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Processo n.º 255/05
 
 3.ª Secção
 Relator: Conselheiro Vítor Gomes
 
  
 
  
 
  
 
  
 Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 
             1. A., advogada, assistente no processo de inquérito instaurado com 
 base em denúncia por si apresentada contra B., juíza de direito, por factos 
 praticados no exercício de funções como juiz de instrução num processo em que a 
 denunciante era arguida e que, no entender desta, constituiriam crime de 
 denegação de justiça, previsto no artigo 369.º do Código Penal, recorreu para o 
 Supremo Tribunal de Justiça do despacho que rejeitou o seu requerimento para 
 abertura da instrução, invocando, no que agora interessa, a 
 inconstitucionalidade do n.º 1 do artigo 287.º do Código de Processo Penal, na 
 interpretação que conduzira a julgar o requerimento extemporâneo.
 
  
 
             Tendo o Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 15 de Dezembro 
 de 2004, negado provimento ao recurso, a assistente interpôs recurso para o 
 Tribunal Constitucional, dizendo fazê-lo com base nas alíneas b), c) e g) do n.º 
 
 1 do artigo 70.,º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC).
 
  
 
             No despacho liminar de 22 de Abril de 2005 (fls. 318-319) decidiu-se 
 que o recurso só pode prosseguir com fundamento na alínea b) do n.º 1 do artigo 
 
 70.º da LTC e para apreciação da (in)constitucionalidade  da norma do n.º 1 do 
 artigo 287.º do CPP, quando interpretada no sentido de que o prazo de 20 dias 
 para o assistente requerer a abertura da instrução se conta da notificação do 
 despacho de arquivamento do inquérito pelo Ministério Público e não da 
 notificação do despacho que, em intervenção hierárquica, o confirme.
 
  
 
             A recorrente alegou e concluiu nos seguintes termos:
 
  
 
 “Primeira
 O inquérito constitui, no sistema do CPP, uma fase decisiva/própria do processo 
 penal, que é iniciada, dirigida e encerrada pelo MP, o que só sucede no ultimo 
 limite hierárquico, isto é, na decisão/posição/intervenção definitiva e 
 relevante quando ocorreu a necessária reclamação. (Veja-se o referido Voto de 
 vencido).
 Segunda
 A reapreciação, uma outra leitura indiciária do superior hierárquico, do 
 inquérito por outro Magistrado do MP, consubstancia um verdadeiro direito à 
 apreciação em outro grau, passível de exercício intraprocessual, em sede do 
 poder de direcção do superior hierárquico. (Veja-se  o referido voto de 
 vencido).
 Terceira
 Assim, só após o esgotamento do resultado da intervenção hierárquica é que 
 ocorre o momento do despacho de arquivamento como posição processual definitiva 
 e confirmativa, pelo que o Acórdão recorrido violou a coerência interna do 
 sistema processual, designadamente as normas dos artºs. 262º, 263º e 264º do CPP 
 e dos artºs. 20º/4/5, 22º e 32º/4/5/7/9 da lei Fundamental.
 Quarta
 O impedimento de intervenção simultânea, com idêntica finalidade, da decisão 
 hierárquica e da confrontação judicial não constitui impossibilidade de usar de 
 todos os meios processuais até obter despacho que constitua a última intervenção 
 possível no domínio do encerramento do inquérito, e, após o prazo devido, 
 requerer a abertura de instrução.
 Quinta
 No caso dos autos, o despacho notificado em 14.7.03, a fls    , constitui a 
 posição final de encerramento do inquérito, o qual atempadamente foi objecto de 
 requerimento para abertura de instrução, pelo que foi cumprida a norma do artº 
 
 287º/1/ do CPP.
 Sexta
 Donde, deve ser julgada inconstitucional/ilegal a norma do n.º 1 do artº 287º do 
 CPP, quando interpretada no sentido de que o prazo de 20 dias para o assistente 
 requerer a abertura de instrução se conta da notificação do despacho de 
 arquivamento do inquérito pelo MP e não da notificação do despacho que, em 
 intervenção hierárquica, o confirme.
 Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso de 
 inconstitucionalidade/ilegalidade com a revogação do Acórdão recorrido, para ser 
 substituído por outro que conheça do requerimento para abertura de instrução, 
 dado que a interpretação que o STJ Lx deu à norma do n.º 1 do artº 287º do CPP é 
 inconstitucional/ilegal, por violação da coerência interna do sistema 
 processual, designadamente das normas dos artºs. 262º, 263º e 264º do CPP e dos 
 artºs. 20º/4/5, 22º e 2º/4/5/7/9/ da lei Fundamental.”
 
  
 
  
 
             O Ministério Público contra-alegou, sustentando o seguinte:
 
  
 
 “1- Em nenhum dos seus princípios ou normas a Constituição impõe que o prazo de 
 
 20 dias concedidos ao assistente para requerer a abertura de instrução, 
 estabelecido no n.º 1 do artigo 287º se comece a contar da notificação do 
 despacho que em intervenção do imediato superior hierárquico, confirme o 
 despacho de arquivamento proferido pelo titular do inquérito.
 
 2- Qualquer solução legal que dilate o prazo de 20 dias do n.º 1 da alínea b) do 
 artigo 287º do Código de Processo Penal, a contar da notificação do despacho de 
 arquivamento, proferido pelo titular do processo, não lhe estabelecendo limites, 
 invade o núcleo de garantias de defesa do arguido constitucionalmente 
 consagradas.
 
 3- Termos em que não deverá proceder o presente recurso.”
 
  
 
  
 
             2. No caso, tendo o inquérito instaurado contra um magistrado 
 judicial com base em denúncia da ora recorrente sido novamente arquivado, já 
 após reabertura, por despacho do magistrado do Ministério Público a quem fora 
 distribuído, a denunciante requereu a intervenção hierárquica, invocando o 
 disposto no artigo 278.º do Código de Processo Penal. Só veio a requerer a 
 abertura da instrução após notificada do despacho do Vice-Procurador Geral da 
 República que confirmou a decisão de arquivamento, o que foi rejeitado por 
 extemporaneidade. Pelo acórdão recorrido, o Supremo Tribunal de Justiça negou 
 provimento ao recurso que a recorrente interpôs do despacho que indeferira a 
 abertura da instrução, condensando a ratio decidendi na seguinte passagem:
 
  
 
 “Contas feitas, a intervenção hierárquica a requerimento dos interessados – e só 
 a esta nos reportamos, - redunda sempre em atrasos na marcha do processo e 
 quando produza algum efeito útil (acusação), sempre este poderá ser posto em 
 crise pela instrução. Perde-se tempo e actividade sem contrapartida em eficácia.
 Donde se conclui que, de tão aleatória (nunca se sabe quando e em que 
 circunstâncias o superior hierárquico intervém oficiosamente) e de tão 
 condicionada (só opera quando não tiver sido requerida a abertura de instrução) 
 que é, só recorrerá à intervenção hierárquica, artº278º CPP quem, 
 antecipadamente, renunciou à abertura de instrução. O mesmo é dizer que, quem 
 reclama hierarquicamente, já não poderá requerer abertura de instrução até 
 porque, entretanto, se precludiu o prazo para tal efeito. Isto para se enfatizar 
 que, relevantes e decisivos para contagem do prazo para abertura da instrução 
 são: o arquivamento previsto no artº 277º e a acusação prevista no artº 283º, 
 actos da responsabilidade do MP enquanto detentor do inquérito.
 Esta posição que tem sido consensual ao nível das Relações onde a questão se tem 
 colocado com mais frequência do que no S.T.J.
 Porque a recorrente deixou esgotar o respectivo prazo, bem se decidiu na Relação 
 ao indeferir-se o requerimento para abertura da instrução. O recurso improcede.”
 
  
 
  
 Em consonância com o despacho de delimitação do objecto do recurso, proferido 
 pelo relator a fls. 319 e que não foi objecto de impugnação, cumpre apreciar a 
 constitucionalidade da norma do n.º 1 do artigo 287.º do Código de Processo 
 Penal, quando interpretado no sentido de que o prazo de 20 dias para o 
 assistente requerer a abertura da instrução se conta da notificação do despacho 
 de arquivamento do inquérito pelo Ministério Público e não da notificação do 
 despacho que, em intervenção hierárquica o confirme.
 
  
 
  
 
             3. O n.º 1 do artigo 287.º do Código de Processo Penal é do seguinte 
 teor:
 
  
 
 “1. A abertura da instrução pode ser requerida no prazo de 20 dias a contra da 
 notificação da acusação e do arquivamento:
 a) Pelo arguido, relativamente a factos pelos quais o Ministério Público ou o 
 assistente, em caso de procedimento dependente de acusação particular, tiverem 
 deduzido acusações; ou
 b) Pelo assistente, se o procedimento não depender de acusação particular, 
 relativamente a factos pelos quais o Ministério Público não tiver deduzido 
 acusação.”
 
  
 
             A instrução é uma fase facultativa do processo penal, que visa a 
 comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito 
 em ordem a submeter ou não a causa a julgamento (artigo 286.º, n.ºs 1 e 2, do 
 CPP), podendo ser requerida pelo arguido ou pelo assistente, consoante a 
 finalidade (artigo 287.º, n.º 1, do CPP). À apreciação do caso só interessa 
 considerar a finalidade que consiste na comprovação da decisão de arquivar o 
 inquérito, isto é, o requerimento de abertura de instrução enquanto meio ao 
 dispor do assistente para acusar por crimes públicos (ou semi-públicos), na 
 hipótese ou na medida em que o Ministério Público opte pelo arquivamento. 
 
  
 
             A afirmação de que a instrução tem carácter facultativo deve ser 
 contextualizada, no que respeita à posição processual do assistente. Com efeito, 
 o assistente tem a posição de colaborador do Ministério Público, a cuja actuação 
 subordina a sua intervenção, salvo nos casos excepcionais previstos na lei 
 
 (artigo 69.º do CPP), um dos quais é a faculdade de apresentar requerimento de 
 abertura de instrução quando o Ministério Público, findo o inquérito, se abstém 
 de acusar por crimes públicos, ou de um modo mais geral, quando pretende acusar 
 por factos relativamente aos quais o Ministério Público não tenha deduzido 
 acusação (artigo 287.º, n.º 1, alínea b) do CPP). Mas, nestes casos, em que 
 actua contra a decisão do Ministério Público de arquivar o inquérito por crimes 
 que não dependam de acusação particular (ou em que pretende alargar o objecto do 
 processo a factos que impliquem uma alteração substancial da acusação deduzida 
 pelo Ministério Público), a instrução é para o assistente uma fase judicial 
 necessária (hoc sensu), porque só por essa via poderá obter a submissão do 
 arguido a julgamento (ou a julgamento com essa extensão; cf. artigos 284.º e 
 
 285.º do CPP). Para tanto, o n.º 1 do artigo 287.º concede ao assistente o prazo 
 de 20 dias a contar da notificação do despacho de arquivamento (ou da 
 notificação da acusação, se o que pretende é uma alteração substancial dos 
 factos). 
 
  
 
             No presente recurso de constitucionalidade não cabe apreciar o 
 acerto da decisão à luz do que seja a melhor aplicação do direito ordinário 
 infraconstitucional, mas tão só se a interpretação da norma do n.° 1 do artigo 
 
 287.° do Código de Processo Penal, na tese que fez vencimento no Supremo 
 Tribunal de Justiça e que se precisou no despacho de delimitação do objecto do 
 recurso, viola ou não normas ou princípios constitucionais.
 
  
 
              Designadamente, está fora da competência cognitiva do Tribunal tudo 
 quanto respeita a averiguar se “a coerência interna do sistema”, para usar a 
 expressão adoptada pela recorrente, é melhor servida por uma outra interpretação 
 
 – a defendida pela recorrente e desenvolvida no voto de vencido lavrado pelo 
 Cons.º C., no acórdão recorrido - que considere que o referido prazo se inicia 
 com a notificação da decisão do superior hierárquico do magistrado do Ministério 
 Público titular do inquérito, para quem se tenha reclamado e  que confirme o 
 arquivamento. Como igualmente o está aquela outra, que lhe vai pressuposta, de 
 saber se o denunciante com a faculdade de se constituir assistente pode, como 
 faculdade processual própria, antes de confrontar judicialmente a decisão do não 
 exercício da acção penal, provocar a intervenção da estrutura hierárquica do 
 Ministério Público, na continuação da tradição que vinha do Decreto-Lei n.º 35 
 
 007, de 13 de Outubro de 1945 e do artigo 6.º-A do Decreto-Lei n.º 605/75, de 3 
 de Novembro.
 
  
 
  
 
             4. Dos preceitos constitucionais que a recorrente diz violados, só o 
 n.º 4 do artigo do artigo 20.º e o n.º 7 do artigo 32.º podem ser utilmente 
 invocados, com um mínimo de racionalidade argumentativa,  para confrontar a 
 solução normativa em crise. 
 
  
 Com efeito,  
 
 -         Quanto ao n.º 5 do artigo 20.º, independentemente de não se vislumbrar 
 de que modo direitos, liberdades e garantias pessoais, na acepção desta norma, 
 possam estar em causa na determinação do início do prazo para o assistente em 
 processo penal requerer a abertura da instrução, é contraditório com a 
 finalidade da norma constitucional, que é a de que existam procedimentos 
 judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, preferir uma solução 
 normativa que diferisse o início do prazo para o exercício de tal direito;
 
 -         Quanto ao artigo 22.º, a norma sujeita a apreciação não respeita à 
 constituição, modificação, extinção ou a qualquer aspecto da regulação da 
 responsabilidade civil do Estado e demais entidades públicas;
 
 -         Quanto aos n.ºs 4, 5 e 9 do artigo 32.º, nem a recorrente se esforça 
 por demonstrar nem o Tribunal vislumbra de que modo pode a disciplina de 
 aspectos relativos ao prazo para requerer a instrução contender com aspectos 
 relativos à competência jurisdicional para a instrução, com a estrutura 
 acusatória do processo penal ou com o princípio do “juiz natural”.
 
  
 Consequentemente, resta confrontar a norma em crise com o n.º 7 do artigo 32.º e 
 com o n.º 4 do artigo 20.º da Constituição, isto é, para ir directamente ao que 
 pode fazer sentido como problema de constitucionalidade, saber se o modo de 
 determinar o início do prazo estabelecido no n.º 1 do artigo 287.º do Código de 
 Processo Penal retira ou restringe desproporcionadamente ao ofendido, directa ou 
 indirectamente, o direito de participar no processo penal que tenha por objecto 
 a ofensa de que alegadamente tenha sido vítima ou conforma esse processo de modo 
 a que deixe de ser um “processo equitativo”.
 
  
 
             O Tribunal teve já oportunidade de se pronunciar, no acórdão n.º 
 
 27/2001, publicado no Diário da República, II Série, de 23 de Março, sobre a 
 constitucionalidade do n.º 1 do artigo 287.º do Código de Processo Penal, ainda 
 que numa outra dimensão, mas com algumas afinidades com aquela que a recorrente 
 lhe submete no presente recurso. 
 
  
 
             Ponderou-se nesse acórdão: 
 
 «Ainda que a propósito de outro problema, a questão de saber se o direito a 
 constituir-se assistente se encontra constitucionalmente reconhecido ou 
 garantido foi colocada e respondida no Acórdão nº 690/98 (in 'Diário da 
 República', IIª Série, de 8 de Março de 1999). Escreveu-se nesse aresto:
 
 'O artigo 20º, nº1, dispõe que «a todos é assegurado o acesso ao direito e aos 
 tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos», o 
 que, como este Tribunal tem entendido, implica o reconhecimento da garantia da 
 via judiciária, a qual se estende necessariamente a todos os direitos e 
 interesses legítimos, ou seja, a todas as situações juridicamente protegidas.
 Assim, e como se pode ler no Acórdão nº 24/88 (in Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional, 11º Vol., pp. 525 e segs.):
 
 «A articulação deste preceito com as injunções contidas no artigo 206º, onde, em 
 termos genéricos, se prescreve que ‘incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos 
 direitos e interesses legalmente protegidos, e no artigo 286º, nº3, onde se 
 garante aos interessados recurso contencioso para obter o reconhecimento de um 
 direito ou interesse legalmente protegido’, impõe que dele se faça uma 
 interpretação alargada, ou seja, no sentido de que a garantia judiciária 
 assegura o acesso aos tribunais não só para a defesa de direitos mas também de 
 interesses legalmente protegidos».
 Nesta perspectiva, o que há que averiguar é se a constituição de assistente «põe 
 judicialmente em acto algum direito ou interesse juridicamente protegido», nos 
 termos do Acórdão nº 24/88, citado, e no qual se respondeu pela forma seguinte:
 
 «E sem necessidade de lançar mão de outros argumentos que se poderiam extrair 
 dos artigos 49º e 217º, nº1, da Constituição ou da autonomia que o assistente 
 goza em matéria de audiência, de interrogatório, de alegações e de recursos 
 relativamente ao Ministério Público, pode desde já afirmar-se que a lei protege 
 o interesse do ofendido em contribuir para a sujeição a julgamento do ou dos 
 autores do crime de que foi vítima.
 Este interesse é juridicamente protegido através do próprio instituto do 
 assistente e do direito à sua constituição e dos diversos poderes de intervenção 
 processual que a lei, como se viu, amplamente lhe reconhece.
 E a ponderação de que no caso de crimes públicos, a acção exercida para defesa 
 do interesse público violado pela conduta criminosa, se há-de considerar como da 
 própria comunidade, mercê da sua dimensão sócio-jurídica, não invalida que com 
 este interesse possa coexistir um outro do ofendido, a que a lei dispensa 
 protecção.'
 Reconhece-se, assim, a existência de um interesse específico do ofendido em 
 intervir mais eficazmente em processo penal.
 Com a Revisão Constitucional de 1997 (Lei nº 1/97, de 20 de Setembro, com início 
 de vigência em 5 de Outubro de 1997), o reconhecimento daquele interesse 
 específico passou a constar da própria Lei Fundamental. Com efeito, o nº 7 do 
 artigo 32º passou a estabelecer que 'o ofendido tem o direito de intervir no 
 processo, nos termos da lei'.
 Assim, no caso em apreço, o assistente defende um interesse constitucionalmente 
 protegido e, para além disso, o nº 4 do artigo 32º, também da Constituição, 
 estabelece que 'toda a instrução é da competência de um juiz (...)'. É certo que 
 este preceito constitucional se refere à judicialização da instrução no processo 
 penal, mas é manifesto que o assistente, em caso de crime público em que o 
 Ministério Público se pronunciou pelo arquivamento do processo de inquérito, tem 
 o direito de requerer a abertura da instrução, para assim controlar 
 judicialmente a posição do Ministério Público. Este direito integra-se 
 indubitavelmente no conjunto dos diversos poderes de intervenção processual do 
 assistente e inclui-se no interesse constitucionalmente protegido de uma 
 intervenção mais eficaz do ofendido no processo penal.
 Porém, o que está em causa nos presentes autos é a questão de saber se o decurso 
 do prazo peremptório para requerer a abertura da instrução impede a renovação de 
 um requerimento que, tendo sido apresentado com aquela finalidade, foi 
 considerado nulo. Ou seja, na formulação do recorrente, a questão de saber se o 
 direito do assistente de requerer a acusação foi desproporcionadamente 
 restringido.
 A este respeito, importa reconhecer que a dimensão garantística do processo 
 penal, face à sua repercussão nos direitos e liberdades fundamentais do arguido, 
 obsta, por um lado, a um entendimento de tal processo como um verdadeiro 
 processo de partes e, por outro, não proporciona uma perspectiva de total 
 simetria entre os direitos do arguido e do assistente no que se refere ao modos 
 de concretização das garantias de acesso à justiça.
 Ora, nos casos de não pronúncia de arguido e em que o Ministério Público se 
 decidiu pelo arquivamento do inquérito, o direito de requerer a instrução que é 
 reconhecido ao assistente – e que deve revestir a forma de uma verdadeira 
 acusação – não pode deixar de contender com o direito de defesa do eventual 
 acusado ou arguido no caso daquele não respeitar o prazo fixado na lei para a 
 sua apresentação.
 O estabelecimento de um prazo peremptório para requerer a abertura da instrução 
 
 – prazo esse que, uma vez decorrido impossibilita a prática do acto – insere-se 
 ainda no âmbito da efectivação plena do direito de defesa do arguido. E a 
 possibilidade de, após a apresentação de um requerimento de abertura de 
 instrução, que veio a ser julgado nulo, se poder ainda repetir, de novo, um tal 
 requerimento para além do prazo legalmente fixado, é, sem dúvida, violador das 
 garantias de defesa do eventual arguido ou acusado. Com efeito, a 
 admissibilidade de renovação do requerimento não permitiria que transitasse o 
 despacho de não pronúncia, assim desaparecendo a garantia do arguido de que, por 
 aqueles factos não seria de novo acusado.
 Se se focar, agora, a perspectiva do direito da assistente de deduzir a acusação 
 através do requerimento de abertura da instrução, a não admissibilidade de 
 renovação do requerimento por decurso do prazo não constitui uma limitação 
 desproporcionada do respectivo direito, na medida em que tal facto lhe é 
 exclusivamente imputável, para além de constituir – na sua possível 
 concretização - uma considerável afectação das garantias de defesa do arguido.
 Dir-se-á, por último, que do ponto de vista da relevância constitucional merece 
 maior tutela a garantia de efectivação do direito de defesa (na medida em que 
 protege o indivíduo contra possíveis abusos do poder de punir), do que garantias 
 decorrentes da posição processual do assistente em casos de não pronúncia do 
 arguido, isto é, em que o Ministério Público não descobriu indícios suficientes 
 para fundar uma acusação e, por isso, decidiu arquivar o inquérito.
 Este balanceamento dos interesses em causa basta para mostrar que a aceitação da 
 exclusão do direito de renovar um requerimento nulo pelo decurso do prazo 
 peremptório fixado não desencadeia uma limitação excessiva ou desproporcionada 
 do direito de acusar do assistente, pelo que o recurso de constitucionalidade 
 não pode proceder».
 
             
 
  
 
             Estas considerações são transponíveis para a apreciação da 
 constitucionalidade da norma agora sujeita, seja no que se refere aos termos do 
 reconhecimento constitucional da intervenção do ofendido no processo penal, seja 
 quanto ao entendimento do peso relativo dos interesses do assistente – a veste 
 que no nosso processo penal assume a intervenção qualificada do ofendido como 
 sujeito processual (embora, nem sempre o assistente seja o ofendido ou o seu 
 
 'sucessor' ou representante; cf., além de casos especiais, a previsão da alínea 
 e) do n.° 1 do artigo 68.° do CPP) – no confronto com o de outros sujeitos 
 processuais, designadamente com os do arguido (No sentido de que os direitos que 
 
  são reconhecidos ao arguido e aos outros sujeitos processuais se projectam 
 constitucionalmente em termos diferenciados, vejam-se também os acórdãos n.ºs  
 
 269/97 e 189/2000, publicados no Diário da República, II série, de 23/5/97 e de 
 
 30 de Outubro de 2000, respectivamente).
 
  
 
             Com efeito, o n.° 7 do artigo 32.° da Constituição confere dignidade 
 constitucional ao direito do ofendido de intervir no processo penal, mas não 
 especifica o seu conteúdo, remetendo expressamente para o legislador ordinário a 
 sua concretização, conferindo a este larga margem de conformação. O que a lei 
 não pode, por força deste preceito, é retirar ao ofendido, directa ou 
 indirectamente, o direito de participar no processo penal que tenha por objecto 
 a ofensa de que alegadamente tenha sido vítima (Jorge Miranda e Rui Medeiros, 
 Constituição Portuguesa Anotada, Tomo 1, p. 361).
 
             No presente recurso não se põe em crise a razoabilidade do prazo de 
 
 20 dias para o assistente requerer a abertura da instrução, isto é, a 
 suficiência ou a adequação desse lapso de tempo para a tarefa processual que a 
 apresentação do requerimento implica. Também não se discute a idoneidade da 
 notificação prevista nos n.°s 3 e 4 do artigo 277.° do Código de Processo Penal, 
 enquanto acto de comunicação, para habilitar o interessado com o conhecimento de 
 que pode exercer a referida faculdade. O que a recorrente questiona é a 
 conformidade constitucional de a essa notificação continuar a ligar-se o efeito 
 de definir o termo inicial do prazo para requerer a instrução naqueles casos em 
 que o interessado tenha optado por provocar a intervenção da estrutura 
 hierárquica do Ministério Público. Ou seja, aquilo que, em último termo, está 
 subjacente à pretensão da recorrente de diferir o termo inicial do prazo para a 
 notificação da decisão confirmativa do despacho de arquivamento é o entendimento 
 de que a protecção constitucional da posição do ofendido em processo penal exige 
 o reconhecimento da faculdade de optar pela via da impugnação hierárquica do 
 despacho de arquivamento proferido pelo titular do inquérito previamente a 
 requerer a abertura da instrução e sem perda do prazo respectivo.
 
  
 
             Ora, independentemente de saber se a consagração constitucional da 
 intervenção do ofendido em processo penal impunha (como condição necessária) que 
 se levasse a preocupação de lhe conferir voz autónoma logo ao nível da 
 conformação do objecto do processo até ao ponto de lhe ser permitido acusar 
 independentemente (contra ou substancialmente para além) do Ministério Público 
 por crimes públicos (a isso equivale o requerimento de abertura da instrução que 
 venha a culminar na pronúncia do arguido), o que não parece poder negar-se é que 
 tal faculdade realiza a tutela judicial dos seus interesses de modo suficiente e 
 efectivo. Porventura, seria mais cómodo e mais económico para o ofendido que a 
 lei lhe permitisse diferir o início do prazo de apresentação do requerimento 
 para o momento em que se verificasse o insucesso da via hierárquica. Mas, uma 
 vez que o exercício desse direito não está condicionado ao prévio esgotamento 
 
 (necessário) da via hierárquica, o entendimento de que o prazo para requerer a 
 abertura da instrução se inicia com a notificação do despacho do magistrado 
 subalterno que decide pelo arquivamento do inquérito não pode ser apresentado 
 como restringindo, e muito menos de modo desproporcionado, a tutela judicial dos 
 interesses do ofendido pela via da perseguição criminal do pretenso ofensor. 
 Dificilmente se concebe que uma norma que imediatamente abre o prazo para acesso 
 ao tribunal possa ser acusada de, só por isso, restringir esse acesso.
 
  
 
             Por último, para além do que já vai compreendido no que antecede, 
 também se não vislumbra em que aspecto pode ser imputada à referida regra de 
 determinação do termo inicial do prazo desconformidade com a exigência 
 constitucional do “processo equitativo”.
 
  
 
             Tanto basta para concluir que a norma do n.º 1 do artigo 287.º do 
 CPP, quando interpretada no sentido de que o prazo de 20 dias para o assistente 
 requerer a abertura da instrução se conta da notificação do despacho de 
 arquivamento do inquérito pelo Ministério Público e não da notificação do 
 despacho que, em intervenção hierárquica, o confirme, também não viola o n.º 7 
 do artigo 32.º nem o n.º 4 do artigo 32.ºda Constituição.
 
  
 
             5. Decisão
 
  
 
             Pelo exposto, decide-se negar provimento ao recurso e condenar a 
 recorrente nas custas, fixando a taxa de justiça em 25 (vinte e cinco) unidades 
 de conta.
 
  
 Lisboa, 4 de Outubro de 2005
 
  
 Vítor Gomes
 Gil Galvão
 Bravo Serra
 Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
 Artur Maurício