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Processo n.º 546/05
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Mário Torres
 
  
 
  
 
                         Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
  
 
  
 
 1.      Relatório
 
  
 
                         a. requereu, no Supremo Tribunal de Justiça, nos termos 
 do artigo 222.º do Código de Processo Penal (CPP), a providência de habeas 
 corpus, aduzindo, em suma, que, tendo sido detido à ordem do processo n.º 52/01 
 do Tribunal Judicial da Comarca da Praia da Vitória em 15 de Maio de 2002 e 
 tendo-lhe sido aplicada, no termo do primeiro interrogatório judicial de arguido 
 detido, realizado no dia imediato, a medida de coacção de prisão preventiva, 
 esta ultrapassou o prazo máximo de 3 anos “sem que tenha havido condenação em 
 primeira instância”, estabelecido no n.º 3 do artigo 215.º do CPP, aplicável 
 atendendo ao crime em causa (crime de tráfico de estupefacientes) e a natureza 
 do processo. Mais referiu o recorrente que considera ser irrelevante já ter 
 sido condenado em 1.ª instância, nestes autos, primeiro por acórdão de 21 de 
 Março de 2003 do Tribunal Judicial da Comarca da Praia da Vitória, e depois por 
 acórdão de 15 de Abril de 2004 do mesmo Tribunal, uma vez que os recursos que 
 interpôs dessas condenações obtiveram provimento, pelos acórdãos do Tribunal da 
 Relação de Lisboa de, respectivamente, 27 de Novembro de 2003 e 3 de Março de 
 
 2005, que anularam os julgamentos e subsequentes decisões condenatórias e 
 determinaram a realização de novas audiências de julgamento. Desde logo o 
 requerente sustentou que interpretação diversa – isto é, interpretação que 
 atribuísse relevância às condenações em 1.ª instância entretanto anuladas – 
 seria inconstitucional, por violação dos artigos 27.º, 28.º, n.º 4, e 32.º da 
 Constituição da República Portuguesa (CRP).
 
  
 
                         Por acórdão de 1 de Junho de 2005, o Supremo Tribunal de 
 Justiça indeferiu o pedido de habeas corpus formulado pelo ora recorrente, com a 
 seguinte fundamentação:
 
  
 
             “II. Constam dos autos os seguintes elementos que interessam para a 
 decisão da providência requerida:
 
             – O requerente encontra-se em prisão preventiva desde o dia 16 de 
 Maio de 2002;
 
             – Foi deduzida acusação contra o requerente e demais arguidos, em 24 
 de Dezembro de 2002, tendo sido imputado àquele o crime de tráfico de 
 estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 
 
 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à tabela 1-A, anexa a esse diploma;
 
             – Os arguidos foram julgados e condenados por acórdão datado de 21 
 de Março de 2003;
 
             – Foi interposto recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, o 
 qual, por acórdão datado de 27 de Novembro de 2003, determinou a anulação do 
 julgamento efectuado pelo tribunal colectivo;
 
             – Realizado novo julgamento, os [arguidos] foram condenados por 
 acórdão datado de 15 de Abril de 2004, pela prática de crimes de tráfico de 
 estupefacientes, sendo o requerente na pena de 6 anos de prisão;
 
             – Os arguidos A. e B. interpuseram recurso do referido acórdão;
 
             – Por acórdão de 3 de Março de 2005, o Tribunal da Relação de Lisboa 
 anulou o acórdão condenatório da 1.ª instância e determinou a repetição do 
 julgamento.
 
  
 
             III. O requerente apoia sua petição de habeas corpus no excesso de 
 prazo legal de 3 anos de prisão preventiva, dado que decorreram mais de [3] anos 
 sem que tenha havido condenação com trânsito em julgado.
 
             Para o caso interessa considerar fundamentalmente o disposto no 
 artigo 215.º, n.ºs 1, alíneas c) e d), 2, e 3, do Código de Processo Penal e no 
 artigo 54.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.
 
             Estabelece o artigo 215.º, n.º 1, alíneas c) e d), do Código de 
 Processo Penal que a prisão preventiva se extingue quando, desde o seu início, 
 tiverem decorrido 18 meses sem que tenha havido condenação em 1.ª instância 
 
 (alínea c)) e 2 anos sem que tenha havido condenação com trânsito em julgado 
 
 (alínea d)).
 
             Esses prazos são alargados para 3 e 4 anos, respectivamente, quando 
 o procedimento for por crimes puníveis com prisão de máximo superior a 8 anos e 
 se revelar de excepcional complexidade – n.º  3, referido ao n.º 2, do referido 
 artigo 215.º.
 
             E, nos termos do artigo 54.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 15/93, com a 
 interpretação dada pelo acórdão de fixação de jurisprudência de 11 de Fevereiro 
 de 2004, quando o procedimento se reporte a um dos crimes referidos no n.º 1 
 
 (tráfico de droga e outros), é aplicável o disposto no n.º 3 do artigo 215.º do 
 Código de Processo Penal, sem necessidade de verificação e declaração judicial 
 da excepcional complexidade do procedimento.
 
             Haveria assim havido excesso do prazo legal de 3 anos de prisão 
 preventiva se tivessem decorrido mais de 3 anos sem que houvesse condenação em 
 
 1.ª instância.
 
             O que não ocorreu no caso, dado que a prisão preventiva se iniciou 
 em 16 de Maio de 2002 e o requerente foi condenado em 1.ª instância em 21 de 
 Março de 2003.
 
             É certo que esse julgamento veio a ser anulado em sede de recurso, 
 mas daí não resulta uma regressão do processo à fase anterior. Na verdade, se em 
 
 21 de Março de 2003 o prazo de prisão preventiva passou a ser de 4 anos, não faz 
 sentido que mais tarde, por decorrência da anulação do julgamento, se considere 
 que afinal o prazo era de 3 anos.
 
             Um julgamento anulado não é o mesmo que um julgamento inexistente, 
 pelo que não se pode ignorar a realização daquele, ao menos para os efeitos do 
 disposto no artigo 215.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal.
 
             Tem sido este o entendimento dominante neste Supremo Tribunal em 
 casos análogos – acórdãos de 16 de Abril de 2004, Proc. n.º 1610/04, de 29 de 
 Abril de 2004, Proc. n.º 1813/04, e de 9 de Dezembro de 2004, Proc. n.º 
 
 4535/04, entre outros.
 
             Estando assim em curso o prazo de prisão preventiva de 4 anos, não 
 se extinguiu o prazo de prisão preventiva do requerente.
 
             Dado que o fundamento legal da petição de habeas corpus é a situação 
 prevista na alínea c) do n.º 2 do artigo 222.º do Código de Processo Penal – 
 manter-se a prisão para além dos prazos fixados na lei ou por decisão judicial – 
 forçoso é concluir que a prisão do requerente não é ilegal.
 
             IV. Pelo exposto, indeferem o pedido de habeas corpus formulado pelo 
 requerente A..”
 
  
 
                         É deste acórdão que pelo requerente vem interposto o 
 presente recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 
 
 1, alínea b), da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal 
 Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, 
 por último, pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), pretendendo ver 
 apreciada a inconstitucionalidade, por violação dos artigos 27.º, n.º 1, 28.º, 
 n.º 4, 30.º e 32.º, n.º 2, in fine, da CRP, da norma do artigo 215.º, n.º 1, 
 alínea c), com referência ao n.º 3, do CPP, quando interpretada no sentido de 
 que o prazo máximo da prisão preventiva passa a ser de 4 anos quando em 1.ª 
 instância tenha havido condenação, apesar de a mesma ter sido anulada por 
 decisão do Tribunal da Relação.
 
                         No Tribunal Constitucional, o recorrente apresentou 
 alegações, no termo das quais formulou as seguintes conclusões:
 
  
 
             “1 – O aqui recorrente foi detido à ordem do processo à margem 
 referenciado no dia 15 de Maio de 2002.
 
             2 – Em primeiro interrogatório judicial de arguido detido, que teve 
 lugar no passado dia 16 de Maio de 2002, foi aplicada ao aqui recorrente a mais 
 grave medida de coacção em direito permitida: prisão preventiva.
 
             3 – O aqui recorrente foi notificado da douta acusação do Ministério 
 Público e foi submetido a julgamento no Tribunal Judicial da Comarca da Praia da 
 Vitória.
 
             4 – Por acórdão datado de 21 de Março de 2003 foi o aqui recorrente 
 condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes previsto e 
 punido nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, 
 de 22 de Janeiro, na pena de sete anos de prisão.
 
             5 – Inconformado, o agora recorrente interpôs recurso para o 
 Venerando Tribunal da Relação de Lisboa.
 
             6 – Por acórdão datado de 27 de Novembro de 2003, a 9.ª Secção 
 Criminal do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa decidiu anular o julgamento 
 de que resultou o acórdão recorrido e ordenou a repetição do julgamento.
 
             7 – Conforme acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa 
 procedeu-se a novo julgamento.
 
             8 – Por acórdão datado de 15 de Abril de 2004 foi o aqui recorrente 
 condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes previsto e 
 punido nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, 
 de 22 de Janeiro, na pena de seis anos de prisão.
 
             9 – Inconformado com o aliás mui douto acórdão, a 26 do mesmo mês e 
 ano, interpôs recurso para o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa.
 
             10 – Por acórdão datado de 3 de Março do corrente ano, a 9.ª Secção 
 Criminal do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa decidiu anular o 
 julgamento de que resultou o acórdão recorrido.
 
             11 – Concedendo provimento ao recurso apresentado pelo recorrente, 
 A., foi declarada nula a audiência de discussão e julgamento e subsequente 
 sentença, ordenando-se, em consequência, a repetição da audiência de discussão e 
 julgamento, com o mesmo colectivo e com observância do princípio do 
 contraditório.
 
             12 – Passados mais de três anos o aqui recorrente mantém-se preso 
 preventivamente.
 
             13 – In casu o prazo máximo de duração da prisão preventiva é o 
 prazo estabelecido no n.º 3 do artigo 215.° do Código de Processo Penal. A 
 prisão preventiva extingue-se quando, desde o seu início, tiverem decorrido três 
 anos sem que tenha havido condenação em primeira instância.
 
             14 – Ora, conforme melhor resulta dos autos, não há condenação em 
 primeira instância.
 
             15 – No caso sub judice não se verifica o circunstancialismo do n.º 
 
 4 do artigo 215.° do Código de Processo Penal, nem o circunstancialismo do 
 artigo 216.° do supra citado diploma legal.
 
             16 – É inconstitucional a norma do artigo 215.°, n.º 1, alínea c), 
 com referência ao n.º 3 do referido artigo do Código de Processo Penal, quando 
 interpretada no sentido de que:
 
             – O prazo máximo da prisão preventiva passa a ser de quatro anos, 
 quando em primeira instância haja condenação, apesar de a mesma ser anulada por 
 decisão do Tribunal da Relação;
 
             – Apesar de um julgamento ser anulado em sede de recurso, daí não 
 resulta uma regressão do processo à fase anterior;
 
             – Um julgamento anulado não é o mesmo que um julgamento 
 inexistente, não se podendo ignorar a sua realização, ao menos para os efeitos 
 do disposto no n.º 1, alínea c), do artigo 215.° do Código de Processo Penal;
 
             – Apesar de as decisões finais serem anuladas, em recurso, pelo 
 Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, é de considerar que a respectiva 
 tramitação processual não recuou ao momento anterior ao julgamento, tudo se 
 passando como se houvesse condenação em primeira instância, pelo menos para 
 efeitos de determinação do prazo máximo de prisão preventiva.
 
             17 – A norma constante do artigo 215.°, n.º 1, alínea c), com 
 referência ao n.º 3 do mesmo artigo, do Código de Processo Penal, assim 
 interpretada, é inconstitucional, por derrogação do artigo 27.°, n.º 1, 28.°, 
 n.º 4, 30.º e 32.°, n.º 2, in fine, todos da Constituição da República 
 Portuguesa.
 
             18 – A referida norma aplicada com a interpretação que lhe foi dada 
 pelo Venerando Supremo Tribunal de Justiça esbarra claramente com o direito à 
 liberdade e com a natureza temporária, limitada e definida da prisão 
 preventiva.
 
             19 – A interpretação e aplicação das normas que podem conduzir a um 
 aumento da privação de liberdade tem necessariamente que ser cautelosa e 
 revestir um elevado cuidado, pois em questão estão direitos e garantias 
 constitucionais.
 
             20 – Interpretação diferente, salvo o respeito devido por melhor e 
 mais douta opinião, colidiria manifestamente com princípios constitucionalmente 
 consagrados.
 
             21 – Interpretação e aplicação diversa colocaria em questão o 
 carácter excepcional da prisão preventiva, colidiria claramente com o artigo 
 
 28.° da Constituição da República Portuguesa.
 
             22 – Em face dos elementos colocados à apreciação do Supremo 
 Tribunal de Justiça em sede de petição de Habeas Corpus, em face do disposto no 
 artigo 215.° do Código de Processo Penal, em face do disposto no artigo 222.°, 
 n.º 2, alínea c), do supra citado diploma legal, deveria o Supremo Tribunal de 
 Justiça deferir a pretensão do aqui recorrente, declarando procedente a petição 
 de habeas corpus, e consequentemente ter decretado a imediata libertação do 
 arguido, aqui recorrente.
 
             23 – Se a decisão final é anulada, em recurso, pelo Tribunal da 
 Relação, deve entender-se que a tramitação processual recuou ao momento anterior 
 ao julgamento, tudo se passando como se não houvesse qualquer condenação.
 
             24 – Tendo os aliás doutos acórdãos do Tribunal da Primeira 
 Instância sido anulados pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, não há 
 condenação em primeira instância, anulado o julgamento, «a tramitação 
 processual recuou ao momento anterior ao julgamento, não existindo assim 
 qualquer condenação» – Acórdão datado de 10 de Outubro de 2001, Processo n.º 
 
 3333/01-3.ª.
 
             25 – Ninguém pode ser privado da liberdade, a não ser pelo tempo e 
 nas condições que a lei determinar.
 
             26 – E, in casu, salvo o devido respeito por melhor e mais douta 
 opinião, o tempo é o previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 215.°, com 
 referência ao n.º 3 do mesmo artigo do Código de Processo Penal, ou seja, três 
 anos.
 
             27 – A corrente que sustenta a sua posição na distinção entre acto 
 processual inexistente e acto processual nulo e fundamenta assim a manutenção 
 de uma prisão preventiva é, salvo o respeito por melhor e mais douta opinião, 
 inconstitucional.
 
             28 – Nos termos do n.º 1 do artigo 122.° do Código de Processo 
 Penal, as nulidades tornam inválido o acto em que se verificam, bem como os que 
 deles dependerem e aqueles que puderem afectar.
 
             29 – A nulidade afecta necessariamente, em nosso entender, o 
 andamento do processo.
 
             30 – O acórdão anulado determina que a tramitação processual recuou 
 ao momento anterior ao julgamento, o que determina, necessariamente, em nosso 
 entender, a aplicação da alínea c) do supra citado artigo e diploma legal.
 
             31 – Assim, porque inexiste condenação, foi já largamente 
 ultrapassado o prazo de prisão preventiva legalmente previsto, tendo o arguido, 
 aqui recorrente, direito a ser indemnizado.
 
             32 – As normas sob recurso, com o sentido interpretativo que lhes 
 foi conferido, colidem directamente com direitos e princípios 
 constitucionalmente consagrados:
 
             – Direito à liberdade;
 
             – Natureza excepcional e carácter subsidiário da prisão preventiva;
 
             – Princípio da proporcionalidade;
 
             – Princípio da legalidade.
 
             33 – As normas sob recurso, com o sentido interpretativo que lhes 
 foi conferido, violam o disposto nos artigos:
 
             – 27.°, n.°s 1 e 3;
 
             – 28.°;
 
             – 30.º, n.º 1;
 
             – 31.°,
 todos da Constituição da República Portuguesa.
 
             34 – As normas sob recurso, com o sentido interpretativo que lhes 
 foi conferido violam, ainda, o disposto nos artigos:
 
             – 215.°, n.ºs 1 e 3;
 
             – 217.°, n.º 1;
 
             – 220.°;
 
             – 122.º, n.ºs 1 e 2,
 todos do Código de Processo Penal.
 
             Termos em que,
 
             Nos mais e melhores de Direito que V.as Ex.as mui doutamente 
 suprirão, 
 
             Deve o presente recurso ser declarado procedente e, 
 consequentemente,
 
             Ser declarada a inconstitucionalidade da norma ínsita no artigo 
 
 215.º, n.º 1, alínea c), com referência ao n.º 3 do mesmo artigo, do Código de 
 Processo Penal, quando interpretada no sentido de que, apesar de as decisões 
 finais serem anuladas, em recurso, pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, 
 
 é de considerar que a tramitação processual não recuou ao momento anterior ao 
 julgamento, tudo se passou como se houvesse condenação em primeira instância, 
 pelo menos, para efeitos de determinação do prazo máximo de prisão preventiva.”
 
  
 
                         O representante do Ministério Público no Tribunal 
 Constitucional       contra-alegou, concluindo:
 
  
 
             “1.º – É inconstitucional, por violação do n.º 4 do artigo 28.º da 
 Constituição, a interpretação normativa do artigo 215.º, n.º 1, alínea c), do 
 Código de Processo Penal, que considera relevante, para efeitos de 
 estabelecimento do prazo máximo de duração da prisão preventiva, a sentença 
 condenatória proferida em 1.ª instância e subsequentemente anulada na Relação;
 
             2.º – Termos em que deverá proceder o presente recurso.”
 
  
 
                         Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
 2.      Fundamentação
 
  
 
                         2.1. Cumpre, antes de mais, assinalar que não compete ao 
 Tribunal Constitucional apreciar a correcção, ao nível da aplicação do direito 
 ordinário, da interpretação normativa acolhida pelo acórdão recorrido, mas 
 tão-só controlar a conformidade constitucional dessa interpretação.
 
                         Apenas interessará registar que se trata de entendimento 
 que, embora não pacífico (no sentido de que a anulação, pela Relação, da 
 condenação em 1.ª instância implica que “a tramitação processual recuou ao 
 momento anterior ao julgamento, não existindo, assim, qualquer condenação”, 
 tornando ilegal a prisão preventiva de duração superior à prevista na alínea c) 
 do n.º 1 do artigo 215.º do CPP”, decidiu o acórdão de 10 de Outubro de 2001, 
 proc. n.º 3333/01, citado por Manuel Leal-Henriques, Medidas de Segurança e 
 
 “Habeas Corpus”, Lisboa, 2002, p. 132; no mesmo sentido, são também citados os 
 acórdãos de 29 de Maio de 2002, proc. n.º 1090/02, e de 29 de Outubro de 2002, 
 proc. n.º 3729/02), se pode considerar actualmente dominante na jurisprudência 
 conhecida do Supremo Tribunal de Justiça. Para além das decisões referidas no 
 acórdão recorrido (Acórdãos de 16 de Abril de 2004, proc. n.º 1610/04, de 29 de 
 Abril de 2004, proc. n.º 1813/04, e de 9 de Dezembro de 2004, proc. n.º 4535/04, 
 o segundo publicado em Colectânea de Jurisprudência – Acórdãos do Supremo 
 Tribunal de Justiça, ano XIII, 2004, tomo II, p. 176), podem ainda citar-se os 
 acórdãos de 11 de Julho de 2002, proc. n.º 2778/02, e de 26 de Junho de 2003, 
 proc. n.º 2543/03 (publicados em Colectânea de Jurisprudência – Acórdãos do 
 Supremo Tribunal de Justiça, ano X, 2002, tomo III, p. 178, e ano XI, 2003, tomo 
 II, p. 230, respectivamente), e de 30 de Agosto de 2002, proc. n.º 2943/02, de 
 
 20 de Novembro de 2003, proc. n.º 4029/03, e de 22 de Dezembro de 2003, proc. 
 n.º 4499/03 (estes três últimos com texto integral disponível em 
 
 www.dgsi.pt/jstj.nsf).
 
                         A fundamentação desta última corrente jurisprudencial, 
 em que insere o acórdão ora recorrido, foi desenvolvida no citado acórdão de 20 
 de Novembro de 2003 nos seguintes termos:
 
  
 
 “(...) para além de o acto nulo não se confundir com o acto inexistente, pois na 
 nulidade o acto existe, apesar de não produzir ou poder não produzir os efeitos 
 para que foi criado, (...) a anulação não faz com que o prazo máximo de prisão 
 preventiva «encolha» para três anos, por regressão à fase anterior, como se não 
 tivesse havido condenação em primeira instância. 
 O requerente sempre já foi condenado e essa condenação foi mantida pela Relação 
 num primeiro recurso. Até aí – até haver essa condenação – o prazo de três anos 
 foi respeitado e passou-se para a fase seguinte – a do trânsito em julgado, 
 passando a vigorar o prazo de 4 anos. É nessa fase que o processo se encontra, 
 apesar da referida anulação. O que tem é que respeitar-se o prazo máximo de 4 
 anos até ao trânsito em julgado da decisão condenatória, contados aqueles 4 
 anos, obviamente, desde o início da prisão preventiva do requerente.
 Mas não pode proceder-se como se não tivesse havido nunca nenhuma condenação. A 
 interpretação teleológica do artigo 215.º do CPP, nos seus vários números, não 
 conduz a esse resultado. O que se pretende, obviamente, evitar é que o arguido 
 esteja preso preventivamente por mais de três anos, sem nunca ter sido condenado 
 por um tribunal de 1.ª instância. Isso é que é intolerável do ponto de vista 
 legal. Mas não assim quando já houve condenação, não obstante o julgamento ter 
 sido anulado.
 Assim sendo, o prazo máximo de prisão preventiva, neste caso, continua a ser de 
 
 4 (quatro) anos e não de 3 (três) anos, como sustenta o requerente, 
 encontrando-se justificação e apoio para tal no mesmo n.º 3 do artigo 215.º 
 citado na petição, mas com referência à alínea d) do n.º 1 e não à alínea c).”
 
  
 
                         Orientação jurisprudencial que foi reiterada no também 
 citado acórdão de 22 de Dezembro de 2003, onde se refere:
 
  
 
 “Todavia, uma outra corrente, em que se filia, por exemplo, o Acórdão de 30 de 
 Agosto de 2002, proc. n.º 2493/02-5.ª, sustenta, a partir da distinção entre os 
 conceitos de acto processual nulo e de acto processual inexistente [enquanto a 
 inexistência corresponde àqueles casos mais graves «em que, verdadeiramente, se 
 pode dizer que para o direito não há nada», na nulidade o acto existe. Apenas 
 não produz ou pode não produzir os efeitos para que foi criado, ante uma falta 
 ou irregularidade no tocante aos seus elementos internos], que a sentença 
 anulada nunca se pode ter como apagada do processo. (...) 
 Pela nossa parte, sufragamos este último entendimento.
 Embora uma parte da doutrina entenda que não há diferença entre acto nulo e acto 
 inexistente, a verdade é que, como ensinou Manuel de Andrade, há diferença entre 
 os dois conceitos, na justa medida em que, enquanto o acto inexistente não é 
 susceptível de produzir quaisquer efeitos jurídicos, o acto nulo, embora não 
 produza os efeitos que lhe são próprios, pode produzir efeitos laterais (Teoria 
 Geral ..., vol. II, p. 415). Ora, em processo penal, como no processo em geral, 
 a nulidade não acarreta, por via de regra, a inexistência. Como diz Germano 
 Marques da Silva, no Curso ..., vol. II, 1993, p. 57, «no direito processual não 
 tem aplicação o princípio quod nullum est nullum producit effectum, salvo o caso 
 de actos inexistentes». E assim é que o n.º 1 do artigo 122.º do CPP consigna 
 que as nulidades tornam inválido o acto em que se verificam, bem como os que 
 dele dependerem e aqueles que puderem afectar, o n.º 2 manda que sejam 
 determinados quais os actos que passam a ser considerados inválidos em 
 consequência da declaração de nulidade e o n.º 3 que sejam aproveitados todos 
 os actos que ainda puderem ser salvos do efeito da nulidade.
 
             Tendo, por isso, sido proferida condenação pelo Tribunal de Loures, 
 muito embora ela possa não produzir os efeitos que lhe são próprios por via da 
 anulação do julgamento que a precedeu, decretada pela Relação de Lisboa, nem por 
 isso se poderá dizer que inexistiu essa condenação. Tanto existiu que terá sido 
 invalidada. Ora, a alínea c) do n.º 1 do artigo 215.º do CPP não se refere a 
 sentença definitiva (a esse momento processual refere-se a alínea seguinte) nem 
 se preocupa com as vicissitudes por que eventualmente passe, depois de 
 proferida pelo tribunal competente. Tem em vista apenas um determinado patamar 
 do iter processual e esse foi, sem dúvida, alcançado.”
 
  
 
                         Repete-se que não compete ao Tribunal Constitucional 
 apreciar a correcção desta interpretação (que se assume como meramente 
 declarativa) do direito ordinário, mas unicamente da sua conformidade 
 constitucional.
 
  
 
                         2.2. Das normas constitucionais invocadas pelo 
 recorrente no requerimento de interposição de interposição de recurso para o 
 Tribunal Constitucional e nas alegações aqui apresentadas – artigos 27.º, n.ºs 1 
 e 3 (direito à liberdade e admissibilidade da sua privação por prisão 
 preventiva), 28.º, n.º 4 (sujeição da prisão preventiva a prazos legalmente 
 estabelecidos), 30.º, n.º 1 (proibição de penas com carácter perpétuo ou de 
 duração ilimitada ou indefinida), 31.º (providência de habeas corpus contra 
 prisão ilegal) e 32.º, n.º 2, in fine (direito do arguido a ser julgado no mais 
 curto prazo compatível com as garantias de defesa), da CRP –, a que 
 especificamente releva como parâmetro de avaliação da conformidade 
 constitucional da interpretação normativa questionada é a do artigo 28.º, n.º 4, 
 segundo a qual (na redacção introduzida pela revisão constitucional de 1997): “A 
 prisão preventiva está sujeita aos prazos estabelecidos na lei”.
 
                         Nas versões anteriores, esse preceito dispunha: “A 
 prisão preventiva, antes e depois da formação da culpa, está sujeita aos prazos 
 estabelecidos na lei”. A eliminação, em 1997, da expressão “antes e depois da 
 formação da culpa” foi explicada pelo propósito de eliminar “conceitos 
 ultrapassados”, como seria o de “prisão sem culpa formada” (José Magalhães, 
 Dicionário da Revisão Constitucional, Lisboa, 1999, p. 163) ou como inserida 
 
 “na lógica das correcções técnicas” do texto anterior (Luís Marques Guedes, Uma 
 Constituição Moderna para Portugal, Lisboa, 1997, p. 86). No entanto, a 
 utilização da aludida expressão na versão originária da Constituição teve o 
 objectivo de impor a cessação da situação então vigente, em que a legislação 
 processual penal apenas previa prazos máximos de duração para a prisão sem culpa 
 formada (artigo 308.º do CPP de 1929), não havendo qualquer limite legalmente 
 fixado para a prisão preventiva com culpa formada, que duraria (sem prejuízo da 
 eventualidade da sua revogação por reapreciação judicial dos seus requisitos) 
 até à decisão final (com a soltura do arguido, se absolutória, ou com passagem a 
 cumprimento de pena, se condenatória), independentemente da extensão da demora 
 na prolação dessa decisão. Foi com o Decreto-Lei n.º 377/77, de 6 de Setembro, 
 que, através de alteração de redacção do artigo 273.º do CPP, pela primeira vez 
 se estabeleceram limites máximos de duração da prisão preventiva após a 
 formação da culpa: em regra, dois anos (aumentado para três anos pelo 
 Decreto-Lei n.º 402/82, de 23 de Setembro), ou quando a prisão preventiva 
 igualasse metade da duração máxima da pena correspondente ao crime mais grave 
 imputado ao arguido, ou, no caso de recurso da duração condenatória, quando 
 atingisse a duração da pena de prisão fixada na decisão recorrida, sendo 
 aplicável aquele destes três limites que, no caso concreto, se mostrasse 
 inferior.
 
                         A Constituição impõe, pois, que a duração da prisão 
 preventiva esteja preestabelecida na lei, sendo inadmissíveis situações de 
 indeterminação da duração máxima dessa privação de liberdade. Não fixando a 
 Constituição directamente esses limites, a delegação dessa tarefa no legislador 
 ordinário não pode ser vista, porém, como uma remissão em branco. Na verdade, 
 essa norma há-de naturalmente ser lida à luz do precedente n.º 2, que proclama a 
 natureza excepcional da prisão preventiva, aliás em consonância quer com o seu 
 carácter de restrição do direito fundamental à liberdade, quer com o princípio 
 da presunção de inocência do arguido. Daqui decorre que o legislador ordinário, 
 no cumprimento dessa incumbência, está sujeito a um princípio de razoabilidade, 
 
 ínsito no princípio da proporcionalidade (artigo 18.º, n.º 2, da CRP), e 
 próximo do requisito do “prazo razoável” a que alude o n.º 3 do artigo 5.º da 
 Convenção Europeia dos Direitos do Homem. 
 
                         J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da 
 República Portuguesa Anotada, 3.ª edição, Coimbra, 1993, p. 190), em anotação à 
 redacção originária do preceito, referiam:
 
  
 
             “A prisão preventiva não pode deixar de ser temporalmente limitada 
 
 (n.º 4) e, de acordo com a sua natureza, estritamente limitada. Antes da 
 formação da culpa, porque não pode deixar de ser pequeno o tempo em que é 
 tolerável que se mantenha privado da liberdade quem, sendo embora arguido de um 
 crime, não está ainda pronunciado ou acusado; depois da formação da culpa, 
 porque mesmo depois disso se mantém a presunção de inocência, devendo o 
 julgamento ocorrer dentro do prazo mais curto possível (artigo 32.º, n.º 2), com 
 libertação do acusado ou início de cumprimento da pena de prisão que haja de 
 cumprir.
 
             É constitucionalmente duvidoso o alargamento dos prazos com base na 
 complexidade do processo e características dos crimes («processos 
 monstruosos»), mas, de qualquer modo, impõe-se aqui a observância estreita do 
 princípio da proibição do excesso.”
 
  
 
                         Mais recentemente e reflectindo já a jurisprudência do 
 Tribunal Constitucional sobre a matéria, Jorge Miranda e Rui Medeiros 
 
 (Constituição Portuguesa Anotada, tomo I, Coimbra, 2005, p. 321) assinalam:
 
  
 
             “VII – A prisão preventiva está sujeita aos prazos estabelecidos na 
 lei.
 
             Esta regra exprime, antes de mais, a exigência, derivada da natureza 
 excepcional da prisão preventiva, de que ela seja temporalmente delimitada (v. 
 Acórdão n.º 246/99, embora os prazos se contem para cada processo: Acórdãos n.ºs 
 
 298/99 e 584/01), o que tem como consequência que não pode haver hiatos 
 temporais subtraídos à contagem desses prazos, sob pena de estes serem 
 subvertidos (Acórdão n.º 137/92).
 
             Por outro lado, os prazos de prisão preventiva estão sujeitos ao 
 princípio geral de proporcionalidade (Acórdãos n.ºs 137/92 e 246/99), muito 
 embora, tal como sucede em casos semelhantes, não seja fácil precisar as 
 exigências concretas que daí derivam para a exacta situação da fronteira entre o 
 constitucionalmente lícito e o constitucionalmente vedado (v., ilustrativo, o 
 Acórdão n.º 246/99).”
 
  
 
                         2.3. O Tribunal Constitucional nunca foi directamente 
 confrontado com a questão de constitucionalidade que constitui objecto do 
 presente recurso. No entanto, já teve oportunidade de emitir pronúncia sobre 
 questões relativas à prisão preventiva, de que é possível extrair contributos 
 
 úteis parta a decisão do presente caso.
 
                         Assim, logo no Acórdão n.º 246/99 (que não julgou 
 inconstitucional a norma que resulta da conjugação do n.º 3 do artigo 54.º do 
 Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, e do n.º 3 do artigo 215.º do CPP, 
 segundo a qual, quando o procedimento respeita aos crimes de tráfego de droga, 
 desvio de precursores, branqueamento de capitais ou de associação criminosa, os 
 prazos máximos da prisão preventiva são, ope legis, os referidos no n.º 3 do 
 artigo 215.º do CPP, sem necessidade da qualificação do processo, por despacho 
 judicial, como de excepcional complexidade, estando em causa nesses autos o 
 prazo de prisão preventiva até dedução da acusação), o Tribunal Constitucional 
 salientou a natureza excepcional da prisão preventiva, expressamente consagrado 
 no n.º 2 do artigo 28.º da CRP desde a revisão de 1997, a que está ligado o seu 
 carácter subsidiário (mesmo n.º 2) e temporalmente limitado (n.º 4), tendo 
 entendido que este último carácter (único em causa no recurso) não era violado 
 pelas normas impugnadas, “porque o alargamento dos prazos não equivale, como é 
 
 óbvio, ao seu afastamento, à admissão de prisão preventiva independentemente de 
 limites temporais ou à fixação de limites tão dilatados que, na prática, o 
 frustrassem”. Também na perspectiva do respeito pelo princípio da 
 proporcionalidade, a que deve obedecer o regime legal da prisão preventiva por 
 constituir uma restrição constitucionalmente admitida do direito à liberdade, o 
 Tribunal Constitucional emitiu juízo de não inconstitucionalidade, porquanto, 
 
 “tendo em conta a natureza dos crimes imputados, os bens jurídicos postos em 
 perigo e o risco de continuação da actividade criminosa, entre outras 
 considerações, afigura-se constitucionalmente legítima, porque respeitadora do 
 princípio da proporcionalidade, a elevação de prazo indicada” (de 8 para 12 
 meses).
 
                         No Acórdão n.º 137/92 teve oportunidade o Tribunal 
 Constitucional de afirmar ser incompatível com a imposição constitucional da 
 fixação legal dos prazos da prisão preventiva a interpretação da norma do artigo 
 
 273.º, § 2.º, do Código de Processo Penal de 1929, na redacção do Decreto-Lei 
 n.º 402/82, de 23 de Setembro, que fora feita no acórdão então recorrido, do 
 Supremo Tribunal de Justiça, de que o prazo de 3 anos “após a formação da culpa” 
 coincide com o trânsito em julgado do despacho de pronúncia, enquanto o prazo 
 relativo à fase precedente, fixado no § 2.º do artigo 308.º, que se iniciava com 
 a notificação ao arguido da acusação ou do pedido de instrução contraditória 
 pelo Ministério Público, terminava com a prolação do despacho de pronúncia, 
 pois essa interpretação implicava o surgimento de um “hiato” na contagem dos 
 prazos de prisão preventiva – abarcando o período entre a prolação do despacho 
 de pronúncia e o seu trânsito em julgado, de duração imprevisível, dependente 
 das vicissitudes dos recursos interpostos desse despacho –, que subverteria a 
 limitação legal do tempo de prisão preventiva imposta pelo artigo 28.º, n.º 4, 
 da CRP.
 
                         Mas – como se decidiu no Acórdão n.º 584/2001 – já não 
 existe obstáculo constitucional a que um arguido, cuja libertação foi 
 determinada na sequência da concessão da providência de habeas corpus por 
 excesso de prisão preventiva verificada num processo, possa continuar detido à 
 ordem de outro processo penal. É que a Constituição não exige um prazo máximo de 
 prisão preventiva quando estejam em causa vários processos sem conexão entre si, 
 mas sim que “a medida de coacção prisão preventiva, quando aplicada em 
 determinado processo, esteja subordinada aos prazos previstos na lei 
 ordinária”, acrescentando-se: “E os prazos estabelecidos na lei ordinária, 
 nomeadamente no artigo 215.º, são-no, não só para as diversas fases processuais 
 nele consideradas (pelo que, por exemplo, libertado um arguido em virtude de, 
 numa dessas fases, ter atingido o correspondente limite da prisão, pode o mesmo 
 voltar a ser preso se se passar a outra fase e se mantiverem as razões para 
 determinar a sua prisão, desde que se não tenha ainda adquirido o máximo global 
 referido), como, sobretudo, estão fixados para terem a sua valência 
 relativamente a cada processo em concreto”.
 
                         Finalmente, no Acórdão n.º 13/2004, o Tribunal 
 Constitucional julgou inconstitucionais, por violação do n.º 4 do artigo 28.º 
 da CRP, as normas constantes dos artigos 215.º, n.ºs 1 a 3, e 217.º, ambos do 
 CPP, “numa dimensão interpretativa de acordo com a qual a prolação de despacho 
 judicial a declarar de especial complexidade o procedimento por um dos crimes 
 referidos no n.º 2 daquele artigo 215.º, prolação essa efectuada após ter 
 decorrido o prazo máximo de duração da prisão preventiva prevista nos n.ºs 1 e 2 
 do mesmo artigo, não explica a extinção daquela medida de coacção”. No caso, em 
 que já fora excedido o prazo máximo de 30 meses de prisão preventiva sem que 
 tivesse havido trânsito em julgado da condenação por crime referido no n.º 2 do 
 artigo 215.º, a atribuição de “efeito retroactivo” à prolação posterior de 
 despacho a declarar a excepcional complexidade do processo, o que acarretaria 
 a ampliação daquele prazo máximo para 4 anos e a “convalidação” do excesso 
 cometido, significava – no juízo do Tribunal – retirar eficácia prática ao 
 comando constitucional.
 
  
 
                         2.4. Recordada a jurisprudência relevante do Tribunal 
 Constitucional sobre a matéria, importa salientar que o legislador processual 
 penal de 1987 adoptou modelo diverso do até então vigente quanto à fixação dos 
 limites máximos de prisão preventiva.
 
                         Na vigência do Código de Processo Penal de 1929 e suas 
 diversas modificações, adoptou-se o sistema de fixação de prazos máximos de 
 prisão preventiva directamente correspondentes a cada fase processual. Esses 
 prazos eram, na redacção do artigo 308.º dada pelo Decreto-Lei n.º 377/77, de 6 
 de Setembro, e do artigo 273.º, na redacção do Decreto-Lei n.º 402/82, de 23 de 
 Setembro: 1.º – desde a captura até à notificação ao arguido da acusação ou do 
 pedido de instrução contraditória pelo Ministério Público: 40 dias por crimes a 
 que caiba pena de prisão maior; 90 dias por crimes cuja investigação caiba 
 exclusivamente à Polícia Judiciária ou que legalmente lhe seja deferida; 2.º – 
 desde a notificação ao arguido da acusação ou do pedido de instrução 
 contraditória pelo Ministério Público até ao despacho de pronúncia em 1.ª 
 instância: 4 meses, se ao crime couber pena a que corresponda processo de 
 querela; 3.º – após a formação da culpa: 3 anos (ou, se terminarem antes, 
 quando se igualar metade da duração máxima da pena correspondente ao crime mais 
 grave imputado ao arguido, ou, no caso de recurso da decisão condenatória, 
 quando se atingir a duração da pena de prisão fixada na decisão recorrida). 
 Neste regime, não havia “transferências” de tempos de prisão preventiva: se esta 
 fosse determinada apenas após a notificação da acusação, aplicava-se o prazo 
 indicado em 2.º lugar, sendo indiferente que na fase precedente o arguido 
 tivesse estado em liberdade.
 
                         O regime instituído pelo Código de Processo Penal de 
 
 1987 é diverso, pois não há contagens separadas de prazos para cada fase. O 
 prazo conta-se sempre do início da prisão preventiva, mas não pode exceder 
 certos limites (acumulados) reportados a quatro marcos processuais: 1.º - 
 dedução da acusação; 2.º – prolação de decisão instrutória quando tenha havido 
 instrução; 3.º – condenação em 1.ª instância; 4.º – trânsito em julgado da 
 condenação. A estes quatro marcos aplicam-se três regimes: o normal (6, 10 e 18 
 meses e 2 anos), o especial atendendo à gravidade dos crimes (8 meses, 1 ano, 
 
 2 anos e 30 meses) e o excepcional quando a essa gravidade dos crimes acresce a 
 excepcional complexidade do procedimento (12 e 16 meses e 3 e 4 anos) – n.ºs 1, 
 
 2 e 3 do artigo 215.º do CPP. Como refere Germano Marques da Silva (Curso de 
 Processo Penal, vol. II, 2.ª edição, Lisboa, 1999, p. 289):
 
  
 
 “Não há um prazo de prisão preventiva para cada fase processual, há é um limite 
 máximo de duração da prisão preventiva até que se atinja determinado momento 
 processual. Por isso, se o início da prisão preventiva só se verificar já na 
 fase de instrução ou na de julgamento, os limites máximos até à decisão 
 instrutória, condenação em 1.ª instância ou decisão transitada continuam a ser 
 os mesmos. Por idêntica razão, se numa determinada fase se tiver esgotado o 
 limite do prazo de duração da prisão, o arguido pode voltar a ser preso se se 
 passar a outra fase e se se mantiverem as razões para determinar a sua prisão, 
 desde que se não tenha ainda atingido o máximo da correspondente fase.”
 
  
 
                         Na base desta alteração de sistema terá estado o 
 propósito de promover o andamento sem delongas do processo, incentivando os 
 respectivos responsáveis a respeitar os prazos de conclusão de cada fase, sob 
 risco de insubsistência de uma prisão preventiva tida por essencial para a 
 prossecução dos objectivos da justiça criminal. Não se ignora a existência de 
 críticas ao sistema, quer com base em juízos de excesso de alguns dos prazos, 
 quer pela deficiente correspondência entre os prazos máximos de prisão 
 preventiva e os prazos normais de conclusão da cada fase processual (cf. 
 Fernando Gonçalves e Manuel João Alves, A Prisão Preventiva e as Restantes 
 Medidas de Coacção – A Providência do Habeas Corpus em Virtude de Prisão Ilegal, 
 Coimbra, 2003, pp. 146-147; Frederico Isasca, “A prisão preventiva e as 
 restantes medidas de coacção”, na Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 
 
 13, n.º 3, Julho-Setembro 2003, pp. 365-385, e em Maria Fernanda Palma (coord.), 
 Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais, Coimbra, 2004, pp. 
 
 99-118; e Eduardo Maia Costa, “Prisão preventiva: medida cautelar ou pena 
 antecipada?”, Revista do Ministério Público, ano 24.º, n.º 96, Outubro-Dezembro 
 
 2003, pp. 91-106). Como também não se ignora a apresentação na Assembleia da 
 República, durante a anterior Legislatura, dos Projectos de Lei n.º 424/IX, do 
 Bloco de Esquerda, e n.º 519/IX, do Partido Socialista, e da Proposta de Lei 
 n.º 150/IX (Diário da Assembleia da República, II Série-A, IX Legislatura, 2.ª 
 Sessão Legislativa, n.º 50, de 3 de Abril de 2004, pp. 2214-2219, e 3.ª Sessão 
 Legislativa, n.º 20, de 3 de Dezembro de 2004, pp. 6-267, e n.º 17, de 20 de 
 Novembro de 2004, pp. 20-40, respectivamente), com os declarados objectivos de 
 aperfeiçoar a correspondência entre os limites máximos de prisão preventiva e a 
 duração normal das fases processuais respectivas e de reduzir a extensão de 
 alguns prazos, sobretudo os mais elevados.
 
                         No entanto, apesar dos ajustamentos pontuais que se 
 venham a mostrar convenientes, em sede de política legislativa, permanece a 
 ideia central do novo sistema de fazer coincidir, ao menos tendencialmente, a 
 duração máxima (acumulada) de prisão preventiva com o atingir do termo das 
 sucessivas fases processuais. Os 6, 8 e 12 meses de limite máximo de prisão 
 preventiva até dedução de acusação correspondem aos 6, 8 e 12 meses de duração 
 do inquérito em correspondentes situações (artigo 276.º, n.º 1, primeira parte, 
 e n.º 2, alíneas a) e c)). O acréscimo de 4 meses do limite máximo de prisão 
 preventiva, em todas as situações, até prolação da decisão instrutória, toma em 
 atenção os prazos máximos de 2 e 3 meses para conclusão da instrução, que só se 
 inicia com o requerimento para abertura de instrução, a apresentar no prazo de 
 
 20 dias a contar da notificação da acusação e a que acresce o prazo de 10 dias 
 para prolação do despacho de pronúncia (artigos 306.º, n.ºs 1, 2 e 3, 287.º, n.º 
 
 1, e 307.º, n.º 3, todos do CPP). É dentro desta lógica que se fixou o 
 prolongamento da duração máxima da prisão preventiva por mais 8, 12 e 20 meses, 
 tempo estimado como eventualmente necessário para conclusão do julgamento em 1.ª 
 instância, e por mais 6, 6 e 12 meses, tempo estimado para conclusão das fases 
 de recursos até se atingir o trânsito em julgado.
 
                         No presente recurso, porém, não está em causa a 
 apreciação da conformidade constitucional do regime global da prisão preventiva 
 e da sua duração, mas apenas a da específica interpretação normativa acolhida 
 no acórdão recorrido.
 
                         Ora, neste aspecto, não se vislumbra fundamento para 
 emissão de juízo de inconstitucionalidade. Trata-se de um prazo fixado na lei, 
 de acordo com uma interpretação desta, que, independentemente do juízo sobre a 
 sua correcção, tem na letra da lei suporte suficiente, e não se mostra 
 incongruente com a aventada justificação do sistema instituído de duração da 
 prisão preventiva, nem desrazoável, tendo em atenção os factores relevantes de 
 estar em causa crime de especial gravidade e procedimento de excepcional 
 complexidade.      
 
                         Aliás, o recorrente não suscita, em rigor, a questão da 
 inconstitucionalidade nem do limite de 3 anos de duração máxima de prisão 
 preventiva até à condenação em primeira instância, nem do limite de 4 anos até 
 ao trânsito em julgado da condenação, tratando-se de situação prevista no n.º 
 
 3 do artigo 215.º do CPP, mas apenas o entendimento de que a anulação daquela 
 condenação não tem como efeito o regresso ao primeiro limite. Mas esse 
 entendimento, além de se mostrar juridicamente fundado na distinção entre os 
 efeitos da nulidade e da inexistência (cf., sobre o tema, João Conde Correia, 
 Contribuição para a Análise da Inexistência e das Nulidades Processuais Penais, 
 Coimbra, 1999), mostra-se adequado aos objectivos do legislador, pois respeita 
 a intenção de o processo chegar à fase da condenação em 1.ª instância sem 
 ultrapassar três anos de prisão preventiva, e não se mostra directamente 
 violador de qualquer norma ou princípio constitucionais.
 
                         A regra de que a nulidade torna inválido o acto em que 
 se verificar, bem como os que dele dependerem e aquela puder afectar (artigo 
 
 122.º, n.º 1, do CPP), se torna insubsistentes os efeitos típicos do acto nulo 
 e os dele indissociáveis (no caso, a aplicação de uma pena e eventualmente a 
 fixação de uma indemnização), não determina o total apagamento de uma actividade 
 processual efectivamente desenvolvida nem dos efeitos ligados a essa realidade. 
 Nesta perspectiva, assume relevo próprio a efectiva realização de um julgamento, 
 por um tribunal, em audiência pública, com produção de prova, sujeita ao 
 princípio do contraditório, que culmina com uma sentença condenatória. A “mera” 
 realização desta actividade, independentemente das vicissitudes que as fases 
 posteriores do processo venham a registar, representa uma significativa e 
 relevante realidade jurídica, constituindo mesmo, em certa perspectiva, o 
 momento culminante do processo, e traduz também a satisfação de direitos do 
 arguido, desde logo o direito a “ser julgado no mais curto prazo compatível com 
 as garantias de defesa”, constitucionalmente consagrado no artigo 32.º, n.º 2, 
 da CRP. Esta realidade, que representa o atingir de uma fase específica do 
 processo penal, não “desaparece” totalmente pela eventualidade de o julgamento 
 vir a ser anulado. Esta anulação, que aliás pode ser total ou meramente parcial, 
 com reenvio do processo apenas para novo julgamento das questões concretamente 
 identificadas na decisão de recurso, tal como a confirmação, alteração ou 
 revogação da decisão recorrida, inserem-se já noutra fase processual, a fase 
 dos recursos, cujo prazo máximo de prisão preventiva é o fixado na alínea d), e 
 não na alínea c), do n.º 1 do artigo 215.º do CPP. A solução que admitisse o 
 
 “retrocesso” à duração máxima prevista na alínea c) encontraria dificuldades no 
 caso de anulação parcial, em que podem coincidir, no mesmo processo e 
 relativamente ao mesmo arguido, decisões já confirmadas pelo tribunal de recurso 
 e decisões reenviadas para novo julgamento.
 
                         Embora a intervenção do Tribunal Europeu dos Direitos 
 do Homem se insira numa perspectiva diferente da do Tribunal Constitucional 
 
 (esta incidindo sobre a constitucionalidade de normas e aquela sobre o respeito 
 pela Convenção Europeia dos Direitos do Homem por parte de práticas judiciárias 
 concretas, em que as particularidades de cada caso são especialmente 
 relevantes), não deixam de ser relevantes as considerações tecidas na 
 jurisprudência daquele Tribunal a propósito do requisito do prazo razoável 
 mencionado no n.º 3 do artigo 5.º da referida Convenção (cf. o número especial 
 sobre esse tema da Revue Trimestrielle des Drois de l’Homme, ano 2.º, n.º 5, 
 Janeiro 1991; e Irineu Cabral Barreto, A Convenção Europeia dos Direitos do 
 Homem, 2.ª edição, Coimbra, 1999, pp. 106-109), e também a essa luz não se 
 afigura que a interpretação normativa em causa viole o princípio da 
 razoabilidade, ínsito no princípio da proporcionalidade.
 
                         Segundo a jurisprudência do Tribunal Europeu dos 
 Direitos do Homem, o período de tempo a considerar como prisão preventiva 
 
 “termina com a decisão, em primeira instância, sobre o mérito da acusação” 
 
 (Irineu Cabral Barreto, obra citada, p. 107, com citação de diversa 
 jurisprudência nesse sentido), o que está associado ao entendimento de que o que 
 o n.º 3 do artigo 5.º da Convenção garante é que qualquer pessoa presa ou detida 
 tem direito a ser julgada num prazo razoável. Este julgamento é o julgamento em 
 
 1.ª instância; efectuado este, entra-se já na fase dos recursos e aí a regra que 
 valerá é a do artigo 6.º, n.º 1, sendo sabido que prazo razoável para efeitos 
 do artigo 5.º, n.º 3, é diferente de prazo razoável para efeitos do artigo 6.º, 
 n.º 1 (cf. autor e local citados). 
 
                         Salvo o devido respeito pela opinião adversa, o decidido 
 pelo Tribunal Constitucional nos Acórdãos n.ºs 13/2004 e 483/2002, citados nas 
 alegações do Ministério Público, versa sobre situações diversas: no primeiro, já 
 atrás referido, estava em causa a aplicação “retroactiva” da decisão de 
 especial complexidade proferida já depois de esgotado o prazo máximo de prisão 
 preventiva consentido pelo n.º 2 do artigo 215.º do CPP; no segundo, 
 entendeu-se que, para efeitos de interrupção da prescrição de procedimento 
 criminal, “não bastará (...) atender-se à ocorrência de uma mera formalidade 
 tabeliónica e instrumental desprendida da substancial validade do acto por 
 intermédio do qual o Estado manifesta a sua vontade de punir”. No presente 
 caso, está o entendimento de que, atingida, sem excesso de prisão preventiva, a 
 fase processual de condenação em 1.ª instância, as vicissitudes que em sede de 
 recurso dessa condenação venham a surgir, já se inserem na fase seguinte, a que 
 se aplica a alínea d) do n.º 1 do citado artigo 215.º. Quanto à razoabilidade 
 do prazo considerado aplicável pela decisão recorrida, basta ponderar que se, 
 por hipótese, o mesmo estivesse explicitamente consagrado na lei (isto é, se o 
 CPP dissesse explicitamente que o prazo máximo de prisão preventiva para este 
 tipo de processos e crimes era de 3 anos até à conclusão do julgamento em 1.ª 
 instância, independentemente de eventuais anulações), ele não se apresentaria 
 como inconstitucional, por violação do princípio da proporcionalidade.
 
  
 
                         3. Decisão
 
                         Em face do exposto, acordam em:
 
                         a) Não julgar inconstitucional a norma constante do 
 artigo 215.º, n.º 1, alínea c), com referência ao n.º 3, do Código de Processo 
 Penal, na interpretação que considera relevante, para efeitos de 
 estabelecimento do prazo máximo de duração da prisão preventiva, a sentença 
 condenatória proferida em 1.ª instância, mesmo que, em fase de recurso, venha a 
 ser anulada por decisão do Tribunal da Relação; e, consequentemente,
 
                         b) Negar provimento ao recurso, confirmando a decisão 
 recorrida, na parte impugnada.
 
                         Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 
 
 20 (vinte) unidades de conta.
 
  
 Lisboa, 22 de Julho de 2005.
 Mário José de Araújo Torres (Relator)
 Benjamim Silva Rodrigues
 Paulo Mota Pinto (Vencido nos termos da declaração de voto em anexo)
 Maria Fernanda Palma (Vencida nos termos da declaração de voto junta)
 Rui Manuel Moura Ramos
 
  
 
  
 
  
 Declaração de voto
 
  
 
  
 Votei vencido por se me afigurar que a interpretação normativa em análise viola 
 as disposições conjugadas dos artigos 18.º, n.º 2, 27.º, n.º 3, e 28.º, n.º 4, 
 da Constituição. Numa matéria com efeitos tão gravosos como a que está em causa, 
 entendo que deve observar-se estritamente uma exigência de legalidade das 
 medidas restritivas da liberdade. Julgo que é também isso que resulta dos artigo 
 
 27.º, n.º 3, e 28.º, n.º 4, da Constituição (este ao dispor que a “prisão 
 preventiva está sujeita aos prazos estabelecidos na lei”). Ora, para além de ser 
 muito duvidoso que a equiparação a actos válidos (ainda que sob recurso) de um 
 julgamento e de uma condenação nulos tenha apoio na lei – não bastando para o 
 afirmar a invocação da distinção entre inexistência e nulidade –, a suficiência 
 de tal julgamento e condenação nulos (no presente caso, anulados ambos por duas 
 vezes), para o prolongamento da prisão preventiva, parece-me abrir a porta a 
 efeitos desproporcionados, ou, mesmo a manipulações e a resultados arbitrários 
 afectando a liberdade do arguido. Tendo votado favoravelmente o acórdão n.º 
 
 483/2002 (inconstitucionalidade da suficiência da notificação de uma decisão 
 instrutória inválida para interrupção da prescrição do procedimento criminal), 
 dificilmente poderia, aliás, deixar de extrair consequência idêntica no presente 
 caso, em que está em questão um efeito bem mais gravoso (a manutenção, após 
 julgamento e condenação nulos, de uma prisão preventiva já com três anos).
 
  
 Paulo Mota Pinto
 
  
 Declaração de voto
 
  
 
  
 
 1.  No presente processo, o recorrente coloca o problema da eventual violação 
 dos artigos 27º, nº 1, 28º, nº 4, 30º,nº 1, e 32º, nº 2, in fine, da 
 Constituição pela interpretação segundo a qual uma condenação em primeira 
 instância proferida em julgamento anulado é passível de promover o aumento para 
 quatro anos do prazo de prisão preventiva, nos termos do disposto no artigo 
 
 215º, nºs 1, alínea c), e 3, do Código de Processo Penal. O critério normativo 
 que constituiu ratio decidendi do acórdão impugnado pelo presente recurso de 
 constitucionalidade corresponde a uma interpretação da alínea c) do nº 1 do 
 artigo 215º do Código de Processo Penal que inclui na locução “condenação em 
 primeira instância” uma condenação anulada em sede de recurso ordinário. 
 Não está agora em causa, de modo directo, a admissibilidade dos prazos máximos 
 de prisão preventiva estabelecidos por lei ou a razoabilidade de um regime que 
 faça depender tais prazos da conclusão de determinadas fases processuais – 
 inquérito, instrução e audiência de julgamento, nos termos das alíneas a), b) e 
 c), respectivamente, do nº 1 do artigo 215º do Código de Processo Penal. Está 
 apenas em crise a equiparação entre condenações válidas e inválidas para efeitos 
 de contagem dos referidos prazos.
 
  
 
 2.  As normas contidas no nº 1 do artigo 215º do Código de Processo Penal fazem 
 depender o prazo da prisão preventiva do avolumar de indícios que, não 
 invertendo a presunção de inocência (artigo 32º, nº 2, da Constituição), a 
 enfraquecem. Assim se explica a relevância atribuída à acusação e à condenação – 
 e não simplesmente à conclusão do inquérito ou da audiência de julgamento – nas 
 alíneas a) e c) do nº 1 do artigo 215º Código de Processo Penal.
 Por conseguinte, não está só em causa o andamento do processo e o estádio 
 atingido – critério à luz do qual seria na realidade irrelevante a existência de 
 acusação ou condenação válidas –, mas também a prolação de decisões 
 desfavoráveis ao arguido que apreciaram os indícios ou as provas contra ele 
 aduzidos. Do mesmo modo se explica, aliás, que qualquer sentença absolutória 
 
 (não transitada em julgado) implique a extinção da prisão preventiva e das 
 demais medidas de coacção, por força da alínea d) do nº 1 do artigo 214º do 
 Código de Processo Penal.
 
  
 
 3.  Conclui-se, pois, que o regime vigente no Código de Processo Penal não 
 assenta apenas na extensão do iter processual mas ainda – e principalmente – no 
 modo de desfecho das suas fases. Tem razão, por isso, o presente Acórdão quando 
 assinala que os prazos não variam (ou seja, o prazo máximo é, por exemplo, de 
 seis meses até à acusação, abstraindo da altura em que a medida de coacção foi 
 imposta) mesmo que a prisão preventiva não tenha sido aplicada desde o início do 
 processo. 
 Todavia, esse argumento de modo nenhum favorece a tese consagrada no Acórdão. 
 Ele prova, repete-se, que não é só a morosidade do processo que justifica o 
 alargamento dos prazos de prisão preventiva mas também, e sobretudo, o avolumar 
 de indícios ou provas contra o arguido. Ora, nesta perspectiva, não faz sentido 
 equiparar uma condenação válida a uma condenação inválida.
 
  
 
 4.  Poder-se-á objectar que a Constituição não impõe prazos “faseados” para a 
 prisão preventiva, sendo concebível até um prazo máximo invariável, tal como 
 sucede quanto à detenção (artigo 28º, nº 1, da Constituição). Assim, toda a 
 discussão sobre a possibilidade de equiparar condenações válidas e inválidas 
 neste domínio situar-se-ia, por implicação lógica, num plano 
 infraconstitucional.
 Mas esta objecção não procede por duas razões fundamentais. A primeira razão 
 resulta, desde logo, da extensão dos prazos previstos no Código de Processo 
 Penal: como se poderiam aceitar prazos de quatro e até de quatro anos e meio 
 para a prisão preventiva sem ter sido sequer deduzida acusação, ante uma norma 
 constitucional que prescreve a excepcionalidade desta medida de coacção (artigo 
 
 28º, nº 1)? A segunda razão advém da impossibilidade lógica e valorativa de 
 equiparar condenações válidas e inválidas, em prejuízo do arguido, à luz das 
 garantias de defesa e da presunção de inocência (artigo 32º, nºs 1 e 2, da 
 Constituição).
 
  
 
 5.  Um processo justo e equitativo – o due process de que fala a doutrina 
 anglo-saxónica – não pode seleccionar efeitos da anulação judicial de um 
 julgamento e de uma condenação em prejuízo do arguido invalidamente condenado. E 
 muito menos pode negar os efeitos da anulação em matérias que se “prendam 
 directamente com os direitos fundamentais” (isto, para usar a linguagem de que o 
 legislador constitucional se prevalece no nº 4 do artigo 32º), como sucede com a 
 prisão preventiva e o direito à liberdade.
 Por mais respeitáveis que sejam, em abstracto, os desígnios de política criminal 
 que lhe presidam, uma tal manipulação dos efeitos da anulação reconduz-se sempre 
 a uma afectação da confiança processual, fazendo recair sobre o arguido as 
 consequências de vícios do julgamento que são imputáveis aos próprios tribunais. 
 E essa afectação é incompatível com a ideia de Estado de direito democrático 
 
 (artigo 2º da Constituição).
 
  
 
 6.  Apenas se admite, apesar da genérica eficácia retroactiva que é reconhecida 
 ao instituto da anulabilidade (artigo 289º, nº 1, do Código Civil), que a 
 sentença condenatória valha, antes da anulação, como se fosse válida também para 
 os efeitos do artigo 215º do Código de Processo Penal, diferentemente do que 
 sucederia no caso de inexistência. Mas jamais se poderá ficcionar, após a 
 anulação, a subsistência de tal sentença como se fosse válida.
 Assim, uma interpretação da alínea c) do nº 1 do artigo 215º do Código de 
 Processo Penal (e também dos nºs 2, 3, e 4 do mesmo artigo na parte em que 
 remetem para ela) que inclua na locução “condenação em primeira instância” 
 condenações já anuladas deve ter-se como materialmente inconstitucional, ao 
 contrário do que se conclui no presente Acórdão.
 
  
 
 7.  A posição que subscrevo insere-se, de resto – e até por maioria de razão, 
 como sublinhou, nas suas contra-alegações, o representante do Ministério Público 
 no Tribunal Constitucional –, na orientação deste Tribunal quanto à interrupção 
 do prazo de prescrição do procedimento criminal (cf. Acórdão nº 483/02, de 20 de 
 Novembro).
 Com efeito, nesse aresto (em que se verificaram votos de vencido, incluindo o 
 meu próprio, mas por razões estranhas à orientação consensual que agora se 
 evoca), julgou-se inconstitucional a interpretação normativa que conduzira a ter 
 por interrompido o prazo prescricional com o acto de notificação de um despacho 
 de pronúncia que depois foi considerado inválido. Ora, no âmbito da prisão 
 preventiva não está em causa matéria com menor dignidade na perspectiva dos 
 direitos fundamentais e os efeitos da anulação projectam-se para o futuro, em 
 vez de se confinarem a um singular momento processual situado no passado, ao 
 tempo do qual a invalidade não era ainda conhecida (como sucede, precisamente, 
 com a notificação do despacho de pronúncia).
 
  
 
 8.  Ante o exposto, votei contra o juízo de não inconstitucionalidade constante 
 do presente Acórdão por entender que a interpretação do artigo 215º, nºs 1, 
 alínea c), e 3, do Código de Processo Penal realizada pelo Supremo Tribunal de 
 Justiça viola as disposições conjugadas dos artigos 32º, nºs 1 e 2, e 2º da 
 Constituição.
 
  
 
  
 Votei ainda vencida por entender que a referida interpretação normativa 
 contraria o disposto nos artigos 27º, nºs 1 e 3, alínea b), e 28º, nº 4, da 
 Constituição. Estas normas, ao remeterem para a lei a regulação da prisão 
 preventiva, impõem uma observância estrita do princípio da legalidade e 
 proscrevem interpretações (extensivas) que não correspondem ao sentido normal 
 das palavras e “roçam” a analogia (artigo 9º, nº 2), para além de ignorarem a 
 ratio essendi da excepcionalidade desta medida de coacção.
 
  
 Maria Fernanda Palma