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Processo n.º 740/04
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto
 
  
 
  
 
  
 Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
  
 
  
 I. Relatório
 
 1.Em 30 de Julho de 1999 A., melhor identificada nos autos, interpôs, no 
 Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, recurso contencioso do acto do 
 Conselho Directivo do Centro Regional de Segurança Social de Lisboa e Vale do 
 Tejo que negou provimento ao recurso hierárquico relativo ao requerimento de 
 prestação de subsídio de desemprego, com fundamento no artigo 33.º do 
 Decreto-Lei n.º 79-A/89, de 13 de Março, que veda a acumulação das prestações 
 
 “com outras prestações compensatórias de perda de remuneração de trabalho”.
 Por decisão de 28 de Outubro de 2002 do Tribunal Administrativo do Círculo de 
 Lisboa, foi concedido provimento ao recurso e anulado o acto recorrido com 
 fundamento em que a “pensão auferida pela recorrente não integra situação 
 prestativa que impeça a cumulação, regulada no citado art.º 33.º do Decreto-Lei 
 
 79‑A/89”.
 O Conselho Directivo do Instituto de Solidariedade e Segurança Social, que tomou 
 o lugar da anterior entidade recorrida, apresentou recurso de tal decisão, 
 defendendo que a pensão já paga à então recorrida, “ao abrigo do Decreto-Lei n.º 
 
 362/78 [de 28 de Novembro], decorrente das funções que exerceu na 
 ex-Administração Pública Ultramarina”, se incluía “no conceito de outras 
 prestações compensatórias da perda de remuneração do trabalho´´, dada a sua 
 natureza compensatória da falta de remuneração inerente ao exercício das funções 
 de agente da administração, no caso em apreço da extinta administração 
 ultramarina”, sendo que, em qualquer caso, “a requerente apresentou o 
 requerimento das prestações de desemprego fora do prazo previsto pelo n.º 2 do 
 artigo 37.º do Decreto-Lei n.º 79-A/89, de 13 de Março, facto que desde logo 
 levaria ao indeferimento da pretensão, uma vez que a situação ocorreu em Abril 
 de 1993 e só em Maio de 1998 vem requerer a concessão da pretensão em causa”.
 A recorrida não apresentou contra-alegações neste recurso, a que, por acórdão de 
 
 11 de Maio de 2004, o Supremo Tribunal Administrativo deliberou conceder 
 provimento, revogando a sentença recorrida, com a fundamentação do acórdão do 
 mesmo Tribunal de 19 de Fevereiro de 2002, por “ser o mais recente” da 
 
 “orientação que se veio a firmar neste STA”.
 
 2.Insatisfeita, a recorrente (que fora recorrida perante o Supremo Tribunal 
 Administrativo) trouxe recurso para este Tribunal ao abrigo da alínea b) do n.º 
 
 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal 
 Constitucional (Lei do Tribunal Constitucional), com vista a obter a apreciação 
 da conformidade constitucional do artigo 33.º do Decreto-Lei n.º 79-A/89, de 13 
 de Março, “interpretado no sentido de impedir a acumulação do subsídio de 
 desemprego com a pensão atribuída no âmbito do Decreto-Lei n.º 362/78, de 28 de 
 Novembro, aos ex-funcionários ultramarinos, por violação do Princípio da 
 Igualdade consagrado no art.º 13.º da CRP”, acrescentando que a 
 
 “inconstitucionalidade deste entendimento foi suscitada desde logo na petição 
 inicial de recurso, bem como na própria decisão da 1.ª instância”.
 Neste Tribunal foi determinada a produção de alegações, mas, após a junção 
 destas (com multa), foi proferido pelo relator o seguinte despacho:
 
 “Notifique a recorrente para, querendo, se pronunciar, no prazo de 10 (dez) 
 dias, sobre a eventualidade de se não vir a poder tomar conhecimento do recurso 
 de constitucionalidade interposto, por não ter sido suscitada, durante o 
 processo (ou seja, perante o tribunal a quo) a inconstitucionalidade da norma 
 que pretende ver apreciada.”
 Em resposta, a recorrente veio dizer que “desde o início e em todos os seus 
 articulados (…) de forma inequívoca conclui pela inconstitucionalidade da norma 
 em crise.”
 Cumpre agora apreciar e decidir, começando pela possibilidade de conhecer do 
 recurso.
 II. Fundamentos
 
 3.Como se sabe, o recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 
 
 70.º da Lei do Tribunal Constitucional depende da verificação de vários 
 requisitos, quer comuns a todos os recursos de constitucionalidade, quer 
 específicos de tal modalidade de recurso. Entre estes últimos avulta a obrigação 
 de suscitar a questão de constitucionalidade normativa durante o processo, isto 
 
 é, e nos termos do artigo 72.º ,n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional, de 
 levantar “a questão da inconstitucionalidade (…) de modo processualmente 
 adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este 
 estar obrigado a dela conhecer”.
 O entendimento do que seja suscitar tal questão durante o processo, repetido em 
 orientação constante do Tribunal Constitucional, remonta já aos primórdios da 
 jurisprudência constitucional, e foi assim formulado no Acórdão n.º 90/85 
 
 (publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 5.º vol., págs. 663‑672):
 
 «(…)
 II. – 1 – Como emerge do precedente relato, a questão fundamental a decidir na 
 presente reclamação consiste em saber se a invocação da inconstitucionalidade de 
 uma norma feita em pedido de aclaração ou em reclamação por nulidades de uma 
 decisão judicial preenche o requisito de admissibilidade de recurso para o 
 Tribunal Constitucional estabelecido na alínea b) do n.º 1 do art.º 280.º da 
 Constituição da República e reproduzido em idêntica alínea do n.º 1 do art.º 
 
 70.º da Lei n.º 28/82. Tal requisito ou pressuposto é o de que a 
 inconstitucionalidade “haja sido suscitada durante o processo”.
 Efectivamente, não está posto em causa que a ora reclamante, só no requerimento 
 solicitando a aclaração do Acórdão da Relação de Évora de 29-3 do ano transacto, 
 e reclamando contra as eventuais nulidades desse aresto, suscitou as questões de 
 constitucionalidade que pretende ver apreciadas. Tanto é assim – como se afirma 
 no douto despacho reclamado – que a própria reclamante implicitamente o 
 confessa, ao deduzir a reclamação em apreço, quando se limita a sustentar que, 
 suscitadas tais questões no dito requerimento, preenchido ficou o requisito 
 legal (e constitucional) antes referido. Não há, pois, senão que apreciar este 
 ponto de direito.
 
 2 – Ora, sobre ele já o Tribunal Constitucional tomou posição noutras 
 oportunidades, e num sentido que, em síntese, se pode reconduzir a esta ideia 
 fundamental: requisito ou pressuposto do recurso em apreço é, pelo menos em 
 geral, o de que a questão da inconstitucionalidade haja sido suscitada antes de 
 esgotado o poder jurisdicional do juiz sobre a matéria em causa. Ou mais 
 rigorosamente: antes de esgotado o poder jurisdicional sobre a matéria a que tal 
 questão de constitucionalidade respeita.
 Foi assim que, no recente Ac. 62/85, de 10-4 (ainda não publicado), e por esta 
 mesma Secção, o Tribunal decidiu que “o pedido de aclaração de uma decisão 
 judicial da qual já não cabe recurso ordinário é meio inidóneo para se suscitar 
 ex novo uma questão de inconstitucionalidade, para o efeito de se poder vir a 
 usar do recurso previsto na al. b) do n.º 1 do art.º 280.º da CRP”. É que, 
 esgotando-se o poder jurisdicional com a prolação da sentença, nos termos do 
 art.º 666.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, “não se pode fazer apelo”, 
 continua-se no referido acórdão, “ao preceituado no n.º 2 do mesmo artigo, na 
 medida em que a eventual aplicação de uma norma inconstitucional não constitui, 
 obviamente, um erro material, não é causa de nulidade da decisão judicial, nem 
 torna esta obscura ou ambígua”.
 E se, no atrás citado Ac. 3/83, invocado pelo Ministério Público, o Tribunal 
 julgou aparentemente de forma diversa, na realidade não o fez. Antes e apenas se 
 entendeu, no caso, que a inconstitucionalidade invocada – respeitando a norma 
 sobre a competência do tribunal a quo e implicando, se procedente, a 
 incompetência absoluta deste último – era relativa a questão que, por força do 
 disposto no art.º 102.º do CPC, podia suscitar-se, e de que devia conhecer-se, 
 em qualquer estado do processo, até haver sentença com trânsito em julgado. Ou 
 seja: respeitava a matéria relativamente à qual o poder de jurisdição do 
 tribunal a quo justamente se não esgotara – em excepção ao que se dispõe no 
 art.º 666.º do CPC – com a emissão de sentença.
 A orientação interpretativa assim definida afigura-se inquestionável. Dir‑se-á 
 que ela decorre da própria natureza de que se reveste a intervenção do Tribunal 
 Constitucional no controle concreto da constitucionalidade: com efeito, 
 tratando-se de uma intervenção em via de recurso, não faria sentido que o 
 Tribunal pudesse conhecer de tal questão ainda quando suscitada apenas em 
 momento em que o tribunal a quo já não podia pronunciar-se sobre ela, por 
 esgotado o seu poder jurisdicional para tanto. Permitir isso equivaleria, no 
 fundo, a transformar o recurso para o Tribunal Constitucional num mero 
 expediente processual dilatório – o que, manifestamente, a Constituição não 
 desejou. (Algum desconto a esta ideia só será de admitir nalguma situação 
 excepcional, e certamente anómala, em que o interessado não disponha de 
 oportunidade processual para levantar a questão antes de proferida a decisão e, 
 por conseguinte, de esgotado aquele poder: aí, porém, o problema que em boa 
 verdade se põe é o da possibilidade e legitimidade da dispensa pura e simples, 
 nesses casos, do requisito da invocação “prévia” da inconstitucionalidade.)
 
 Á luz do que vem de ser dito, não pode, pois, deixar de entender-se a exigência 
 do art.º 280.º, n.º 1, al. b), da Constituição, relativa à invocação da 
 inconstitucionalidade “durante o processo”, não num sentido puramente formal 
 
 (tal que a inconstitucionalidade pudesse ser suscitada até à extinção da 
 instância), mas no sentido funcional que fica apontado – tal que (salvo, 
 porventura, na referida situação excepcional) essa invocação haverá de ter sido 
 feita em momento em que o tribunal a quo ainda pudesse conhecer da questão. E 
 deste entendimento advém necessariamente – como se mostrou no já referido Ac. 
 
 62/85 – que o pedido de aclaração de uma sentença ou acórdão ou a arguição da 
 sua nulidade não são meios idóneos para suscitar – em vista de ulterior recurso 
 para o Tribunal Constitucional – uma questão de constitucionalidade relativa a 
 matéria sobre a qual o poder jurisdicional do tribunal a quo se esgotou com a 
 decisão. Tais instrumentos processuais são um meio extemporâneo – e, por isso, 
 um meio “ínvio” ou “espúrio”, como se disse no despacho reclamado – para esse 
 efeito. (…)»
 Justamente neste sentido, a actividade pré-ordenada à obtenção das condições 
 para a possível interposição de um recurso de constitucionalidade foi também 
 reconduzida ao cumprimento de um ónus de adopção de uma estratégia processual 
 adequada para interposição de recurso para o Tribunal Constitucional (cfr. o 
 acórdão n.º 479/89, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 14.º vol., págs. 
 
 143-154).
 Ora, ao deixar de apresentar alegações perante o tribunal ora recorrido, a 
 recorrente perdeu a oportunidade não só de obrigar este a pronunciar-se sobre a 
 constitucionalidade da interpretação que ela verberava, como de, em 
 consequência, prosseguir a discussão desse juízo perante o Tribunal 
 Constitucional, por ter suscitado perante o tribunal recorrido a questão de 
 constitucionalidade.
 Não há, aliás, sequer que discutir se, caso o tribunal ora recorrido tivesse 
 abordado, motu proprio, essa questão, tal omissão poderia ser considerada 
 suprida. Como a recorrente não suscitou a questão perante o tribunal recorrido – 
 e pode mesmo duvidar-se de que a suposta anterior suscitação da questão pela 
 recorrente tenha ocorrido de forma adequada (basta referir que no próprio 
 recurso contencioso a inconstitucionalidade foi referida ao “acto administrativo 
 definitivo e executório” – art.º 28.º −, à “lei”, sem outra precisão – art.º 
 
 32.º −, ou ao “acto recorrido” – art.º 45.º) –, e este não tratou da questão de 
 constitucionalidade normativa invocada pela recorrente, não estão verificados os 
 requisitos para se poder tomar conhecimento do presente recurso de 
 constitucionalidade.
 III. Decisão
 Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide:
 a)      Não tomar conhecimento do recurso de constitucionalidade interposto;
 b)      Condenar a recorrente em custas, com 20 (vinte) unidades de conta de 
 taxa de justiça, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.
 
  
 Lisboa, 28 de Setembro de 2005
 Paulo Mota Pinto
 Maria Fernanda Palma
 Mário José de Araújo Torres
 Benjamim Rodrigues
 Rui Manuel Moura Ramos
 
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