Convenção Europeia dos Direitos do Homem (art.ºs 8º, 6º e 
 
 14º)».
 
  
 
             4 – Alegando, no Tribunal Constitucional, sobre o objecto do 
 recurso, o recorrente concluiu o seu discurso argumentativo do seguinte jeito:
 
  
 
   «1. Não fora a restrição imposta ao objecto do presente recurso e nestas 
 conclusões cabiam as violações aos direitos fundamentais do recorrente radicadas 
 nas ilegalidades cometidas no processo, bem como a constatação do Ex.mo Relator 
 do acórdão do STJ inicialmente mencionada nas presentes alegações.
 
  
 
 2. A averiguação oficiosa da paternidade é secreta e oficiosa, pelo que, em 
 processo civil, ofende os princípios da igualdade e do contraditório consagrados 
 nos artigos 2º 16º e 19º da Constituição da República Portuguesa e 3º-A do 
 Código de Processo Civil, donde, os artigos 202º e 203º da Organização Tutelar 
 de Menores, na interpretação que lhes tem sido dada de autorizarem um processo 
 sujeito àqueles princípios e regras, são inconstitucionais.
 
  
 
 3. A intervenção do Ministério Público como Autor num processo 'tendente a 
 estabelecer ou negar os laços familiares' viola o direito à reserva da 
 intimidade da vida privada e familiar, por isso, os artigos 1865º e 1866º do 
 Código Civil, ao serem interpretados no sentido de admitirem, no caso concreto, 
 a autoria processual do Ministério Público, com os poderes que lhe estão 
 atribuídos, num desequilíbrio da posição processual das partes e prosseguindo 
 objectivos que devassam a vida privada e familiar do recorrente, são 
 inconstitucionais, já que ofendem o disposto nos artigos 25º e 26º da 
 Constituição da República Portuguesa e os artigos 6º, 8º e 12º da Convenção 
 Universal dos Direitos do Homem e os artigos 6º e 8º da Convenção Europeia dos 
 Direitos do Homem.
 
  
 Termos em que, sempre com o douto suprimento de Vossas Ex.cias, deve o presente 
 recurso merecer provimento e, consequentemente, ser declarada a 
 inconstitucionalidade:
 
  
 a)       dos artigos 1865º e 1866º do Código Civil quando interpretados no 
 sentido de permitirem a intervenção, sem carácter supletivo, do Ministério 
 Público como Autor no processo, em violação da vida privada do Réu recorrente e 
 num desequilíbrio da posição processual das partes;
 
  
 b)      dos artigos 202º e 203º da Organização Tutelar de Menores (OTM), quando 
 interpretados com o sentido de permitirem que, em processo civil, se tenha 
 havido por válida uma investigação secreta, eternamente secreta, sem 
 contraditório, desigual e realizada por um investigador simultaneamente Autor da 
 acção, tudo com as legais consequências».
 
  
 
             5 – O Ministério Público contra-alegou, defendendo a improcedência 
 do recurso e concluindo do seguinte modo:
 
  
 
   «1 - As normas constantes dos artigos 1865º e 1866º do Código Civil 
 interpretadas como estabelecendo para o Ministério Público - como representante 
 do Estado - o poder-dever de investigar a paternidade, sempre que for julgada 
 viável a averiguação oficiosa, exercendo em tal acção, sem qualquer 
 especificidade, os normais poderes que a lei de processo confere à parte, não 
 violam qualquer preceito ou princípio constitucional.
 
  
 
 2 - Na verdade, as restrições à intimidade da vida privada e familiar do réu que 
 
 - nesta, como em qualquer outra acção de estado - se podem verificar têm suporte 
 constitucional adequado, radicando numa indispensável e proporcional articulação 
 ou concordância prática entre tal direito do investigado e o direito fundamental 
 do filho à respectiva identidade pessoal - que compreende inquestionavelmente o 
 estabelecimento da sua paternidade verdadeira - e o dever de protecção dos 
 menores, expressamente imposto pela Lei Fundamental ao Estado e ao Ministério 
 Público 
 
  
 
 3 - No actual quadro legal - caracterizado pelo desaparecimento, por imposição 
 constitucional, da figura das 'condições de admissibilidade' das acções de 
 investigação da paternidade - a subordinação da legitimidade do Ministério 
 Público para desencadear a acção oficiosa à prolação de um despacho de 
 viabilidade pelo juiz, bem como a atribuição de carácter 'secreto' ao processo 
 tutelar cível, visam essencialmente tutelar os interesses do pretenso 
 progenitor, resguardando-o de possíveis imputações de paternidade sem fundamento 
 sério e consistente.
 
  
 
 4 - As restrições ao contraditório, existentes no âmbito do processo tutelar 
 cível, no que respeita a uma plena e irrestrita intervenção como 'parte' do 
 pretenso pai, são plenamente adequadas à natureza e função de tal procedimento, 
 que não visa a composição de um litígio mediante aplicação do direito a um caso 
 concreto, mas a simples emissão pelo juiz de um juízo prudencial, preliminar à 
 propositura de uma acção de estado, em que as partes gozarão plenamente dos 
 direitos e garantias processuais. 
 
  
 
 5 - Apesar de tal restrição do contraditório, o interesse do réu em não ser 
 demandado em acção manifestamente infundada é aqui tutelado de forma 
 substancialmente mais intensa do que em qualquer outra causa de natureza cível, 
 em que vigora plenamente a admissibilidade de 'citação directa' dos demandados, 
 bastando que o autor alegue, de forma minimamente concludente, os fundamentos da 
 sua pretensão. 
 
  
 
 6 - Termos em que deverá improceder o presente recurso».
 
  
 
             6 – Também a mãe do menor, C., constituída assistente na acção, 
 contra-alegou, afirmando nas conclusões:
 
  
 
           «a) Os artºs 202º e 203º da O.T.M. e os artºs 1856º e 1866º do Cód. 
 Civil não padecem de qualquer inconstitucionalidade
 
  
 
           b) Nem, em concreto, foram interpretados e aplicados em termos de 
 violarem qualquer princípio constitucional, nomeadamente da igualdade e do 
 contraditório, nem o direito à reserva da intimidade da vida privada e 
 familiar».
 
  
 B – Fundamentação
 
  
 
             7 – Da questão de inconstitucionalidade reportada aos artigos 1865º 
 e 1866º do Código Civil
 
  
 
             
 
             O acórdão recorrido recortou a intervenção do Ministério Público na 
 acção oficiosa de investigação de paternidade, prevista nos artigos 
 constitucionalmente impugnados, como correspondendo a uma actuação em 
 representação do Estado, na defesa de um interesse público, e não como uma 
 actuação em representação de uma outra parte.
 
             Ora, em boa verdade, o que o recorrente contesta, não obstante o 
 carácter impreciso dos termos que utiliza, ao falar de “intervenção, sem 
 carácter supletivo, do Ministério Público como representante do menor autor na 
 acção”, é que a intervenção oficiosa, “sem carácter supletivo”, do Ministério 
 Público na defesa desse interesse de reconhecimento da paternidade do menor, 
 através da respectiva acção judicial, ofende o direito constitucional à 
 intimidade da vida privada e familiar, reconhecido nos artigos 25º, n.º 1, e 
 
 26º, n.º 1, ambos da Constituição da República Portuguesa.
 
             Na lógica da sua argumentação, a defesa em juízo desse interesse do 
 menor cabe, em primeira linha, ao menor e aos seus representantes legais, ou 
 seja, no caso, à sua mãe, sendo que, podendo eles gozar do benefício do acesso 
 ao direito e aos tribunais, na modalidade do apoio judiciário, não existem 
 quaisquer obstáculos a que os mesmos o possam defender nos tribunais.
 
             Adiante-se que a protecção da reserva à intimidade da vida privada 
 não é absoluta. Tanto assim é que a mãe do menor e o menor podem investigar os 
 factos relevantes. 
 
             Aliás, o recorrente não chega ao ponto de afirmar que o direito de 
 interposição da acção de investigação de paternidade teria de estar, sempre, ou 
 em absoluto, constitucionalmente proibido, por atentar contra o direito 
 constitucional à reserva da intimidade da vida privada, pois admite que ele 
 possa ser exercido pelo menor e pela sua mãe, esta como sua representante legal.
 
             Defende, ainda, o recorrente que “o direito à identidade pessoal, 
 literalmente expresso na Constituição, só compreende o direito ao conhecimento 
 da paternidade biológica por via interpretativa e esta via interpretativa conduz 
 a contradições e resultados absurdos” e “por isso inaceitável”. Por outro lado, 
 acrescenta que “a intervenção directa do Ministério Público na acção de 
 investigação da paternidade, como Autor, constitui uma intervenção arbitrária do 
 Estado na esfera privada do indivíduo, réu na acção”, sendo a “posição 
 processual do Ministério Público […] desigual e privilegiada em relação à do 
 réu”, pois dispõe de “um acervo de conhecimentos que obteve na averiguação 
 oficiosa de que o réu não dispõe, nem tem meios para dispor, visto que está 
 destituído de poderes que lhe permitam recolher qualquer prova”.
 
  
 
             Na perspectiva da resposta a dar à questão de constitucionalidade da 
 dimensão normativa estabelecida no art.º 1817º do Código Civil, segundo a qual a 
 acção de investigação de paternidade “só pode ser proposta durante a menoridade 
 do investigante ou nos dois primeiros anos posteriores à sua maioridade ou 
 emancipação”, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 486/04, publicado no 
 Diário da República II Série, de 18 de Fevereiro de 2005 (posteriormente 
 confirmado pelo Acórdão n.º 11/2005, proferido em plenário, publicado no Diário 
 da República II Série, de 18 de Março de 2005), teceu as seguintes 
 considerações:
 
  
 
            «[…]
 
            13. Na verdade, logo a partir da Constituição de 1976, as exigências 
 constitucionais em matéria de direitos de personalidade e de direito da família 
 tornaram-se incontornáveis na discussão sobre o tema em causa.
 A Constituição reconheceu um “direito de constituir família”, com um sentido 
 mínimo de impor ao legislador a previsão de meios para o estabelecimento 
 jurídico dos vínculos de filiação – os modos de perfilhar e a acção de 
 investigação. Esse direito foi, aliás, alargado pela reforma de 1977, chegando a 
 deixar o limite do vínculo de parentesco próximo apenas para o reconhecimento 
 oficioso, mas não para o estabelecimento voluntário da filiação (mesmo sobre a 
 restrição do incesto), por perfilhação ou acção de investigação.
 Por outro lado, ainda no domínio do direito da família, a Constituição proibiu a 
 discriminação dos filhos nascidos fora do casamento (artigo 36º, n.º 4). Embora 
 seja certo que, sendo as circunstâncias do nascimento diversas, os modos de 
 estabelecimento da paternidade não podem ser todos iguais, existindo diferenças 
 inevitáveis (o que é verdade, designadamente, para a presunção de paternidade), 
 
 é igualmente seguro que as diferenças de regime inevitáveis não podem 
 desfavorecer os filhos nascidos fora do casamento, limitando-lhes excessivamente 
 as possibilidades de estabelecimento da filiação. Como salienta Guilherme de 
 Oliveira (Caducidade das acções de investigação, Revista Lex Familiae, n.º 1, 
 Centro de Direito da Família, Coimbra, 2004, pág. 9), uma vez que estes filhos 
 não podem beneficiar de uma presunção de paternidade do marido (pois não há 
 marido), o reconhecimento dos meios para estabelecer a paternidade deverá ter a 
 maior abertura, tendencialmente, para não limitar em demasia as possibilidades 
 de estabelecimento da filiação dos filhos nascidos fora do casamento (mediante a 
 prova do vínculo biológico).
 O parâmetro constitucional mais significativo para aferição da legitimidade das 
 limitações ao direito de investigar a paternidade encontra-se, porém, no 
 
 “direito à identidade pessoal”, com que abre logo o n.º 1 do artigo 26º da 
 Constituição.
 Importa notar, efectivamente, que a tese segundo a qual a norma em questão não é 
 inconstitucional não se baseia na inexistência de um direito fundamental ao 
 conhecimento da paternidade biológica, ou na exclusão deste direito do “âmbito 
 de protecção” do direito fundamental à identidade pessoal, reconhecendo-se, 
 antes, que o direito do filho ao apuramento da paternidade biológica é uma 
 dimensão deste direito fundamental. Assim, na jurisprudência deste Tribunal não 
 tem sido posta em questão a existência de um interesse do filho, 
 constitucionalmente protegido, a conhecer a identidade dos seus progenitores, 
 como decorrência dos direitos fundamentais à identidade pessoal (e, também, do 
 direito à integridade pessoal – artigos 25º, e 26º, n.º 1, da Constituição). 
 Neste sentido, escreveu-se, por exemplo, no citado Acórdão n.º 506/99:
 
 “[n]ão se duvida da pertinência dos parâmetros constitucionais convocados – o 
 que, de resto, desde há muito a jurisprudência do Tribunal Constitucional tem 
 salientado.
 Assim, poderá ilustrar-se essa preocupação citando não só os já referidos 
 Acórdãos nºs. 99/88 e 370/91, como também o n.º 451/89 […], e outro mais recente 
 que daqueles se faz eco (acórdão n.º 311/95, ainda inédito): na averiguação do 
 vínculo real de parentesco, neles se surpreendeu uma decorrência seja do direito 
 fundamental à integridade pessoal, com assento no n.º 1 do artigo 25º da 
 Constituição da República, seja do direito fundamental à identidade pessoal, 
 acolhido no n.º 1 do artigo 26º do mesmo texto, como expressão do entendimento 
 já então professado por Guilherme de Oliveira, segundo o qual o conhecimento da 
 ascendência verdadeira é um aspecto relevante da personalidade individual e uma 
 condição de gozo pleno desses direitos fundamentais (cfr. Impugnação da 
 Paternidade, in Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra – 
 Suplemento XX, Coimbra, 1973, pág. 193; em Separata, Coimbra, 1979, pág. 66).”
 E logo o citado Acórdão n.º 99/88 não deixou de referir-se que
 
 “(...) não se vê como possa deixar de pensar-se o direito a conhecer e ver 
 reconhecido o pai (...) como uma das dimensões dos direitos constitucionais 
 referidos, em especial do direito à identidade pessoal, ou das faculdades que 
 nele vai implicada”.
 O direito ao conhecimento da paternidade ou maternidade biológica, como dimensão 
 protegida pelos direitos fundamentais que são invocados como parâmetro 
 constitucional – nos quais se encontra também, por vezes, o direito a constituir 
 família, consagrado, sem restrições, no artigo 36º, n.º 1, da Constituição –, 
 não é, pois, negado por este Tribunal, nos citados arestos.
 Compreende-se, aliás, que seja assim, pois o direito à identidade pessoal 
 inclui, não apenas o interesse na identificação pessoal (na não confundibilidade 
 com os outros) e na constituição daquela identidade, como também, enquanto 
 pressuposto para esta auto-definição, o direito ao conhecimento das próprias 
 raízes. Mesmo sem compromisso com quaisquer determinismos, não custa reconhecer 
 que saber quem se é remete logo (pelo menos também) para saber quais são os 
 antecedentes, onde estão as raízes familiares, geográficas e culturais, e também 
 genéticas (cfr., aliás, também a referência a uma “identidade genética”, que o 
 artigo 26º, n.º 3, da Constituição considera constitucionalmente relevante). Tal 
 aspecto da personalidade – a historicidade pessoal (Gomes Canotilho/Vital 
 Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 3ª ed., Coimbra, 1993, 
 pág. 179, falam justamente de um “direito à historicidade pessoal”) – implica, 
 pois, a existência de meios legais para demonstração dos vínculos biológicos em 
 causa (note-se, aliás, que os exames biológicos conducentes à determinação de 
 filiação podem ser realizados, fora dos processos judiciais, e a pedido de 
 particulares, sem qualquer limitação temporal, pelos próprios serviços do 
 Instituto Nacional de Medicina Legal, nos termos do artigo 31º do Decreto-Lei 
 n.º 11/98, de 24 de Janeiro), bem como o reconhecimento jurídico desses 
 vínculos.
 Deve, pois, dar-se por adquirida a consagração, na Constituição, como dimensão 
 do direito à identidade pessoal, consagrado no artigo 26º, n.º 1, de um direito 
 fundamental ao conhecimento e reconhecimento da maternidade e da paternidade».
 
  
 
  
 
        E, numa óptica de ponderação ou de concordância do direito à reserva da 
 intimidade da vida privada com o direito fundamental ao reconhecimento da 
 maternidade e da paternidade, acrescentou-se, logo de seguida:
 
  
 
            «Simplesmente, tem-se admitido que outros valores, para além “da 
 ilimitada recepção à averiguação da verdade biológica da filiação – como os 
 relativos à certeza e à segurança jurídicas, possam intervir na ponderação dos 
 interesses em causa”, como que “comprimindo a revelação da verdade biológica”. 
 Da perspectiva do pretenso pai, aliás, invoca-se também, por vezes, o seu 
 
 “direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar”: tal intimidade 
 poderia ser perturbada, sobretudo se a revelação for muito surpreendente, por 
 circunstâncias ligadas à pessoa do suposto pai ou pelo decurso do tempo, e 
 poderá mesmo afectar o agregado familiar do visado».
 
  
 
        E mais adiante discreteou-se, mais especificamente sobre esta última 
 matéria, do seguinte modo: 
 
  
 
            «[…]
 
            
 
            18. Pode, pois, concluir-se que o regime em apreço, ao excluir 
 totalmente a possibilidade de investigar judicialmente a paternidade (ou a 
 maternidade), logo a partir dos vinte anos de idade, tem como consequência uma 
 diminuição do alcance do conteúdo essencial dos direitos fundamentais à 
 identidade pessoal e a constituir família, que incluem o direito ao conhecimento 
 da paternidade ou da maternidade.
 
            […]
 
  
 
            É certo que o investigado poderá também invocar direitos 
 fundamentais, como o “direito à reserva da intimidade da vida privada e 
 familiar” (ou, mesmo, também, como se disse, o direito ao desenvolvimento da 
 personalidade), que poderão ser afectados pela revelação de factos que o possam 
 comprometer. Não se vê, porém, que se possa proteger tais interesses do eventual 
 progenitor à custa do direito de investigar a própria paternidade. Uma alegada 
 
 “liberdade-de-não-ser-considerado-pai”, apenas por terem passado muitos anos 
 sobre a concepção, ou um interesse em eximir-se à responsabilidade jurídica 
 correspondente, determinada fundamentalmente pelo “princípio da verdade 
 biológica” que inspira o nosso direito da filiação, não podem considerar-se 
 dignos de tutela, pelo menos, a ponto de sacrificar o direito do filho a apurar 
 e ver judicialmente declarado quem é o seu pai (e lembre-se, aliás, que como se 
 disse, não é de excluir que se possa chegar, mesmo fora de um processo judicial, 
 mediante exames realizados no próprio Instituto Nacional de Medicina Legal, à 
 conclusão de que certa pessoa é progenitora de outra, ficando, porém, a verdade 
 biológica sem relevância simplesmente porque o progenitor não pretende perfilhar 
 e o filho já completou vinte anos).
 Neste ponto, não pode ignorar-se, desde logo, que o prazo de dois anos em causa 
 se esgota normalmente num momento em que, por natureza, o investigante não é 
 ainda, naturalmente, uma pessoa experiente e inteiramente madura (constatação 
 que não é contrariada, nem pelo limite legal para a aquisição de capacidade de 
 exercício de direitos, nem, muito menos, pela previsão legal de uma tutela geral 
 da personalidade, no seu potencial de aperfeiçoamento). E, sobretudo, que tal 
 prazo pode começar a correr, e terminar, sem que existam quaisquer 
 possibilidades concretas de – ou apenas justificação para – interposição da 
 acção de investigação de paternidade, seja por não existirem ou não serem 
 conhecidos nenhuns elementos sobre a identidade do pretenso pai (os quais só 
 surgem mais tarde), seja simplesmente por, v.g., no ambiente social e familiar 
 do filho ser ocultada a sua verdadeira paternidade, ou não existir justificação 
 para pôr em causa a paternidade de quem sempre tenha tratado o investigante como 
 filho (sem, todavia, que a paternidade deste esteja estabelecida e venha a ser 
 impugnada, como aconteceu no caso que deu origem ao julgamento de 
 inconstitucionalidade proferido no Acórdão n.º 456/2003).
 Logo por esta razão, portanto, se conclui que o prazo de dois anos é 
 inconstitucional, por violação dos artigos 26º, n.º 1, 36º, n.º 1, e 18º, n.º 3, 
 da Constituição.
 
 19. Mesmo, porém, que se negasse uma verdadeira afectação do conteúdo essencial 
 dos direitos referidos, por se entender que podem ainda restar (pelo menos, na 
 maioria dos casos) certas possibilidades investigatórias ao filho, afigura-se, 
 também logo no plano da sua justificação – que não já apenas no dos efeitos –, 
 que a solução em causa não pode, hoje, ser considerada constitucionalmente 
 admissível, por violação da exigência de proporcionalidade (lato sensu) 
 consagrada no artigo 18º, n.º 2, da Constituição».
 
  
 
  
 
             Estas considerações sobre a natureza do direito fundamental ao 
 conhecimento e reconhecimento da maternidade e da paternidade (cf., no mesmo 
 sentido, o Acórdão n.º 694/95, publicado nos Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional, 32º vol., p. 695), bem como sobre a não violação do princípio da 
 proporcionalidade, quanto à restrição do direito à reserva da intimidade da vida 
 privada e familiar, são inteiramente de acompanhar no caso dos autos, e, 
 relativamente ao último ponto, até, por maioria de razão, porquanto a situação 
 dos autos respeita à interposição de uma acção oficiosa de investigação de 
 paternidade, possível, apenas, no prazo de dois anos, sobre a data do nascimento 
 do menor [alínea b) do art.º 1866º do C. Civil].
 
             Não se rejeita, como defende o recorrente, que a paternidade 
 biológica e a paternidade jurídica não sejam bens jurídicos diferentes e que os 
 respectivos direitos de reconhecimento não possam ter diferente densidade de 
 protecção constitucional, como, aliás se dá conta no referido Acórdão n.º 
 
 486/04.
 
             O que não se vislumbra é que a Lei Fundamental os não possa proteger 
 indistintamente, no caso de estarem em causa direitos de crianças, que são 
 sujeitos de especiais direitos de protecção, como abaixo melhor se precisará.
 
             E, embora “os preceitos constitucionais e legais relativos aos 
 direitos fundamentais devam (devem) ser interpretados e integrados de harmonia 
 com a Declaração Universal dos Direitos do Homem” (art. 16º, n.º 2, da CRP), e, 
 mesmo que se admita que esta não se refere ao direito à identidade pessoal como 
 podendo abarcar, também, o direito de reconhecimento da paternidade, como 
 sustenta o recorrente, daí não decorre que a nossa Lei Fundamental não possa ir 
 mais longe na protecção dos direitos fundamentais, mormente relativamente às 
 crianças.
 
              E, independentemente, de terem, apenas, valor de direito ordinário, 
 recebido na Ordem Jurídica Interna, o mesmo se poderá dizer relativamente aos 
 alegados preceitos da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e Convenção 
 Internacional dos Direitos da Criança, a que o recorrente apela.
 
  
 
             Resta apurar se a atribuição normativa ao Ministério Público do 
 direito de acção oficiosa de investigação de paternidade, previsto nos art. 
 
 1865º e 1866º do C. Civil (mas que poderá abranger também a situação recortada 
 no art. 1867º do mesmo diploma), é constitucionalmente censurável, pelas razões 
 que o recorrente aponta e/ou por outros fundamentos jus fundamentais.
 
             Ora, neste domínio, não pode deixar de relevar-se que a 
 Constituição, no seu artigo 69º, estatui que “as crianças têm direito à 
 protecção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral, 
 especialmente contra todas as formas de abandono, de discriminação e de opressão 
 
 …” (n.º 1) e que “o Estado assegura especial protecção às crianças órfãs, 
 abandonadas ou por qualquer forma privadas de um ambiente familiar normal” (n.º 
 
 2).
 
             Constituindo o direito ao conhecimento e reconhecimento da 
 maternidade e da paternidade um direito fundamental da pessoa, e, como tal, da 
 criança, não pode o mesmo deixar, desde logo, de integrar o conteúdo da 
 protecção que esta tem direito a reclamar do Estado e da sociedade. 
 
             Enquanto direito que a sociedade e o Estado devem satisfazer, a sua 
 prossecução assume, desde logo por aí, a natureza de um interesse geral da 
 comunidade política, ou seja, de um interesse público. Mas mais. O conhecimento 
 da maternidade e da paternidade são elementos que não podem deixar de integrar, 
 igualmente, o direito fundamental da criança ao livre desenvolvimento da sua 
 personalidade, não só, porque lhe permitem o conhecimento e a vivência da sua 
 historicidade pessoal – o seu lugar, como pessoa única e irrepetível, na 
 história da sucessão das gerações –, com toda a carga de sentimentos e de 
 emoções que estas, mas especialmente as mais próximas do seu tempo, são 
 susceptíveis de gerar nela, como, também, porque, intervindo na conformação da 
 família, são susceptíveis, dentro de um ambiente familiar normal, de lhe 
 proporcionar a aquisição de sentimentos de amor, segurança e confiança na 
 realização dos projectos que dia a dia vai formando, de acordo com a sua 
 evolução racional, para o seu futuro.
 
             Ao considerar a família como elemento fundamental da sociedade (art. 
 
 67º, n.º 1), “a Constituição reconhece que o harmonioso desenvolvimento do ser 
 humano não pode ser dissociado das relações estabelecidas na família” (cf. Jorge 
 Miranda-Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2005, p. 689), 
 onde se viva um ambiente familiar normal. Daí que, quando a criança se encontre 
 privada da existência deste, deve o Estado assegurar-lhe especial protecção, de 
 modo a não sair ou a sair, na menor medida possível, afectada no seu harmonioso 
 desenvolvimento.
 
        A este propósito, escrevem estes Autores (op. cit., p. 708) que “por 
 isso, o Estado, vinculado positivamente pelos direitos fundamentais, tem o dever 
 de proteger a vida, a integridade pessoal, o desenvolvimento da personalidade e 
 outros direitos fundamentais dos filhos”.
 
        Assente que está que corresponde a um interesse público, por encarnar, 
 quer um dever da comunidade político-social, quer um dever do Estado, o direito 
 fundamental ao reconhecimento da maternidade e da paternidade das crianças, não 
 pode, do mesmo passo, deixar de considerar-se que, precisamente em desoneração 
 do dever do Estado, constitucionalmente imposto, a acção judicial tendente a 
 obter esse reconhecimento, por via judicial, possa ser proposta pelo Ministério 
 Público, independentemente da invocação de qualquer poder de representação 
 relativamente ao exercício dos direitos dos menores.
 
             Daí que se imponha uma leitura do art. 219º, n.º 1, da CRP, que 
 dispõe que “Ao Ministério Público compete representar o Estado e defender os 
 interesses que a lei determinar…”, como abrangendo, entre outras, tal situação 
 normativa. Em tal comando constitucional, acaba por radicar o art. 3º, n.º 1, 
 alínea a) do Estatuto do Ministério Público, aprovado pela Lei n.º 143/99, de 31 
 de Agosto, que diz que “compete, especialmente, ao Ministério Público: 
 representar o Estado, […] os incapazes, os incertos e os ausentes em parte 
 incerta” e, dentro da mesma linha axiológica, os art.ºs 202º e 205º da 
 Organização Tutelar de Menores (OTM), aprovada pelo Decreto-Lei n.º 314/78, de 
 
 27 de Outubro (entretanto objecto de alterações que não interessam ao caso), que 
 prevêem, respectivamente, a competência do Curador de Menores para instaurar os 
 processos de averiguação oficiosa de maternidade, paternidade ou impugnação 
 desta, e a do Ministério Público para propor a respectiva acção judicial de 
 investigação.
 
        É claro que a interposição da acção oficiosa de investigação de 
 paternidade, a sua instrução, discussão e decisão não deixam de importar alguma 
 lesão do direito fundamental à reserva da vida privada e familiar, consagrados 
 nos artigos 25º, n.º 1, e 26º, n.º 1, da CRP, como, aliás, se dá conta no aresto 
 acabado de citar. 
 
        Mas, continua a valer aqui a doutrina do Acórdão n.º 486/04, na parte 
 pertinente, acima enunciada.
 
        Num balanceamento entre o direito fundamental à reserva da intimidade da 
 vida privada e o direito fundamental da criança à protecção do Estado para o 
 reconhecimento da sua paternidade, não pode, dentro de um juízo de ponderação 
 assente no princípio da proporcionalidade, recortado no art. 18º, nºs 2 e 3, da 
 CRP, deixar de aceitar-se a prevalência deste último, pois doutro modo, 
 sabendo-se que esse reconhecimento contende, por via de regra, com a apreciação 
 de factos abrangidos pelo âmbito de protecção da reserva à intimidade, mas que 
 são, simultaneamente, causa jurígena do outro direito, corresponderia, em tal 
 situação, a reconhecer-se a existência de um direito de não se ser investigado e 
 de não se ser judicialmente compelido, em acção interposta pelo Estado, a 
 reconhecer a paternidade (cf. a propósito do balanceamento entre o direito à 
 reserva da intimidade da vida privada e o direito ao divórcio, cf. Acórdão n.º 
 
 263/97, publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 36º vol., p. 727). 
 
  
 
        A propósito da utilização, como meio de prova, de fotografias que 
 retratavam pessoas despidas e em situações íntimas, sufragou-se no aresto 
 acabado de identificar a seguinte doutrina sobre a protecção constitucional, 
 entre outros direitos pessoais fundamentais, do direito à reserva de intimidade 
 da vida privada e familiar, que aqui se aceita:
 
  
 
   «[…]
 
   3.- Nos termos do nº 1 do artigo 26º da CR, a todos são reconhecidos, como 
 direitos pessoais, o direito à imagem e o direito à reserva de intimidade da 
 vida privada e familiar - a destacar do elenco aí previsto - cabendo à lei 
 ordinária estabelecer garantias efectivas contra a utilização abusiva ou 
 contrária à dignidade humana de informações relativas às pessoas e famílias, de 
 acordo com o nº 2 do mesmo preceito.
 Comentando aquela norma, Gomes Canotilho e Vital Moreira observam estarem estes 
 direitos pessoais 'directamente ao serviço da protecção da esfera nuclear das 
 pessoas e da sua vida, abarcando fundamentalmente aquilo que a literatura 
 juscivilistica designa por direitos de personalidade' (cfr. Constituição da 
 República Portuguesa Anotada, 3ª ed., Coimbra, 1993, pág. 179).
 Estão estes direitos fundamentais estreitamente ligados à própria personalidade, 
 devendo o seu exercício moldar-se e consolidar-se pela observância do princípio 
 da dignidade da pessoa humana, a ponto de o respeito por eles e a garantia da 
 sua efectivação os colocarem ao abrigo dos limites materiais da revisão 
 constitucional [cfr. os artigos 1º e 2º e a alínea d) do artigo 288º da Lei 
 Fundamental]. Visa-se que a dignidade da pessoa seja expressão dirigida ao 
 homem, concreta e individualmente considerado, não entendida apenas formalmente, 
 mas, e de modo essencial, materialmente, como bem tutelado por esses direitos - 
 que constituem 'a base jurídica da vida humana no seu nível actual de 
 dignidade', que têm a sua 'fonte ética na dignidade da pessoa, de todas as 
 pessoas' (cfr. João de Castro Mendes, 'Direitos, Liberdades e Garantias - Alguns 
 Aspectos Gerais', in - Estudos sobre a Constituição, 1º vol., Lisboa, 1977, pág. 
 
 102; Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, vol. IV, Coimbra, 1988, 
 pág. 167; J.C. Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição 
 Portuguesa de 1976, Coimbra, 1987, pág. 85; Rabindranath Capelo de Sousa, O 
 Direito Geral de Personalidade, Coimbra, 1995, págs. 96 e segs.).
 No tocante ao direito à intimidade da vida privada já este Tribunal ponderou 
 pretender-se prevenir de intromissões alheias o espaço interior da pessoa ou do 
 seu lar, assim se acautelando um núcleo íntimo onde ninguém penetre salvo 
 autorização do próprio titular (cfr., inter alia, os acórdãos nºs. 128/92 e 
 
 319/95, publicados no Diário da República II Série, de 24 de Julho de 1992 e de 
 
 2 de Novembro de 1995, respectivamente).
 Com o direito à imagem, por sua vez, visa-se salvaguardar o direito de cada um a 
 não ser fotografado nem ver o seu retrato exposto em público, sem o seu 
 consentimento e, bem assim, o direito a não ser apresentado 'em forma gráfica ou 
 montagem ofensiva e malevolamente distorcida ou infiel' (cfr. J.J. Gomes 
 Canotilho e Vital Moreira, ob. cit., pág. 181. Entre os acórdãos deste Tribunal, 
 vejam-se os já citados nºs. 128/92 e 319/95. Estão em causa, não apenas o 
 retrato mas igualmente todas as outras captações possíveis do corpo do 
 indivíduo, da sua protecção imagética, nas palavras de Orlando de Carvalho (in 
 Teoria Geral da Relação Jurídica, Coimbra, 1970, pág. 72), o que possibilita uma 
 ingerência abusiva atentatória de valores constitucionalmente protegidos.
 De qualquer modo, e como o Tribunal Constitucional reconheceu logo num dos seus 
 primeiros arestos, o direito a proteger, pois que relacionado com a dignidade da 
 pessoa humana, tem ele mesmo de ser exercido com dignidade, pois todas as 
 liberdades, todos os direitos sofrem as restrições impostas pelo respeito da 
 liberdade e dos direitos dos outros (cfr. acórdão nº 6/84, publicado no Diário 
 citado, II Série, de 2 de Maio de 1994). Ou, se se preferir, a autonomia dos 
 direitos fundamentais é limitada na medida dos deveres de solidariedade para com 
 os outros homens e para com a sociedade, pois o seu titular vive em comunidade 
 e, como tal, obriga-se a suportar as restrições e as compressões indispensáveis 
 
 à acomodação dos direitos dos outros e à realização dos direitos comunitários, 
 ordenados ao bem comum de todos (cf. J.C. Vieira de Andrade, ob. cit., pág. 86).
 
 […] 
 Com efeito, impõe-se uma apreciação ponderada dos interesses em causa no 
 pressuposto de que a protecção concedida aos direitos em questão não pode 
 limitar intoleravelmente outros direitos: a salvaguarda de outros direitos ou 
 interesses constitucionalmente protegidos há-de obedecer ao princípio da 
 proporcionalidade em sentido amplo, proibindo o excesso, devendo, por isso, as 
 restrições estabelecidas serem necessárias, adequadas e proporcionais (cfr. o 
 artigo 18º da Constituição, 2ª parte do seu nº 2).
 Não sendo fácil formular um juízo de relação apropriada (angemessen Verhältnis) 
 parece razoável partir de uma directriz determinada por critérios resultantes 
 das valorações sociais correntes sobre a questão, como propõe um Autor, 'desde 
 que harmonizáveis com os princípios gerais do ordenamento jurídico nesta 
 matéria, e, portanto, que além de a própria noção de vida privada ser em certa 
 medida dependente do indivíduo, é também função das valorações de cada formação 
 social' (cf. Paulo Mota Pinto, 'O Direito à Reserva sobre a Intimidade da Vida 
 Privada' in - Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, vol. 
 LXIX, Coimbra, 1993, pág. 527).
 Nesta leitura, o estado de saúde da pessoa faz parte da sua vida privada, 'bem 
 como a vida conjugal, amorosa e afectiva do indivíduo, isto é, os projectos de 
 casamento e de divórcio, aventuras amorosas, afectos e ódios, etc.' (ob. cit. 
 págs. 527-528). Também outro Autor faz compreender, na esfera da privacidade 
 constitucionalmente tutelada, o passado da pessoa, os seus sentimentos, factos 
 atinentes à sua saúde, a respectiva situação patrimonial, os seus valores 
 ideológicos, o domicílio (cfr. Rita Amaral Cabral, 'O Direito à Intimidade da 
 Vida Privada (Breve reflexão acerca do artigo 80º do Código Civil' in - Estudos 
 em Memória do Professor Doutor Paulo Cunha, Lisboa, 1989, pág. 399). Ou, ainda, 
 as peripécias da vida conjugal e familiar, as causas e as circunstâncias de um 
 divórcio, a vida amorosa fora e ao lado do casamento (Capelo de Sousa, ob. cit., 
 pág. 318)».
 
  
 
        Posição contrária conduziria à afectação do conteúdo do direito 
 fundamental da criança à protecção do Estado no âmbito do direito ao 
 reconhecimento da paternidade. 
 
        Por seu lado – importa acentuar – que a ofensa do direito à reserva 
 cinge-se, apenas, à medida do necessário para a realização do outro direito 
 nascido dentro dos mesmos factos cobertos pela reserva, atingindo apenas os 
 actos ou comportamentos jurígenos do direito de paternidade que judicialmente se 
 pretende ver reconhecido.
 
  
 
        8 – Da questão de constitucionalidade relativa às normas constantes dos 
 artigos 202º e 203º da Organização Tutelar de Menores (OTM)
 
  
 
        Questiona, ainda o recorrente, a constitucionalidade das “normas 
 constantes dos artigos 202º e 203º da OTM, quando entendidas no sentido de 
 permitirem que possa realizar-se validamente uma investigação “secreta” como 
 preliminar administrativo da acção de (processo civil) investigação de 
 paternidade a propor pelo Ministério Público, sem sujeição a contraditório 
 naquela investigação, dispondo, ainda, aí, o mesmo Ministério Público de uma 
 posição institucional privilegiada que o investigado aí não desfruta”, 
 pretextando que as mesmas violam o disposto “nos art.ºs 13º e 20º da CRP, a 
 Declaração Universal dos Direitos do Homem (art.ºs 12º, 7º e 10º) e a Convenção 
 Europeia dos Direitos do Homem (art.ºs 8º, 6º e 14º)”.
 
  
 
        O artigo 202º da OTM tem o seguinte teor:
 
  
 
 “1 – A instrução dos processos de averiguação oficiosa para investigação de 
 maternidade ou paternidade ou para impugnação desta incumbe ao curador, que pode 
 usar de qualquer meio de prova legalmente admitido e recorrer a inquérito.
 
 2 – São obrigatoriamente reduzidos a escrito os depoimentos dos pais ou dos 
 presumidos progenitores e as provas que concorram para o esclarecimento do 
 tribunal”.
 
  
 
        Por seu lado, o artigo 203º reza assim:
 
  
 
 “1 – A instrução do processo é secreta e será conduzida por forma a evitar 
 ofensa ao pudor ou dignidade das pessoas.
 
 2 – No processo não podem intervir mandatários judiciais, salvo na fase de 
 recurso”.
 
  
 
             A propósito da apreciação da questão de constitucionalidade do art.º 
 
 206º da OTM, que dispõe sobre o recurso da decisão final no termo dos processos 
 a que alude o n.º 1 daquele artigo 202º, discreteou-se no Acórdão n.º 616/98, 
 publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 41º vol., p, 263:
 
  
 
 «O processo em causa inicia-se com a autuação da certidão de registo de 
 nascimento do menor apenas com a maternidade estabelecida, certidão essa 
 obrigatoriamente remetida ao tribunal pelo funcionário que lavrou o registo.
 Procede-se, então, à instrução do processo, a cargo do Ministério Público, 
 tendente a averiguar a paternidade do menor.
 Conhecida pelo tribunal, através de declarações da mãe do menor ou de outros 
 meios, a identidade do pretenso progenitor, será ele ouvido.
 Se for negada ou recusada a confirmação da paternidade, o Ministério Público 
 procede a diligências probatórias, em instrução secreta, 'conduzida por forma a 
 evitar ofensa ao pudor ou dignidade das pessoas'; as declarações prestadas no 
 processo não implicam presunção de paternidade.
 Finda a instrução, o Ministério Público elabora parecer sobre a viabilidade da 
 acção de investigação de paternidade; ao juiz compete proferir despacho final, 
 ordenando o arquivamento do processo ou a sua remessa ao magistrado do 
 Ministério Público junto do tribunal competente para que seja proposta a acção 
 de investigação.
 Os traços essenciais do processo de averiguação oficiosa que se deixam 
 enunciados resultam do disposto nos artigos 202º a 206º da OTM, 1811º a 1813º, 
 
 1864º, 1865º e 1868º do Código Civil.
 Deles claramente se colhe que se trata de um processo de carácter administrativo 
 ou pré-judicial desenvolvido numa lógica inquisitorial, carácter esse que se 
 ajusta à finalidade última do mesmo processo: habilitar o Ministério Público a 
 intentar acção de investigação de paternidade viável.
 Joga-se aqui, fundamentalmente, um interesse público, ou colectivo, que legitima 
 a intervenção do Ministério Público.
 A intervenção judicial no processo, mediante o despacho final (de arquivamento 
 ou remessa ao Ministério Público para propositura da acção), visa, por seu 
 turno, garantir que não sejam intentadas acções temerárias, tanto mais de evitar 
 quanto o Ministério Público, em representação do Estado, prossegue aquele tipo 
 de interesse, e elas põem em causa, em maior ou menor grau, o pudor ou a 
 dignidade dos intervenientes directos.
 
 É, aliás, o melindre dos factos que nestas acções, quase inevitavelmente, se 
 controvertem, que parece justificar a excepção - que constitui a averiguação 
 oficiosa como procedimento prévio à acção de investigação - ao regime normal de 
 
 'citação directa' em processo civil, como bem adverte o Ministério Público nas 
 suas alegações.
 Impor-se-ia, neste contexto, que o legislador ordinário facultasse ao pretenso 
 progenitor direito ao recurso do despacho de viabilidade, sob pena de infracção 
 ao disposto no artigo 20º nº 1 da CRP enquanto a todos assegura o direito de 
 acesso aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legítimos?
 Uma decisiva razão postula uma resposta negativa a esta questão: com o despacho 
 jurisdicional de viabilidade da acção não são ofendidos os direitos e interesse 
 legítimos do pretenso progenitor.
 Na verdade, esse despacho apenas habilita o Ministério Público a intentar acção 
 de investigação de paternidade, não sendo, a todas as luzes, de reconhecer, a 
 quem quer que seja, um direito ou interesse legítimo em não ser civilmente 
 demandado.
 Não se vislumbraria, aliás, qualquer inconstitucionalidade, se o legislador 
 ordinário, à semelhança do que acontece na generalidade das acções, não tivesse 
 previsto o referido procedimento preliminar, competindo ao Ministério Público - 
 e a ele só - formar, com inteira autonomia, a sua decisão, no sentido de propor, 
 ou não, a acção de investigação.
 A averiguação oficiosa não deixa, assim, de representar um robustecimento das 
 garantias de defesa do pretenso progenitor, garantias estas cuja tutela apenas 
 se impõe, constitucionalmente, na acção de investigação de paternidade a 
 intentar e em que aquele figura como parte.
 Mas, consagrando o artigo 206º nº 2 da OTM a legitimidade do Ministério Público 
 para recorrer, não exigirá o artigo 13º da CRP que igual legitimidade seja 
 conferida ao pretenso progenitor?
 Não bastará acentuar que o pretenso progenitor não é parte na averiguação 
 oficiosa para fundamentar um juízo de não inconstitucionalidade da norma.
 Mas já é suficiente, na perspectiva do tratamento igualitário que o princípio 
 constitucional impõe, o reconhecimento de que a diferença é materialmente 
 fundada. 
 Com efeito, ela decorre de uma distinção objectiva de situações, no ponto em 
 que, para o Ministério Público, o despacho de arquivamento obsta à propositura 
 da acção de investigação, cerceando assim um poder que a lei lhe confere, 
 enquanto que, para o pretenso progenitor, o despacho de viabilidade não lesa ou 
 afecta a sua esfera jurídica. 
 A diferenciação em que se traduz a previsão de legitimidade do Ministério 
 Público para o recurso, em contrário do que acontece com o pretenso progenitor, 
 constitui, assim, uma medida necessária e adequada à satisfação do seu 
 objectivo».
 
  
 
             Entende o Tribunal Constitucional que as considerações expendidas 
 neste aresto são inteiramente de acompanhar e têm inteira aplicação ao caso dos 
 autos.
 
             Perante o regime constante da OTM, não restam dúvidas que o processo 
 de averiguação oficiosa não tem a natureza de uma acção judicial de natureza 
 civil, movida contra o investigado para o reconhecimento do direito de 
 paternidade.
 
             Nele não é deduzida nenhuma pretensão contra o pretenso pai, como a 
 sua condenação a reconhecer o menor como seu filho, nem são contra ele alegados 
 fundamentos em que esse pedido se possa basear. 
 
             Sendo assim, na ausência de um pedido e dos fundamentos do mesmo, 
 não tem sentido a exigência da intervenção do investigado como parte nesse 
 processo, nos termos que se verificam na acção oficiosa de investigação de 
 paternidade, sujeita à tramitação do processo civil, com a correspondente 
 subordinação ao princípio de igualdade processual e ao direito ao contraditório, 
 invocados pelo recorrente, que o direito de acção necessariamente postula em 
 termos constitucionais (art. 20º da CRP).
 
             O processo de averiguação oficiosa corresponde simplesmente a um 
 modo de o Estado se desonerar, ainda fora do âmbito do exercício do direito de 
 acção judicial, do dever de protecção às crianças, no que tange ao conhecimento 
 e reconhecimento da sua maternidade, paternidade ou impugnação desta. 
 
             É esta circunstância que justifica que o processo possa, até, 
 assumir uma natureza simplesmente registral, nos casos em que o presumido 
 progenitor confirme a maternidade ou paternidade, em que será lavrado termo de 
 perfilhação (art. 207º da OTM). 
 
             O seu escopo é apenas o de habilitar o Estado, vinculado que está 
 pelo respeito dos direitos fundamentais, a exercer o direito de acção contra o 
 pretenso pai apenas no caso de essa acção se afigurar viável ao juiz. A 
 intervenção do juiz para avaliar da viabilidade da acção judicial justifica-se 
 precisamente dentro da óptica de que, estando em causa direitos fundamentais, 
 tanto da criança como do investigado, se impõe que o Estado apenas possa exercer 
 o direito de acção de investigação, no caso de a lesão dos direitos do 
 investigado, consequente a esse exercício do direito de acção, se apresentar 
 justificado, dentro de um juízo objectivo e imparcial de ponderação dos meios de 
 prova recolhidos no processo. 
 
             Nesta perspectiva, não sendo o investigado sujeito do dever de 
 protecção às crianças, contemplado no art. 69º, n.º 1, da CRP, não sendo ele 
 parte no processo de averiguação e não estando vinculado à decisão de 
 viabilidade ou de não viabilidade da acção de investigação, não se verifica 
 situação que postule a aplicação do princípio da igualdade (art. 13º da CRP) 
 quanto às possibilidades de intervenção, de instrução do processo e de 
 conhecimento do que nele ocorre.
 
             Na verdade, o Tribunal Constitucional tem considerado, 
 reiteradamente, que o princípio da igualdade só é violado quando o legislador 
 trate diferentemente situações que são essencialmente iguais – o que, na 
 situação, não ocorre –, não proibindo diferenciações de tratamento quando estas 
 sejam materialmente fundadas (sobre o sentido do princípio da igualdade, cf., 
 por todos, o Acórdão n.º 232/2003, publicado no Diário da República I Série-A, 
 de 17 de Junho de 2003, e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 56º vol., p. 7).
 
             De qualquer modo, a exigência da prévia instauração do processo de 
 averiguação oficiosa e da intervenção do juiz para avaliar da viabilidade da 
 acção não deixam de assumir, deste modo, também uma função garantística dos 
 direitos do investigado. 
 
             E o mesmo se diga com o carácter secreto do processo, pois a 
 funcionalidade desta exigência é a de “evitar a ofensa ao pudor ou dignidade das 
 pessoas” (art. 203º, n.º 1, da OTM), entre as quais se contam, especialmente, a 
 mãe e o pretenso pai do menor. O segredo do processo visa acautelar que o 
 pretenso pai ou mãe fiquem o mais possível resguardados dos riscos e 
 inconvenientes que, seguramente, adviriam de uma plena acessibilidade e 
 divulgação dos elementos constantes do processo.
 
             É certo que o processo de averiguação oficiosa é também um 
 instrumento de conhecimento dos meios de prova que o Estado pode esgrimir na 
 acção de investigação. Mas, independentemente de a organização de um processo 
 escrito corresponder a um simples modo de o Estado poder exercer, adequadamente, 
 as suas atribuições, por agir através de estruturas orgânicas e por ser esse o 
 modo normal de comunicação das matérias que cabem na sua esfera de competência 
 entre as pessoas que as integram, seja, na cadeia hierárquica, seja, nos 
 diferentes momentos temporais, não se vê que o investigado fique numa posição 
 mais desfavorecida do que aquela que adviria da adopção, pelo legislador, de um 
 sistema de citação directa para acção, em que o Ministério Público pudesse 
 interpor a acção de investigação sempre que o entendesse, com base numa recolha 
 informal e incontrolada dos meios de prova a esgrimir em tribunal. 
 
             De resto, anote-se que, também, o investigado não deixa de ter 
 inteira liberdade na recolha e na não evidenciação, em momento anterior ao da 
 acção de investigação, dos meios de prova que poderá, aí, apresentar para 
 contraditar os respectivos fundamentos e de gozar da mesma possibilidade de 
 requerer, na acção de investigação, a produção de outros cuja obtenção não 
 esteja na sua inteira disponibilidade.
 
             Por fim, uma vez interposta a acção de investigação, as partes estão 
 sujeitas a um estatuto de rigorosa igualdade no que concerne à possibilidade de 
 oferecimento e utilização dos meios de prova admissíveis em direito, bem como de 
 exercício do direito de contraditório, seja dos fundamentos da acção, seja dos 
 meios de prova apresentados por cada uma delas.
 
             Não se verifica, assim, a violação das disposições constitucionais 
 invocadas ou de quaisquer outras.
 
  
 C – Decisão
 
  
 
             9 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional 
 decide negar provimento ao recurso.
 
             Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 UCs.
 Lisboa, 15 de Novembro de 2005
 Benjamim Rodrigues
 Paulo Mota Pinto
 Maria Fernanda Palma
 Mário José de Araújo Torres
 Rui Manuel Moura Ramos