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Processo n.º 717/05
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Mário Torres
 
  
 
  
 
  
 
                         Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal 
 Constitucional,
 
  
 
  
 
                         1. A. e mulher B. apresentaram, ao abrigo do n.º 4 do 
 artigo 76.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal 
 Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por 
 
 último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), reclamação contra o 
 despacho do Vice‑Presidente do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), de 5 de Julho 
 de 2005, de não admissão de recurso de constitucionalidade por eles interposto 
 contra o despacho da mesma entidade, de 17 de Junho de 2005, que indeferira 
 reclamação deduzida contra decisão do Desembargador Relator do Tribunal da 
 Relação do Porto que não admitira recurso de revista dos acórdãos daquela 
 Relação, de 24 de Janeiro de 2005 e de 4 de Abril de 2005.
 
                         Na reclamação endereçada ao Presidente do STJ, os 
 reclamantes haviam aduzido, além o mais, o seguinte:
 
  
 
             “Os ora reclamantes apresentaram o seu requerimento de recurso ao 
 abrigo do n.º 4 do artigo 678.° do Código de Processo Civil e, desde logo, 
 fundamentaram como passa a transcrever‑se:
 
             De acordo com aquela norma a admissibilidade deste recurso está 
 dependente da verificação de dois requisitos, ou seja:
 
             1 – Que o acórdão recorrido esteja em contradição com outro, de 
 outra ou dessa Relação, sobre a mesma questão fundamental de direito;
 
             2 – Que do Acórdão recorrido não caiba recurso por razão estranha à 
 alçada do Tribunal.
 
             Começando por este último por ser, em modesto entendimento, aquele 
 em relação ao qual verdadeiramente se poderá travar discussão sobre a 
 admissibilidade deste recurso, dir‑se‑á, desde logo, que não se concebe que a 
 este caso possa ser aplicada a regra da sucumbência prevista no n.º 1 daquele 
 artigo 678.° do CPC, porquanto não se crê que, estando preenchido o primeiro dos 
 alegados requisitos, o legislador tivesse excluído casos em que o que está em 
 questão não é um valor quantificável, mas um direito fundamental, como o é o 
 direito a uma habitação em condições necessárias à saúde e ao prolongamento da 
 vida quando já se tem cerca de 70 anos de idade, portanto, também, o direito à 
 integridade física das pessoas.
 
             Se espírito contrário se extrair daquela parte do preceito contido 
 naquele n.º 4 do citado artigo, então colocar‑se‑á a questão da 
 inconstitucionalidade dessa parte da mesma norma, por violação do princípio da 
 dignidade e da igualdade dos cidadãos perante a lei consagrados nos artigos 13.° 
 da nossa Constituição, bem como no n.º 1 do artigo 65.° e até do direito à 
 integridade pessoal (como neste caso se verifica) tutelado sobretudo pelos 
 artigos 16.° e 25.º, n.º 1, da mesma CRP, todos emergentes das CEDH e DUDH, 
 
 além de ser ofensiva do direito à tutela jurisdicional efectiva, prevista nos 
 n.ºs 4 e 5 do artigo 20.°, por não assegurar o acesso a um processo justo que 
 assegure a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça em situação de oposição 
 jurisprudencial dos Tribunais da Relação – preceitos que, por força do artigo 
 
 18.° daquela Lei Fundamental, são directamente aplicáveis e vinculativos do 
 próprio Estado.”
 
  
 
                         A reclamação foi indeferida por despacho do 
 Vice‑Presidente do STJ, de 17 de Junho de 2005, do seguinte teor:
 
  
 
             “I – Os autores A. e mulher, fundados em oposição de acórdãos, 
 interpuseram recurso de revista para este Supremo Tribunal de dois acórdãos 
 proferidos pelo Tribunal da Relação do Porto, um que, nos termos do artigo 
 
 713.º, n.º 5, do CPC, julgou improcedente a apelação, e outro que julgou 
 inverificada a arguida nulidade daquele primeiro acórdão.
 
             O Ex.mo Desembargador Relator proferiu despacho não admitindo o 
 recurso, por o valor não o permitir e também por não se verificar a invocada 
 oposição de acórdãos.
 
             Desse despacho reclamam os recorrentes sustentando, além do mais, 
 que ao caso dos autos não se pode aplicar a regra do n.º 1 do artigo 678.º do 
 CPC; outra interpretação implica a inconstitucionalidade do n.º 4 do artigo 
 
 678.º do CPC, na parte em que dispõe «… e do qual não caiba recurso ordinário 
 por razão estranha à alçada do tribunal …», por violação dos artigos 13.º, 16.º, 
 n.º 1, 20.º, n.ºs 4 e 5, 25.º, n.º 1, e 65.º da CRP. Acrescentam dizendo que 
 existe oposição de julgados.
 
             II – Cumpre apreciar e decidir.
 
             Os ora reclamantes, após a prolação do acórdão da Relação do Porto 
 proferido em 24 de Janeiro de 2005, vieram arguir a nulidade do mesmo, a qual 
 foi indeferida pelo acórdão de 4 de Abril de 2005.
 
             Após a notificação deste segundo acórdão, interpuseram recurso para 
 o Supremo Tribunal de Justiça de ambos os acórdãos.
 
             Sendo assim as coisas, impõe‑se averiguar se o primeiro acórdão já 
 transitou ou não em julgado.
 
             No Código de 1939, as partes não podiam servir‑se do recurso para 
 suprir directamente as nulidades de sentença; tinham que argui‑las perante o 
 tribunal que as cometera por meio de reclamação e só depois a decisão aí 
 proferida era passível de recurso.
 
             O Código actual abandonou esse regime, dispondo hoje o artigo 668.º, 
 n.º 3, do CPC que «as nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) só podem ser 
 arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso 
 ordinário; no caso contrário, o recurso pode ter como fundamento qualquer dessas 
 nulidades ...».
 
             Pretendeu‑se assim evitar o retardamento do trânsito em julgado; 
 daí, se a parte tiver arguido a nulidade do acórdão perante o tribunal que o 
 proferiu já não pode depois impugná‑lo pela via do recurso.
 
             Donde, a impugnação por esta via dever efectuar‑se no prazo de 10 
 dias a contar da notificação do acórdão a que se assaca uma nulidade.
 
             Prazo esse que, no respeitante ao acórdão proferido em 24 de Janeiro 
 de 2005, já se encontra ultrapassado.
 
             Assim sendo, o recurso ficou inviabilizado no momento em que os ora 
 reclamantes arguiram a nulidade do acórdão perante o tribunal que o proferiu.
 
             Vejamos agora se é admissível recurso do acórdão proferido em 4 de 
 Abril de 2005 ao abrigo do artigo 678.º, n.º 4, do CPC, como também pretendem 
 os reclamantes.
 
             No caso em apreço, estamos perante uma acção sumária e só as acções 
 ordinárias, ou seja, aquelas em que o valor da acção é superior à alçada da 
 Relação, € 14 963,94, permitem o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, o 
 que não é o caso dos presentes autos, face ao disposto no artigo 678.°, n.º 1, 
 do CPC.
 
             É apenas pela razão do valor da causa, e não por motivo estranho à 
 alçada do tribunal, que não é permitido o recurso ordinário. Consequentemente, 
 
 é inaplicável o disposto no n.º 4 do artigo 678.°, que exige que a 
 impossibilidade de recurso derive de motivo estranho à alçada do tribunal.
 
             E o acórdão recorrido é insusceptível de recurso ordinário por 
 motivo respeitante à alçada da Relação.
 
             Refira‑se que em situações semelhantes à constante dos autos é 
 admissível recurso para o STJ, quando o valor da causa ultrapasse a alçada da 
 Relação, de harmonia com o disposto no artigo 678.°, n.º 1, do CPC. Se neste 
 contexto for interposto recurso para o STJ possibilita‑se a este conhecer da 
 jurisprudência divergente, uniformizando‑a mesmo, se se revelar necessário ou 
 conveniente, de harmonia com o que se estabelece no artigo 732.º‑A do citado 
 Código.
 
             Tivesse o legislador outra intenção e seguramente referiria, na 
 parte inicial do artigo 678.°, n.º 4, do CPC, tal como fez na parte final do 
 n.º 2 do mesmo artigo, que o recurso era sempre admissível, independentemente do 
 valor da causa.
 
             Por outras palavras: poderá haver recurso quando a divergência 
 jurisprudencial surgir em causa semelhante que ultrapasse o valor da alçada da 
 Relação.
 
             E não se diga que nesta perspectiva não havia necessidade de 
 consagrar a norma excepcional do n.º 4 do artigo 678.°.
 
             É que há casos em que, pelo tipo ou natureza de processo, o recurso 
 para o Supremo é sempre inadmissível seja qual for o valor da causa.
 
             É para esses casos, que nunca viriam ao Supremo (e que portanto 
 nunca poderiam ser objecto de uniformização de jurisprudência), que surgiu, na 
 versão originária do actual CPC, a norma do anterior artigo 764.°, a que 
 corresponde, com modificações, o actual n.º 4 do artigo 678.° (vide Lopes 
 Cardoso, Código de Processo Civil Anotado, 3.ª edição, pág. 463, e, entre 
 outros, o Acórdão do STJ, de 11 de Outubro de 1979, Boletim do Ministério da 
 Justiça, n.º 290, pág. 309).
 
             Quanto à invocada inconstitucionalidade do artigo 678.º, n.º 4, do 
 CPC, cabe referir o seguinte: como o Tribunal Constitucional tem sustentado, a 
 Constituição não impõe que tenha de haver recurso de todos os actos do juiz, 
 como também não exige que se garanta sempre um segundo grau de jurisdição. Mais: 
 no âmbito do processo civil, o direito à tutela judicial efectiva, consagrado 
 no artigo 20.º da CRP, basta‑se, em princípio, com uma instância única (cfr., 
 entre outros, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 261/2002, de 18 de Junho 
 de 2002).
 
             Não se julga, assim, inconstitucional a norma do artigo 678.º, n.º 
 
 4, do CPC. No mesmo sentido, já se pronunciou o Tribunal Constitucional, no seu 
 Acórdão n.º 100/99, de 10 de Fevereiro de 1999.
 
             III – Pelo exposto, indefere-se a presente reclamação.”
 
  
 
                         Notificados deste despacho, os reclamantes vieram do 
 mesmo interpor recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do 
 n.º 1 do artigo 70.º da LTC, “para fiscalização da constitucionalidade da norma 
 contida naquele citado n.º 4 do artigo 678.º do Código de Processo Civil, na 
 parte em que dispõe «e do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à 
 alçada do tribunal»”.
 
                         Sobre esse requerimento recaiu o seguinte despacho, 
 datado de 5 de Julho de 2005, do Vice‑Presidente do STJ:
 
  
 
             “Recorrem os reclamantes A. e mulher B. para o Tribunal 
 Constitucional da decisão que indeferiu a reclamação do despacho que não admitiu 
 recurso de revista que interpuseram nos termos do artigo 678.°, n.º 4, do CPC. 
 
             Conforme decisões anteriores (reclamações 4670‑04‑6, 580‑A/05‑4, 
 
 1145‑05‑6, 11452‑05‑7 e 1370‑05‑2), temos entendido que a competência do 
 presidente do tribunal ad quem conferida pelo artigo 688.° do CPC, tal como 
 decorre desse dispositivo legal e dos princípios gerais que enformam o nosso 
 processo civil, limita‑se, e a isso se cinge rigorosamente, às questões da 
 admissibilidade dos recursos e do seu momento de subida.
 
             Exercendo tal competência, por alguns considerada inconstitucional 
 por se não tratar, em rigor, de actividade jurisdicional, não deve o presidente 
 observância a rígidos critérios legais, mas antes, em atitude prudencial, 
 avaliar, casuisticamente, sobre se a questão da admissibilidade ou da subida 
 imediata dos recursos deve ser apresentada e decidida pelo tribunal superior.
 
             É que as decisões do Presidente, quando favoráveis ao reclamante, 
 nunca são definitivas, cabendo, sempre, a última palavra à conferência no 
 tribunal superior (artigo 689.°, n.º 2, do CPC).
 
             Não tem, pois, cabimento suscitar‑se e pretender que se decidam, 
 pelo presidente do tribunal ad quem, no âmbito da competência que lhe confere o 
 referido artigo 688.°, outras questões para além das da admissibilidade ou do 
 momento de subida dos recursos.
 
             Daí que, uma vez que foi já proferida decisão de indeferimento da 
 reclamação contra o despacho que não admitiu o recurso do acórdão da Relação 
 que confirmou a sentença, nenhuma outra questão poderá, neste âmbito, 
 suscitar‑se, nomeadamente, e sem embargo do disposto na alínea b) do artigo 
 
 70.° da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, a da admissibilidade de recurso para o 
 Tribunal Constitucional.
 
             Na verdade, a resposta positiva à questão da admissibilidade ou da 
 subida imediata só se consolida após a conferência, no tribunal superior, que, 
 de forma explícita ou implícita, a confirmar.
 
             A resposta negativa tem, por sua vez, o efeito de consolidar a 
 decisão proferida no tribunal a quo que não admitiu (ou reteve) o recurso.
 
             Assim, a admissibilidade dos recursos agora interpostos para o 
 Tribunal Constitucional terá que ser apreciada no tribunal a quo e terá de sê‑lo 
 da decisão aí proferida de inadmissibilidade, pois só a partir do nosso 
 despacho  de indeferimento da reclamação aquela se consolidou.
 
             Nestes termos, não se conhece da questão da interposição do recurso 
 para o Tribunal Constitucional.”
 
  
 
                         É contra este despacho que vem deduzida a presente 
 reclamação, aduzindo os reclamantes o seguinte:
 
  
 
             “I – Os ora reclamantes apresentaram o seu requerimento de recurso 
 para a invocada fiscalização concreta da constitucionalidade da norma contida 
 naquele citado n.º 4 do artigo 678.° do Código de Processo Civil, na parte em 
 que dispõe «e do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada 
 do tribunal», como passa a transcrever‑se:
 
             1 – A questão da inconstitucionalidade da norma contida naquela 
 transcrita parte do n.º 4 do artigo 678.° do Código de Processo Civil foi 
 expressamente levantada pelos ora recorrentes durante o processo;
 
             2 – Tendo‑o feito no pedido de recurso para o Supremo Tribunal de 
 Justiça, apresentado no Tribunal da Relação do Porto, e reiterando‑o na 
 subsequente reclamação do douto despacho que não admitiu esse recurso;
 
             3 – E a douta decisão do Supremo Tribunal de Justiça, sobre a mesma 
 reclamação, julgou não ser aquela norma inconstitucional;
 
             4 – Como uma das rationes decidendi foi aplicada a norma jurídica 
 cuja inconstitucionalidade tinha sido invocada;
 
             5 – No caso sub judice está em questão o acesso à justiça na defesa 
 de um direito à habitação própria dos recorrentes, quando está judicialmente 
 assente tal necessidade motivada pela doença de ambos;
 
             6 – Estando em risco, como estão (pela falta de acesso à justiça que 
 lhe permita habitar a sua própria casa da qual, por razões de doença, tem 
 necessidade – conforme parte da própria decisão judicial recorrida), a saúde, a 
 integridade física e até a vida dos recorrentes, não poderá humanamente 
 colocar-se acima destes valores o valor da alçada de qualquer Tribunal, devendo 
 imperar o principio da dignidade dos cidadãos perante a lei;
 
             7 – Por outro lado, está em causa a ofensa de um direito à tutela 
 jurisdicional efectiva e princípios de equidade e de igualdade dos cidadãos 
 perante a lei por se tratar de recurso – nos termos da primeira parte da norma – 
 de um acórdão de Tribunal da Relação alegadamente em contradição com outro da 
 mesma Relação.
 
             8 – Tal como foi invocado no decurso do processo, estes direitos, 
 valores e princípios encontram‑se constitucionalmente consagrados, mormente, 
 nos artigos 13.°, 16.°, 18.°, 20.°, n.ºs 4 e 5, 25.°, n.º 1, e 65.°, n.º 1 [da 
 Constituição], e foram violados pela citada parte da norma contida no n.º 4 do 
 artigo 678.° do Código de Processo Civil, cuja inconstitucionalidade se 
 suscitou.
 
             9 – Os recorrentes têm legitimidade para recorrer, nos termos do 
 preceituado no artigo 72.° da Lei do Tribunal Constitucional.
 
             10 – Verifica-se a exaustão ou esgotamento dos recursos ordinários.
 
             II – A decisão ora reclamada vem na sequência de reclamação para o 
 Ex.mo Senhor Juiz Conselheiro Presidente do Venerando Supremo Tribunal de 
 Justiça, por não haver sido admitido recurso da Relação do Porto para o mesmo 
 Supremo Tribunal de Justiça.
 
             Encontram‑se preenchidos todos os requisitos previstos naquele 
 artigo 72.°, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional para o 
 conhecimento e admissibilidade do interposto recurso, cuja apreciação da sua 
 admissão, nos termos do n.º 1 do artigo 76.° da mesma Lei, competia ao Supremo 
 Tribunal de Justiça por ter sido quem proferiu a decisão recorrida.”
 
  
 
                         O representante do Ministério Público neste Tribunal 
 emitiu o seguinte parecer:
 
  
 
             “Nos termos do n.º 1 do artigo 76.º da Lei do Tribunal 
 Constitucional, compete ao autor da decisão recorrida proferir decisão liminar 
 sobre a admissibilidade do recurso de fiscalização concreta interposto: no caso 
 dos autos, a «decisão recorrida» é obviamente a proferida, em processo de 
 reclamação, pelo Ex.mo Conselheiro Presidente do STJ que julgou improcedente a 
 questão de constitucionalidade suscitada quanto à norma constante do n.º 4 do 
 artigo 678.º do CPC, pelo que lhe competia efectivamente apreciar da 
 admissibilidade do recurso endereçado ao Tribunal Constitucional, valorando da 
 existência dos respectivos pressupostos de admissibilidade, bem como do seu 
 carácter eventualmente «manifestamente infundado».
 
  
 
                         Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
                         2. As reclamações para o presidente do tribunal que 
 seria competente para conhecer do recurso, previstas no artigo 688.º do Código 
 de Processo Civil (CPC) como meios de impugnação dos despachos que não admitam 
 os recursos de apelação, de revista ou de agravo ou dos despachos que retenham o 
 recurso (correspondentes ao “recurso de queixa” que o artigo 689.º do CPC de 
 
 1939 estabelecia como forma de reacção contra os despachos de não admissão de 
 recursos e que pela reforma operada pelo Decreto n.º 38 387, de 8 de Agosto de 
 
 1951, passou a abarcar também os despachos de retenção dos agravos), quer sejam 
 estruturalmente qualificáveis como reclamação ou como recurso (cf. Armindo 
 Ribeiro Mendes, Recursos em Processo Civil, 2.ª edição, Lisboa, 1994, p. 134; o 
 artigo 70.º, n.º 3, da LTC equipara expressamente as reclamações para os 
 presidentes dos tribunais superiores a recursos ordinários, para efeitos de 
 verificação do requisito, específico dos recursos de constitucionalidade 
 previstos nas alínea b) e f) do n.º 1 do mesmo artigo, da prévia exaustão dos 
 recursos ordinários), culminam com a prolação de uma decisão judicial. Esta 
 natureza judicial da decisão da reclamação em nada é afectada pela 
 circunstância de, nos casos em que manda admitir ou subir imediatamente o 
 recurso, não vincular a formação de julgamento do recurso, que pode vir a 
 decidir em sentido contrário (n.º 2 do artigo 689.º do CPC).
 
                         Nessa decisão, o presidente do tribunal superior aprecia 
 a correcção jurídica dos fundamentos em que o despacho reclamado baseou a não 
 admissão ou a retenção do recurso e averigua, designadamente se esses 
 fundamentos forem julgados insubsistentes, a ocorrência de qualquer outro 
 fundamento para a não admissão ou a retenção do recurso. No desenvolvimento 
 dessa actividade jurisdicional, o presidente do tribunal superior deve, 
 relativamente às normas de direito ordinário susceptíveis de aplicação no caso, 
 apreciar as arguições de inconstitucionalidade que contra elas tenham sido 
 dirigidas pelas partes e recusar a aplicação das que considere infringirem o 
 disposto na Constituição ou os princípios nela consignados (artigo 204.º da 
 Constituição).
 
                         Tais decisões judiciais são susceptíveis de recurso para 
 o Tribunal Constitucional, desde que se verifique alguma das situações 
 elencadas nas diversas alíneas do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, e, 
 designadamente, se aplicarem, como ratio decidendi, norma cuja 
 inconstitucionalidade haja sido suscitada, durante o processo, pelo recorrente, 
 de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão 
 recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer (artigos 70.º, n.º 
 
 1, alínea b), e 72.º, n.º 2, da LTC).
 
                         Interposto recurso para o Tribunal Constitucional da 
 decisão do presidente do tribunal superior proferida no julgamento da reclamação 
 a ele endereçada, é a ele, como autor da decisão recorrida, que compete apreciar 
 a admissão do respectivo recurso, nos termos do n.º 1 do artigo 76.º da LTC. 
 Como refere Fernando Amâncio Ferreira (Manual dos Recursos em Processo Civil, 
 
 5.ª edição, Coimbra, 2004, p. 91): “Registe‑se (...) que a decisão do presidente 
 
 é passível de recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade, a ele 
 competindo, consequentemente, a apreciação do requerimento em que se 
 consubstancie a interposição desse recurso”. Comentando a alteração de 
 redacção do n.º 3 do artigo 689.º do CPC (que originalmente era: “O processo 
 baixa dentro de quarenta e oito horas, depois de ser proferida a decisão, para 
 ser incorporado no processo principal. Nesse processo, o juiz ou o relator 
 lavrará despacho em conformidade com a decisão superior”) operada pelo 
 Decreto‑Lei n.º 329‑A/95, de 12 de Dezembro (passando a ser seguinte: “As 
 partes são logo notificadas da decisão proferida na reclamação, baixando o 
 processo para ser incorporado na causa principal, e lavrando o juiz ou o relator 
 despacho em conformidade com a decisão superior”, Armindo Ribeiro Mendes (Os 
 Recursos no Código de Processo Civil Revisto, Lisboa, 1998, p. 41) sublinhou 
 que, com a explicitação do dever de imediata notificação do despacho que decide 
 a reclamação logo no tribunal superior se visou “eliminar dúvidas e 
 dificuldades práticas, nomeadamente quando se queira interpor recurso de 
 constitucionalidade daquela decisão”, acrescentando Carlos Francisco de Oliveira 
 Lopes do Rego (Comentários ao Código de Processo Civil, 2.ª ed., vol. I, 
 Lisboa, 2004, p. 580) que se teve em vista que “tal decisão poderá ser passível 
 de recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade, cujo requerimento 
 será necessariamente apreciado pelo autor da decisão recorrida: o presidente do 
 tribunal superior que a proferiu”.
 
                         Parece deduzir‑se da parte final do despacho ora 
 reclamado que o seu autor entendeu que, tendo a reclamação contra a não admissão 
 do recurso de revista sido indeferida, consolidando a decisão tomada pelo 
 Desembargador Relator do Tribunal da Relação do Porto, a admissibilidade do 
 recurso interposto para o Tribunal Constitucional tinha que ser apreciada no 
 Tribunal da Relação, reportada à decisão de não admissão do recurso de revista 
 aí proferida, decisão essa que se teria consolidado a partir do despacho do 
 Vice‑Presidente do STJ de indeferimento dessa reclamação. Por isso, o 
 Vice‑Presidente do STJ decidiu “não conhecer da questão da interposição do 
 recurso para o Tribunal Constitucional”.
 
                         Salvo o devido respeito, não se sufraga este 
 entendimento.
 
                         Desde logo, a decisão que julga a reclamação contra o 
 despacho de não admissão ou de retenção de recurso – quer a revogue, quer a 
 altere, quer a confirme – substitui a decisão reclamada e passa a ser a única 
 juridicamente relevante no processo. Mesmo que a reclamação seja indeferida e, 
 consequentemente, confirmada a decisão de não admissão ou de retenção do 
 recurso, essa não admissão ou retenção passa a fundar‑se no despacho do 
 presidente do tribunal superior, e não no despacho do juiz ou relator do 
 tribunal a quo, sendo até possível – como, aliás, aconteceu no presente caso – 
 que, embora conducentes à mesma solução, não exista coincidência entre os 
 fundamentos daquele e os fundamentos deste.
 
                         Mas, independentemente da adesão a esta construção, o 
 que para o efeito que ora nos ocupa é decisivo é que, no presente caso, os 
 recorrentes inequivocamente indicaram como objecto do recurso que pretendiam 
 interpor para o Tribunal Constitucional o despacho do Vice‑Presidente do STJ que 
 indeferiu a reclamação contra a não admissão do recurso de revista. Logo, era o 
 Vice‑Presidente do STJ (e não o Desembargador Relator do Tribunal da Relação do 
 Porto), como autor da decisão recorrida, o competente para apreciar a admissão 
 do respectivo recurso, como claramente resulta do n.º 1 do artigo 76.º da LTC.
 
  
 
                         3. A decisão de não conhecer da admissibilidade do 
 recurso de constitucionalidade, por alegada incompetência, é equivalente a uma 
 decisão de não admissão desse recurso, para efeitos dos artigos 76.º, n.º 4, e 
 
 77.º da LTC.
 
                         Resulta do n.º 4 deste artigo 77.º, enquanto determina 
 que a decisão do Tribunal Constitucional que revogue o despacho de 
 indeferimento do requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade 
 faz caso julgado quanto à admissibilidade do recurso, que o Tribunal 
 Constitucional, caso julgue insubsistentes os fundamentos invocados nesse 
 despacho, deverá apurar se não se evidencia a ocorrência de outra causa de 
 inadmissibilidade.
 
                         No presente caso, resulta do precedente relatório que os 
 reclamantes, na reclamação endereçada ao Presidente do STJ, suscitaram a 
 questão da inconstitucionalidade da norma do n.º 4 do artigo 678.º do CPC 
 enquanto impede o recurso do acórdão da Relação por oposição de julgado se o 
 motivo pelo qual não cabe recurso ordinário desse acórdão for um motivo ligado à 
 alçada do tribunal. E fizeram‑no de modo processualmente adequado perante o 
 
 órgão jurisdicional que proferiu a decisão recorrida, em termos de este ficar 
 obrigado a dela conhecer, como efectivamente conheceu, embora não acolhendo a 
 tese dos recorrentes. Por outro lado, relativamente à não admissão do recurso 
 interposto do acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 4 de Abril de 2005 (o 
 recurso interposto do acórdão de 24 de Janeiro de 2005 foi julgado inadmissível 
 por se entender que tal acórdão já transitara em julgado, e não por razões 
 ligadas ao valor da causa e à inexistência de oposição de julgados, como aduzira 
 o relator na Relação), a aplicação da questionada dimensão normativa constituiu 
 a (única) ratio decidendi do indeferimento da reclamação, já que o despacho do 
 Vice‑Presidente do STJ não assumiu o segundo fundamento do despacho então 
 reclamado: a inexistência de oposição de julgados.
 
                         Neste contexto, não existiria, à partida, obstáculo à 
 admissão do recurso de constitucionalidade interposto.
 
  
 
                         4. Acontece, porém, que o n.º 2 do artigo 76.º da LTC 
 não apenas determina que o autor da decisão recorrida indefira o requerimento de 
 interposição de recurso para o Tribunal Constitucional nos casos de 
 inadmissibilidade ou extemporaneidade do recurso, ilegitimidade do recorrente e 
 falta não suprida dos requisitos legalmente exigidos desse requerimento, mas 
 também que o faça quando, tratando‑se de recurso previsto nas alíneas b) e f) do 
 n.º 1 do artigo 70.º da LTC, forem manifestamente infundados.
 
                         Ora, pelo Acórdão n.º 238/2002, o Tribunal 
 Constitucional confirmou decisão sumária do relator que julgara improcedente o 
 recurso por considerar manifestamente infundada a questão de 
 inconstitucionalidade aí suscitada, que era justamente a da 
 inconstitucionalidade da norma do artigo 678.º, n.º 4, do CPC, “interpretada no 
 sentido de que ela não consente o recurso para uniformização de jurisprudência 
 quando o valor da acção não excede a alçada da relação”, questão essa que já 
 havia sido apreciada e julgada improcedente no Acórdão n.º 100/99, tal como 
 acontecera com norma semelhante (artigo 764.º do CPC, na redacção anterior à 
 reforma de 1995/1996) nos Acórdãos n.ºs 275/94 e 239/97.
 
                         No citado Acórdão n.º 100/99 expendeu o Tribunal 
 Constitucional:
 
  
 
 “III – 1 – Comanda a norma sub iudicio:
 
             
 
 «4 – É sempre admissível recurso, a processar nos termos dos artigos 732.º‑A e 
 
 732.º‑B, do acórdão da Relação que esteja em contradição com outro, dessa ou de 
 diferente Relação, sobre a mesma questão fundamental de direito e do qual não 
 caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal, salvo se a 
 orientação nele perfilhada estiver de acordo com a jurisprudência já 
 anteriormente fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça.»
 
  
 
             Note‑se que o recurso a que se reporta o transcrito normativo é uma 
 forma de recurso ordinário (cfr. n.º 2 do art.º 676.º do Código de Processo 
 Civil) denominado julgamento ampliado da revista e visa assegurar a 
 uniformidade da jurisprudência, nele intervindo o plenário das secções cíveis 
 do Supremo Tribunal de Justiça.
 
             Ao tempo da versão do Código de Processo Civil anterior à redacção 
 emergente dos Decretos‑Leis n.ºs 329‑A/95 e 180/96, o seu artigo 764.º estatuía 
 que era também admissível recurso para o Supremo, funcionando em tribunal 
 pleno, se o tribunal da Relação proferisse um acórdão que estivesse em oposição 
 com outro, dessa ou de diferente Relação, sobre a mesma questão fundamental de 
 direito e dele não fosse admitido recurso de revista ou de agravo por motivo 
 estranho à alçada do tribunal.
 Esse artigo, que surgiu de uma proposta aprovada por maioria pela Comissão 
 encarregue de rever o Código de Processo Civil de 1939 (cfr., sobre o ponto, 
 Jacinto Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, vol. III, 1972, pp. 
 
 413 e 414; Eurico Lopes Cardoso, Código de Processo Civil Anotado, 4.ª edição 
 
 1972, pp. 413 e 414; Antunes Varela, Revista de Legislação e de Jurisprudência, 
 ano 116.º, p. 93 e seguintes; e Armindo Ribeiro Mendes, Recursos em Processo 
 Civil, 2.ª edição, pp. 288 e 289), pretendeu permitir criar uma forma de se 
 alcançar a emissão, pelo Supremo Tribunal de Justiça, de um «assento», 
 constitutivo de jurisprudência obrigatória, para os casos em que, quer a 
 matéria, quer a natureza do processo, nunca admitiam o recurso para o mais 
 elevado tribunal da ordem dos tribunais judiciais – e, por isso, não seria 
 possível o acesso ao disposto no artigo 763.º – mas em que se assistia à 
 prolação, pela mesma ou por diferente Relação, de decisões opostas sobre a mesma 
 questão fundamental de direito.
 Em consequência, pode dizer‑se que a razão de ser do inciso não for admitido 
 recurso de revista ou de agravo por motivo estranho à alçada do tribunal 
 constante do artigo 764.º do Código de Processo Civil (redacção anterior à 
 conferida pelos Decretos‑Leis n.ºs 329‑A/95 e 180/96) e do inciso do qual não 
 caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal constante do 
 n.º 4 do artigo 678.º da actual redacção daquele corpo de leis, comporta as  
 seguintes situações:
 
 – se determinada acção, pela sua natureza ou matéria, pode, em abstracto, 
 admitir recurso até ao Supremo Tribunal de Justiça independentemente do valor, 
 sempre será possível, num determinado caso concreto, a obtenção de uma decisão 
 desse Alto Tribunal;
 
 – todavia, os recursos ordinários, em princípio, interligam‑se com o valor da 
 causa e, assim, nestes casos, se uma dada acção apresentar um valor inferior ao 
 da alçada da relação (o de Esc. 2 000 000$00 ao tempo da decisão ora sob censura 
 
 – cfr. artigo 20.º da Lei n.º 38/87, de 23 de Dezembro, denominada Lei Orgânica 
 dos Tribunais Judiciais –), porque não é possível o recurso até ao Supremo 
 Tribunal de Justiça, também não se abrirá a via do recurso para uniformização 
 de jurisprudência (como identicamente se não mostrava possível, no domínio do 
 Código de Processo Civil antes das alterações de 1995/1996, obter uma decisão do 
 Supremo que estivesse em oposição com outra por ele tomada e que, assim, 
 poderia desencadear o recurso para o tribunal pleno). No entanto, se, nesses 
 casos, o valor da acção exceder a alçada da relação, claro é que se torna 
 possível a obtenção de aresto por banda do Supremo Tribunal de Justiça, o qual, 
 se estiver em contradição com outro anteriormente lavrado sobre a mesma questão 
 fundamental de direito, pode abrir a via do julgamento alargado da revista (ou 
 podia abrir a via do recurso para o tribunal pleno na já assinalada versão do 
 Código de Processo Civil);
 
 – para os casos em que a matéria ou a natureza das causas (e já não a forma de 
 processo decorrente directamente do respectivo valor) nunca admita recurso até 
 ao Supremo Tribunal de Justiça, porque não é possível a obtenção por banda deste 
 de uma decisão e, consequentemente, não se figura que haja oposição entre 
 arestos deste elevado órgão judiciário sobre a mesma questão fundamental de 
 direito, o legislador, ponderando que importava, para esses casos, obviar à 
 subsistência de decisões contraditórias quanto a tal questão tomadas pela mesma 
 ou por diferente Relação, que funcionavam, nos aludidos casos, como o órgão 
 judiciário de maior hierarquia, entendeu que se justificava que o mencionado 
 Supremo Tribunal se debruçasse sobre a questão, vindo a tomar uma decisão 
 constitutiva de uniformização de jurisprudência (ou, no domínio do Código de 
 Processo Civil anterior à redacção de 1995/1996, de jurisprudência 
 obrigatória).
 
  
 
 2 – Segundo os recorrentes, a norma do n.º 4 do artigo 678.º da vigente versão 
 do Código de Processo Civil, no segmento ora em apreciação, seria feridente da 
 Constituição, pois que ofenderia os princípios que defluem dos seus artigos 
 
 13.º, n.º 1, 20.º e 62.º.
 Começando pela análise da pretensa ofensa do artigo 20.º da Lei Fundamental, 
 torna‑se claro que em causa unicamente poderá estar o seu n.º 1, na parte em que 
 nele se estatui que [a] todos é assegurado o acesso ... aos tribunais para 
 defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos.
 
 2.1. Na óptica deste Tribunal, não se divisa que o segmento normativo em apreço 
 viole o direito fundamental da tutela jurisdicional efectiva consagrado no n.º 
 
 1 do artigo 20.º da Constituição.
 Na verdade, tal segmento, de todo em todo, não impede, minimamente que seja, que 
 os cidadãos exerçam, quer o seu direito de acção, quer o direito ao processo, 
 quer o direito a uma decisão judicial sem dilações indevidas, quer o direito a 
 um processo justo baseado nos princípios da prioridade e da sumariedade (cfr. 
 Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 
 
 3.ª edição, p. 163, sobre aquilo que se inclui no direito de acesso aos 
 tribunais).
 Questão conexionada ainda com o direito de acesso aos tribunais é a de saber se 
 e em que medida nele se integra o denominado direito a um duplo grau de 
 jurisdição.
 Não estando aqui em causa matéria de índole penal (sobre a qual este Tribunal, 
 desde há muito, tem defendido que, nos casos das sentenças penais condenatórias, 
 deverá haver direito ao recurso – não por via do direito de acesso aos 
 tribunais, mas sim como o asseguramento das garantias de defesa que o processo 
 criminal deve comportar – cfr., hoje, a redacção consagrada no artigo 32.º, n.º 
 
 1, da Constituição, após a Revisão Constitucional operada pela Lei 
 Constitucional n.º 1/97, de 20 de Setembro, e, a este propósito, os Acórdãos 
 deste Tribunal n.ºs 299/98 e 300/98, ainda inéditos), há que convir que o 
 segmento normativo sub iudicio, de todo o modo, nem sequer ele próprio 
 obstacula ao exercício de um direito à obtenção de uma decisão judicial em 
 segundo grau.
 E, mesmo para quem defenda que, estando em jogo direitos fundamentais ou 
 análogos (como, verbi gratia, o direito de propriedade privada ou o direito de 
 livre iniciativa económica privada), do n.º 1 do artigo 20.º da Constituição 
 deflui um direito de duplo grau de jurisdição, ainda assim a norma em análise 
 não é impeditiva do respectivo exercício, como, aliás, sucedeu no caso dos 
 autos, em que os ora recorrentes puderam censurar a decisão tomada pelo tribunal 
 de 1.ª instância.
 
 2.2. O Tribunal Constitucional tem, desde sempre, tido uma jurisprudência firme 
 de harmonia com a qual (e ressalvada a matéria tocante às sentenças penais 
 condenatórias, nos termos acima aflorados) o legislador ordinário tem liberdade 
 para alterar as regras sobre a recorribilidade das decisões judiciais, aí se 
 incluindo a consagração, ou não, da existência dos recursos, conquanto, como 
 tem sustentado parte da doutrina (cfr. Armindo Ribeiro Mendes, ob. cit., pp. 101 
 e 102), não suprima em bloco ou limite de tal sorte o direito de recorrer de 
 modo a, na prática, inviabilizar a totalidade ou grande maioria das impugnações 
 das decisões judiciais, ou, ainda, que proceda a uma intolerável e arbitrária 
 redução do direito ao recurso, e isso tendo em conta a previsão da existência, 
 no Diploma Básico, de tribunais de 1.ª instância e de recurso (cfr., por 
 exemplo, os Acórdãos deste Tribunal n.ºs 287/90, in Diário da República, II 
 Série, de 20 de Fevereiro de 1991, 502/96, idem, idem, de 27 de Fevereiro de 
 
 1997, 237/97, idem, idem, de 14 de Maio de 1997, e 239/97, idem, idem, de 15 de 
 Maio de 1997; cfr., também, Carlos Lopes do Rego, em Estudos sobre a 
 Jurisprudência do Tribunal Constitucional, pp. 43 e seguintes, maxime, pp. 80 e 
 segs.).
 Na sequência deste posicionamento, há que concluir no vertente caso que o 
 segmento da norma in specie, ao determinar a inadmissibilidade do julgamento 
 alargado da revista quando haja oposição entre dois acórdãos da mesma ou de 
 diferente relação sobre a mesma questão fundamental de direito nos casos em que 
 não possa caber recurso ordinário por motivo de alçada, não é ofensivo do 
 direito (ou da corte de direitos) consagrado(a) no n.º 1 do artigo 20.º da 
 Constituição.
 
  
 
 3. Como se viu, os recorrentes sustentam também que aquele segmento é violador 
 do artigo 13.º da Lei Fundamental.
 Em casos em tudo idênticos ao tratado nos presentes autos, mas reportado à 
 norma do artigo 764.º do Código de Processo Civil na versão anterior à redacção 
 emergente dos Decretos‑Leis n.ºs 329‑A/95 e 180/96, teve já este órgão de 
 fiscalização concentrada da constitucionalidade normativa ocasião de se 
 debruçar, na perspectiva de uma eventual contraditoriedade com o princípio da 
 igualdade.
 Fê‑lo nos seus Acórdãos n.ºs 275/94 (ainda inédito) e 239/97 (já acima citado).
 Respiga‑se, deste último, o seguinte passo, totalmente aplicável à situação de 
 que nos ocupamos:
 
  
 
 «A existência de limitações de recorribilidade, designadamente através do 
 estabelecimento de alçadas (de limites de valor até ao qual um determinado 
 tribunal decide sem recurso), funciona como mecanismo de racionalização do 
 sistema judiciário, permitindo que o acesso à justiça não seja, na prática, 
 posto em causa pelo colapso do sistema, decorrente da chegada de todas (ou da 
 esmagadora maioria) das acções aos diversos ‘patamares’ de recurso.
 Na situação aqui em causa, do que se trata, essencialmente, é do funcionamento 
 da regra das alçadas: as acções que nunca chegariam ao Supremo Tribunal, e 
 consequentemente ao pleno, por não disporem de alçada, são subtraídas – ou dito 
 de outra forma, não são abrangidas – pela legitimação especial de recurso 
 contida no artigo 764.º.
 Ora, sendo certo que as alçadas, bem como todos os mecanismos de ‘filtragem’ de 
 recursos, originam desigualdades (partes há que podem recorrer e outras não), 
 estas não se configuram como discriminatórias, já que todas as acções contidas 
 no espaço de determinada alçada são, em matéria de recurso, tratadas da mesma 
 forma.
 Significa isto que a regra básica de igualdade, traduzida numa exigência de 
 tratamento igual do que é igual e diferente do que é diferente, proibindo, 
 designadamente, a chamada ‘discriminação intolerável’..., não é afectada pelo 
 específico aspecto do recurso para o pleno dos acórdãos da Relação, questionado 
 pelo recorrente (...).»
 
  
 E, do segundo, convém transcrever o seguinte:
 
  
 
 «Segundo os recorrentes, a norma aqui em causa possibilita a existência de uma 
 diversidade de soluções jurisprudenciais. Mas, quanto a isto, cabe observar que 
 tal diversidade não é um aspecto peculiar decorrente do artigo 764.º do CPC, 
 mas sim uma característica geral de todo o nosso regime de recursos. Em geral, 
 consoante o valor da causa, nuns casos a decisão pode ser reapreciada, e noutros 
 não pode. Não haverá, porém, violação do princípio da igualdade, se estas 
 diferenças de tratamento tiverem justificação, à luz do critério exposto.
 E tal justificação existe, quer no regime geral dos recursos, como vimos, quer 
 no caso particular do recurso deste artigo 764.º. Pois, também aqui, a norma que 
 condiciona o recurso com fundamento em oposição de julgados trata por igual 
 todas as partes nos processos cujo valor é igual, sendo certo que a distinção 
 por ela estabelecida assenta no valor económico do pedido e não na situação 
 económica do recorrente.» 
 
  
 Adite‑se que, para além das considerações efectuadas nos dois arestos de que 
 parte se transcreveu, tem justificação bastante e, por isso, se não configura 
 como arbitrária ou irrazoável, uma prescrição tal como a que é levada a efeito 
 no segmento normativo em apreciação, se ponderarmos que, em acções em que se 
 possa levantar questão idêntica à suscitada nos presentes autos e cujo valor 
 permita o recurso até ao Supremo Tribunal de Justiça, é perfeitamente possível 
 a obtenção de acórdão por parte desse órgão de administração de justiça e que, 
 se porventura vier a estar em oposição com outro, permite, nessa eventualidade, 
 que se lance mão do julgamento ampliado da revista que, assim, irá criar uma 
 uniformidade jurisprudencial. Deste modo se alcançará uma racionalização do 
 sistema judiciário e se evitará que toda e qualquer questão que seja 
 diversamente decidida pelas relações, em casos em que o valor das causas não 
 permite o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, se veja submetida a este, 
 quando é previsível que, numa outra acção, de valor tal que permita o acesso ao 
 mesmo Supremo, este se venha a pronunciar.
 Não se vá ainda sem dizer que, como se pode ler em Armindo Ribeiro Mendes (ob. 
 cit., p. 100, nota 1), «[a] garantia do duplo grau de jurisdição não se acha, 
 assim, consagrada na Declaração Universal de 1948 nem para o processo civil, nem 
 para o processo penal (cfr. artigo 11.º)», que, no Pacto Internacional sobre os 
 Direitos Civis e Políticos de 1976 se estabelece «a garantia do duplo grau de 
 jurisdição apenas em processo penal, quanto às sentenças condenatórias (artigo 
 
 14.º, n.º 5)» e que na Convenção Europeia dos Direitos do Homem «não se prevê 
 ainda a garantia do duplo grau de jurisdição (cfr. artigo 6.º, n.º 1)», a qual 
 tão‑só se surpreende no Protocolo n.º 7 a tal Convenção, mas unicamente em 
 relação a qualquer pessoa declarada culpada de uma infracção penal.”
 
  
 
                         À fundamentação desenvolvida no Acórdão n.º 100/99, 
 aditou o Acórdão n.º 238/2002 a reiteração do que, a propósito da então alegada 
 violação do princípio da segurança jurídica, se consignara na decisão sumária 
 por esse Acórdão confirmada, a saber:
 
  
 
 “Quanto à violação do princípio da segurança jurídica:
 
             Considera‑se o princípio da segurança jurídica (ao lado do princípio 
 da protecção da confiança) como um dos elementos constitutivos do Estado de 
 direito (cfr. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da 
 Constituição, p. 250).
 
             De acordo com o ensinamento do autor citado, entende‑se com uma das 
 refracções mais importantes daquele princípio, «relativamente a actos 
 jurisdicionais», a inalterabilidade do caso julgado (ob. e p. cit.). E diz mais 
 adiante (p. 257) o mesmo autor: «É diferente falar em segurança jurídica quando 
 se trata de caso julgado e em segurança jurídica quando está em causa a 
 uniformidade ou estabilidade da jurisprudência. Sob o ponto de vista do cidadão, 
 não existe um direito à manutenção da jurisprudência dos tribunais (...)» 
 
 (sublinhado nosso).
 
             Não se discute as vantagens de um mecanismo processual (um meio 
 processual) que permita a uniformização da jurisprudência. E a essa vantagens 
 foi sensível o legislador ao prever o recurso por oposição de julgados.
 
             Coisa diversa é, porém, a de saber se a Constituição vincula o 
 legislador a consagrar, para todos os casos, e independentemente do valor 
 económico dos pedidos, um tal recurso.
 
             Ora, sendo jurisprudência pacífica deste Tribunal que o legislador 
 ordinário goza de uma considerável margem de liberdade de conformação no 
 estabelecimento de meios recursórios, não garantindo sequer a Constituição, em 
 matéria não penal, um duplo grau de jurisdição (e o recorrente, no caso, até 
 deste usufruiu), só aquela hipotética vinculação constitucional poderia impedir 
 a limitação do recurso para uniformização de jurisprudência, com fundamento na 
 irrecorribilidade da decisão por o valor da acção em causa não exceder a alçada 
 da Relação.
 
             Mas a verdade é que se não vê na Constituição a consagração de um 
 direito dos cidadãos à manutenção ou permanência da jurisprudência, 
 funcionando sempre o resultado de um determinado litígio – ainda que haja uma 
 jurisprudência dominante ou pacífica sobre o caso – como um risco para os 
 litigantes, acrescido pela limitação, constitucionalmente admissível, dos graus 
 de recurso em função do valor da acção.
 
             Não se verificam, pois as apontadas inconstitucionalidades.”
 
  
 
                         Mais recentemente, o Acórdão n.º 93/2005, desta 2.ª 
 Secção, confirmou decisão sumária do Relator que não julgara inconstitucional a 
 norma do n.º 4 do artigo 678.º do CPC, na mesma dimensão questionada no presente 
 recurso.
 
                         Refira‑se ainda que, mesmo admitindo estar em causa no 
 litígio um direito fundamental (designadamente, o direito à habitação), tal 
 apenas poderia justificar constitucionalmente a previsão de um duplo grau de 
 jurisdição – direito que, no presente caso, já foi assegurado aos recorrentes 
 mediante o recurso de apelação que interpuseram para o Tribunal da Relação do 
 Porto –, mas nunca de um terceiro grau de jurisdição (com a admissão do recurso 
 de revista).
 
                         Neste contexto, a questão de constitucionalidade que os 
 recorrentes pretendiam ver apreciada surge como manifestamente infundada, o que 
 constitui fundamento para o indeferimento do requerimento de interposição de 
 recurso para o Tribunal Constitucional (artigo 76.º, n.º 2, in fine, da LTC).
 
  
 
                         5. Em face do exposto, acordam em indeferir a presente 
 reclamação, embora por fundamento diverso do do despacho reclamado.
 
                         Custas pelos reclamantes, fixando‑se a taxa de justiça 
 em 20 (vinte) unidades de conta.
 
  
 Lisboa, 28 de Setembro de 2005
 
  
 Mário José de Araújo Torres
 Paulo Mota Pinto
 Rui Manuel Moura Ramos